Cristina Toshie Lucena Nishio - Biblioteca Digital de Teses e ...
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esse momento ecumênico, no qual a versão “projetor” do aparelho reversível instaura a “situação cinematográfica”, quando máquina e público trabalharão juntos para a aparição das fotografias animadas. Animadas pela memória, pelo afeto. O reconhecimento dessa co-existência entre o real e o virtual no interior da própria imagem móvel leva-nos, enfim, a detectar na ambigüidade o seu traço mais marcante. Uma ambigüidade que brota justamente dessa convivência entre a objetividade fotográfica e a emergência da memória, no instante mesmo em que a imagem fixa é restituída à duração. São instâncias da imagem que estão além da parte que se submete ao seu processo de codificação. Remetem, pois, ao invisível. O esforço de vários autores em denunciar a artificialidade do código que sustenta tal representação, sobretudo nos anos sessenta e setenta, não nos permite, nos dias de hoje, tratar essa imagem de uma maneira ingênua, negligenciando todas as implicações que a manipulação e a camuflagem desse código envolvem. Contudo, o reconhecimento desse poder que a representação possui de nos seduzir e nos enganar pelas aparências, de conquistar nosso imaginário e, por meio dele, construir um mundo de ilusões, atenuando no público seu poder de discernimento entre realidade e fantasia, ele não pode nos levar à negação de que, ainda assim, há algo nela que se mantém intacta, e que nos permite ter contato com alguma verdade. Em meio ao jogo de ilusões e aparências construídas, podemos encontrar lacunas nas quais o real emerge e disponibiliza-se a entrar em contato com nossa “vida interior”. Nas palavras de Barthes, através de um pequeno “detalhe”, podemos ser tocados pelo punctum da imagem. É nesse pequeno toque, nesse pequeno júbilo, que a ambigüidade se manifesta em toda sua plenitude. Não se pode compreender a ambigüidade da imagem cinematográfica, sem que superemos a dicotomia objetividade/subjetividade, pois ela se instaura justamente no instante em que real e virtual se confundem, em um lugar que não se restringe mais à parte codificada da imagem, e no qual o público pode encontrar um outro lugar para o devaneio, sem que seu imaginário fique preso às armadilhas promovidas pelo duplo palco que sustenta o funcionamento do código. A partir deste outro lugar, a abertura semântica é restituída ao símbolo, permitindo-lhe explorar os limites entre o dizível e o indizível, entre a fala e o silêncio; e resgatando, para o sujeito, o direito de sonhar um outro sonho, mais real, mais verdadeiro. Um sonho que passa a ser seu. Talvez essa seja, na verdade, a afirmação que tentávamos elaborar, sem sabê-lo, ao longo de todo o trabalho: o resgate da credibilidade à imagem, o direito do Ser em sonhar e encantar-se com os jogos de luz, o reconhecimento da importância da imaginação no processo de pensamento e, portanto, de 124
conhecimento, de si mesmo, e do mundo que o envolve. Não mais um encantamento ingênuo. Mas um encantamento esclarecido sobre a materialidade da imagem e seu comprometimento inevitável com o contexto histórico que a viabiliza. A consciência, enfim, da distinção entre a imagem e o real sem que se perca por ela a alegria do primeiro olhar. 125
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esse momento ecumênico, no qual a versão “projetor” do aparelho reversível instaura a<br />
“situação cinematográfica”, quando máquina e público trabalharão juntos para a aparição<br />
das fotografias animadas. Animadas pela memória, pelo afeto.<br />
O reconhecimento <strong>de</strong>ssa co-existência entre o real e o virtual no interior da própria<br />
imagem móvel leva-nos, enfim, a <strong>de</strong>tectar na ambigüida<strong>de</strong> o seu traço mais marcante. Uma<br />
ambigüida<strong>de</strong> que brota justamente <strong>de</strong>ssa convivência entre a objetivida<strong>de</strong> fotográfica e a<br />
emergência da memória, no instante mesmo em que a imagem fixa é restituída à duração.<br />
São instâncias da imagem que estão além da parte que se submete ao seu processo <strong>de</strong><br />
codificação. Remetem, pois, ao invisível. O esforço <strong>de</strong> vários autores em <strong>de</strong>nunciar a<br />
artificialida<strong>de</strong> do código que sustenta tal representação, sobretudo nos anos sessenta e<br />
setenta, não nos permite, nos dias <strong>de</strong> hoje, tratar essa imagem <strong>de</strong> uma maneira ingênua,<br />
negligenciando todas as implicações que a manipulação e a camuflagem <strong>de</strong>sse código<br />
envolvem. Contudo, o reconhecimento <strong>de</strong>sse po<strong>de</strong>r que a representação possui <strong>de</strong> nos<br />
seduzir e nos enganar pelas aparências, <strong>de</strong> conquistar nosso imaginário e, por meio <strong>de</strong>le,<br />
construir um mundo <strong>de</strong> ilusões, atenuando no público seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> discernimento entre<br />
realida<strong>de</strong> e fantasia, ele não po<strong>de</strong> nos levar à negação <strong>de</strong> que, ainda assim, há algo nela que<br />
se mantém intacta, e que nos permite ter contato com alguma verda<strong>de</strong>. Em meio ao jogo <strong>de</strong><br />
ilusões e aparências construídas, po<strong>de</strong>mos encontrar lacunas nas quais o real emerge e<br />
disponibiliza-se a entrar em contato com nossa “vida interior”. Nas palavras <strong>de</strong> Barthes,<br />
através <strong>de</strong> um pequeno “<strong>de</strong>talhe”, po<strong>de</strong>mos ser tocados pelo punctum da imagem. É nesse<br />
pequeno toque, nesse pequeno júbilo, que a ambigüida<strong>de</strong> se manifesta em toda sua<br />
plenitu<strong>de</strong>. Não se po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a ambigüida<strong>de</strong> da imagem cinematográfica, sem que<br />
superemos a dicotomia objetivida<strong>de</strong>/subjetivida<strong>de</strong>, pois ela se instaura justamente no<br />
instante em que real e virtual se confun<strong>de</strong>m, em um lugar que não se restringe mais à parte<br />
codificada da imagem, e no qual o público po<strong>de</strong> encontrar um outro lugar para o <strong>de</strong>vaneio,<br />
sem que seu imaginário fique preso às armadilhas promovidas pelo duplo palco que<br />
sustenta o funcionamento do código. A partir <strong>de</strong>ste outro lugar, a abertura semântica é<br />
restituída ao símbolo, permitindo-lhe explorar os limites entre o dizível e o indizível, entre<br />
a fala e o silêncio; e resgatando, para o sujeito, o direito <strong>de</strong> sonhar um outro sonho, mais<br />
real, mais verda<strong>de</strong>iro. Um sonho que passa a ser seu. Talvez essa seja, na verda<strong>de</strong>, a<br />
afirmação que tentávamos elaborar, sem sabê-lo, ao longo <strong>de</strong> todo o trabalho: o resgate da<br />
credibilida<strong>de</strong> à imagem, o direito do Ser em sonhar e encantar-se com os jogos <strong>de</strong> luz, o<br />
reconhecimento da importância da imaginação no processo <strong>de</strong> pensamento e, portanto, <strong>de</strong><br />
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