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no plano seguinte preserva, enfim, para o espectador, sua invisibilidade, sua presença fantasmática, dentro daquela realidade ficcional. No cinema de estrutura narrativa clássica, o “lugar vazio” do observador “ausente” precisa ser preenchido constantemente por alguma entidade que pertença ao universo da representação. Nos exemplos citados, o modo de articulação dos planos, gerido por jogos de olhares que promovem uma identificação do olhar do público – mediado pela posição da câmera – com o olhar do personagem, através da articulação desse lugar comum – o lugar vazio do “observador ausente” – remete, na verdade, ao recurso do campo/contra-campo muito comentado nas gramáticas tradicionais de linguagem cinematográfica; muito embora essas gramáticas não explicitem o modo como os jogos de olhares se articulam com o olhar ideal de um observador “ausente”, presente na estrutura textual de toda imagem configurada em perspectiva. Esse mecanismo promove, enfim, uma espécie de costura entre os planos, restabelecendo a unidade na imagem cinematográfica, à medida que vai neutralizando a violência perceptiva promovida pelo corte que separa um plano do outro. Através de procedimentos de montagem, os cortes tendem a ficar invisíveis, a passarem desapercebidos pelo público, o qual passa a inferir, nas diferentes imagens, uma ligação virtual, sustentada por um olhar único: o olhar de um (ou mais) personagem que se move virtualmente de um ponto a outro do espaço da representação . O público passa a perceber uma imagem única e contínua. É por isso que Oudart (1969) nomeia esse sistema semiótico próprio ao cinema de “sistema de sutura”. Nos filmes cuja forma se fundamenta nesse tipo sistema semiótico descrito por Oudart, o plano perde sua autonomia, visto que só adquire sentido à medida que se articula com outros planos. A imagem cinematográfica passa a se constituir, então, como uma imagem resultante dessa articulação entre os vários planos. Na verdade, o que confere a unidade e o sentido à imagem não é a soma entre os diferentes planos – uma suposta síntese entre o plano anterior e o plano posterior –, mas essa trama de relações entre os personagens, cujos pontos de vista se deslocam virtualmente de um ponto a outro da realidade representada. São jogos de olhares que configuram uma espécie de rede de significações que determinam quem está olhando o espetáculo visual que se apresenta na tela para o público. Essa trama textual leva, enfim, a imagem cinematográfica a significar algo novo: ela passa a significar uma (ou uma trama de) subjetividade (s) – sobretudo nos 40

filmes de estrutura narrativa clássica. Uma subjetividade que é conferida a um ou mais personagens da ficção. O público, por outro lado, tem sua participação negada nos jogos de olhares. É a sua participação que viabiliza o funcionamento do código. Na verdade, é para ele que a imagem é produzida. Contudo, nesse sistema semiótico em particular, ele tem sua participação negada em mecanismos que conferem o olhar a alguém que não é ele, a um outro sujeito. O espectador fica alienado de sua função de sujeito que olha o espetáculo que se apresenta diante dele, e, na verdade, para ele. O “sistema de sutura” da imagem cinematográfica distingue-se, assim, do “sistema de representação” das pinturas renascentistas justamente por funcionar como um “sistema produtor de significação” (Oudart). O sentido da imagem – a intencionalidade que define aquele enquadramento, aquela visualidade – não é mais um atributo reconhecido nas intenções, conscientes ou inconscientes, nem de seu produtor, nem de seu público; os verdadeiros agentes ativos da constituição do discurso. Esse “sistema de sutura”, predominante no cinema de estrutura narrativa clássica, tende a apagar a presença de ambos, deixando na visibilidade apenas a presença atuante do personagem. Mesmo quando consideramos o outro lado do “palco” (Oudart) que sustenta esse espetáculo – o “lugar vazio” do observador ideal, do “ausente”, o lado invisível do texto – , ainda assim é ao personagem que se atribui esse lugar. Na verdade, é por atribuir a ele esse “lugar” – a fonte de sentido e ordem de toda imagem em perspectiva – que a participação ativa é negada tanto ao produtor da imagem, quanto ao púbico, na produção de sentido. Pois, como vimos, é a partir desse “lugar” que o sentido se estabelece na imagem, é a partir dele que todo aquele universo se hierarquiza e se configura. E, se esse “lugar ideal”, “vazio”, passa a ser atribuído ao personagem, todo o sentido da imagem passa a ser direcionado pelos traços subjetivos que são atribuídos a ele (ou eles). Uma subjetividade que, no entanto, sabemos que não passa já de um efeito do discurso, não existe a não ser enquanto um atributo que o produtor de imagem, por um lado, e o público, por outro, lhe fornecem imaginariamente. O “lugar vazio” do sujeito ideal, que na imagem fixa – a pintura em perspectiva e a foto- grafia – , permitia ao público se colocar como fonte de sentido e ordem da imagem, aproximando-se, assim, do próprio olhar do produtor da imagem, carregado de intencionalidade, esse “lugar” passa a ser preenchido por essa presença do (s) personagem (s), que insiste (m) em permanecer ali, mascarando o verdadeiro sujeito-causa da imagem, 41

filmes <strong>de</strong> estrutura narrativa clássica. Uma subjetivida<strong>de</strong> que é conferida a um ou mais<br />

personagens da ficção.<br />

O público, por outro lado, tem sua participação negada nos jogos <strong>de</strong> olhares. É a<br />

sua participação que viabiliza o funcionamento do código. Na verda<strong>de</strong>, é para ele que a<br />

imagem é produzida. Contudo, nesse sistema semiótico em particular, ele tem sua<br />

participação negada em mecanismos que conferem o olhar a alguém que não é ele, a um<br />

outro sujeito. O espectador fica alienado <strong>de</strong> sua função <strong>de</strong> sujeito que olha o espetáculo que<br />

se apresenta diante <strong>de</strong>le, e, na verda<strong>de</strong>, para ele.<br />

O “sistema <strong>de</strong> sutura” da imagem cinematográfica distingue-se, assim, do “sistema<br />

<strong>de</strong> representação” das pinturas renascentistas justamente por funcionar como um “sistema<br />

produtor <strong>de</strong> significação” (Oudart). O sentido da imagem – a intencionalida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>fine<br />

aquele enquadramento, aquela visualida<strong>de</strong> – não é mais um atributo reconhecido nas<br />

intenções, conscientes ou inconscientes, nem <strong>de</strong> seu produtor, nem <strong>de</strong> seu público; os<br />

verda<strong>de</strong>iros agentes ativos da constituição do discurso. Esse “sistema <strong>de</strong> sutura”,<br />

predominante no cinema <strong>de</strong> estrutura narrativa clássica, ten<strong>de</strong> a apagar a presença <strong>de</strong><br />

ambos, <strong>de</strong>ixando na visibilida<strong>de</strong> apenas a presença atuante do personagem. Mesmo quando<br />

consi<strong>de</strong>ramos o outro lado do “palco” (Oudart) que sustenta esse espetáculo – o “lugar<br />

vazio” do observador i<strong>de</strong>al, do “ausente”, o lado invisível do texto – , ainda assim é ao<br />

personagem que se atribui esse lugar. Na verda<strong>de</strong>, é por atribuir a ele esse “lugar” – a fonte<br />

<strong>de</strong> sentido e or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> toda imagem em perspectiva – que a participação ativa é negada<br />

tanto ao produtor da imagem, quanto ao púbico, na produção <strong>de</strong> sentido. Pois, como vimos,<br />

é a partir <strong>de</strong>sse “lugar” que o sentido se estabelece na imagem, é a partir <strong>de</strong>le que todo<br />

aquele universo se hierarquiza e se configura. E, se esse “lugar i<strong>de</strong>al”, “vazio”, passa a ser<br />

atribuído ao personagem, todo o sentido da imagem passa a ser direcionado pelos traços<br />

subjetivos que são atribuídos a ele (ou eles). Uma subjetivida<strong>de</strong> que, no entanto, sabemos<br />

que não passa já <strong>de</strong> um efeito do discurso, não existe a não ser enquanto um atributo que o<br />

produtor <strong>de</strong> imagem, por um lado, e o público, por outro, lhe fornecem imaginariamente. O<br />

“lugar vazio” do sujeito i<strong>de</strong>al, que na imagem fixa – a pintura em perspectiva e a foto-<br />

grafia – , permitia ao público se colocar como fonte <strong>de</strong> sentido e or<strong>de</strong>m da imagem,<br />

aproximando-se, assim, do próprio olhar do produtor da imagem, carregado <strong>de</strong><br />

intencionalida<strong>de</strong>, esse “lugar” passa a ser preenchido por essa presença do (s) personagem<br />

(s), que insiste (m) em permanecer ali, mascarando o verda<strong>de</strong>iro sujeito-causa da imagem,<br />

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