Cristina Toshie Lucena Nishio - Biblioteca Digital de Teses e ...
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acoplamento <strong>de</strong> olhares, essa i<strong>de</strong>ntificação do olhar do apreciador da imagem com esse<br />
“ponto <strong>de</strong> vista i<strong>de</strong>al” que se articula no código visual renascentista, o olhar do apreciador<br />
se expan<strong>de</strong> para esse mundo ficcional: um mundo que foi criado pelo produtor da imagem<br />
e que só existe nela; um mundo simbólico ou imaginário. O apreciador penetra no quadro;<br />
o seu olhar se expan<strong>de</strong> para <strong>de</strong>ntro da representação. Uma passagem da realida<strong>de</strong> à<br />
representação extremamente sutil.<br />
Esse modo peculiar <strong>de</strong> configuração da imagem em perspectiva pressupõe, então, o<br />
que po<strong>de</strong>ríamos <strong>de</strong>finir como dois níveis distintos <strong>de</strong> operação: um nível explícito, que<br />
aparece representado nas formas visíveis, e um nível implícito, que não aparece nessas<br />
formas perceptíveis, mas encontra-se subentendido na imagem como sua condição <strong>de</strong><br />
leitura, como sua fonte <strong>de</strong> sentido e or<strong>de</strong>m. É o que Jean-Pierre Oudart (1969) <strong>de</strong>fine como<br />
“duplo palco”: em um lado do palco haveria o espetáculo, representado na parte visível da<br />
imagem; no outro lado do palco, um lugar invisível, mas atuante, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se infere a<br />
atuação <strong>de</strong> um olhar fantasmático a observar o espetáculo; um lugar “vazio” – pois esse<br />
observador i<strong>de</strong>al está “ausente” – , mas configurado <strong>de</strong> maneira tal a permitir que o público<br />
se instale imaginariamente nele, <strong>de</strong> modo a assumir para si aquilo que o “observador i<strong>de</strong>al”<br />
supostamente veria encenado em imagem. Oudart (1969) <strong>de</strong>nomina o nível explícito <strong>de</strong><br />
configuração da imagem, a parte visível do texto visual trabalhado pelo código, <strong>de</strong><br />
“espetáculo” ; e o nível implícito, a parte invisível, mas ainda assim integrante <strong>de</strong>le – o<br />
lugar do sujeito i<strong>de</strong>al –, o lugar do “ausente”. O sistema semiótico, enfim, que pressupõe<br />
todo esse arranjo, próprio à pintura renascentista, é nomeado pelo autor como “sistema<br />
clássico <strong>de</strong> representação”.<br />
Segundo esse modo <strong>de</strong> abordagem, po<strong>de</strong>mos inferir que o tema da representação<br />
pictórica passa a ser tratado mesmo como um “pretexto” para a expressão <strong>de</strong> uma idéia que<br />
se encontra codificada no próprio modo <strong>de</strong> configuração da imagem, no próprio “texto”,<br />
apesar <strong>de</strong> insistir em se fazer invisível, <strong>de</strong>sapercebida (Schefer, 1969, passim). Pois, muito<br />
embora o nível implícito não apareça na imagem, muito embora seja, na maioria das vezes,<br />
ignorado, ele se apresenta atuante e, sobretudo, capaz <strong>de</strong> sugerir essa noção específica <strong>de</strong><br />
sujeito a olhar cena. Uma noção que se encontra codificada na imagem no próprio modo<br />
como ela se configura; ou seja, no próprio texto visual.<br />
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