Cristina Toshie Lucena Nishio - Biblioteca Digital de Teses e ...
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público se aproprie <strong>de</strong>las e as transforme em imagens do passado. Agregadas à memória,<br />
elas ainda <strong>de</strong>spertam novas imagens e sensações antes adormecidas. O cinema se sugere,<br />
portanto, como uma arte da memória. Na passagem da fotografia ao cinema, a imagem é<br />
restituída à duração. O “tempo real”, ao qual a imagem remete, fun<strong>de</strong>-se com a “vida<br />
interior” <strong>de</strong> cada espectador. O punctum fotográfico transforma-se, enfim, em outra coisa.<br />
No contexto da técnica empregada para a produção da imagem cinematográfica,<br />
constatamos que a tradução da realida<strong>de</strong> em representação visual se sustenta em um<br />
processo <strong>de</strong> codificação do espaço que pressupõe o agenciamento tanto do público, quanto<br />
da realida<strong>de</strong> para que se articulem em sistemas semióticos que lhes pré-<strong>de</strong>terminam on<strong>de</strong> e<br />
como irão interagir com ela. Dentre os vários aparatos técnicos que são utilizados em sua<br />
fabricação, priorizamos a câmera e o projetor. Em uma retrospectiva histórica, observamos<br />
que a primeira se origina da câmara obscura, utilizada pelos pintores <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVI,<br />
como uma alternativa mais simples para produzir imagens em perspectiva. Por meio <strong>de</strong>la, a<br />
realida<strong>de</strong> visível é codificada em um arranjo formal que se sustenta em uma noção<br />
particular <strong>de</strong> sujeito i<strong>de</strong>al a olhar a cena. Nesse sentido, tanto a realida<strong>de</strong> material, quanto a<br />
realida<strong>de</strong> espiritual do indivíduo, são codificados na imagem através dos processos óticos<br />
que ocorrem no interior aparato. Nos termos <strong>de</strong> Oudart, esse “sistema clássico <strong>de</strong><br />
representação” prevê um modo peculiar <strong>de</strong> operacionalização do visível com o invisível no<br />
qual a parte visível da imagem – o “espetáculo” – fica interligada a essa noção abstrata <strong>de</strong><br />
sujeito a olhar a cena, gerando, assim uma espécie <strong>de</strong> “duplo palco”. Mas, se, em um<br />
primeiro momento, esse olhar que se associa ao “espetáculo” refere-se ao olhar <strong>de</strong> um<br />
sujeito i<strong>de</strong>al, pressuposto no modo como a imagem em perspectiva se organiza<br />
formalmente, em um segundo momento, ele passa a remeter ao olhar do próprio público,<br />
quando este se dispõe a apreciar a imagem: o público se i<strong>de</strong>ntifica com esse olhar i<strong>de</strong>al e se<br />
apropria <strong>de</strong>sse lugar invisível, previsto no funcionamento do código; o lugar do ausente.<br />
Esse mecanismo estruturado sob uma espécie <strong>de</strong> “duplo palco” é perpetuado no cinema. Os<br />
“jogos <strong>de</strong> olhares”, porém, adquirem uma complexida<strong>de</strong> ainda maior com a entrada em<br />
cena dos olhares dos personagens, articulados por recursos <strong>de</strong> montagem, levando, então,<br />
Oudart a distinguir um novo sistema semiótico para o cinema: “o sistema <strong>de</strong> sutura”. De<br />
qualquer modo, em ambos os sistemas, o princípio é o mesmo. Eles se estruturam a partir<br />
do modo como a configuração do espaço em perspectiva articula o visível e o invisível, a<br />
realida<strong>de</strong> material e a realida<strong>de</strong> espiritual. Ambos – realida<strong>de</strong> física e sujeito – encontram-<br />
se codificados na imagem.<br />
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