Cristina Toshie Lucena Nishio - Biblioteca Digital de Teses e ...

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Nesse sentido, as mudanças de posicionamento da câmera, articuladas de maneira tal a fazer com que sejam compreendidas pelo público como se tratassem de uma espécie de deslocamento virtual do sujeito ideal no espaço da representação, acabam por intensificar, na verdade, a transcendência desse sujeito. Tal fato levaria Baudry (1983) a definir esse sujeito ideal, operacionalizado no cinema de estrutura clássico-narrativa, como “sujeito transcendental”. “[No cinema] o olho-sujeito constitutivo, mas implícito, da perspectiva artificial, na verdade, é apenas o representante de uma transcendência que, ao se esforçar para reencontrar a ordem regrada desta transcendência, acha-se absorvido, „elevado‟ a uma função mais ampla, à medida do movimento que é capaz de operar.” (Baudry, 1983, p. 391) Para conseguir fazer com que o público compreenda essas várias posições que a câmera vai assumindo como oriundas de um único ponto de vista, mais abstrato, resultante do olhar de um sujeito ideal que possui o poder de fazer esses saltos virtuais de um lugar a outro do espaço, faz-se necessário, então, engendrar um mecanismo capaz de estabelecer essa ligação entre essas diferentes posições no espaço; engendrar um agente para esses deslocamentos. Algo que poderíamos nos arriscar a chamar aqui de sujeito-causa dos deslocamentos do ponto de vista. Essa ligação é conseguida, então, pela associação dessas posições da câmera ao olhar de um personagem, gerando o que Oudart (1969) chama de “imagem subjetiva”. Ou seja, os sucessivos e diferenciados posicionamentos que a câmera vai assumindo vão sendo escolhidos segundo posições no espaço que permitam ao público identificá-los como um resultado do olhar de um personagem. Essa identificação da posição que a câmera vai assumindo com o olhar de um personagem não se faz, contudo, de uma maneira direta. Ela é, na verdade, engendrada por procedimentos sutis que sugerem uma espécie de aproximação entre posição da câmera e a posição do personagem dentro do espaço da representação. A câmera seria posicionada, por exemplo, próxima ao ombro do personagem, mostrando, na imagem, aquilo que supostamente ele estaria vendo. Muito freqüentemente, ela deixaria entrar em quadro – e, portanto, ser representado na imagem – uma parte do corpo desse mesmo personagem, produzindo, assim, uma espécie de metonímia na imagem. Neste exemplo, é a direção do olhar do personagem que coincide com a direção do olhar do “observador ideal” da imagem, definido pela posição da câmera. Logo após essa imagem, poderiam surgir outros planos mais fechados – mais próximos do objeto filmado – mostrando detalhes de objetos, ou seres, ou então, planos mais abertos, planos gerais, com cenários vazios, paisagens. 38

Essas imagens que surgiriam logo em seguida à imagem onde aparece parte do corpo de um personagem, cuja atenção sugere-se, na imagem, estar voltada para algo que não é mostrado no quadro, mas parece se situar em algum lugar para além daquele representado no enquadramento – o extra-campo – , essas imagens tenderiam a ser compreendidas pelo público como aquilo que o personagem vê, ou para o qual sua atenção se volta. Em um outro exemplo, imaginemos uma imagem cuja visibilidade nos mostre um personagem que olha para fora do quadro. Contudo, esse personagem aparece enquadrado na imagem por um ângulo frontal, ou mesmo oblíquo. Tanto em um caso, como em outro, podemos percebê-lo de frente para nós; podemos ver seu rosto. Seu olhar, contudo, cria uma expectativa no espectador: O que ele está olhando? Para onde se dirige seu olhar? Essa expectativa nos induz então a outro plano de imagem, o qual tenta nos dar uma resposta satisfatória: a imagem tende a mostrar, então, aquilo que supostamente o personagem do plano anterior olhava. Neste exemplo, a câmera passa a assumir uma posição no espaço que tende coincidir com a posição que antes era assumida pelo personagem. Geralmente, não há mais, na imagem, nenhum recurso à metonímia, pois já não é mais preciso mostrar nenhuma parte do corpo do personagem na imagem para que o público infira que aquilo que o segundo plano passa a mostrar na imagem, na verdade, corresponde ao campo de visão do personagem que apareceu no plano anterior. Esse mecanismo de articulação entre dois planos pode ter ainda sua ordem invertida. Mostra-se inicialmente uma imagem na qual não há nenhum personagem presente. O espectador se pergunta, então: Quem olha? No cinema de estrutura clássica, essa pergunta não pode ficar sem resposta. É preciso estabelecer um sujeito-causa para esse olhar, para essa imagem, sob o risco de se ver denunciada, na própria forma de apresentação da imagem, a artificialidade do discurso: Quem olha? A câmera? O produtor da imagem? Eu, público dessa imagem, desse espetáculo? Todos os agentes do discurso tendem a surgir perante a consciência crítica do espectador, quebrando o efeito de ilusão não só visual, mas sobretudo, de uma realidade ficcional que, até então, apresentava-se na imagem como extremamente real e sedutora. Assim, imediatamente após uma imagem desse tipo, tende-se a surgir um novo plano com um personagem a olhar para fora do quadro. O espectador se acalma: Ah! É ele quem olha! O personagem ocupa o lugar do observador “ausente” da imagem, poupando o público de se perceber ali, naquele “lugar vazio”, de perceber-se a si mesmo enquanto aquele que olha. A presença do personagem 39

Essas imagens que surgiriam logo em seguida à imagem on<strong>de</strong> aparece parte do corpo <strong>de</strong><br />

um personagem, cuja atenção sugere-se, na imagem, estar voltada para algo que não é<br />

mostrado no quadro, mas parece se situar em algum lugar para além daquele representado<br />

no enquadramento – o extra-campo – , essas imagens ten<strong>de</strong>riam a ser compreendidas pelo<br />

público como aquilo que o personagem vê, ou para o qual sua atenção se volta.<br />

Em um outro exemplo, imaginemos uma imagem cuja visibilida<strong>de</strong> nos mostre um<br />

personagem que olha para fora do quadro. Contudo, esse personagem aparece enquadrado<br />

na imagem por um ângulo frontal, ou mesmo oblíquo. Tanto em um caso, como em outro,<br />

po<strong>de</strong>mos percebê-lo <strong>de</strong> frente para nós; po<strong>de</strong>mos ver seu rosto. Seu olhar, contudo, cria<br />

uma expectativa no espectador: O que ele está olhando? Para on<strong>de</strong> se dirige seu olhar?<br />

Essa expectativa nos induz então a outro plano <strong>de</strong> imagem, o qual tenta nos dar uma<br />

resposta satisfatória: a imagem ten<strong>de</strong> a mostrar, então, aquilo que supostamente o<br />

personagem do plano anterior olhava. Neste exemplo, a câmera passa a assumir uma<br />

posição no espaço que ten<strong>de</strong> coincidir com a posição que antes era assumida pelo<br />

personagem. Geralmente, não há mais, na imagem, nenhum recurso à metonímia, pois já<br />

não é mais preciso mostrar nenhuma parte do corpo do personagem na imagem para que o<br />

público infira que aquilo que o segundo plano passa a mostrar na imagem, na verda<strong>de</strong>,<br />

correspon<strong>de</strong> ao campo <strong>de</strong> visão do personagem que apareceu no plano anterior.<br />

Esse mecanismo <strong>de</strong> articulação entre dois planos po<strong>de</strong> ter ainda sua or<strong>de</strong>m<br />

invertida. Mostra-se inicialmente uma imagem na qual não há nenhum personagem<br />

presente. O espectador se pergunta, então: Quem olha? No cinema <strong>de</strong> estrutura clássica,<br />

essa pergunta não po<strong>de</strong> ficar sem resposta. É preciso estabelecer um sujeito-causa para<br />

esse olhar, para essa imagem, sob o risco <strong>de</strong> se ver <strong>de</strong>nunciada, na própria forma <strong>de</strong><br />

apresentação da imagem, a artificialida<strong>de</strong> do discurso: Quem olha? A câmera? O produtor<br />

da imagem? Eu, público <strong>de</strong>ssa imagem, <strong>de</strong>sse espetáculo? Todos os agentes do discurso<br />

ten<strong>de</strong>m a surgir perante a consciência crítica do espectador, quebrando o efeito <strong>de</strong> ilusão<br />

não só visual, mas sobretudo, <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> ficcional que, até então, apresentava-se na<br />

imagem como extremamente real e sedutora. Assim, imediatamente após uma imagem<br />

<strong>de</strong>sse tipo, ten<strong>de</strong>-se a surgir um novo plano com um personagem a olhar para fora do<br />

quadro. O espectador se acalma: Ah! É ele quem olha! O personagem ocupa o lugar do<br />

observador “ausente” da imagem, poupando o público <strong>de</strong> se perceber ali, naquele “lugar<br />

vazio”, <strong>de</strong> perceber-se a si mesmo enquanto aquele que olha. A presença do personagem<br />

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