Cristina Toshie Lucena Nishio - Biblioteca Digital de Teses e ...
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Imagens da memória<br />
Afirmávamos então que as imagens da realida<strong>de</strong> material surgem dos movimentos<br />
que atravessam incessantemente o corpo vivo no presente; tempo real da matéria. Mas os<br />
vestígios dos movimentos não se transformam somente em imagens. No corpo vivo, algo<br />
se produz a partir <strong>de</strong>sses movimentos que não é imagem. Algo que não chega à percepção,<br />
que não atinge a consciência, mas que, <strong>de</strong> algum modo, passa a pertencer àquele corpo.<br />
São “estados afetivos”, como <strong>de</strong>fine Bergson. Eles não possuem materialida<strong>de</strong>, estão fora<br />
do tempo real, mas têm data e local <strong>de</strong> origem. Estão fora da consciência, fora da<br />
percepção, fora mesmo da realida<strong>de</strong> da matéria. É a sensação que o estímulo provocado<br />
por um movimento da matéria <strong>de</strong>ixou no corpo vivo. É a dor que não foi sentida – em<br />
outros termos, representada –, que não chegou à consciência, mas nem por isso <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong><br />
se constituir ali, naquele exato momento em que o corpo vibrou com o movimento que o<br />
atravessou. São estados afetivos gerados no corpo pelos movimentos da matéria que os<br />
atingiram em forma <strong>de</strong> estímulos nervosos. Eles surgem ali, ficam localizadas em alguma<br />
parte do corpo, fixam-se em um ponto in<strong>de</strong>finido, e passam a constituir, então, um<br />
universo à parte, imaterial e imóvel. Um universo virtual: a memória, o inconsciente. 50<br />
Aquilo que atravessou o corpo, <strong>de</strong>ixou marcas invisíveis, imateriais, e que o consciente não<br />
conhece. Mas a memória tem a chance <strong>de</strong> se transformar em imagens, <strong>de</strong> ganhar algum<br />
nível <strong>de</strong> materialida<strong>de</strong> e surgir perante a consciência: basta, para isso, que alguma nova<br />
imagem oriunda do presente associe-se a ela. Quando os estados afetivos oriundos da<br />
memória cruzam-se às imagens do presente, surge o que Bergson <strong>de</strong>fine como percepção<br />
consciente, ou representação.<br />
A percepção consciente, <strong>de</strong>sse modo, já não é, <strong>de</strong> fato, percepção pura, mas<br />
lembrança do passado estimulada por imagens do presente. É o afeto que se junta às<br />
imagens da matéria. O algo a mais que dá cor (afetiva) ao mundo físico. A hipótese <strong>de</strong> um<br />
processo <strong>de</strong> percepção <strong>de</strong>ssas imagens oriundas do mundo exterior sem a intervenção da<br />
memória equivaleria, portanto, a uma espécie <strong>de</strong> percepção pura do presente. A lembrança<br />
dos estados afetivos sem a intervenção das imagens do presente, por outro lado,<br />
equivaleriam a uma espécie <strong>de</strong> percepção pura da memória, do passado – aquilo que<br />
50 Essa memória, na verda<strong>de</strong>, é fruto da vivência do ser vivo. Faz parte <strong>de</strong> uma história pessoal que não é<br />
conhecida pela consciência, a não ser que se aproxime e se associe a outras imagens do presente na produção<br />
<strong>de</strong> representações, quando então ela adquire a chance <strong>de</strong> se manifestar. Mesmo assim, isto só se dá às custas<br />
<strong>de</strong> uma mistura entre a memória e o presente, pois a memória pura é tão inacessível à consciência quanto o<br />
presente puro da matéria.<br />
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