Cristina Toshie Lucena Nishio - Biblioteca Digital de Teses e ...
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Barthes alcança aquilo que tanto procurava, a essência da imagem fotográfica, o<br />
que a singulariza <strong>de</strong>ntre tantas outras: a inscrição do tempo, a marca <strong>de</strong>ixada por ele em<br />
imagem. A imagem fotográfica necessita do tempo para inscrever-se. E surge como uma<br />
espécie <strong>de</strong> vestígio <strong>de</strong> sua passagem. Um traço <strong>de</strong> seu eterno movimento <strong>de</strong>ixado na<br />
impressão química do instante fotográfico. “O que vejo não é uma lembrança, uma<br />
imaginação, uma reconstituição, um pedaço da Maia, como a arte prodigaliza, mas o real<br />
no estado passado: a um só tempo o passado e o real.” (ibi<strong>de</strong>m, p. 124) Em última<br />
instância, o punctum é essa tensão <strong>de</strong> um instante do passado eternamente presente na<br />
imagem: um instante congelado do tempo. A repetição constante <strong>de</strong>sse instante passado na<br />
imagem que insiste em se fazer presente diante do spectator, sem qualquer possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
mutação. Uma presença que não se transforma, que não se altera mais. Um instante do<br />
tempo fora do tempo.<br />
“A fotografia é violenta: não porque mostra violências, mas porque a cada<br />
vez enche <strong>de</strong> força a vista e porque nela nada po<strong>de</strong> se recusar, nem se<br />
transformar (que às vezes se possa dizer que é doce não contradiz sua<br />
violência; muitos dizem que o açúcar é doce; mas eu o acho, o açúcar,<br />
violento).” (Barthes, op. cit, p. 136 et seq.)<br />
Bazin (1983) já havia comentado sobre esse mal-estar da fotografia ao citar o<br />
“embalsamamento como um fato fundamental <strong>de</strong> sua gênese”, em resposta ao <strong>de</strong>sejo<br />
humano <strong>de</strong> orientar-se “contra a morte”, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo-se do tempo. Na origem das imagens<br />
realistas (não só as fotografias, como também as pinturas configuradas em perspectiva), ele<br />
já <strong>de</strong>tectava o “complexo da múmia”, na tentativa <strong>de</strong> “salvar o ser pela aparência”. Mas<br />
Barthes vai além. Ao colocar-se diante da fotografia <strong>de</strong> sua mãe, que acabara <strong>de</strong> morrer,<br />
ele constata que, ao invés <strong>de</strong> vencer o tempo, o que a fotografia consegue mesmo é afirmar<br />
sua soberania: “A fotografia não fala daquilo que não é mais, mas apenas e com certeza<br />
daquilo que foi [grifo do autor]” (ibi<strong>de</strong>m, p. 127), “um real que não se po<strong>de</strong> mais tocar”<br />
(ibi<strong>de</strong>m, p. 130) “A fotografia não rememora o passado. O efeito que ela produz em mim<br />
não é o <strong>de</strong> restituir o que é abolido (pelo tempo, pela distância), mas o <strong>de</strong> atestar que o que<br />
vejo <strong>de</strong> fato existiu. (ibi<strong>de</strong>m, p. 123) “A foto do ser <strong>de</strong>saparecido vem me tocar como os<br />
raios retardatários <strong>de</strong> uma estrela.” (ibi<strong>de</strong>m, p. 121) Ele constata, na imagem, o<br />
“esmagamento do Tempo: isso está morto, isso vai morrer” (ibi<strong>de</strong>m, p. 142). A tensão<br />
absoluta do punctum na fotografia refere-se ao tempo extraído do tempo; presente na<br />
imagem. A dor <strong>de</strong> Roland Barthes é constatar que sua mãe está ali, diante <strong>de</strong>le, pela<br />
imagem, e, ao mesmo tempo, não está mais; não po<strong>de</strong>rá estar mais ali diante <strong>de</strong>le, pois ela<br />
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