Cristina Toshie Lucena Nishio - Biblioteca Digital de Teses e ...
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qualquer – , seja no caso de uma representação mental formulada pelo ser consciente – como a percepção consciente, a lembrança de um fato passado, ou uma idéia abstrata, por exemplo – , sempre haverá essa combinação entre as imagens do presente e os estados afetivos inconscientes, mesmo que a intensidade de uma, ou de outra, varie. Não seria, portanto, um privilégio da imagem cinematográfica a promoção desse encontro entre real e virtual. Contudo, o que estamos tentando salientar na imagem cinematográfica diz respeito a algo mais preciso. O que nos interessa tornar eloqüente é que no próprio modo de constituição da imagem cinematográfica, em sua aparição como uma imagem mutável, há uma articulação entre o real e o virtual que se estabelece de uma maneira muito peculiar. Havíamos observado que, para que a imagem cinematográfica surja, é necessária a projeção luminosa de várias imagens fixas, uma a uma, as quais desaparecem logo após terem surgido, deixando a tela vazia, abandonando o publico à escuridão da sala escura, enquanto não é projetada uma outra imagem fixa, a qual geralmente possui pequenas diferenças visuais em relação à anterior, sugerindo, assim, uma continuidade entre ambas. Essas imagens fixas não permanecem por muito tempo na tela. Na verdade, o tempo disponível para a percepção desses estímulos luminosos por parte do público é tão tênue que não lhes permite serem contemplados do mesmo modo que o seria uma fotografia, ou uma pintura, por exemplo, cuja permanência diante do olhar tende a ser bem maior. 51 O rápido desaparecimento dos instantâneos fotográficos que dão origem à imagem cinematográfica, permite, portanto, que eles logo deixem de ser imagens do presente para se transformarem em imagens do passado, incorporando-se já à memória do público. 52 Por outro lado, a velocidade com que eles surgem e logo desaparecem não permite ao público percebê-los em todas as suas nuances, explorá-los com seu olhar, o que, por outro lado, o leva a estimular a memória como um mecanismo capaz de lhes fornecer imagens do passado que lhes sirvam como complemento. A participação da memória na constituição da imagem cinematográfica é ainda mais acentuada quando essas imagens são substituídas por intervalos que deixam o público na escuridão, na ausência, portanto, de imagens do 51 “Não somente a foto jamais é, em essência, uma lembrança (cuja expressão gramatical seria o perfeito, ao passo que o tempo da foto é antes o aoristo), mas também ela a bloqueia, torna-se rapidamente uma contralembrança.” (Barthes, 1984, p. 136) 52 “Às vezes acontece de eu poder conhecer melhor uma foto de que me lembro do que uma foto que vejo, como se a visão direta orientasse equivocadamente a linguagem, envolvendo-a em um esforço de descrição que sempre deixará de atingir o ponto de efeito, o punctum.” (Barthes, 1984, p. 83) 102
presente, de estímulos visuais. Esses intervalos dos estímulos luminosos oferecem ao público alguns instantes de silêncio que, por ínfimos que sejam, possibilitam-lhe divagar pela memória, vivenciar estados afetivos que emergem do passado. 53 Essa alternância entre o visível e o invisível tende, portanto, a dinamizar a memória do público. Pode-se dizer então que o cinema é uma arte da lembrança, uma arte do inconsciente. São imagens do passado que se aproximam e se unem aos estímulos sensoriais mais recentes. Mas elas não se restringem àquelas geradas pelos estímulos sensoriais trabalhados anteriormente. Não é apenas o passado recente juntando-se a um passado mais recente ainda, em torno de algo porvir a se tornar passado. Muito além disso, o que também vem ao encontro dos estímulos sensoriais do presente são imagens de um passado mais remoto. São afetos esquecidos, ou mesmo ainda não conhecidos, porque nunca atualizados em representações, que vem ao encontro do devir da matéria, aproximam-se da duração e se atualizam nas representações. Eles se mesclam às impressões sensoriais. A imagem cinematográfica, como tal, não é apenas uma síntese de estímulos sensoriais descontínuos que se operam no corpo vivo, mas uma junção entre esses estímulos sensoriais do presente, transformados já em passado recente, com afetos antigos que estavam guardados na memória do ser. De onde se depreende que toda a imagem cinematográfica possui algum grau de investimento afetivo daquele que a configura, o público. É uma imagem ao mesmo tempo objetiva e subjetiva, visto que origina da percepção exterior de estímulos visuais, mas só se configura como tal com a atualização parcial da memória, das afecções. Essa atualização dos afetos remotos pode ser negada, ou mesmo minimizada, mas não deixa de ocorrer. Ela é condição essencial para a aparição da imagem mutável. Eis que estamos, mais uma vez, diante da ambigüidade que tanto nos impressiona: a objetividade dos instantâneos fotográficos, por um lado, e a emergência da memória na “situação cinematográfica”, por outro. E a objetividade dessa imagem não diz respeito apenas à matéria que age como um estímulo sensorial perante o público – imagens do presente – , mas ao próprio referente desse estímulo visual, que reconhecemos como algo que realmente existiu no momento de produção da matéria fotográfica. (Barthes, 1984, passim). Há, portanto, um vínculo entre a matéria fotográfica e uma outra matéria que 53 “A subjetividade absoluta só é atingida em um estado, um esforço de silêncio (fechar os olhos é fazer a imagem falar no silêncio) (...) nada a dizer, fechar os olhos, deixar o detalhe remontar sozinho à consciência afetiva.” (Barthes, 1984, p. 84 et seq.) 103
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qualquer – , seja no caso <strong>de</strong> uma representação mental formulada pelo ser consciente –<br />
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exemplo – , sempre haverá essa combinação entre as imagens do presente e os estados<br />
afetivos inconscientes, mesmo que a intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma, ou <strong>de</strong> outra, varie. Não seria,<br />
portanto, um privilégio da imagem cinematográfica a promoção <strong>de</strong>sse encontro entre real e<br />
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Contudo, o que estamos tentando salientar na imagem cinematográfica diz respeito<br />
a algo mais preciso. O que nos interessa tornar eloqüente é que no próprio modo <strong>de</strong><br />
constituição da imagem cinematográfica, em sua aparição como uma imagem mutável, há<br />
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Havíamos observado que, para que a imagem cinematográfica surja, é necessária a<br />
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terem surgido, <strong>de</strong>ixando a tela vazia, abandonando o publico à escuridão da sala escura,<br />
enquanto não é projetada uma outra imagem fixa, a qual geralmente possui pequenas<br />
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Essas imagens fixas não permanecem por muito tempo na tela. Na verda<strong>de</strong>, o tempo<br />
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que não lhes permite serem contemplados do mesmo modo que o seria uma fotografia, ou<br />
uma pintura, por exemplo, cuja permanência diante do olhar ten<strong>de</strong> a ser bem maior. 51 O<br />
rápido <strong>de</strong>saparecimento dos instantâneos fotográficos que dão origem à imagem<br />
cinematográfica, permite, portanto, que eles logo <strong>de</strong>ixem <strong>de</strong> ser imagens do presente para<br />
se transformarem em imagens do passado, incorporando-se já à memória do público. 52 Por<br />
outro lado, a velocida<strong>de</strong> com que eles surgem e logo <strong>de</strong>saparecem não permite ao público<br />
percebê-los em todas as suas nuances, explorá-los com seu olhar, o que, por outro lado, o<br />
leva a estimular a memória como um mecanismo capaz <strong>de</strong> lhes fornecer imagens do<br />
passado que lhes sirvam como complemento. A participação da memória na constituição<br />
da imagem cinematográfica é ainda mais acentuada quando essas imagens são substituídas<br />
por intervalos que <strong>de</strong>ixam o público na escuridão, na ausência, portanto, <strong>de</strong> imagens do<br />
51 “Não somente a foto jamais é, em essência, uma lembrança (cuja expressão gramatical seria o perfeito, ao<br />
passo que o tempo da foto é antes o aoristo), mas também ela a bloqueia, torna-se rapidamente uma contralembrança.”<br />
(Barthes, 1984, p. 136)<br />
52 “Às vezes acontece <strong>de</strong> eu po<strong>de</strong>r conhecer melhor uma foto <strong>de</strong> que me lembro do que uma foto que vejo,<br />
como se a visão direta orientasse equivocadamente a linguagem, envolvendo-a em um esforço <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição<br />
que sempre <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> atingir o ponto <strong>de</strong> efeito, o punctum.” (Barthes, 1984, p. 83)<br />
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