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Diante da imagem, uma dúvida persistia, por causa da presença do homem.” (Bazin, 1983, p. 124) A substituição das regras matemáticas que fundamentam a perspectiva artificialis pelo uso da câmara obscura passa a pressupor esse vínculo entre o objeto e a representação como condição básica para a produção da imagem: é necessário que o objeto a ser representado esteja ali, diante da câmara obscura, para que a imagem luminosa se projete dentro do dispositivo. Mas, ainda assim, o pintor determina a materialização dessa imagem, pintando-a por inteiro com suas próprias mãos. O pintor continua a deixar impresso, na materialidade da imagem, a marca da sua subjetividade. (Dubois, 1999) Ele continua a interferir livremente no vínculo inicial que há entre ela e o objeto representado, podendo mesmo apagar nela os indícios desse vínculo. Com o surgimento da técnica de fixação química da imagem que se projeta no interior da câmara obscura, essa situação se modifica. A existência real do objeto que se encontra representado na imagem torna-se inquestionável. “Na fotografia, jamais posso negar que a coisa esteve lá.” (Barthes, 1984, p. 114) Ela ganha “credibilidade”. (Bazin, 1983, p. 125) 11 E mesmo a fidelidade da representação à aparência do objeto passa a ser uma conseqüência natural do modo como a imagem se produz; de sua gênese, portanto. Uma credibilidade que se sustenta, por um lado, no processo ótico, no qual a luz que incide sobre o objeto irá penetrar na câmara obscura e configurar-se em imagem, e por outro, no processo químico, no qual o material sensível à luz vai reagir automaticamente, produzindo a imagem latente que será posteriormente revelada em laboratório. Durante todo esse processo de produção da imagem, não há mais a intervenção da mão humana. Na fotografia, tanto os processos óticos, quanto os químicos são operados pelo dispositivo técnico de maneira quase automática. Mas é o processo químico, pressuposto no modo de produção da imagem fotográfica, que garante a ligação existencial entre a representação e o objeto. Essa ligação já se sugeria no processo ótico que se operava através da câmara obscura, mas ela só se confirma com o processo químico de inscrição da imagem. “Em última instância, o ganho de analogia trazido pela fotografia não é somente de ordem ótica, é mais essencialmente de ordem ontológica.” (Dubois, 1999, p.74) 11 “A objetividade da fotografia confere-lhe um poder de credibilidade ausente de qualquer obra pictórica. Sejam quais forem as objeções de nosso espírito crítico, somos obrigados a crer na existência do objeto representado, literalmente re-presentado, quer dizer, tornado presente no tempo e no espaço.” (Bazin, 1983, p. 125) 52

Pode-se observar, portanto, que ocorre uma mudança no modo de produção da imagem – que possibilita a passagem da pintura para a fotografia – ; mas, como indica Bazin (1983, p. 124), essa mudança não se limita à técnica utilizada na produção da imagem; ela se amplia na solução que consegue oferecer em resposta ao desejo de se produzir uma imagem mais realista que as anteriores; mais neutra, mais fiel à realidade, mais objetiva. 12 É essa busca pelo realismo que, segundo o autor, leva-nos ainda ao engendramento da imagem cinematográfica, quando a duração seria trazida para o universo da representação e libertaria, então, a imagem fotográfica de sua imobilidade. 13 Essa busca por imagens que sejam capazes de representar o mundo de maneira mais realista, na verdade, é compreendida por Bazin (1983, p. 123 et seq.) como a expressão de um “desejo puramente psicológico de substituir o mundo exterior pelo seu duplo”. Um desejo que começa a se distinguir da aspiração estética de “expressar realidades espirituais em que o modelo se acha transcendido pelo simbolismo das formas”. Esse desejo, de que fala Bazin, conduz a noção de realismo para algo muito além de uma simples “ilusão das formas”, deferindo, na verdade, à imagem a função de “exprimir a significação, a um só tempo, concreta e essencial do mundo”. De fato, esse desejo pode ser observado já nos pintores renascentistas, quando eles optavam por configurar suas imagens em perspectiva. Não obstante a atuação de pintores de destaque que conseguiam conciliar propostas aparentemente tão distintas, superando a tensão dialética entre idealismo e realismo, o que se observa, de fato, é uma tendência nas artes visuais de se tentar responder mesmo a esse anseio primordial por realismo. Nesse sentido, com o surgimento da imagem fotográfica, ela rouba para si essa função, levando o século XIX a vivenciar aquilo que Bazin acredita tratar-se de uma verdadeira crise nas artes, na qual essa busca por realismo passa a ser questionada. Alguns pintores se sentem imbuídos do desafio de forjar uma nova direção para suas imagens. “A fotografia vem a ser o acontecimento mais importante da história das artes plásticas. Ao mesmo tempo sua libertação e manifestação plena, a 12 “(...) o fenômeno essencial da passagem da pintura barroca à fotografia não reside no mero aperfeiçoamento material (a fotografia ainda continuaria por muito tempo inferior „a pintura na imitação das cores), mas num fato psicológico: a satisfação completa do nosso afã de ilusão por uma reprodução mecânica da qual o homem se achava excluído. A solução não estava no resultado, mas na gênese.” (Bazin, 1983, p. 124) 13 “(...) o cinema vem a ser a consecução no tempo da objetividade fotográfica. O filme não se contenta mais em conservar para nós o objeto lacrado no instante, como no âmbar do corpo intacto dos insetos de uma era extinta, ele livra a arte barroca de sua catalepsia convulsiva. Pela primeira vez, a imagem das coisas é também a duração delas, como que uma múmia da mutação.” (Bazin, 1983, p. 126) 53

Po<strong>de</strong>-se observar, portanto, que ocorre uma mudança no modo <strong>de</strong> produção da<br />

imagem – que possibilita a passagem da pintura para a fotografia – ; mas, como indica<br />

Bazin (1983, p. 124), essa mudança não se limita à técnica utilizada na produção da<br />

imagem; ela se amplia na solução que consegue oferecer em resposta ao <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> se<br />

produzir uma imagem mais realista que as anteriores; mais neutra, mais fiel à realida<strong>de</strong>,<br />

mais objetiva. 12 É essa busca pelo realismo que, segundo o autor, leva-nos ainda ao<br />

engendramento da imagem cinematográfica, quando a duração seria trazida para o universo<br />

da representação e libertaria, então, a imagem fotográfica <strong>de</strong> sua imobilida<strong>de</strong>. 13<br />

Essa busca por imagens que sejam capazes <strong>de</strong> representar o mundo <strong>de</strong> maneira mais<br />

realista, na verda<strong>de</strong>, é compreendida por Bazin (1983, p. 123 et seq.) como a expressão <strong>de</strong><br />

um “<strong>de</strong>sejo puramente psicológico <strong>de</strong> substituir o mundo exterior pelo seu duplo”. Um<br />

<strong>de</strong>sejo que começa a se distinguir da aspiração estética <strong>de</strong> “expressar realida<strong>de</strong>s espirituais<br />

em que o mo<strong>de</strong>lo se acha transcendido pelo simbolismo das formas”. Esse <strong>de</strong>sejo, <strong>de</strong> que<br />

fala Bazin, conduz a noção <strong>de</strong> realismo para algo muito além <strong>de</strong> uma simples “ilusão das<br />

formas”, <strong>de</strong>ferindo, na verda<strong>de</strong>, à imagem a função <strong>de</strong> “exprimir a significação, a um só<br />

tempo, concreta e essencial do mundo”. De fato, esse <strong>de</strong>sejo po<strong>de</strong> ser observado já nos<br />

pintores renascentistas, quando eles optavam por configurar suas imagens em perspectiva.<br />

Não obstante a atuação <strong>de</strong> pintores <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque que conseguiam conciliar propostas<br />

aparentemente tão distintas, superando a tensão dialética entre i<strong>de</strong>alismo e realismo, o que<br />

se observa, <strong>de</strong> fato, é uma tendência nas artes visuais <strong>de</strong> se tentar respon<strong>de</strong>r mesmo a esse<br />

anseio primordial por realismo. Nesse sentido, com o surgimento da imagem fotográfica,<br />

ela rouba para si essa função, levando o século XIX a vivenciar aquilo que Bazin acredita<br />

tratar-se <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong>ira crise nas artes, na qual essa busca por realismo passa a ser<br />

questionada. Alguns pintores se sentem imbuídos do <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> forjar uma nova direção<br />

para suas imagens.<br />

“A fotografia vem a ser o acontecimento mais importante da história das<br />

artes plásticas. Ao mesmo tempo sua libertação e manifestação plena, a<br />

12 “(...) o fenômeno essencial da passagem da pintura barroca à fotografia não resi<strong>de</strong> no mero<br />

aperfeiçoamento material (a fotografia ainda continuaria por muito tempo inferior „a pintura na imitação das<br />

cores), mas num fato psicológico: a satisfação completa do nosso afã <strong>de</strong> ilusão por uma reprodução mecânica<br />

da qual o homem se achava excluído. A solução não estava no resultado, mas na gênese.” (Bazin, 1983, p.<br />

124)<br />

13 “(...) o cinema vem a ser a consecução no tempo da objetivida<strong>de</strong> fotográfica. O filme não se contenta mais<br />

em conservar para nós o objeto lacrado no instante, como no âmbar do corpo intacto dos insetos <strong>de</strong> uma era<br />

extinta, ele livra a arte barroca <strong>de</strong> sua catalepsia convulsiva. Pela primeira vez, a imagem das coisas é<br />

também a duração <strong>de</strong>las, como que uma múmia da mutação.” (Bazin, 1983, p. 126)<br />

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