Cristina Toshie Lucena Nishio - Biblioteca Digital de Teses e ...

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“(...) não se deve confundir essa perspectiva, modelo do que se passa no olho (e por isso chamada antigamente de „perspectiva naturalis‟), com a perspectiva geométrica aplicada na pintura e, em seguida, na fotografia, a qual resulta de uma convenção representativa em parte arbitrária, a ser produzida artificialmente (donde o nome de „perspectiva artificialis‟); embora uma e outra sigam o mesmo modelo geométrico, não são de mesma natureza.” (id., 1993, p.42) Apesar de verificarmos essa diferença entre a perspectiva monocular e a binocularidade humana, devemos concluir, contudo, que a aproximação entre ambas se dá justamente na impressão de realismo que a primeira gera na imagem configurada segundo suas regras. Apesar de reconhecermos em ambas uma diferença de natureza, uma se aproxima da outra por aquilo que o próprio Aumont chama, enfim, de “direção subjetiva” do olhar humano. Tais regras matemáticas passaram a ser utilizadas, enfim, por vários pintores na elaboração de suas pinturas. Mas eles não se limitariam a se servir apenas dessas regras matemáticas. Vários instrumentos seriam engendrados com o objetivo de facilitar a aplicação da perspectiva monocular. A portinhola, a tavoletta, são alguns exemplos. Mas haveria um que se destacaria. Um instrumento em auxílio à produção de imagens em perspectiva que se mostraria extremamente fecundo e que viria ainda a participar do mecanismo de produção um novo tipo de imagem – as imagens fotográficas. Esse instrumento era conhecido como câmera obscura. Todos esses instrumentos, que funcionavam então como “próteses” para o olho do pintor (Dubois, 1999), começavam já a participar do processo de produção de imagens, ou representações visuais, de uma maneira cada vez mais intensa, intervindo cada vez mais no trabalho do produtor da imagem. Mas enquanto o pintor mantivesse o controle do processo de materialização da imagem, enquanto essas “máquinas de visão” (Dubois, 1999) se mantivessem apenas como mecanismos de “pré- visualização”, deixando para o pintor todo o trabalho de inscrição da imagem, elas teriam ainda um papel bem delimitado no seu processo de produção. Através do trabalho de inscrição manual da imagem, seria permitido ao pintor deixar sua marca na própria materialidade da imagem: a intervenção inevitável de sua individualidade, de seu estilo, de seu gênio. Os rastros de um gesto único e irreproduzível. Sua subjetividade. No século XIX, contudo, a câmera obscura adquiriria um novo mecanismo em seu modo de funcionamento, capaz de alterar completamente o papel do produtor da imagem, e fornecer à máquina um novo status no processo de produção das imagens. Esta mudança se daria com a agregação de processos químicos de fixação da imagem ao aparato, os quais 24
passariam a permitir sua inscrição automática, sem a necessidade da intervenção do pintor. Essas imagens, por outro lado, apresentar-se-iam como imagens de outra natureza. Não mais pinturas, mas fotografias. O surgimento dessa nova imagem traria, portanto, implícito em seu modo próprio de materialização, em sua gênese, um novo papel para as máquinas. A importância de sua atuação no processo de constituição da imagem aumentaria na proporção em que diminuiria a intervenção do produtor. A possibilidade do produtor da imagem deixar a marca de sua subjetividade no próprio processo de inscrição da imagem, na matéria que a sustenta enquanto uma representação possuidora de um corpo próprio, exterior ao nosso, seria neutralizada pela atuação de processos químicos de produção da imagem latente a ser posteriormente revelada em laboratório. Essa mesma câmera obscura receberia ainda novas intervenções técnicas, viabilizando o surgimento de mais um outro tipo de imagem, agora móvel, aquela que nos interessa: a imagem cinematográfica. A passagem de uma imagem a outra seria marcada, portanto, por mais uma mudança. Uma diferença essencial. Voltaremos a falar sobre essa diferença essencial que, por hipótese, caracterizaria a imagem cinematográfica e a distinguiria das outras. Antes, porém, propomos uma descrição dos aspectos mais marcantes desse aparato, a câmara obscura, cujas estruturas fundamentais ainda hoje podem ser detectadas no funcionamento tanto da câmera fotográfica, quanto da câmera cinematográfica, apesar de todas os aperfeiçoamentos técnicos que lhe permitiriam engendrar diferentes tipos de imagens. 25
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