esse momento ecumênico, no qual a versão “projetor” do aparelho reversível instaura a “situação cinematográfica”, quando máquina e público trabalharão juntos para a aparição das fotografias animadas. Animadas pela memória, pelo afeto. O reconhecimento <strong>de</strong>ssa co-existência entre o real e o virtual no interior da própria imagem móvel leva-nos, enfim, a <strong>de</strong>tectar na ambigüida<strong>de</strong> o seu traço mais marcante. Uma ambigüida<strong>de</strong> que brota justamente <strong>de</strong>ssa convivência entre a objetivida<strong>de</strong> fotográfica e a emergência da memória, no instante mesmo em que a imagem fixa é restituída à duração. São instâncias da imagem que estão além da parte que se submete ao seu processo <strong>de</strong> codificação. Remetem, pois, ao invisível. O esforço <strong>de</strong> vários autores em <strong>de</strong>nunciar a artificialida<strong>de</strong> do código que sustenta tal representação, sobretudo nos anos sessenta e setenta, não nos permite, nos dias <strong>de</strong> hoje, tratar essa imagem <strong>de</strong> uma maneira ingênua, negligenciando todas as implicações que a manipulação e a camuflagem <strong>de</strong>sse código envolvem. Contudo, o reconhecimento <strong>de</strong>sse po<strong>de</strong>r que a representação possui <strong>de</strong> nos seduzir e nos enganar pelas aparências, <strong>de</strong> conquistar nosso imaginário e, por meio <strong>de</strong>le, construir um mundo <strong>de</strong> ilusões, atenuando no público seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> discernimento entre realida<strong>de</strong> e fantasia, ele não po<strong>de</strong> nos levar à negação <strong>de</strong> que, ainda assim, há algo nela que se mantém intacta, e que nos permite ter contato com alguma verda<strong>de</strong>. Em meio ao jogo <strong>de</strong> ilusões e aparências construídas, po<strong>de</strong>mos encontrar lacunas nas quais o real emerge e disponibiliza-se a entrar em contato com nossa “vida interior”. Nas palavras <strong>de</strong> Barthes, através <strong>de</strong> um pequeno “<strong>de</strong>talhe”, po<strong>de</strong>mos ser tocados pelo punctum da imagem. É nesse pequeno toque, nesse pequeno júbilo, que a ambigüida<strong>de</strong> se manifesta em toda sua plenitu<strong>de</strong>. Não se po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a ambigüida<strong>de</strong> da imagem cinematográfica, sem que superemos a dicotomia objetivida<strong>de</strong>/subjetivida<strong>de</strong>, pois ela se instaura justamente no instante em que real e virtual se confun<strong>de</strong>m, em um lugar que não se restringe mais à parte codificada da imagem, e no qual o público po<strong>de</strong> encontrar um outro lugar para o <strong>de</strong>vaneio, sem que seu imaginário fique preso às armadilhas promovidas pelo duplo palco que sustenta o funcionamento do código. A partir <strong>de</strong>ste outro lugar, a abertura semântica é restituída ao símbolo, permitindo-lhe explorar os limites entre o dizível e o indizível, entre a fala e o silêncio; e resgatando, para o sujeito, o direito <strong>de</strong> sonhar um outro sonho, mais real, mais verda<strong>de</strong>iro. Um sonho que passa a ser seu. Talvez essa seja, na verda<strong>de</strong>, a afirmação que tentávamos elaborar, sem sabê-lo, ao longo <strong>de</strong> todo o trabalho: o resgate da credibilida<strong>de</strong> à imagem, o direito do Ser em sonhar e encantar-se com os jogos <strong>de</strong> luz, o reconhecimento da importância da imaginação no processo <strong>de</strong> pensamento e, portanto, <strong>de</strong> 124
conhecimento, <strong>de</strong> si mesmo, e do mundo que o envolve. Não mais um encantamento ingênuo. Mas um encantamento esclarecido sobre a materialida<strong>de</strong> da imagem e seu comprometimento inevitável com o contexto histórico que a viabiliza. A consciência, enfim, da distinção entre a imagem e o real sem que se perca por ela a alegria do primeiro olhar. 125
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