Cristina Toshie Lucena Nishio - Biblioteca Digital de Teses e ...
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Contudo, se as situações familiares nos apaziguam, só o estranhamento po<strong>de</strong> nos<br />
abrir para o <strong>de</strong>sconhecido, sobre o mundo e sobre nós mesmos. O reconhecimento <strong>de</strong><br />
situações presentes po<strong>de</strong> ser útil em algumas circunstâncias, mas essa utilida<strong>de</strong> só se dá às<br />
custas <strong>de</strong> uma perda progressiva <strong>de</strong> contanto tanto com o real, quanto com o virtual. O<br />
equilíbrio <strong>de</strong>ve ser encontrado em situações que requisitem <strong>de</strong> nós uma dose <strong>de</strong><br />
conhecimento adquirido, alternada com imagens que ainda não conhecemos, e que,<br />
portanto, nos induzam a um esforço maior <strong>de</strong> elaboração pela ativida<strong>de</strong> do pensamento.<br />
No caso da imagem cinematográfica, po<strong>de</strong>-se dizer, segundo a terminologia<br />
proposta por Barthes (1984), que esse equilíbrio <strong>de</strong>ve ser encontrado na co-existência entre<br />
o studium e o punctum. Pois é Barthes mesmo quem observa que se, por um lado, o<br />
studium se sustenta em um conhecimento adquirido, o punctum, por outro, viabiliza a<br />
abertura da representação para o <strong>de</strong>sconhecido, para o “inominável”. E diante do novo, nós<br />
nos silenciamos. Pois é preciso silêncio para a elaboração do pensamento, para a<br />
interpretação <strong>de</strong> um movimento que nos exige todo o ser, o corpo e o espírito, nossos<br />
afetos envolvidos. 55<br />
O estranho, contudo, não se confun<strong>de</strong> com o espetacular. Po<strong>de</strong> ser mesmo um<br />
“<strong>de</strong>talhe”, como diz Barthes (1984). Mas um <strong>de</strong>talhe capaz <strong>de</strong> nos “ferir”, <strong>de</strong> nos tocar, <strong>de</strong><br />
nos emocionar. 56 A subversão da linguagem não exige, portanto, elaborações sofisticadas<br />
ou excêntricas, mas investimento afetivo, emergência da memória na interpretação dos<br />
estímulos sensoriais, na produção das representações do mundo e <strong>de</strong> si mesmo, capazes <strong>de</strong><br />
estabelecer algum traço singular. 57 Nesse sentido, po<strong>de</strong>mos afirmar, enfim, que a atitu<strong>de</strong><br />
poética transforma o produtor da imagem em “amador” e leva o público para um estado<br />
mais “selvagem” 58 , na medida em que promove em ambos uma disponibilida<strong>de</strong> maior<br />
para o <strong>de</strong>sconhecido. 59<br />
55 “No fundo, a Fotografia é subversiva, não quando aterroriza, perturba ou mesmo estigmatiza, mas quando<br />
é pensativa [grifo do autor]”. (Barthes, 1984, p. 80)<br />
56 “(...) nada a dizer, fechar os olhos, <strong>de</strong>ixar o <strong>de</strong>talhe remontar sozinho à consciência afetiva.” (Barthes,<br />
1984, p. 85)<br />
57 “O que posso nomear não po<strong>de</strong>, na realida<strong>de</strong>, me ferir. A impotência para nomear é um bom sintoma <strong>de</strong><br />
distúrbio.” (Barthes, 1984, p. 80)<br />
58 “Diante <strong>de</strong> certas fotos, eu me <strong>de</strong>sejava selvagem, sem cultura.” (Barthes, 1984, p. 18)<br />
59 “A Fotografia se torna „surpreen<strong>de</strong>nte a partir do momento em que não se sabe por que ela foi tirada. (...)<br />
Em um primeiro momento, a Fotografia, para surpreen<strong>de</strong>r, fotografa o notável; mas logo, por uma inversão<br />
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