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Revista - RS Negro - pucrs

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<strong>Revista</strong> - <strong>RS</strong> <strong>Negro</strong>: ler, refletir, debater, pesquisar, criar, recriar...<br />

A<strong>Revista</strong>-<strong>RS</strong> <strong>Negro</strong> tem como objetivo oferecer<br />

um itinerário de leituras e debates a respeito<br />

da cultura afro-brasileira no estado do Rio<br />

Grande do Sul. A partir de um conjunto de breves textos<br />

sobre a história, as manifestações culturais, a educação,<br />

a língua, a religiosidade, a gastronomia, a mídia, as<br />

lutas e organizações políticas do negro no mundo, no<br />

Brasil e, especialmente, no Rio Grande do Sul, buscamos<br />

estimular e valorizar a inserção e o debate específico<br />

sobre a negritude em nosso estado. Com as abordagens<br />

propostas nos 15 textos, gostaríamos especialmente<br />

de motivar nossos leitores – alunos e professores – a<br />

leituras diferentes, instigar novas reflexões e pesquisas<br />

e inspirar a criação e recriação de outros textos,<br />

imagens, situações, impressões, vivências, discussões,<br />

que enfatizem a negritude no Rio Grande do Sul.<br />

1


Ponto de partida – o continente africano<br />

2<br />

Ponto de partida – o continente<br />

africano<br />

A história e<br />

a cultura da<br />

África são ricas<br />

e diversificadas.<br />

Vamos estudá-las<br />

para compreender<br />

o processo de<br />

transformação<br />

vivenciado no<br />

continente.<br />

A<br />

história do continente africano<br />

se confunde com a história<br />

da humanidade. Cerca de 160<br />

mil anos atrás o Homo sapiens inicia a<br />

evolução da espécie humana na África<br />

Oriental e Meridional, espalha-se<br />

pelo continente e pelo resto do planeta,<br />

adapta-se a novos ambientes e desenvolve<br />

habilidades, diversificando-se<br />

em grupos étnicos e linguísticos. Terceiro<br />

maior continente da terra, a África<br />

ocupa 22% da massa terrestre, tendo<br />

como principal subdivisão duas regiões<br />

limitadas, mas não separadas, pelo deserto<br />

do Saara: África do Norte ou Magreb<br />

(ocidente em árabe) e África do Sul<br />

ou subsaariana (abaixo do Saara). Nesse<br />

território há uma diversidade bastante<br />

grande em termos geográficos, desde<br />

as faixas litorâneas baixas, passando<br />

por planaltos e montanhas até chegar<br />

aos pontos culminantes de mais de 5<br />

mil metros de altitude como o Kilimanjaro<br />

(Tanzânia), o Quênia (no país de<br />

mesmo nome) e o Pico Margherita (República<br />

Democrática do Congo).<br />

Neste continente há uma enorme<br />

diversidade física e socioeconômica,<br />

pois existem neste espaço desde<br />

extensos vales férteis até desertos,<br />

como é o caso do Saara, o maior do<br />

mundo. O contraste da pobreza e riqueza<br />

também é muito visível por<br />

toda sua extensão continental.<br />

Na África havia grandes Reinos<br />

como o de Gana (séc. IV), de Axum<br />

(séc. V) do Ioruba (séc.VI e XI), do Mali<br />

(séc. XII e XIV) e o de Songhai (séc.<br />

XV e XVI). Havia ainda pequenas aldeias<br />

reunidas por descendência e os<br />

grupos nômades de comerciantes,<br />

agricultores e pastores que se deslocavam<br />

sempre que as condições climáticas<br />

ou as oportunidades exigiam.<br />

Entretanto, outros fatores como a expansão<br />

de reinos, a migração de grupos,<br />

o trânsito de caravanas de mercadores,<br />

a disputa pelo acesso aos<br />

rios, o comando sobre estradas podiam<br />

implicar a guerra e o domínio de<br />

um povo a outro.<br />

Antigos Reinos<br />

africanos<br />

Reino de Gana<br />

Teve seu apogeu entre os anos<br />

700 e 1200 d.C. Acredita-se que o florescimento<br />

desse Reino date do século<br />

IV. Há controvérsias históricas se este<br />

Reino foi fundado por povos berberes<br />

ou por negros mandeus, mandês ou<br />

mandingas. Segundo relatos históricos,<br />

o Antigo Reino de Gana era abundante<br />

em ouro e em produtos comerciais,<br />

como sal, cereais, camelos etc. Com a<br />

concorrência de outras potências no<br />

comércio do ouro, o Antigo Reino de<br />

Gana começou a desvalorizar. Até que,<br />

por volta de 1076 d.C., em nome de<br />

uma fé islâmica ortodoxa, os berberes<br />

da dinastia dos almorávidas, vindos<br />

do Magreb, atacam e conquista Kumbi<br />

Saleh, capital do Reino de Gana. A região<br />

de Gana tornou-se, com o tempo,<br />

uma área de intenso comércio. Os habitantes<br />

do Reino deviam pagar impostos<br />

para a nobreza, que era composta<br />

pelo caia-maga (Kaya Maghan Cissé)<br />

seus parentes e amigos. Um exército<br />

poderoso protegia as terras e o comércio<br />

praticados na região, o que nos sugere<br />

a formação de um Reino organizado<br />

e hierarquizado com a tributação<br />

de impostos, início de um processo de<br />

urbanização com as cidades de Gana,<br />

Gharbil, Madasa, Tirka etc. Além de pagar<br />

impostos, as aldeias deviam contribuir<br />

com soldados e lavradores, que trabalhavam<br />

nas terras da nobreza.<br />

Reino de Axum<br />

Na Antiguidade, a África teve<br />

como principais referências antropológicas<br />

o Egito e seus reinos governa-<br />

Suni Al Ber Sílvia do Canto<br />

dos por faraós, e também um reino<br />

africano pouco difundido chamado<br />

de Axum (também escrito Aschoum,<br />

Axoum ou Aksum). Esse reino começou<br />

aproximadamente no século V<br />

a.C. e se expandiu de modo a controlar<br />

as rotas comerciais entre a África,<br />

a Arábia e a Índia, tornando-se assim<br />

um reino bastante rico. O Egito é um<br />

dos países mais populosos do continente<br />

africano. A grande maioria da<br />

população, estimada em 80 milhões<br />

de habitantes (2007), vive nas margens<br />

do rio Nilo, a única área cultivável<br />

do país, com cerca de 40 000 km.<br />

Axum, o que seria hoje a Etiópia,<br />

teve pouca contribuição no tráfico<br />

negreiro para o Brasil; contudo, a<br />

sua importância para o imaginário negro<br />

brasileiro povoado pelas histórias<br />

da rainha de Sabá e rei Salomão, A.<br />

Selassiè, e suas influências no reggae<br />

se dão até hoje.<br />

Reino de Ioruba<br />

O Reino de Oyo Yoruba (c. 1400<br />

- 1835) foi um Reino da África Ocidental<br />

onde é hoje a Nigéria ocidental. O<br />

Reino foi criado pelos Yoruba, no século<br />

XV, e cresceu para se tornar um dos<br />

maiores Reinos do Oeste africano encontradas<br />

pelos exploradores coloniais.<br />

O Reino de Oyo foi, em termos políticos,<br />

o mais importante na região desde<br />

meados do século XVII ao final do<br />

século XVIII, dominando não só outras<br />

monarquias Yoruba, mas também outras<br />

monarquias africanas, sendo a mais<br />

notável o reino Fon do Dahomey.<br />

Reino de Mali<br />

A formação do Antigo Mali teria<br />

se dado por caçadores reunidos em<br />

confrarias ligadas pelos mesmos ritos<br />

e celebrações das religiões tradicio-


nais. Conquistando o que restou do<br />

Antigo Gana, em 1240, Sundiata Keita,<br />

expandiu seu Reino, que já era oficialmente<br />

muçulmano desde o século<br />

anterior. O Mali se tornou legendário,<br />

principalmente sob o rei Kanku Mussá,<br />

que, em 1324, mobilizou a peregrinação<br />

a Meca com a intenção evidente<br />

de fascinar os soberanos árabes. O<br />

Reino de Mali tornou-se famoso devido<br />

à sua imensa riqueza, alcançada<br />

através do comércio com o mundo<br />

árabe. No início do século XV, o Reino<br />

do Mali começou a declinar. As disputas<br />

pela sucessão enfraqueceram a coroa<br />

e muitos se afastaram. Os Songhai<br />

foram um deles, fazendo a cidade proeminente<br />

de Gao a sua nova capital.<br />

Reino de Songhai<br />

Songhai foi um dos maiores Reinos<br />

africanos da história nos séculos<br />

XV e XVI. Este Reino tinha o mesmo<br />

nome de seu grupo étnico líder, os<br />

Songhai. Sua capital era a cidade de<br />

Gao e sua base de poder era em torno<br />

do rio Níger. Antes do Reino Songhai,<br />

a região tinha sido dominada pelo Reino<br />

de Mali, uma das civilizações mais<br />

ricas da história mundial. O Reino Songhai<br />

teria suas origens num antepassado<br />

lendário, o gigante comilão Faran<br />

Makan Botê, do clã dos pescadores<br />

sorkôs. Por volta de 500 d.C., diz a tradição,<br />

que guerreiros berberes, chefiados<br />

por Diá Aliamen teriam chegado à<br />

curva norte do Níger, tomando o poder<br />

dos sorkôs. A partir daí e até 1009,<br />

a dinastia dos Diá reina em Kukya,<br />

uma ilha perto do Níger, quando o<br />

reino se converte oficialmente ao islamismo<br />

e transfere a capital para Goa,<br />

onde a dinastia reina até 1335. Nesse<br />

ano, o povo songhai se liberta do Antigo<br />

Mali, de quem se tornara vassalo<br />

em 1275, e começa a conquistar as regiões<br />

vizinhas.<br />

Divisão Física da África<br />

Norte da África<br />

Oeste da África<br />

África Central<br />

Leste da África<br />

Sul da África<br />

A Copa da África do Sul<br />

de 2010 foi a primeira a ser<br />

realizada no continente africano.<br />

Foi o maior evento esportivo<br />

no continente africano<br />

que até então não havia<br />

sediado nenhuma Copa<br />

do Mundo nem Olimpíadas.<br />

Com a ajuda de um atlas,<br />

localize os países africanos<br />

que participaram da Copa<br />

do Mundo de 2010: África do<br />

Sul, Nigéria, Gana, Camarões,<br />

Costa do Marfim e Argélia.<br />

Investigue as histórias<br />

passadas e recentes desses<br />

países.<br />

Argélia, Egito, Líbia, Marrocos,<br />

Saara Ocidental e Tunísia<br />

Benin, Burkina Faso, Cabo Verde,<br />

Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-<br />

Bissau, Libéria, Mali, Mauritânia,<br />

Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa<br />

e Togo<br />

Camarões, Congo, Gabão, Guiné<br />

Equatorial, República Centro-<br />

Africana, República Democrática<br />

do Congo, São Tomé e Príncipe e<br />

Chade<br />

Burundi, Dijbuti, Eritreia, Etiópia,<br />

Quênia, Ruanda, Somália, Sudão,<br />

Tanzânia e Uganda<br />

África do Sul, Angola, Botsuana,<br />

Lesoto, Madagascar, Malawi,<br />

Moçambique, Namíbia, Suazilândia,<br />

Zâmbia e Zimbábue<br />

Rainha de Sabá<br />

M’BOKOLO, Elikia. África<br />

negra história e civilizações.<br />

Salvador: EdUFBA,<br />

2009.<br />

Sílvia do Canto<br />

Ponto de partida – o continente africano<br />

3


A vida em movimento – diáspora africana e escravidão<br />

4<br />

A vida em movimento – diáspora<br />

africana e escravidão<br />

A diáspora<br />

africana é<br />

caracterizada por<br />

pessoas que foram<br />

escravizadas e<br />

enviadas para<br />

as Américas<br />

durante o tráfico<br />

escravagista que<br />

ocorreu entre<br />

os séculos XVI e<br />

XIX.<br />

O<br />

termo diáspora significa o<br />

deslocamento, normalmente<br />

forçado, de grandes massas<br />

populacionais originárias de um lugar<br />

determinado para várias áreas distintas.<br />

Este termo é usualmente empregado<br />

para fazer referência à dispersão<br />

do povo hebreu da sociedade<br />

antiga, a partir do exílio na Babilônia.<br />

Ainda hoje a mobilidade humana<br />

(migrações) continua sendo um<br />

fenômeno amplo e complexo que<br />

abrange um número enorme de sujeitos<br />

sociais pertencentes a diversas<br />

etnias, culturas e religiões. As causas<br />

e as motivações que levam aos<br />

deslocamentos têm consequências<br />

bastante diversificadas, dependendo<br />

principalmente dos diferentes contextos<br />

socioculturais. Em geral, os sujeitos<br />

migram em busca de melhores<br />

condições de vida. Todavia, na maioria<br />

das vezes, por trás das migrações<br />

escondem-se aspectos negativos ou<br />

conflitivos, como a expulsão do lugar<br />

de moradia, o desenraizamento cultural,<br />

a perda da estrutura identitária<br />

e religiosa, a exclusão social e a dificuldade<br />

de inserção do sujeito.<br />

É nesse contexto que podemos<br />

entender a diáspora africana. Os africanos<br />

que foram deportados ou que<br />

migraram para distintas partes do<br />

mundo formam aquilo que se denomina<br />

“diáspora africana”, uma das<br />

maiores diásporas dos tempos prémodernos.<br />

Grande parte da diáspo-<br />

ra africana é constituída por pessoas<br />

que foram escravizadas e mandadas<br />

para as Américas durante o tráfico escravagista<br />

que ocorreu entre os séculos<br />

XVI e século XIX.<br />

Vale ressaltar que, quando falamos<br />

em diáspora, não estamos falando<br />

de minorias. Estamos falando<br />

de uma grande maioria dispersa pelo<br />

mundo, visto que a África é um continente<br />

enorme, que compreende vários<br />

países, nações, nacionalidades,<br />

religiões e grupos étnicos. Entre os<br />

fatores que contribuíram e continuam<br />

a contribuir para a expansão desta<br />

migração, evidencia-se a luta dos<br />

povos que vivenciaram a diáspora a<br />

partir das númerosas dificuldades socioeconômicas<br />

e políticas que o continente<br />

africano enfrenta e que provoca<br />

a migração de intelectuais e esportistas,<br />

a migração clandestina, a<br />

migração forçada de refugiados políticos<br />

e o exílio de pessoas qualificadas.<br />

A diáspora africana influenciou<br />

de modo direto as mudanças nas relações<br />

políticas, econômicas e sociais<br />

entre os continentes, através da disseminação<br />

da presença dos negros<br />

pelos diversos continentes e da relevância<br />

que esse fato assumiu para as<br />

futuras gerações. A história do reggae<br />

é um exemplo disso.<br />

O reggae é um estilo musical<br />

que surgiu na Jamaica, uma ex-colônia<br />

inglesa do Caribe, que teve a<br />

população indígena original praticamente<br />

dizimada depois da chegada<br />

dos europeus, capitaneados por Cristóvão<br />

Colombo. Em 1509, sem força<br />

de trabalho para explorar, os espanhóis<br />

iniciaram um dos processos<br />

mais traumáticos da história humana,<br />

levando para a ilha grandes levas<br />

de escravos africanos. De alguma<br />

maneira, foi desse modo que nasceu<br />

o reggae. Primeiro, surgiram os cânticos<br />

dos escravos, trazidos da África.<br />

O reggae surgiu como a síntese de<br />

tudo o que vinha sendo feito anteriormente<br />

(rastafarianismo, letras que<br />

falavam do cotidiano e do amor), adicionando<br />

um elemento fundamental<br />

para a sua propagação: a preocupação<br />

política. O reggae ficou conhecido<br />

no mundo através das músicas de<br />

Bob Marley, Jimmy Cliff, Peter Tosh e<br />

Gregory Issacs.<br />

Da África ao Brasil<br />

Ainda que a escravidão não<br />

seja vista como uma migração, a<br />

escravidão africana no Brasil foi um<br />

movimento migratório de natureza<br />

forçada. Seu início se deu em meados<br />

do século XVI, e desenvolveu-se<br />

no século XVIII, até ser proibido, em<br />

1850. O que não cessou o cativeiro<br />

dentro de nossas terras e pelos mares,<br />

visto que o tráfico negreiro continuava<br />

fazendo vítimas e rendendo<br />

fortunas aos traficantes, mesmo<br />

após sua proibição.<br />

Não é possível precisar o número<br />

de africanos escravizados trazidos<br />

para o Brasil durante o período do<br />

tráfico negreiro, do século XVI ao XIX,<br />

mas a estimativa é de cerca de cinco<br />

milhões de africanos que foram obrigados<br />

a cruzar o Oceano Atlântico<br />

para servirem de mão de obra escravizada.<br />

Cerca de 40% dos escravizados<br />

embarcados nos porões dos navios<br />

morriam durante a viagem; ainda<br />

assim a viagem era lucrativa para<br />

os escravizadores. Os mercadores<br />

dos escravizados buscavam africanos<br />

de idade ativa, que serviam de moeda<br />

de troca, comprados e vendidos a<br />

partir de uma rigorosa seleção física.<br />

No Brasil colonial, os escravizadores<br />

criaram várias justificativas<br />

para defender a escravidão, dentre<br />

elas a de que o tráfico negreiro retiraria<br />

os africanos de um mundo<br />

bárbaro e sem civilização em que<br />

viviam, como se os negros não tivessem<br />

educação, religião e como<br />

se não fossem civilizados. Os escravos<br />

empregaram seus trabalhos nas<br />

charqueadas do Rio Grande do Sul,<br />

nos ervais do Paraná, nos engenhos<br />

de açúcar e nas plantações de algodão<br />

do Nordeste, na pecuária da<br />

Paraíba, nas atividades extrativas na<br />

Região Amazônica e na mineração<br />

de Goiás e Minas Gerais. E não apenas<br />

povoou como também criou pequenas<br />

comunidades rurais, os quilombos,<br />

em todo o território nacional,<br />

dinamizando os espaços sociais<br />

e econômicos através do seu trabalho.<br />

O negro africano participou decisivamente<br />

para o desenvolvimento<br />

populacional e econômico do<br />

Brasil e tornou-se parte essencial de<br />

seu povo. Sua presença projetou-se<br />

em todo o desenvolvimento humano<br />

e cultural do Brasil com técnicas<br />

de trabalho, música e danças, alimentação<br />

e práticas religiosas.


Do Brasil à África<br />

No entanto, essa contribuição<br />

econômica e cultural não reverteu<br />

em qualidade de vida para o próprio<br />

negro, mas, ao contrário, no caso<br />

da produção econômica, toda ela<br />

era exportada e o lucro da comercialização<br />

beneficiava os senhores<br />

de escravos. Essa história tem suas<br />

marcas até hoje, conforme podemos<br />

constatar em muitos indicadores<br />

sociais brasileiros, por exemplo,<br />

a população pobre branca tem mais<br />

anos de estudo que a população<br />

pobre negra.<br />

Ao longo do século XIX, e até<br />

inícios do XX, milhares de brasileiros<br />

de origem africana, escravos libertos<br />

ou forros (nascidos livres), migraram<br />

para a África, em um movimento<br />

que se convencionou chamar de<br />

retornados. Trata-se da saga dos<br />

milhares de africanos<br />

e descendentes<br />

que, alforriados<br />

no Brasil,<br />

cruzaram o Oceano<br />

Atlântico de<br />

volta à África. Estima-se<br />

que, somente<br />

no século<br />

XIX, auge do fenômeno,<br />

cerca de<br />

10 mil ex-escravos<br />

tenham regressado<br />

ao continente<br />

africano. A maioria<br />

dos retornados<br />

deixaram o Brasil<br />

em busca das ori-<br />

gens e de um futuro melhor, ou simplesmente<br />

fugindo da perseguição<br />

e da falta de oportunidades de um<br />

Brasil que engatinhava no processo<br />

de emancipação de seus escravos.<br />

A história dos retornados é<br />

uma história belíssima que evidencia<br />

resistência, busca por dias melhores<br />

e influência entre povos. Os<br />

retornados têm em sua memória<br />

afetiva, a presença da cultura das<br />

nações da África, através da arquitetura;<br />

do folclore; da língua ainda<br />

presente no vocabulário doméstico;<br />

da culinária, presente através da<br />

moqueca e da feijoada, preparada à<br />

moda africana.<br />

Crie um mapa do Brasil<br />

com as principais resistências<br />

organizadas por africanos escravizados,<br />

identificando as<br />

datas, os territórios e outras<br />

informações relevantes. Identifique,<br />

no mapa, os territórios<br />

da diáspora africana no Rio<br />

Grande do Sul.<br />

Redija um texto descrevendo<br />

onde ocorreram as resistências<br />

e discuta com os<br />

colegas quais seriam as hipóteses<br />

que explicam essas lutas<br />

de resistência.<br />

A mobilidade<br />

africana no Rio<br />

Grande do Sul<br />

A presença do negro no Rio<br />

Grande do Sul é bem anterior às<br />

charqueadas. Essa presença se dá<br />

quando das disputas entre os impérios<br />

português e espanhol, em<br />

1680, pela Colônia de Sacramento<br />

(hoje Uruguai), cidadela construída<br />

para disputar o comércio clandestino<br />

de escravos e prata que desciam,<br />

pelo rio da Prata, de Potosí na Bolívia.<br />

Pelo império português, essa disputa<br />

recua até a fundação de Rio Grande,<br />

no início do século seguinte, em<br />

todo esse período e território a presença<br />

do africano escravizado sempre<br />

foi constante ao lado de portugueses<br />

e espanhóis.<br />

Com o desenvolvimento<br />

das<br />

charqueadas, os<br />

escravizados africa-<br />

nos, a maioria originários<br />

de Angola,<br />

começaram a ser<br />

levados em maior<br />

número ao estado<br />

do Rio Grande do<br />

Sul a partir do final<br />

do século XVIII, chegando<br />

a representar<br />

metade da população<br />

gaúcha em<br />

1822. Porém, essa<br />

população foi reduzida<br />

drasticamente<br />

devido a dois fatores: ao tráfico interno,<br />

por conta do bloqueio inglês do<br />

tráfico negreiro no Oceano Atlântico,<br />

ocasionando a transferência de escravos<br />

para estados cafeeiros, como São<br />

Paulo e Rio de Janeiro; e as mortes de<br />

muitos escravizados por ocasião da<br />

Guerra dos Farrapos (1835-1845) e da<br />

Guerra do Paraguai (1854-1870).<br />

HEYWOOD, Linda M.(org.)<br />

Diáspora negra no Brasil.<br />

Trad.: Ingrid de Castro Vompean<br />

Fregonez, Thaís Cristina<br />

Casson, Vera Lúcia Benedito.<br />

São Paulo: Contexto, 2008.<br />

SANTOS, José Antonio. Diáspora<br />

africana: paraíso perdido<br />

ou terra prometida. In: MA-<br />

CEDO, José R. (Org.). Desvendando<br />

a história da África.<br />

Porto Alegre: Ed. da UFRGS,<br />

2008.<br />

Palavras-chave para<br />

pesquisar: Diáspora, cultura<br />

afrodiaspórica, formação<br />

demográfica africana,<br />

censo 2010/IBGE.<br />

A vida em movimento – diáspora africana e escravidão<br />

5


As lutas por liberdade e os quilombos<br />

6<br />

As lutas por liberdade e os<br />

quilombos<br />

Os africanos<br />

escravizados<br />

fugiam da opressão<br />

dos colonizadores<br />

e construíam<br />

as moradias em<br />

locais isolados e<br />

de difícil acesso.<br />

Atualmente, os<br />

descendentes de<br />

negros escravizados<br />

lutam pela<br />

visibilidade de suas<br />

ações e ampliação<br />

de direitos.<br />

Para compreender melhor o que<br />

são os territórios quilombolas, a<br />

primeira coisa a fazer é definir o<br />

significado do termo quilombo. A palavra<br />

kilombo é originária do banto,<br />

língua africana, que significa agrupamento,<br />

fortaleza, acampamento. No<br />

Brasil recebeu esse nome, no período<br />

colonial e imperial, por conta das<br />

constantes fugas dos negros escravos.<br />

Ao fugirem da exploração, dominação<br />

e opressão dos colonizadores,<br />

eles construíam as moradias em locais<br />

isolados e de difícil acesso. Edson<br />

Carneiro denomina a formação dos<br />

quilombos como um movimento de<br />

fuga contra a “negação da sociedade<br />

oficial, que oprimia os negros escravizados,<br />

eliminando a sua língua, a sua<br />

religião, os seus estilos de vida”. Em linhas<br />

gerais, uma das principais características<br />

da formação dos quilombos<br />

era a luta pela liberdade, pela sobrevivência,<br />

por dignidade dentro de uma<br />

estrutura comunitária. A convivência<br />

comunitária nos quilombos ajudou<br />

também a preservar as tradições, os<br />

costumes, os ritos, as crenças, a cultura<br />

e a identidade negra.<br />

Comunidades<br />

quilombolas<br />

Outra palavra importante a ser<br />

definida é comunidade. Ela evoca ao<br />

pertencimento, à vivência cotidiana<br />

das pessoas, isso não significa isolarse<br />

dos acontecimentos do entorno.<br />

Como diz Bauman (2003), não ter comunidade<br />

significa não ter proteção.<br />

As comunidades quilombolas serviram<br />

de abrigo e proteção para os negros<br />

fugidos do processo de escravidão.<br />

Hoje, os habitantes das comunidades<br />

quilombolas são chamados<br />

de remanescentes de quilombo. São<br />

os afro-brasileiros, descendentes dos<br />

negros africanos que historicamente<br />

ocuparam terras como heranças do<br />

período escravista. Ou seja, os remanescentes<br />

de quilombo são pessoas<br />

que por muito tempo ficaram escondidas<br />

e isoladas da sociedade dominante,<br />

em luta permanente para<br />

garantir o direito à terra e à vida. As<br />

comunidades onde vivem os descendentes<br />

de africanos também são<br />

identificadas como territórios. Nos<br />

territórios dos remanescentes de quilombo,<br />

como observa Georgina Helena<br />

Lima Nunes (2008), há conhecimento<br />

das próprias necessidades, um<br />

dos elementos que possibilita ao negro<br />

sonhar com um mundo de menos<br />

carência, injustiças e mais liberdade.<br />

É importante ressaltar que as terras<br />

onde habitam os remanescentes de<br />

quilombo não são espaços doados e<br />

nem é um mero estar juntos, mas são<br />

espaços construídos, a partir das lutas<br />

históricas pela posse da terra, pelo combate<br />

à miséria, a desigualdade e em favor<br />

da vida, do acesso a oportunidades,<br />

dos direitos sociais como educação,<br />

saúde e moradia digna.<br />

Conquistando<br />

espaço<br />

Com o processo de redemocratização<br />

do Brasil, os remanescentes<br />

de quilombo mobilizaram-se para garantir<br />

o direito à titulação das terras,<br />

ou seja, o título de domínio definitivo<br />

e coletivo da terra. Essas reivindicações<br />

estão contempladas no artigo<br />

68 da Constituição Federal de 1988. A<br />

Lei reconhece como legítimo o direi-<br />

to à propriedade da terra aos descendentes<br />

de africanos; entretanto a sua<br />

implementação é lenta e burocrática.<br />

Por isso, a aplicabilidade da Lei é objeto<br />

de questionamentos.<br />

De acordo com dados oficiais<br />

(dados da Fundação Cultural Palmares),<br />

o Brasil tem mais de 3.500 comunidades<br />

quilombolas, número que<br />

chega a 5.000 considerando outras<br />

fontes. Dessas, mais de 1.300 são reconhecidas.<br />

O reconhecimento é o<br />

primeiro passo para o processo de titulação.<br />

Atualmente apenas 105 comunidades<br />

receberam o título definitivo.<br />

A respeito dessas comunidades<br />

é importante ressaltar que existem<br />

comunidades remanescentes de quilombo<br />

tanto rurais quanto urbanas.<br />

Elas têm características específicas,<br />

mas têm os laços que as unem, o vínculo<br />

com a ancestralidade negra. A<br />

resistência, tanto nas comunidades<br />

rurais quanto nas urbanas, é fazer<br />

frente à ameaça das invasões dos latifundiários,<br />

o combate à especulação<br />

imobiliária e às propostas dos projetos<br />

desenvolvimentistas que pretendem<br />

reduzir as terras dos grupos étnicos.<br />

No Sul do País<br />

A presença negra no Rio Grande<br />

do Sul é marcada por contradições.<br />

A principal delas se encontra<br />

no processo acentuado da colonização<br />

europeia no Estado. De um lado,<br />

as vantagens e os estímulos aos colonizadores<br />

europeus. De outro lado,<br />

a tentativa de silenciar as minorias<br />

étnicas existente no Estado, desarticulando<br />

os contatos entre grupos<br />

e principalmente estimulando-os a<br />

rivalidades étnicas. Essa situação dificulta<br />

ainda hoje o reconhecimento<br />

das terras habitadas por estes grupos.<br />

Rosane Aparecida Rubert (2008)<br />

aponta que essas contradições acentuaram<br />

os mecanismos de divisão<br />

entre brancos e negros no Estado.<br />

Frente a essa realidade, a população<br />

negra passou a agir contra os privilégios,<br />

a exploração e o preconceito.<br />

A forte presença do negro no<br />

Rio Grande do Sul contribuiu para<br />

se desenvolver formas paralelas de<br />

organização sociais, incluindo as fugas,<br />

as revoltas, os mecanismos encontrados<br />

para preservar os cultos<br />

aos ancestrais e a manutenção da<br />

língua. Pode-se dizer que as organizações<br />

se materializavam nas vivências<br />

cotidianas das comunidades quilombolas.


Quilombolas hoje<br />

Ainda hoje as comunidades remanescentes<br />

de quilombo não estão<br />

isentas de coação, pressão e humilhação.<br />

Em Canoas, região metropolitana<br />

de Porto Alegre, os moradores da<br />

Chácara das Rosas, vivenciaram essa<br />

experiência. A população do entorno<br />

identificava o local, onde vivem 12 famílias<br />

negras, como sendo o Planeta<br />

dos Macacos. Essa é uma de tantas<br />

histórias de preconceito vividas ao longo<br />

dos anos pela população negra.<br />

Conforme mapeamentos de instituições<br />

sociais apontam a formação<br />

de um número superior a cem comunidades<br />

quilombolas rurais e urbanas<br />

no Estado. Algumas delas já receberam<br />

a titulação e certificação das suas<br />

terras. As primeiras comunidades remanescentes<br />

urbanas a receberem a<br />

titulação definitiva foram: Família Silva,<br />

em Porto Alegre e Chácara das Rosas,<br />

em Canoas. As certificações das terras<br />

saíram para Casca, no município de<br />

Mostardas, Rincão dos Martinianos e<br />

São Miguel, ambos da cidade de Restinga<br />

Seca, beneficiando mais de 290<br />

famílias negras. Os dados demonstram<br />

que a participação social deve<br />

ser fortalecida para que as experiências<br />

locais se tornem atos de resistência<br />

coletiva.<br />

CARNEIRO, Edson. O<br />

quilombo dos palmares.<br />

4ª ed., São Paulo, Nacional,<br />

1988.<br />

MAESTRI, Mário. Quilombos<br />

e quilombolas em<br />

terras gaúchas. Porto Alegre:<br />

EST e EdUCS, 1979.<br />

NUNES, Georgina Helena<br />

Lima. Espaços possíveis<br />

por onde cartografar quilombos.<br />

In: SILVA, Gilberto Ferreira;<br />

SANTOS, José Antônio<br />

e CARNEIRO, Luiz Carlos da<br />

Cunha. <strong>RS</strong> <strong>Negro</strong>: cartografias<br />

sobre a produção do conhecimento.<br />

Porto Alegre:<br />

EDIPUC<strong>RS</strong>, 2008.<br />

RUBERT, Rosane Aparecida.<br />

Comunidades negras<br />

no <strong>RS</strong>: o redesenho do mapa<br />

estadual. In: SILVA, Gilberto<br />

Ferreira; SANTOS, José Antônio<br />

e CARNEIRO, Luiz Carlos<br />

da Cunha. <strong>RS</strong> <strong>Negro</strong>: cartografias<br />

sobre a produção do<br />

conhecimento. Porto Alegre:<br />

EDIPUC<strong>RS</strong>, 2008.<br />

SANTOS, Joel Rufino dos.<br />

Zumbi. São Paulo: Editora<br />

Global, 2006.<br />

BAUMAN, Zygmund.<br />

Comunidade:a busca por segurança<br />

no mundo atual. Rio<br />

de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.<br />

Quilombo dos Palmares<br />

O<br />

quilombo de Palmares, o mais reconhecido, do<br />

século XVII, estava localizado na serra da Barriga,<br />

atualmente pertencente ao estado de Alagoas.<br />

Em Palmares, havia uma complexa estrutura de<br />

organização, com ruas, casas, muros, capelas, oficinas<br />

de fundição, produção de cerâmica e utensílios em madeira,<br />

lavouras de feijão, milho, mandioca e cana-deaçúcar.<br />

Era formado por várias aldeias, com suas respectivas<br />

lideranças. Todas as aldeias eram comandadas<br />

por uma comunidade principal, onde ficava Zumbi,<br />

líder do quilombo.<br />

Os portugueses destruíram Palmares em 1694,<br />

por uma expedição comandada pelo paulista Domingos<br />

Jorge Velho, causando a morte de 200 quilombolas.<br />

E, mais de 500 negros foram capturados e vendidos<br />

para outras capitanias. Zumbi e alguns quilombolas<br />

conseguiram fugir. Em 20 de novembro de 1695,<br />

Zumbi foi pego e assassinado, tendo sua cabeça decepada<br />

e exposta publicamente.<br />

Palavras-chave para pesquisar:<br />

comunidade quilombola,<br />

comunidade negra, fugas<br />

do sistema escravista,<br />

mocambos, movimento abolicionista,<br />

remanescente de<br />

quilombo, terras adquiridas<br />

por negros libertos, território<br />

negro, Zumbi dos Palmares.<br />

Construa um mapa<br />

do Brasil, identificando os<br />

principais quilombos que<br />

existiram no País.<br />

Identifique as comunidades<br />

quilombolas do <strong>RS</strong><br />

por região (missões, litoral,<br />

metropolitana, pampas,<br />

campanha gaúcha...) e faça<br />

um texto com seus principais<br />

dados como origem,<br />

características dos grupos<br />

sociais, entre outros.<br />

As lutas por liberdade e os quilombos<br />

7


Narrativas africanas: mitos, lendas e provérbios<br />

8<br />

Narrativas africanas: mitos, lendas<br />

e provérbios<br />

É possível afirmar<br />

que toda pessoa já<br />

ouviu, contou ou<br />

leu uma história.<br />

É através das<br />

histórias que<br />

aprendemos,<br />

muitas vezes, as<br />

primeiras noções<br />

de afetividade,<br />

ética, justiça,<br />

solidariedade,<br />

partilha,<br />

amizade e tantos<br />

outros valores<br />

fundamentais<br />

à existência<br />

humana.<br />

É<br />

possível afirmar que toda pessoa<br />

já ouviu, contou ou leu uma<br />

história. É através das histórias<br />

que aprendemos, muitas vezes, as<br />

primeiras noções de afetividade, ética,<br />

justiça, solidariedade, partilha, amizade<br />

e tantos outros valores fundamentais<br />

à existência humana. Paralelo aos<br />

conteúdos da educação formal, grande<br />

parte da população mundial que<br />

não tem acesso à cultura letrada se<br />

educa baseada nos valores transmitidos<br />

através de narrativas milenares<br />

que chegam a nós até hoje por meio<br />

de registros orais ou escritos.<br />

As histórias africanas, carregadas<br />

da força da oralidade, constituem<br />

um vigoroso instrumento para conhecermos<br />

a vida e valores dos povos africanos<br />

e dos seus descendentes afrobrasileiros.<br />

Os mitos, as lendas, os<br />

provérbios, as brincadeiras e jogos são<br />

alguns destes instrumentos.<br />

Provérbios africanos:<br />

• O machado esquece; a árvore recorda.<br />

• O cavalo que chega cedo bebe a água boa.<br />

• Não importa quão longa seja a noite, o dia virá certamente.<br />

• A água sempre descobre um meio.<br />

• Os defeitos são como uma colina: você escala os seus e, lá de cima, não<br />

vê os dos outros.<br />

• O que você dá aos outros, você dá a si mesmo.<br />

• Ninguém experimenta a profundidade de um rio com os dois pés.<br />

• Não pise no rabo do cachorro e ele não o morderá.<br />

Os mitos<br />

Sílvia do Canto<br />

São, em princípio, narrativas<br />

sagradas relatando fatos que teriam<br />

ocorrido num tempo ou mundo anterior<br />

ao nosso e que, geralmente,<br />

tentam explicar a origem e a existência<br />

das coisas: como e por que<br />

surgiu o mundo, os homens, os costumes,<br />

o conflito de gerações; a vio-


lência; a tristeza da doença, as leis,<br />

os animais, os fenômenos da natureza,<br />

etc. Através de histórias, as<br />

culturas criaram e criam mitos para<br />

poder compreender e interpretar a<br />

existência humana, ou seja, o mito<br />

seria a expressão da existência humana<br />

em sua dependência do plano<br />

divino.<br />

Embora transmitidos pela tradição<br />

oral, os mitos, sob a aparência<br />

de lendas, costumam ter um significado<br />

simbólico. Ancorados no campo<br />

do sagrado ou do sobrenatural,<br />

os mitos têm deuses como personagens<br />

e remetem à criação do mundo<br />

e dos homens. Os mitos transcendem<br />

a existência humana, ainda<br />

que se refiram a ela. Por trás dos mitos,<br />

há fatos e ações elaboradas a<br />

partir do cotidiano como forma de<br />

comunicação.<br />

Carolina Maria de Jesus<br />

A mitologia africana está na<br />

origem do Brasil através da dança,<br />

da música, da culinária e da religiosidade<br />

brasileira, a exemplo do carnaval,<br />

do gingado do futebol, da feijoada,<br />

do sincretismo religioso. Na mitologia<br />

africana, há um deus supremo,<br />

Olodumaré, que criou os orixás<br />

(deuses como Exu, Iansã, Xangô e<br />

outros) para governarem e supervisionarem<br />

o mundo. Os colonizadores<br />

portugueses reprimiram o culto<br />

aos orixás porque o viam como feitiçaria<br />

ou forma de resistência ao processo<br />

de hegemonia cultural e religiosa<br />

pelo catolicismo. Como alternativa<br />

a essa repressão, os escravos<br />

africanos correlacionaram orixás aos<br />

santos católicos, originando o sincretismo<br />

religioso.<br />

A lenda<br />

Possui certo sentido didático,<br />

uma vez que visa explicar fatos<br />

como a origem das coisas, os fenômenos<br />

naturais e as personagens<br />

sobrenaturais, os feitos de heróis<br />

populares etc.<br />

Os provérbios<br />

São expressões da sabedoria adquiridas<br />

com a reflexão, a experiência,<br />

a observação e o conhecimento geral.<br />

De origem popular e de caráter<br />

prático, os provérbios são comuns a<br />

um grupo social.<br />

Geralmente são<br />

ricos em metáforas<br />

e sonoridades,<br />

prestando-se a<br />

uma fácil memorização<br />

e transmissão<br />

oral. Os<br />

provérbios são relacionadosintimamente<br />

à cultura<br />

de uma sociedade.<br />

A cultura<br />

popular considera<br />

que os provérbios<br />

refletem a voz da<br />

experiência e trazem<br />

até nós as<br />

vozes de um passadorelativamente<br />

longínquo, revelando fatos, crenças,<br />

costumes. Fazem parte da cultura<br />

de um povo, daí a sua importância.<br />

Os provérbios africanos, como os de<br />

todos os povos, manifestam a influência<br />

de seu meio ambiente. É possível<br />

perceber referências à vida familiar,<br />

à agricultura, à flora e à fauna.<br />

Vejamos alguns provérbios africanos:<br />

“O machado esquece; a árvore recorda”,<br />

“O cavalo que chega cedo bebe a<br />

água boa”, “Não importa quanto longa<br />

seja a noite, o dia virá certamente”,<br />

“A água sempre descobre um meio.”<br />

As narrativas reaproximam espaços,<br />

tempos e mentalidades. Ao<br />

longo da história da humanidade<br />

as experiências dos povos são narradas<br />

a partir dos valores, conflitos<br />

e soluções dos seus personagens.<br />

É também por isso que as narrativas<br />

provocam identificações, afastamentos<br />

e referências tanto individuais<br />

quanto coletiva, daí a necessidade<br />

de resgatar as narrativas de<br />

origem africana.<br />

ALENCAR, Nezite. Afro-<br />

Brasil em cordel. São Paulo,<br />

Paulus, 2007.<br />

PRANDI, Reginaldo. Contos<br />

e lendas afro-brasileiros:<br />

a criação do mundo. São<br />

Paulo: Companhia das Letras,<br />

2007.<br />

SISTO, Celso. Mãe África:<br />

mitos, lendas, fábulas e<br />

contos. São P aulo: Paulus,<br />

2007.<br />

Converse com as pessoas<br />

mais idosas do seu bairro,<br />

da sua comunidade e busque<br />

identificar marcas culturais<br />

que indiquem a presença<br />

africana dos mitos, lendas,<br />

provérbios, brincadeiras e jogos.<br />

Em sala de aula, encene<br />

em grupo para outros colegas<br />

uma dessas narrativas.<br />

Em grupo, produza com<br />

seus colegas uma pequena<br />

obra (livro ou revista impressa<br />

ou digital) para reunir todas<br />

as narrativas de origem africana<br />

recolhidas com as pessoas<br />

mais idosas de seu bairro. Se<br />

possível, ilustre cada narrati-<br />

Sílvia do Canto<br />

Maria Hele Vargas da Silveira<br />

va com imagens e fotos. Narrativas africanas: mitos, lendas e provérbios<br />

9


Corpo e música: a presença afro-brasileira nas manifestações culturais<br />

10<br />

Corpo e música: a presença afro-brasileira<br />

nas manifestações culturais<br />

No Brasil Colônia<br />

as manifestações<br />

culturais afrobrasileiras<br />

eram<br />

proibidas e<br />

perseguidas por<br />

não integrarem o<br />

universo cultural<br />

do europeu.<br />

Hoje, o legado<br />

cultural está<br />

à disposição<br />

da alegria da<br />

população<br />

brasileira.<br />

A<br />

cultura afro-brasileira é resultante<br />

do desenvolvimento da cultura<br />

africana no Brasil, abrangendo<br />

as influências recebidas de várias etnias<br />

que se traduzem em diversas expressões,<br />

entre elas a música e a dança.<br />

Desse modo, que a música popular<br />

brasileira é profundamente influenciada<br />

pelos ritmos africanos. Entre as expressões<br />

de música afro-brasileiras mais conhecidas<br />

estão o samba, o maracatu,<br />

o carimbó, ijexá, coco, jongo, lambada<br />

e o maxixe. Essas expressões representam<br />

a força da herança negra nas tradições<br />

cultuadas pelas comunidades remanescentes<br />

de quilombos.<br />

Em quase toda parte do território<br />

brasileiro onde houve escravos<br />

africanos, as manifestações culturais<br />

afro-brasileiras eram proibidas e perseguidas<br />

por não integrarem o universo<br />

cultural do europeu. Era considerada<br />

uma cultura selvagem e atrasada<br />

em contraponto aos valores da<br />

Europa em expansão. As manifestações<br />

culturais dos afro-brasileiros foram<br />

conquistar certa popularidade<br />

como expressões artísticas genuinamente<br />

nacionais somente em meados<br />

do século XX.<br />

Samba, carnaval e<br />

música<br />

O samba foi uma das primeiras<br />

expressões da cultura afro-brasileira a<br />

ser admirada quando ocupou lugar<br />

de destaque na música popular. Desde<br />

1870, o encontro de influências rítmicas<br />

como lundu, polca, maxixe e<br />

tango gerou um tipo de música com<br />

características do<br />

samba. As batidas<br />

nos couros<br />

dos tambores davam<br />

o ritmo das<br />

manifestações.<br />

Em 1899,<br />

o surgimento<br />

da música feita<br />

para o carnaval,<br />

as chamadas<br />

marchinhas<br />

carnavalescas,<br />

como o Abre-<br />

Alas de Chiqui-<br />

nha Gonzaga,<br />

marcou a popularização<br />

do carnaval<br />

brasileiro. A origem do samba<br />

foi um importante fator de democratização<br />

da cidade do Rio de<br />

Janeiro, ainda que no início a elite<br />

reagisse às expressões da cultura<br />

africana, sendo perseguida inclusive<br />

pelo poder público, que as recriminava<br />

ostensivamente. O primeiro<br />

samba gravado a fazer sucesso,<br />

no final de 1916, foi o famoso Pelo<br />

Telefone, de Ernesto dos Santos,<br />

o Donga, que retratava a realidade<br />

vivida pela comunidade. Ao longo<br />

das décadas surgiram muitos outros<br />

compositores negros como Pixinguinha,<br />

Cartola, Ataulfo Alves,<br />

Paulinho da Viola, Martinho da Vila.<br />

À medida que o samba se firmava<br />

como uma expressão urbana e moderna,<br />

ele chegou às rádios, se espalhando<br />

pelos morros cariocas e<br />

bairros da zona sul do Rio de Janeiro.<br />

Até os anos de 1970, as escolas<br />

de samba cariocas, cujos terreiros<br />

(e não “quadras”, como são denominadas<br />

atualmente), obedeciam a<br />

um regime implícito semelhante ao<br />

dos barracões de candomblé, com<br />

acesso à roda permitido somente<br />

às mulheres, por exemplo.<br />

Clubes Sociais<br />

<strong>Negro</strong>s no<br />

Rio Grande do Sul<br />

No Rio Grande do Sul, a organização<br />

negra na cidade de Pelotas,<br />

constituída em torno dos clubes<br />

carnavalescos, teve seu auge entre<br />

os anos de 1920 e 1950. A cidade,<br />

que enriqueceu com os produtos<br />

da charqueada, teve uma expressiva<br />

presença negra em seu povoamento.<br />

Embora os negros formassem<br />

um terço da população urbana<br />

em 1890, se consolidou na cidade<br />

Foto pertencente a Jaime Moreira da Silva<br />

Canelas Pretas, do time 8 de Setembro, time da Colônia Africana.<br />

uma ideologia conservadora e elitista<br />

(Loner, 2001), fazendo com<br />

que a discriminação racial, após o<br />

final da escravidão, fosse muito forte.<br />

Os negros pelotenses reagiram<br />

formando uma rede associativa,<br />

que incluía clubes recreativos, teatrais,<br />

carnavalescos, futebolísticos,<br />

entidades de assistência às crianças<br />

e de representação. Esses espaços<br />

auxiliavam na integração da<br />

população negra à sociedade local<br />

através da construção de relacionamentos,<br />

amizades, relações de<br />

compadrio e de oportunidades de<br />

emprego e casamento. Entretanto,<br />

entre 1915 e 1920, houve uma reorientação<br />

dessas entidades negras,<br />

que abandonaram seu caráter de<br />

representação e os objetivos educacionais<br />

para se dedicarem principalmente<br />

às questões de sociabilidade<br />

e recreação. Nesse período foram<br />

criadas as primeiras entidades dedicadas<br />

especificamente ao futebol, e<br />

também associações carnavalescas,<br />

que surgiram através de clubes que,<br />

50 anos depois, iriam se tornar os<br />

únicos representantes do associativismo<br />

negro na cidade.


Carnaval de rua<br />

e instrumentos<br />

de percussão<br />

Em Porto Alegre, de acordo com<br />

Germano (2008), o carnaval de rua<br />

atual se caracteriza pela pouca participação<br />

da população branca, diferente<br />

de outros centros urbanos como o Rio<br />

de Janeiro e São Paulo, que congregam<br />

diferentes etnias.<br />

Destaque ao gaúcho Lupicínio<br />

Rodrigues, inventor da expressão:<br />

“dor de cotovelo”. Lupi, como era conhecido,<br />

compôs marchinhas de carnaval<br />

e sambas-canção, músicas que<br />

expressam muito sentimento, principalmente<br />

a melancolia por um amor<br />

perdido. Compôs a música felicidade.<br />

“Felicidade, foi-se embora e a saudade<br />

no peito ainda mora e é por<br />

isso....”.<br />

Além da corporeidade expressada<br />

nas danças e coreografias, os<br />

instrumentos de percussão também<br />

fazem parte deste universo. O tambor,<br />

depois os instrumentos criados<br />

no Brasil como repique, caxeta e<br />

pandeiro deram o colorido especial<br />

a nossa musicalidade. No Rio Grande<br />

do Sul, Gilberto Amaro Nascimento,<br />

o Giba-Giba, pesquisou um<br />

instrumento comum aos escravizados<br />

gaúchos, o Sopapo, conhecido<br />

como Grande Tambor.<br />

O Sopapo<br />

Capoeira<br />

Outras expressões culturais trilharam<br />

o mesmo percurso. A capoeira,<br />

considerada uma forma de briga<br />

de bandidos e marginais, foi, em<br />

sua origem, uma forma de proteção<br />

dos escravizados contra a violência<br />

e repressão dos colonizadores brasileiros,<br />

uma vez que os escravos<br />

eram alvos de práticas violentas e<br />

castigos dos senhores de engenho.<br />

Estes senhores proibiam os escravos<br />

de praticar qualquer tipo de luta.<br />

A alternativa encontrada pelos escravos<br />

foi utilizar o ritmo e os movimentos<br />

de suas danças africanas,<br />

adaptando-as a um tipo de luta que<br />

se transformou em um instrumento<br />

importante de resistência cultural e<br />

física. Assim surgiu a prática da capoeira,<br />

uma arte marcial disfarçada<br />

de dança, que tinha como objetivo<br />

manter viva a cultura, aliviar o estresse<br />

do trabalho e a manter a saúde<br />

física dos escravizados. No Brasil,<br />

até o ano de 1930, a polícia recebia<br />

instruções para prender os capoeiristas,<br />

uma vez que a capoeira<br />

era tida como uma prática violenta<br />

e subversiva. Nas últimas décadas,<br />

a capoeira se popularizou bastante,<br />

sendo até tema de vários jogos de<br />

games e filmes.<br />

Resgatar a presença dessas expressões<br />

de raízes tão acentuadamente<br />

africanas e de personalidades negras<br />

Que tal fazer uma pesquisa<br />

e descobrir as manifestações<br />

culturais afro-brasileiras<br />

existentes em sua cidade ou<br />

região? Procure fotografias em<br />

jornais, revistas, sites e monte<br />

um painel com as informações<br />

encontradas sobre a origem<br />

dessas manifestações e como<br />

elas são vivenciadas hoje.<br />

Procure músicas da atualidade<br />

que tratem da questão relacionada<br />

ao negro. Analise as<br />

letras e discuta com os colegas<br />

em aula. Organize com seus<br />

colegas uma apresentação em<br />

aula com uma música que trate<br />

da questões negras.<br />

Fotografe cenas que revelem<br />

a presença da cultura negra<br />

no cotidiano de sua cidade.<br />

na sociedade brasileira é fundamental<br />

na construção de referências positivas<br />

em torno da contribuição dos negros<br />

para a história cultural do Brasil e do<br />

Rio Grande do Sul evidenciadas na música,<br />

na dança e no esporte, na cultura<br />

hip hop, no penteado afro, na arte e na<br />

política.<br />

ESCOBAR, Giane. V. Clubes<br />

Sociais <strong>Negro</strong>s: lugares<br />

de memória, resistência negra,<br />

patrimônio e potencial.<br />

Dissertação (Mestrado Profissional<br />

em Patrimônio Cultural),<br />

Universidade Federal de<br />

Santa Maria/<strong>RS</strong>. 2010.<br />

FERREIRA DA SILVA, G.<br />

SANTOS, J.A. dos; CUNHA<br />

CARNEIRO, L.C. da. (Orgs).<br />

<strong>RS</strong> <strong>Negro</strong>: cartografias sobre<br />

a produção do conhecimento.<br />

Porto Alegre: EDIPUC<strong>RS</strong> e Governo<br />

do <strong>RS</strong>, 2008.<br />

FERREIRA, Edinéia Lopes;<br />

SANTOS, Elzelina Dóris<br />

dos; CARDOSO, Marco Antônio.<br />

Contando a História do<br />

Samba – caderno de textos.<br />

Minas Gerais: Mazza Edições,<br />

2004.<br />

GILL, Lorena Almeida; LO-<br />

NER, Beatriz Ana. Clubes carnavalescos<br />

negros na cidade<br />

de Pelotas. In: Estudos Ibero-Americanos.<br />

Porto Alegre,<br />

v. 35, nº. 1, p. 145-162, jan./<br />

jun. 2009.<br />

LONER, Beatriz. Construção<br />

de classe: operários de<br />

Pelotas e Rio Grande (1888-<br />

1930). Pelotas: EdUFPEL,<br />

2001.<br />

GERMANO, Íris. Carnavais<br />

de Porto Alegre: etnicidade<br />

e territorialidades negras<br />

no Sul do Brasil. In: SILVA,<br />

Gilberto et alli. <strong>RS</strong> negro: cartografias<br />

sobre a produção do<br />

conhecimento. Porto Alegre:<br />

EDIPUC<strong>RS</strong>, 2008. 100-119p.<br />

Sílvia do Canto<br />

Corpo e música: a presença afro-brasileira nas manifestações culturais<br />

11


Sabores em destaque - a influência africana na culinária brasileira e ...<br />

12<br />

Sabores em destaque - a influência<br />

africana na culinária brasileira e<br />

gaúcha<br />

Comer é um ato<br />

social, uma vez<br />

que constitui<br />

costumes<br />

relacionados aos<br />

usos, tradições,<br />

condutas e<br />

situações.<br />

Os descendentes de africanos<br />

no Brasil trabalharam,<br />

entre outros serviços, como<br />

escravos domésticos.<br />

E dentre<br />

as atividades desempenhadas<br />

no<br />

interior dos ca-<br />

sarões dos engenhos,<br />

das charqueadas,<br />

das fazendas<br />

ou das cidades,<br />

o preparo<br />

das refeições era<br />

tarefa primordial<br />

das negras escravizadas.<br />

Delas vieram<br />

as técnicas e<br />

os modos de cozinhar<br />

os alimentos.<br />

O seu preparo era fruto de cuidado<br />

e atenção, pois havia a necessidade<br />

de adaptar os pratos típicos,<br />

servidos diariamente, com os ingredientes<br />

locais. Por essa razão, muitos<br />

estudiosos afirmam que a cozinha<br />

é lugar de truque, um espaço<br />

onde se dinamiza a criatividade.<br />

Para exercer essa criatividade,<br />

contava-se com uma variedade imensa<br />

de produtos alimentícios nativos e<br />

outros vindos diretamente do continente<br />

africano. Esses produtos passaram<br />

a rechear as refeições nos lares<br />

dos brasileiros. Exemplos de produtos<br />

originários do continente africano são<br />

manga, melancia, jaca, cana-de-açúcar,<br />

arroz, azeite de dendê, banana,<br />

café, pimenta malagueta, amendoim,<br />

óleo de coco, abóbora, quiabo, jiló,<br />

gengibre, erva-doce, canjiquinha e<br />

tantos outros.<br />

MOREIRA, Paulo Roberto<br />

Staudt. Joana Mina, Marcelo<br />

Angola e Laura crioula:<br />

os parentes contra o cativeiro.<br />

In: SILVA, Gilberto Ferreira;<br />

SANTOS, José Antônio<br />

e CARNEIRO, Luiz Carlos<br />

da Cunha. <strong>RS</strong> <strong>Negro</strong>: cartografias<br />

sobre a produção do<br />

conhecimento. Porto Alegre,<br />

EDIPUC<strong>RS</strong>, 2008.<br />

Tradições<br />

gastronômicas<br />

Um dos pratos mais populares<br />

no Brasil, o acarajé, foi reconhecido<br />

como patrimônio cultural imaterial, em<br />

2006, pelo Ministério da Cultura . Outra<br />

especialidade gastronômica da culinária<br />

afro-brasileira é o angu; esse alimento<br />

nutritivo é feito com farinha de<br />

milho ou de mandioca, água, pimenta<br />

e azeite. E a apreciada moqueca de<br />

peixe ou de camarão cozido com dendê,<br />

tomate e pimenta.<br />

A feijoada também é outro prato<br />

que resultou da criatividade africana. Preparada<br />

à base de feijão preto. O feijão<br />

já fazia parte dos sabores africanos. No<br />

Brasil, a feijoada ganhou novos ingredientes,<br />

como pedaços<br />

de carne seca<br />

e linguiça, entre outros.<br />

Do arroz, por<br />

exemplo, surge o<br />

carreteiro na região<br />

sul, Maria Isabel, e<br />

na região central do<br />

país. O fato é que<br />

o arroz e o feijão,<br />

ingredientes básicos<br />

dos lares brasileiros,<br />

são algumas<br />

entre tantas outras<br />

heranças deixadas<br />

pela população africana.<br />

É uma demonstração<br />

de que a população negra<br />

introduziu seus modos alimentares, que<br />

aos poucos foram influenciando os paladares<br />

da população brasileira.<br />

Alimento é sagrado<br />

Para os afrodescendentes, ligados<br />

aos rituais do Batuque, o alimento<br />

é santo, sagrado e tem lugar de destaque<br />

nos terreiros. O alimento nos rituais<br />

fortalece a relação entre o devoto, a<br />

comunidade, os Orixás e os ancestrais,<br />

uma vez que eles estão sempre presentes<br />

no grupo como companheiros,<br />

parceiros essenciais nos relacionamentos<br />

sociais. Além de saciar a matéria,<br />

o corpo, o alimento também fortalece<br />

o espírito; por isso, o alimento é uma<br />

dádiva. Porém, a cultura dominante<br />

tenta fragilizar essa tradição. Ela dissemina<br />

produtos industrializados, instantâneos<br />

e desvinculados dos hábitos e<br />

costumes tradicionais.<br />

Identifique os principais<br />

produtos alimentícios<br />

da sua região, da sua cidade,<br />

do seu bairro. Em seguida<br />

verifique a sua origem e<br />

monte a trajetória de como<br />

esses produtos naturais<br />

chegaram até aqui.<br />

Pesquise em livros ou<br />

sites a respeito das comidas<br />

que são utilizadas como<br />

fonte de oferenda nos rituais<br />

dos terreiros. O que<br />

se oferta? Para quem? Por<br />

quê? Sistematize os dados<br />

em uma redação.<br />

Pesquise com pessoas<br />

em sua casa, em seu bairro<br />

ou em sua cidade uma<br />

receita de comida que elas<br />

saibam preparar e que tenha<br />

origem na cultura afrodescendente.<br />

Traga a receita<br />

por escrito para a aula<br />

para apresentar e compartilhar<br />

com seus colegas.


Literatura e negros: dois modos de<br />

contar e ouvir histórias<br />

Existe a<br />

necessidade<br />

de contarmos<br />

e ouvirmos<br />

histórias para<br />

reinventarmos<br />

o mundo. Desse<br />

modo, resgatar<br />

e compreender<br />

a trajetória do<br />

negro na literatura<br />

brasileira e gaúcha<br />

é transformá-la em<br />

instrumento eficaz<br />

para mudança do<br />

que está ao nosso<br />

alcance.<br />

O<br />

hábito de contar e ouvir<br />

histórias acompanha a humanidade<br />

em sua trajetória<br />

no espaço e no tempo. Reconhecer<br />

a importância da literatura significa<br />

de algum modo perceber que<br />

ela expande e diversifica nossas<br />

concepções de mundo. A ausência<br />

da leitura em nossa vida nos limita<br />

de modo a nos excluir dos acontecimentos,<br />

abdicando da imagi-<br />

Transmissão<br />

[Oliveira Silveira*]<br />

Narrativas literárias<br />

Querem que a gente saiba<br />

que eles foram senhores<br />

e nós fomos escravos.<br />

Por isso te repito:<br />

eles foram senhores<br />

e nós fomos escravos.<br />

Eu disse fomos.<br />

*Oliveira Ferreira de Oliveira nasceu em<br />

Rosário do Sul, <strong>RS</strong>, em 1941, é formado em<br />

Letras, pesquisador e historiador. É autor<br />

de Geminou (1962), Poemas regionais<br />

(1968), Banzo saudade negra (1970),<br />

Décima do negro peão (1974), Pelo escuro<br />

(1977).<br />

nação e da interpretação da vida.<br />

Aproximar-nos da literatura através<br />

de um romance, poesia, artigo, jornal,<br />

crônica e conto nos possibilita<br />

a aproximação, tanto do mundo<br />

da ficção quanto das realidades localizadas<br />

no universo das palavras.<br />

Existe a necessidade de contarmos<br />

e ouvirmos histórias para reinventarmos<br />

o mundo.<br />

A exemplo dos contos como As<br />

mil e uma noites, as histórias continuam<br />

salvando vidas, principalmente as<br />

vidas em vulnerabilidade econômica,<br />

social e cultural. Tal como Sherazade,<br />

personagem de As mil e uma noites,<br />

precisamos suscitar sonhos e enfrentar<br />

a morte com narrativas que promovam<br />

vida, assim como afirma o escritor<br />

moçambicano Mia Couto (2009),<br />

ao reivindicar identidades: “ao fim e<br />

ao cabo, só existe um verdadeiro suicídio:<br />

deixar de ter nome, perder entendimento<br />

de si e dos outros. Ficar fora<br />

das palavras e das alheias memórias”.<br />

De fato, a morte existe quando excluímos<br />

a imaginação, o sonho, o entendimento<br />

de nós mesmos, do outro e<br />

do mundo que nos cerca.<br />

Os negros<br />

na literatura<br />

brasileira e gaúcha<br />

A trajetória dos negros na literatura<br />

brasileira segue, de alguma forma,<br />

o mesmo percurso dos negros<br />

dentro da própria história da constituição<br />

de nossa sociedade. Durante<br />

As mil e uma noites<br />

um grande período da literatura brasileira,<br />

os negros foram representados<br />

de forma estereotipada e destituídos<br />

de individualidade, embora não tenha<br />

se limitado a isso. Podemos observar<br />

que a sua trajetória em nossa literatura<br />

é marcada por duas posturas: a<br />

condição negra como objeto, numa<br />

visão distanciada; e o negro como sujeito,<br />

de um modo compromissado.<br />

No cenário literário brasileiro,<br />

podemos observar exemplos similares<br />

como o do belo mulato de olhos<br />

azuis do romance O Mulato, de Aluísio<br />

Azevedo; a da posição polêmica<br />

de Machado de Assis, um dos maiores<br />

escritores brasileiros que, sendo<br />

negro, não se coloca nessa condição<br />

em sua obra; a da subserviente<br />

Irene no Céu de Manuel Bandeira,<br />

e até de Jorge Amado, que fala de<br />

suas mulatas como mulheres libidinosas.<br />

Uma pesquisa realizada por<br />

França (2006) analisou personagens<br />

negras na literatura infanto-juvenil<br />

brasileira. O estudo objetivou analisar<br />

a representação de personagens<br />

negras na literatura infanto-juvenil<br />

considerando a trajetória do gênero<br />

literário no Brasil. A análise do autor<br />

se apoiou em textos de várias épocas.<br />

Dentre as obras analisadas<br />

nas décadas de 20 a 50, estão as<br />

de Monteiro Lobato como Reinações<br />

de Narizinho; Maria José Dupré<br />

com os livros A montanha mágica<br />

e A ilha perdida; e Cazuza,<br />

de autoria de Viriato Corrêa, e Érico<br />

Veríssimo com as Aventuras do<br />

avião vermelho. A pesquisa verificou<br />

que, nas obras da primeira metade<br />

século XX, existia um reforço<br />

e manutenção do estereótipo do<br />

negro, o que vem se modificando<br />

gradualmente nas produções mais<br />

contemporâneas.<br />

É o título de uma das mais famosas<br />

obras da literatura árabe. Trata-se de<br />

uma coleção de contos escritos entre<br />

os séculos XIII e XVI. O que deixa o<br />

leitor interessado em ler todos os contos<br />

é o fato de eles serem interligados, isto<br />

é, um é complemento do outro. A obra<br />

conta a história do rei Périsa, da Pérsia,<br />

que traído pela esposa mandou matála;<br />

desse momento em diante decidiu<br />

passar cada noite com uma mulher<br />

diferente, que era degolada na manhã<br />

seguinte. Dentre as várias mulheres que<br />

desposou, Sherazade foi a mais esperta,<br />

pois iniciou um conto e conseguiu<br />

encantar o monarca por mil e uma<br />

noites, sendo poupada da morte.<br />

Literatura e negros: dois modos de contar e ouvir histórias<br />

13


Literatura e negros: dois modos de contar e ouvir histórias<br />

14<br />

Valorizar a<br />

identidade afrobrasileira<br />

Na literatura mais atual, encontramos<br />

outras formas de representação<br />

do negro através, por exemplo, da<br />

inserção de traços e símbolos da cultura<br />

afro-brasileira, de aspectos e mecanismos<br />

de resistência para enfrentar os<br />

preconceitos, da valorização da identidade<br />

afro e das diferenças culturais.<br />

O autor entende que essas mudanças<br />

foram geradas pela influência da própria<br />

negritude e do movimento negro.<br />

AZEVEDO, Aluísio. O mulato.<br />

Fundação Biblioteca Nacional.<br />

Acesso em: dez 2009. Disponível<br />

em < http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/livros_eletronicos/o_<br />

mulato.pdf>.<br />

BANDEIRA, Manuel. Estrela<br />

da vida inteira: poesias reunidas.<br />

2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio,<br />

Instituto Nacional do Livro, 1970.<br />

CÔRREA, Viriato. Cazuza.<br />

São Paulo: Ed.Nacional, 2004.<br />

COUTO, Mia. Antes de nascer<br />

o mundo. São Paulo: Companhia<br />

das Letras, 2009.<br />

DUPRÉ, Maria José. A ilha perdida.<br />

São Paulo : Ed. Ática, 2002.<br />

______. A montanha mágica.<br />

São Paulo : Ed. Ática, 1980.<br />

EVARISTO, Conceição. Ponciá<br />

Vicêncio. 2. ed. Belo Horizonte:<br />

Mazza Edições, 2005.<br />

FRANÇA, Luiz Fernando. Personagens<br />

negras na literatura<br />

infanto-juvenil: da manutenção<br />

à desconstrução do estereótipo.<br />

2006. Dissertação (Mestrado em<br />

Estudos de Linguagem) - Universidade<br />

Federal de Mato Grosso.<br />

LOBATO, Monteiro; BORGES,<br />

Paulo. Reinações de Narizinho.<br />

Rio de Janeiro: Ed. Globo, 2007.<br />

RIBEIRO, Esmeralda; BARBO-<br />

SA, Marcio (org.). Cadernos negros<br />

– os melhores poemas. São Paulo:<br />

Quilombhoje publicações, 1998<br />

SILVA, Cidinha. Os nove pentes<br />

d’África. Belo Horizonte: Mazza<br />

Edições, 2009.<br />

SILVEIRA, Oliveira. Décima<br />

de negro peão. Porto Alegre: ed.<br />

do Autor, 1974.<br />

VERÍSSIMO, Érico. As aventuras<br />

do avião vermelho. Cia das<br />

Letrinhas, 2002.<br />

SANTOS, Joel Rufino dos.<br />

Carolina Maria de Jesus : Uma<br />

escritora improvável. Rio de<br />

Janeiro : Garamond, 2009.<br />

São resultados, ainda, da presença<br />

crescente de uma literatura escrita por<br />

negros brasileiros e africanos, dentre<br />

os quais, podemos citar Cidinha da Silva<br />

e Conceição Evaristo.<br />

O negro como<br />

sujeito<br />

Na literatura gaúcha, o negro<br />

aparece também como sujeito no<br />

trabalho do gaúcho Oliveira Silveira.<br />

A contribuição do autor compreende<br />

várias obras, dentre as quais, a<br />

Décima do <strong>Negro</strong> Peão, em que<br />

mostra que o negro foi um dos formadores<br />

da tradição gaúcha, trabalhando<br />

nas charqueadas desde o<br />

século XVIII, guerreando na Revolução<br />

Farroupilha, e atuando nas diversas<br />

atividades do meio rural do<br />

Rio Grande do Sul.<br />

Ainda nessa perspectiva, destacam-se<br />

o carioca Lima Barreto,<br />

Poeta Oliveira Silveira<br />

cuja obra é caracterizada pela denúncia<br />

e engajamento; e Abdias do<br />

Nascimento, poeta e criador do Teatro<br />

Experimental do <strong>Negro</strong>, pioneiro<br />

na produção de uma obra engajada<br />

no Brasil.<br />

Cabe-nos o desafio de resgatar<br />

e compreender a trajetória do<br />

negro na literatura brasileira e gaúcha<br />

para transformá-la em instrumento<br />

eficaz para mudança do que<br />

está ao nosso alcance.<br />

Escreva a história de<br />

vida de uma pessoa negra<br />

que você conhece para ler e<br />

compartilhar com seus colegas.<br />

Faça uma poesia que tenha<br />

como tema a negritude.


Religiosidade afro-brasileira: diversidade,<br />

reconhecimento e resistência<br />

Para entender<br />

as religiões afrobrasileiras<br />

e a<br />

sua importância,<br />

devemos retornar as<br />

origens e verificar<br />

que a crença<br />

mantém viva as<br />

lutas, as esperanças<br />

e os sonhos.<br />

A<br />

origem das religiões afro-brasileiras<br />

vem de diferentes regiões do<br />

continente africano. África Ocidental,<br />

Centro-Ocidental e Oriental, lugares<br />

onde já se praticava o culto aos<br />

ancestrais. Aqui no Brasil, as tradições<br />

africanas foram transmitidas principalmente<br />

através da<br />

oralidade, da palavra<br />

manifestada nas<br />

rodas de convivência<br />

com os portugueses,<br />

indígenas,<br />

crioulos, formando<br />

uma imensa diversidade<br />

cultural.<br />

Nessa mistura étnica<br />

e cultural, conseguir<br />

reimplantar<br />

os ritos, os cultos,<br />

as danças , não foi<br />

tarefa simples. Pois,<br />

em alguns locais,<br />

os senhores permitiam<br />

os encontros,<br />

já em outros eles tiveram<br />

que ocorrer,<br />

na maioria das vezes, na clandestinidade.<br />

Entretanto, essas estratégias foram<br />

fundamentais para preservar as manifestações<br />

religiosas e culturais de origem<br />

africana.<br />

Durante e após a abolição da escravidão,<br />

a religião afro-brasileira foi duramente<br />

perseguida pelas autoridades,<br />

pelos agentes políticos e pelos religiosos.<br />

Diante das perseguições e imposições<br />

de outras denominações religiosas,<br />

a população negra fez da religiosidade<br />

uma das bases da resistência, garantin-<br />

do assim a preservação dos rituais, dos<br />

seus costumes e das suas tradições. Participando<br />

das confrarias e das irmandades<br />

católicas, os negros se identificaram<br />

com os santos de cor, Nossa Senhora<br />

Aparecida e São Benedito. Foi a maneira<br />

que encontraram para se familiarizar<br />

com os santos católicos.<br />

Diversidade e<br />

comunhão<br />

O princípio básico do candomblé<br />

são as práticas das oferendas aos ancestrais<br />

e o processo de iniciação dos participantes<br />

no ritual de incorporação do<br />

orixá. A umbanda, por sua vez, une elementos<br />

das religiões africanas, do espiritismo<br />

kardecista, do catolicismo e de alguns<br />

símbolos dos rituais indígenas. Os<br />

cultos aos Orixás praticados nos terreiros<br />

de batuque são realizados ao som de<br />

percussão. Nessas manifestações religiosas,<br />

crê-se na existência de forças sobrenaturais<br />

que interferem neste mundo.<br />

E também<br />

apresenta forte ligação<br />

com a natureza.<br />

Os Orixás<br />

cultuados têm<br />

como referência<br />

os elementos das<br />

águas, da terra,<br />

das florestas, ou<br />

seja, o elemento<br />

natural compõe as<br />

práticas religiosas.<br />

Nos últimos<br />

anos, as religiões<br />

afro-brasileiras<br />

vêm crescendo<br />

significativamente<br />

e têm conquistado,<br />

com muita<br />

luta, importantes<br />

espaços. Institucionalmente,<br />

o IPHAN (Instituto do<br />

Patromônio Histórico e Artístico Nacional)<br />

tem adotado a política do reconhecimento<br />

e da legitimidade dos grupos<br />

religiosos na história e na cultura<br />

brasileira, realizando tombamentos de<br />

terreiros como patrimônio cultural. Já<br />

as instituições sociais que defendem a<br />

livre manifestação religiosa promovem<br />

manifestações públicas. Em Porto Alegre,<br />

em 2009, a Congregação em Defesa<br />

das Religiões Afrobrasileira do <strong>RS</strong><br />

(CEDRAB-<strong>RS</strong>), em sintonia com outras<br />

entidades, realizou a I Marcha Estadu-<br />

al pela Liberdade Religiosa e pela Vida,<br />

uma mobilização importante contra o<br />

preconceito e a intolerância religiosa.<br />

As religiões<br />

afrogaúchas<br />

Darci Ribeiro (1995) disse certa<br />

vez que o negro “fez quase tudo que<br />

aqui se fez”. Essa contribuição da população<br />

negra é constatada também<br />

no Rio Grande do Sul, estado com forte<br />

presença dos imigrantes europeus. No<br />

campo religioso de matriz africana não<br />

é diferente.<br />

Com base nos estudos do professor<br />

Ari Pedro Oro (2008), somos informados<br />

de que no estado existem mais de<br />

30 mil terreiros, possuindo o maior número<br />

de praticantes da religião afro no<br />

país. Dentre as religiões de matriz africana<br />

praticadas no Rio Grande do Sul,<br />

destacam-se a umbanda, o batuque e<br />

a linha cruzada. Entre os três há muitos<br />

elementos em comum, muito embora<br />

o diferencial entre eles esteja nos rituais<br />

que envolvem o sacrifício de animais.<br />

O batuque, a modalidade mais<br />

africana dos cultos afro-brasileiros, iniciou<br />

suas atividades ainda no século<br />

XIX na região sul do Estado, nas cidades<br />

de Pelotas e Rio Grande, cultuando<br />

as divindades chamadas de orixás. A<br />

umbanda inaugurou sua primeira casa,<br />

em 1926, no município de Rio Grande.<br />

Seis anos depois esses rituais foram trazidos<br />

para Porto Alegre. Na umbanda<br />

são cultuados caboclos, pretos-velhos,<br />

crianças, além das falanges africanas. A<br />

linha cruzada cultua, simultaneamente,<br />

os orixás do batuque e as entidades<br />

da umbanda. Apesar de ser recente, do<br />

ano de 1960, ela vem crescendo sistematicamente<br />

no estado.<br />

O panorama dessas experiências<br />

está posta. É necessário aprofundar nos<br />

estudos realizados para valorizarmos<br />

ainda mais os elementos da cultura africana<br />

em nosso estado e no Brasil.<br />

Príncipe Custódio<br />

Religiosidade afro-brasileira: diversidade, reconhecimento e resistência<br />

15


Religiosidade afro-brasileira: diversidade, reconhecimento e resistência<br />

16<br />

Musicalidade e<br />

devoção popular<br />

Na celebração, a música e os instrumentos,<br />

como atabaques, cabaças,<br />

chocalhos, agogôs, ganzás, tem papel<br />

de destaque. A musicalidade ajuda a<br />

evocar as entidades espirituais e ao mesmo<br />

tempo funciona como um canal de<br />

ligação entre a pessoa e o sagrado. No<br />

início do século XX, a temática afrorreligiosa<br />

ganhou outras dimensões. Vários<br />

artistas brasileiros, consagrados ou não,<br />

passaram a se inspirar na religiosidade<br />

afrodescendente para trabalhar as suas<br />

composições musicais.<br />

As letras das músicas contam as<br />

histórias dos ancestrais, os nomes das<br />

divindades, as lendas dos orixás, os<br />

símbolos sagrados, os elementos que<br />

compõem os rituais. Esse repertório<br />

musical tem contribuído para divulgar<br />

e socializar as devoções populares existentes<br />

em todas as regiões do Brasil.<br />

Quem já ouviu Conto de areia interpretado<br />

por Clara Nunes?<br />

Igreja Nossa Senhora do Rosário, autoria de RODRIGO SCHIFFNER<br />

Ela mora no mar<br />

Ela brinca na areia<br />

No balanço das ondas<br />

A paz ela semeia<br />

Ai quem é?<br />

Alguns dos Orixás cultuados<br />

no Brasil<br />

Exu é considerado o<br />

mensageiro entre os orixás.<br />

Iansã é um orixá feminino,<br />

considerada uma guerreira.<br />

Iemanjá é outro orixá<br />

feminino, considerada a mãe<br />

de todos os orixás.<br />

Ogum é o orixá das guerras.<br />

Oxalá é o orixá criador da<br />

humanidade.<br />

Oxóssi é o orixá da caça e<br />

junto com Ogum desbrava<br />

os caminhos e remove os<br />

obstáculos da vida.<br />

Oxum é um orixá feminino e<br />

representa a beleza e o amor.<br />

Xangô é o orixá do poder e da<br />

justiça.<br />

“Em estilo barroco foi edificada entre os anos de 1817 e 1827, pela Irmandade Nossa<br />

Senhora do Rosário no centro de Porto Alegre, confraria de negros lives e escravizados.<br />

Foi muito importante na vida da comunidade negra durante o século XIX. Em 1950 a<br />

Mitra Arquidiocesana ordenou a demolição, para construir a paróquia atual.”<br />

A construção da igualdade<br />

http://www.youtube.com/watc<br />

h?v=F5XaRwBjj48&feature=rela<br />

ted<br />

Faça um mapeamento<br />

das manifestações culturais<br />

afro-brasileiras existentes<br />

na sua cidade. Procure materiais<br />

audiovisuais (fotos,<br />

entrevistas, matérias de jornais,<br />

sites e outros), reúna<br />

essas informações a partir<br />

da origem dessas manifestações<br />

e informe como elas,<br />

atualmente, se apresentam.<br />

Entreviste pessoas que<br />

praticam as religiões afrobrasileiras<br />

para conhecer<br />

sua história com essas religiões<br />

e se há alguma dificuldade<br />

enfrentada pelos afrobrasileiros<br />

para manifestar<br />

a sua religiosidade? Quais<br />

são essas dificuldades?<br />

Como enfrentam ou como<br />

reagem a essa situação?<br />

Procure músicas que<br />

tratam das questões ligadas<br />

à religiosidade do negro.<br />

Analise as letras e discuta<br />

em sala de aula a sua<br />

influência.<br />

BASTIDE, Roger. As religiões<br />

africanas no Brasil. Pioneira,<br />

São Paulo, 1985.<br />

CORRÊA, Norton. O batuque<br />

do Rio Grande do Sul.<br />

Porto Alegre. EdUFRGS. 1992.<br />

ORO, Pedro Ari. As religiões<br />

afrogaúchas. In: SILVA,<br />

Gilberto Ferreira; SANTOS,<br />

José Antônio e CARNEIRO,<br />

Luiz Carlos da Cunha. <strong>RS</strong> <strong>Negro</strong>:<br />

cartografias sobre a produção<br />

do conhecimento. Porto<br />

Alegre: EDIPUC<strong>RS</strong>, 2008.<br />

Projeto Cultural o povo<br />

negro do Sul. ALVES, Nereidy<br />

Rosa. 130 anos de Floresta<br />

Aurora. Porto Alegre: ARI,<br />

2002.<br />

RIBEIRO, Darci. O povo<br />

brasileiro: a formação e o<br />

sentido do Brasil. São Paulo:<br />

Companhia das Letras, 1995.


Batucar, cochilar, bengala, inhame,<br />

orixá... Recriando as línguas africanas<br />

A África, por ser<br />

um continente<br />

multilíngue,<br />

envolve pluralidade<br />

de saberes,<br />

informações e<br />

ensinamentos.<br />

Qual influência<br />

sociolinguística ela<br />

tem sobre o nosso<br />

continente?<br />

No continente africano, existem<br />

mais de mil línguas maternas,<br />

algumas delas faladas por milhões<br />

de pessoas e outras utilizadas em<br />

pequenos grupos sociais. Para compreendermos<br />

melhor essa diversidade<br />

linguística de origem africana, podemos<br />

dividi-las didaticamente em quatro<br />

grandes grupos: afro-asiático, koisan,<br />

níger-Congo e nilo saarianos. Esses<br />

grupos linguísticos subdividem-se<br />

em outros idiomas, mas há nas suas<br />

estruturas uma língua-mãe comum<br />

que aproxima as palavras cognatas e as<br />

marcas gramaticais semelhantes.<br />

Com o processo de colonização<br />

do continente africano, outras linguagens<br />

como o francês, o inglês, o italiano<br />

e o português passaram a predominar<br />

em vários países. O português, por<br />

exemplo, é falado em cinco países africanos:<br />

Angola, Moçambique, São Tomé e<br />

Príncipe, Guiné-Bissau e Cabo Verde.<br />

Mobilidade<br />

linguística<br />

A presença do povo negro em<br />

diversos países do mundo contribuiu<br />

com a construção da linguagem, das<br />

práticas culturais, das resistências à<br />

ideologia dominante. No Brasil, não foi<br />

diferente. Apesar de que não se pode<br />

precisar o número de línguas originárias<br />

do continente africano, pode-se<br />

dizer que a movimentação de milhões<br />

de africanos durante o tráfico negreiro<br />

e o comércio de escravos possibilitou<br />

a incorporação de palavras de origem<br />

africana em nosso léxico gramatical,<br />

no vocabulário e no próprio jeito de falar<br />

do povo brasileiro. Percebe-se que<br />

a língua está associada ao funcionamento<br />

histórico e social de um povo.<br />

Oralidade<br />

Outra característica importante<br />

são as dinâmicas da linguagem. Ela estrutura<br />

as relações no interior do grupo<br />

social. Fato presenciado, por exemplo,<br />

na prática da comunicação oral. A<br />

dinâmica da oralidade é exercida principalmente<br />

pela população africana e<br />

pelos afro-brasileiros; oralidade que<br />

expressa o princípio de igualdade e do<br />

reconhecimento do Outro. Já na constituição<br />

da língua portuguesa, a nossa<br />

oralidade enfatiza uma linguagem<br />

machista, ideologicamente produzida<br />

para ser excludente com as mulheres,<br />

pois é comum a utilização de palavras<br />

masculinas: todos, homens, um, ele<br />

quando se refere a um grupo eminentemente<br />

constituído de mulheres. É<br />

urgente a necessidade de superar esse<br />

discurso machista, bem como todos e<br />

quaisquer discursos autoritários, a fim<br />

de promover uma comunicação democrática<br />

entre falantes e ouvintes.<br />

Valorizar e recriar<br />

a linguagem<br />

No espaço escolar, deve-se promover<br />

uma recriação da linguagem<br />

compatível com uma aprendizagem<br />

que restabeleça o elo com as ancestralidades,<br />

com as africanidades que foram<br />

perdidas ou rompidas nessa trajetória<br />

histórica. Assim, o estudo da língua<br />

em sala de aula pode ser articulador do<br />

processo democrático, criando espaços<br />

que sejam uma espécie de mesa de negociação<br />

em que se aprende a dizer a<br />

palavra própria, respeitando a capacidade<br />

de indagação e questionamento<br />

dos estudantes. Essa prática possibilita<br />

romper com hierarquização entre professor<br />

e aluno e com as exposições de<br />

aulas apenas em monólogos. Valoriza,<br />

portanto, a comunicação dialógica.<br />

Leia e analise o poema<br />

Navio Negreiro de Castro Alves.<br />

Faça uma pesquisa e descubra<br />

as marcas linguísticas<br />

afro-brasileiras existentes na<br />

sua cidade ou região. Procure<br />

as palavras e expressões<br />

em revistas, jornais, sites e<br />

redija um texto informando<br />

como elas são retratadas nos<br />

nossos dias.<br />

Quais são as manifestações<br />

afro-brasileiras que podem<br />

ter sua origem ou ter recebido<br />

a influência da cultura<br />

africana?<br />

Agora chegou a hora de<br />

aumentar o nosso repertório<br />

linguístico. Eis algumas<br />

palavras de origem africana<br />

utilizadas no Brasil.<br />

Alimentos: acarajé, angu, bobô,<br />

cachaça, canjica, dendê, fubá, inhame,<br />

jiló, maxixe, mocotó, quiabo, quibebe,<br />

quitute, vatapá.<br />

Religião: candomblé, Iemanjá,<br />

macumba, mandinga, orixá, Oxossi,<br />

Xangô.<br />

Música: atabaque, batuque, berimbau,<br />

bumbo, caxambu, congada, jongo,<br />

matacatu, samba.<br />

Lazer: coringa, dunga, empate.<br />

Características físicas: banguela,<br />

cangote, careca, corcunda.<br />

Verbos: batucar, cochilar, engambelar,<br />

xingar.<br />

Animais: bugio, camundongo,<br />

caxinguelê, gambá, marimbondo,<br />

minhoca, papagaio, zebra.<br />

Objetos: bengala, cachimbo, cacimba,<br />

carimbo.<br />

Doenças: cachumba, calombo.<br />

Expressão social: axé, caçula,<br />

cambada, catinga, dengo, moleque,<br />

muamba, mucama, mulamba, quitanda,<br />

senzala, sinhá.<br />

Batucar, cochilar, bengala, inhame, orixá... Recriando as línguas africanas<br />

17


Educação pela igualdade: o negro nas escolas brasileira e gaúcha<br />

18<br />

Educação pela igualdade: o negro<br />

nas escolas brasileira e gaúcha<br />

A interlocução<br />

entre educação<br />

e etnia se faz<br />

necessária<br />

para pensar a<br />

democratização<br />

da educação, que,<br />

enquanto direito<br />

social, precisa<br />

garantir o direito<br />

à diferença e a<br />

implementação<br />

de políticas<br />

públicas que<br />

superem as<br />

desigualdades<br />

sociais e raciais.<br />

N<br />

os últimos anos, o campo<br />

da educação tem se destacado<br />

quando se trata da implementação<br />

de políticas públicas<br />

de promoção da igualdade racial<br />

no Brasil, especialmente a partir da<br />

promulgação da Lei n°10.639/03,<br />

de janeiro de 2003. A Lei de História<br />

da África, como ficou conhecida,<br />

alterou a Lei nº 9.394/96, de Diretrizes<br />

e Bases da Educação Nacional<br />

- LDB, determinando a inclusão<br />

do ensino sobre História e Cultura<br />

Afro-Brasileira no currículo oficial<br />

dos estabelecimentos de ensino<br />

fundamental e médio do país.<br />

Segundo essa nova legislação, os<br />

conteúdos a serem ministrados pelas<br />

escolas devem incluir o estudo<br />

da História da África e dos Africanos,<br />

da luta dos negros no Brasil,<br />

da presença da cultura negra brasileira<br />

e do negro na formação da<br />

sociedade nacional, com o objetivo<br />

de resgatar a contribuição do povo<br />

negro nas áreas social, econômica<br />

e política do país.<br />

De acordo com alguns especialistas,<br />

uma das possíveis saídas para<br />

o fim das desigualdades educacionais<br />

do Brasil está em enfrentar as<br />

desigualdades raciais presentes no<br />

ambiente escolar, que estão expressas,<br />

em grande medida, no currículo<br />

escolar. Embora estejam presentes<br />

de modo relevante em nossa sociedade,<br />

como observamos em nosso<br />

cotidiano, a história e cultura negras<br />

têm tido pouco ou nenhum destaque<br />

nos currículos escolares brasileiros,<br />

que têm suas bases fixadas nas culturas<br />

de origem europeia. Cabe ressaltar<br />

que em 2008 foi editada a Lei nº<br />

11.645, que alterou novamente a LDB<br />

e incorporou a necessidade do ensino<br />

da história dos indígenas no Brasil.<br />

Escola: currículo,<br />

bibliotecas e livros<br />

didáticos<br />

Quando a trajetória histórica<br />

do negro é estudada nas escolas,<br />

muitas vezes, é feita de modo pouco<br />

aprofundado e restrita a datas<br />

específicas, como 13 de maio, data<br />

da Abolição da Escravidão, ou 20 de<br />

novembro, Dia Nacional da Consciência<br />

Negra. Outra postura comum<br />

encontrada no ambiente escolar é a<br />

de tratar as questões da realidade<br />

do negro apenas quando surge algum<br />

assunto na sala de aula pautado<br />

pela mídia.<br />

Outro exemplo que podemos<br />

citar sobre as desigualdades raciais<br />

na escola é o fato de muitas bibliotecas<br />

escolares disporem de poucas<br />

obras sobre a questão racial para uso<br />

dos alunos, professores e funcionários.<br />

O racismo e a falta de imagens<br />

do negro, ou a presença de imagens<br />

apresentadas, quase sempre, de forma<br />

negativa nos livros didáticos, são<br />

apontados como elementos que<br />

causam a evasão da criança negra<br />

da escola, por dificultar a sua identificação<br />

com os conteúdos e processos<br />

pedagógicos adotados. Muitos<br />

professores têm dificuldade para trabalhar<br />

com questões que dizem respeito<br />

a essa população, geralmente,<br />

vista como brincalhona, desligada ou<br />

pouco afeita ao conhecimento, desconhecendo<br />

as diferenças culturais<br />

que carregam consigo os estudantes<br />

negros. Historicamente, o negro<br />

enfrenta dificuldade para o acesso e<br />

para a permanência na escola, um<br />

espaço sociocultural que deveria estar<br />

sempre voltado à ampliação de<br />

direitos e a uma formação dos alunos<br />

que respeite as diferenças e seja<br />

justamente questionadora do preconceito.<br />

Combater o<br />

preconceito racial<br />

A Lei Federal nº 10.639/03<br />

abriu alguns caminhos pedagógicos<br />

no combate ao preconceito racial,<br />

assim como para alternativas<br />

de intervenção no currículo das escolas<br />

brasileiras. Nas práticas educativas,<br />

já podemos observar alguns<br />

avanços significativos. Como


exemplo, podemos citar a criação<br />

de secretarias e órgãos governamentais<br />

de planejamento e de<br />

orientação (como a Coordenadoria<br />

das Políticas de Igualdade Racial no<br />

Rio Grande do Sul); o aumento do<br />

número de pessoas e instituições<br />

envolvidas em discussões coletivas<br />

sobre o tema; o incremento de<br />

pesquisas nas universidades através<br />

dos NEABs (Núcleos de Estudo<br />

Afro-Brasileiros) e a organização de<br />

uma série de publicações de apoio<br />

que subsidiam o debate e as ações<br />

nas escolas.<br />

Os avanços são também significativos<br />

no que se refere à formação<br />

continuada para educadores<br />

no que diz respeito à inclusão<br />

da cultura negra nas práticas pedagógicas<br />

das escolas. Isso se traduz<br />

na quantidade de projetos e cursos<br />

existentes, em âmbito interno e externo<br />

das universidades, nas secretarias<br />

de educação e em ONGs (Organizações<br />

não governamentais),<br />

coordenados em grande parte por<br />

grupos de militantes e pesquisadores<br />

já envolvidos com a produção<br />

de conhecimento na área de relações<br />

raciais.<br />

Positivar a<br />

negritude<br />

Se considerarmos que desde a<br />

homologação da Lei nº 10.639 já passaram<br />

alguns anos, a sua implantação<br />

ainda é lenta. Há poucos livros didáticos<br />

que atendam às prerrogativas previstas<br />

pela lei. De acordo com as Diretrizes<br />

Curriculares Nacionais para a Educação<br />

das Relações Étnicos-Raciais e<br />

para o Ensino de História da África, o<br />

objetivo principal da lei consiste em promover<br />

políticas de reparações e de reconhecimento<br />

e de valorização da história,<br />

cultura e identidade da população<br />

negra. No entanto, constata-se o seu<br />

não cumprimento através da omissão<br />

dos setores públicos em criar mecanismos<br />

para sua implementação efetiva,<br />

da persistência da discriminação no ambiente<br />

escolar, na resistência por parte<br />

de professores, diretorias e até mesmo<br />

dos gestores, que, na maioria das vezes,<br />

se mostram despreparados, alheios<br />

e até mesmo contrários ao processo de<br />

implementação da norma federal. Isso<br />

pode ser confirmado através de inquéritos<br />

civis públicos instaurados em vários<br />

estados brasileiros para apurar os moti-<br />

vos do descumprimento da lei promulgada<br />

em 2003, verificar a existência de<br />

improbidade administrativa nessa situação<br />

e a omissão dos órgãos responsáveis<br />

pela implementação da Lei.<br />

Como podemos observar, os desafios<br />

são muitos, mas há indicadores<br />

que sinalizam esforços, em muitos<br />

contextos escolares, que têm visado à<br />

construção de uma identidade negra<br />

positiva que colabore para que a cultura<br />

dos afro-descendentes seja reconhecida,<br />

abordada e valorizada como parte<br />

das identidades culturais que constituem<br />

o Brasil e o Rio Grande do Sul.<br />

Que tal ser repórter por<br />

um dia? Verifique como a<br />

Lei nº 10.639/03 está sendo<br />

aplicada em sua escola<br />

e nas demais escolas da<br />

sua cidade. Busque saber se<br />

os professores foram preparados<br />

para corresponder às<br />

determinações legais e quais<br />

são os avanços e os desafios<br />

encontrados.<br />

Busque livros didáticos<br />

em uso na sua escola e discuta<br />

em sala de aula se eles<br />

estão contribuindo para a<br />

promoção da cultura afrobrasileira.<br />

Educação pela igualdade: o negro nas escolas brasileira e gaúcha<br />

19


Afroetnomatemática: a inclusão dos saberes matemáticos na escola<br />

20<br />

Afroetnomatemática: a inclusão dos<br />

saberes matemáticos na escola<br />

O estudo da<br />

matemática<br />

ajuda na<br />

construção da<br />

consciência<br />

crítica da<br />

pessoa, nas<br />

lutas pelo<br />

reconhecimento<br />

dos valores<br />

socioculturais e<br />

no compromisso<br />

com a educação<br />

transformadora.<br />

A<br />

afroetnomatemática é uma<br />

proposta pedagógica que<br />

considera os conhecimentos<br />

práticos, os saberes locais e os<br />

cotidianos dos estudantes afrobrasileiros<br />

no processo de ensino<br />

e aprendizagem. Isto é, para além<br />

do rigor e da exatidão do ensino<br />

da matemática tradicional, valoriza-se<br />

a diversidade cultural da cultura<br />

africana e das africanidades.<br />

A ênfase do ensino da afroetnomatemática<br />

é ultrapassar a transmissão<br />

do conhecimento sistematizado,<br />

de modo a contribuir com<br />

a construção de sujeitos conscientes<br />

e críticos. A matemática é, então,<br />

estudada em estreita relação<br />

com o cotidiano do aluno.<br />

Exemplos<br />

No ensino da afroetnomatemática,<br />

analisa-se o protagonismo<br />

da população negra, verificando<br />

as suas contribuições para as diversas<br />

áreas do conhecimento. Por<br />

exemplo, nos jogos de búzios, utilizam-se<br />

as combinações das cartas<br />

a partir dos números 0 e 1, a<br />

mesma ideia do código binário que<br />

está na base da informática. Esse<br />

é apenas um exemplo dentre muitas<br />

experiências que podem ser<br />

aprofundadas no ensino da afroetnomatemática,<br />

mostrando como<br />

a produção do conhecimento desenvolvida<br />

pelos negros tem aplicação<br />

nas áreas de matemática,<br />

engenharia, física, dentre outras.<br />

O ensino da afroetnomatemática<br />

nas escolas é uma proposta<br />

defendida pelo Movimento <strong>Negro</strong>,<br />

que já nos anos 70 defendia<br />

a inclusão da História da Cultura<br />

da África nos currículos escolares.<br />

O ensino da matemática valoriza a<br />

experiência africana e insere-se na<br />

luta para superar a ideia dominante<br />

das ciências rígidas que tendem<br />

a subestimar os saberes cotidianos,<br />

produzidos fora da academia.<br />

No ensino da afroetnomatemática,<br />

todo conhecimento é válido,<br />

enquanto construção humana.<br />

Para além das<br />

fórmulas<br />

Como a matemática é abordada<br />

nas salas de aula onde há predominância<br />

de estudantes afro-brasileiros?<br />

A resposta exige um exame<br />

cuidadoso a respeito do desenvolvimento<br />

das ações pedagógicas destinadas<br />

a atender os diferentes grupos<br />

culturais. Isso porque os conteúdos da<br />

Matemática devem facilitar a “leitura<br />

da realidade”, de modo que o processo<br />

de aprendizagem parta dos saberes<br />

produzidos em que os estudantes<br />

afro-brasileiros estão inseridos. A realidade<br />

sociocultural do estudante que<br />

tratamos aqui não se limita a simples<br />

ordenamento de números, cálculos<br />

ou coleta de dados. Deve, acima de<br />

tudo, perceber como o educando sente<br />

a própria realidade. Como propagou<br />

Paulo Freire (2002), quem consegue ler<br />

sua realidade é capaz de ler o mundo.<br />

Construção<br />

coletiva<br />

A afroetnomatemática contribui<br />

com a construção coletiva do conhecimento,<br />

engajando os estudantes na<br />

matemática do cotidiano, valorizando<br />

a história africana, os legados, os conhecimentos<br />

religiosos, os mitos populares,<br />

as artes, as danças, os jogos,<br />

o cabelo trançado, as construções. O<br />

engajamento dos estudantes permite<br />

entender que esses saberes serviram<br />

de base para as ciências e que contribuíram<br />

com o desenvolvimento social<br />

de outras culturas, inclusive a cultura<br />

brasileira.<br />

Percebe-se que nesse processo<br />

de ensino e aprendizagem não há<br />

foco na memorização mecânica de<br />

fórmulas prontas para serem aplicadas<br />

ou transmitidas aos estudantes. O ensino<br />

prático, contextualizado e dialogado,<br />

respeita as escolhas conscientes<br />

dos educandos. Com essa atitude, iincentiva-os<br />

a indagar, estimulando-os<br />

a construir novas perguntas criativas e<br />

críticas.<br />

Aplique o ensino da afroetnomatemática<br />

num núcleo<br />

familiar. Busque informações,<br />

por exemplo, sobre o<br />

orçamento familiar, a lista e<br />

os preços dos produtos mais<br />

consumidos, e registre também<br />

as conversas familiares<br />

a respeito do tema. Redija<br />

um texto, identificando como<br />

ocorreu o envolvimento da<br />

família com o conhecimento<br />

matemático, aproximando-a<br />

da prática cotidiana.<br />

JÚNIOR. Henrique Costa.<br />

Afroetnomatemática: África<br />

e afrodescendência. In:<br />

CAVALCANTI, Bruno Cézar;<br />

SUASSUNA, Clara e BAR-<br />

ROS, Raquel Rocha de Almeida<br />

(orgs.). Kulé-Kule: visibilidades<br />

negras. Maceió:<br />

EDUFAL, 2006.<br />

SANTOS, Joel Rufino.<br />

Gosto da África: história de<br />

lá e daqui. São Paulo: Global,<br />

2000.<br />

FREIRE, Paulo. Pedagogia<br />

do oprimido. 32 ed.<br />

Rio de Janeiro: Paz e Terra,<br />

2002.


<strong>Negro</strong>s na mídia/negros fazendo<br />

mídia<br />

A mídia está<br />

presente em<br />

nossos lares<br />

cotidianamente.<br />

Ela interfere<br />

nas práticas<br />

culturais e em<br />

nossa visão de<br />

mundo. Os meios<br />

de comunicação<br />

oferecem<br />

representações<br />

sobre os afrobrasileiros<br />

e<br />

podem tanto<br />

incluir quanto<br />

excluir de sua<br />

agenda o debate<br />

sobre as relações<br />

raciais e as<br />

desigualdades no<br />

Brasil.<br />

É<br />

incontestável a centralidade da<br />

mídia na sociedade contemporânea.<br />

Com o acelerado desenvolvimento<br />

tecnológico dos últimos<br />

anos, a mídia está presente e<br />

influencia muitos aspectos da nossa<br />

vida cotidiana. É a partir das suas<br />

representações que a mídia fornece<br />

referências para a produção e reprodução<br />

de ideias e visões sobre o<br />

mundo em que vivemos. Para a autora<br />

Woodward (2004), é por meio<br />

dos significados produzidos pelas<br />

representações que damos sentido<br />

à nossa experiência e àquilo que somos.<br />

A autora sugere, inclusive, que<br />

esses significados tornam possível<br />

aquilo que somos e aquilo no qual<br />

podemos nos tornar.<br />

No entanto, ao mesmo tempo<br />

em que a mídia produz e reproduz<br />

sentidos, ela é também processo de<br />

mediação, e isso significa movimentos<br />

de no mínimo dois lados, uma<br />

vez que, quando os produtos da mídia<br />

circulam, nós também colaboramos<br />

para sua produção. Lembremos,<br />

ainda, que as representações<br />

produzem significados e envolvem<br />

relações de poder, incluindo o poder<br />

para definir os modos de presença<br />

e exclusão de pessoas e grupos na<br />

mídia.<br />

É preciso considerar que segue<br />

havendo um profundo desconhecimento<br />

da sociedade brasileira sobre<br />

os prejuízos que a escravidão causou<br />

à população negra e à própria democracia<br />

no Brasil. Depois, é necessário<br />

reconhecer que a existência de uma<br />

dívida histórica do Brasil com a população<br />

negra retirou dos negros o<br />

direito de serem representados, de<br />

terem uma história própria, escrita a<br />

partir do ponto de vista dos próprios<br />

negros.<br />

Representação dos<br />

negros na mídia<br />

Nesse contexto, historicamente,<br />

a mídia também teve e tem o seu<br />

papel de, em suas representações,<br />

incluir e excluir as relações raciais e<br />

as desigualdades do Brasil em sua<br />

agenda. Mas, como é possível à mídia<br />

excluir as relações raciais da sua<br />

agenda? Como é possível à mídia<br />

naturalizar indicadores sociais que<br />

revelam a discrepância entre brancos<br />

e negros em todas as esferas sociais?<br />

Segundo dados do Programa<br />

das Nações Unidas para o Desenvolvimento<br />

- PNUD, em relação à<br />

população branca, os negros apresentam<br />

maior taxa de mortalidade<br />

infantil, menor esperança de vida e<br />

de renda para maior jornada de trabalho,<br />

índice superior de desemprego,<br />

menor mobilidade social, menos<br />

ascensão a postos políticos, média<br />

de anos de estudos, etc., (PNUD,<br />

2005).<br />

Para compreender essa dinâmica<br />

de relação entre negro e mídia,<br />

é importante partirmos de uma dupla<br />

perspectiva: como a população<br />

negra é representada contempora-<br />

neamente na mídia e como os negros<br />

atuam para construir representações<br />

positivas, e como pluralizar<br />

as suas representações no âmbito<br />

da mídia.<br />

Essa dupla perspectiva sinaliza<br />

para a importância de pensar como<br />

os processos de diferenciação social<br />

na mídia interferem tanto nos direitos<br />

individuais quanto nas identidades<br />

de grupo; e para isso é necessário<br />

estabelecer relações entre o<br />

passado e o presente com o fim de<br />

perceber as conquistas e o processo<br />

lento dessa historicidade.<br />

Televisão e<br />

diversidade racial<br />

O Brasil é conhecido por sua<br />

diversidade, inclusive racial, mas,<br />

apesar de mais de 50% da sua população<br />

se autodenominar negra,<br />

essa diversidade não é representada<br />

na televisão. A representação<br />

negra sempre existiu, porém de maneira<br />

estereotipada, episódica, momentânea,<br />

problemática e pouco<br />

digna. Joel Zito Araújo (2000) destaca<br />

que, na década de 60, os poucos<br />

atores negros que fizeram parte<br />

do elenco das novelas na Rede<br />

Tupi ou na Rede Globo representavam<br />

escravos (quando a novela era<br />

de época), “malandros” ou profissionais<br />

com baixo prestígio social,<br />

como empregadas domésticas ou<br />

motoristas. O fato é que há poucos<br />

negros desempenhando papéis de<br />

apresentadores, protagonistas e âncoras<br />

de telejornais.<br />

Telejornalismo e<br />

negritude<br />

No telejornalismo brasileiro,<br />

os profissionais negros são escassos.<br />

Basta lembrarmos, por exemplo,<br />

que, somente em 2002, Heraldo<br />

Pereira se tornou o primeiro negro<br />

a apresentar o Jornal Nacional<br />

da Rede Globo, desencadeando o<br />

processo de exibição de jornalistas<br />

negras em emissoras como o SBT<br />

e TV Cultura. As jornalistas Glória<br />

Maria e Zileide Silva estão no grupo<br />

das raras exceções. Glória Maria,<br />

que não foi a primeira negra no<br />

telejornalismo, é considerada uma<br />

das profissionais mais respeitadas<br />

<strong>Negro</strong>s na mídia/negros fazendo mídia<br />

21


<strong>Negro</strong>s na mídia/negros fazendo mídia<br />

22<br />

da TV brasileira até o momento. Zileide<br />

Silva também integra o time<br />

de grandes repórteres da TV Globo,<br />

apurando e transmitindo informações<br />

diretamente do Distrito Federal.<br />

No Rio Grande do Sul esse cenário<br />

não é diferente; os profissionais<br />

negros estão incluídos na categoria<br />

“raras exceções”. Um exemplo<br />

ilustrativo disso foi a constatação de<br />

uma pesquisa sobre a invisibilidade<br />

do negro no estado, realizada no início<br />

dos anos 2000 pela Faculdade de<br />

Sociologia da Pontifícia Universidade<br />

Católica do Rio Grande do Sul (PU-<br />

C<strong>RS</strong>) a pedido do Sindicato de Jornalistas<br />

do Rio Grande Sul. Entre outros<br />

resultados, a pesquisa verificou que,<br />

naquele período, só havia quatro negros<br />

trabalhando na televisão.<br />

Protagonismo<br />

negro na telenovela<br />

No que diz respeito à teledramaturgia,<br />

podemos observar telenovelas<br />

como A escrava Isaura (1976)<br />

que narra as agruras da escravidão<br />

a partir de uma escrava branca,<br />

Isaura, interpretada pela atriz Lucélia<br />

Santos. Em 2001, a Rede Globo<br />

exibiu a novela Porto dos milagres<br />

(2001), narrada na Bahia, um<br />

dos estados brasileiros com a maior<br />

concentração de negros. A trama<br />

tinha como cenário uma comunidade<br />

pesqueira e sua ligação com<br />

o universo religioso afro-brasileiro.<br />

Contudo, contava com a participação<br />

de apenas seis atores negros,<br />

num elenco composto por 45 atores.<br />

Somente em 2009, a emissora<br />

de maior audiência do país escalou<br />

a primeira protagonista negra para<br />

sua telenovela de horário nobre, a<br />

atriz Taís Araújo, que interpretou<br />

a personagem Helena em Viver a<br />

vida. A soap opera Malhação, no<br />

ar desde 1995, só foi ter seu primeiro<br />

protagonista negro também em<br />

2009. No contexto gaúcho, é destaque<br />

a atriz negra Sheron Menezes,<br />

que interpretou Júlia na novela<br />

Esperança (2002). A personagem<br />

era filha bastarda de um barão do<br />

café com uma empregada da família.<br />

A atriz já atuou como apresentadora<br />

no seriado “Fábulas Modernas”<br />

(2003), produção da RBS TV, na<br />

novela Caras & Bocas (2009), interpretando<br />

a doce e ingênua Milena,<br />

vítima de preconceitos racial e de<br />

classe pelo seu namorado.<br />

Exclusão e violência<br />

no cinema<br />

Em se tratando dos filmes e<br />

minisséries, tem predominado representações<br />

que dão maior destaque<br />

às condições de exclusão<br />

e violência da raça negra. Exemplos<br />

são Orfeu (1999), Cidade de<br />

Deus (2002), O homem que copiava<br />

(2003), Tropa de Elite (2007), Ó<br />

Pai, ó (2007). Esses filmes podem<br />

se constituir em bons instrumentos<br />

para provocar debates em torno de<br />

temas como favela, drogas, pobreza,<br />

violência e juventude. Entretanto,<br />

é recomendável um olhar atento<br />

para que estes filmes não legitimem<br />

determinadas leituras já dadas da<br />

realidade, de modo a ocultar problemas<br />

que confirmem pontos de vista<br />

pré-concebidos sobre a questão da<br />

desigualdade racial, da violência, do<br />

narcotráfico e da criminalidade.<br />

Em outra linha, vão os filmes<br />

Besouro (2009) e Jardim das Folhas<br />

Sagradas, (2009). Besouro revela<br />

a história do mais famoso capoeirista<br />

brasileiro, um negro que viveu<br />

no Recôncavo baiano e que criou<br />

fama, na década de 20, pela sua<br />

postura de resistência ao racismo<br />

através da luta da capoeira. O filme<br />

retrata Besouro como um herói<br />

brasileiro e revela a possibilidade de<br />

retirar o tema racial do circuito negro-favela-droga-violência-morte.<br />

O<br />

filme mostra que Besouro também<br />

pode ser o herói da gurizada negra<br />

e branca do Brasil, que voa, pula,<br />

briga, como fazem os Bruce Lee e<br />

007 por aí a fora, encantando tanta<br />

gente. Já o filme Jardim das Folhas<br />

Sagradas conta a história de Bonfim,<br />

negro baiano que tem sua vida<br />

virada pelo avesso com a revelação<br />

de que precisa abrir um terreiro de<br />

candomblé. A partir daí se desenvolve<br />

toda a trama sobre religião, tradição<br />

e cultura afro-brasileira, sobre a<br />

importância do candomblé no passado,<br />

como elemento de resistência<br />

ao racismo, e no presente, como<br />

meio de reconstrução da identidade<br />

negra, de preservação do meio ambiente,<br />

do convívio e da tolerância<br />

entre os seres humanos, longe dos<br />

estereótipos de religião demoníaca<br />

e de segunda ordem.<br />

Qual papel<br />

representar?<br />

Na área do humor, personagens<br />

da televisão e cinema, como<br />

Grande Otelo e Mussum, representavam<br />

o estereótipo do negro<br />

maltrapilho, vagabundo, sem perspectiva.<br />

As personagens negras<br />

estão frequentemente relacionadas<br />

à comicidade, à criminalidade<br />

ou à servidão. Em várias telenovelas<br />

e minisséries, produções da<br />

TV brasileira, verifica-se uma carga<br />

muito grande de preconceitos<br />

e podemos, inclusive, visualizar a<br />

ocorrência de claro racismo institucional.<br />

O conceito de racismo<br />

institucional, ou racismo sistêmico,<br />

foi criado em 1967 por Carmichael<br />

e Hamilton, e refere-se à forma<br />

de racismo que se estabelece nas<br />

estruturas de organização da sociedade,<br />

nas instituições, como a<br />

mídia, traduzindo os interesses,<br />

ações e mecanismos de exclusão<br />

perpetrados pelos grupos racialmente<br />

dominantes.<br />

O negro na<br />

publicidade<br />

A publicidade tem refletido<br />

mais a população negra. Podese<br />

observar um pequeno avanço<br />

nos últimos anos no modo como<br />

a chamada publicidade oficial (isto<br />

é, aquela publicidade de serviços e<br />

campanhas de órgãos públicos que<br />

tem caráter educativo, informativo<br />

ou de orientação social) tem contemplado<br />

a representação de negros.<br />

Um exemplo disto é o anúncio<br />

publicitário da Caixa Econômica em<br />

homenagem ao Dia da Consciência<br />

Negra. O anúncio tem em seu texto<br />

o poema do poeta gaúcho Oliveira<br />

Silveira.<br />

Em menor escala, houve um<br />

avanço também no setor da publicidade<br />

de empresas privadas, sobretudo<br />

pela associação com o aspecto<br />

econômico. O sucesso da revista<br />

Raça mexeu com o mercado publicitário.<br />

As grandes marcas, especialmente<br />

as de cosméticos, começaram<br />

a criar produtos para atender o<br />

público negro que até então parecia<br />

não existir.


Internet e o debate<br />

das relações raciais<br />

O uso de novas tecnologias,<br />

sobretudo da Internet, que no Brasil<br />

tem um pouco mais de duas décadas,<br />

tem contribuído de modo crucial<br />

para o desenvolvimento do debate<br />

das relações raciais. Por ser um<br />

mecanismo de comunicação ágil,<br />

dinâmico e de acesso relativamente<br />

fácil, a Internet tem sido usada<br />

pelos afro-brasileiros para a criação<br />

de listas virtuais de discussão e de<br />

experiências de divulgação de notícias<br />

através de sites específicos.<br />

Tudo isto vêm se constituindo em<br />

um importante instrumento no enfrentamento<br />

do racismo e em um<br />

instrumento didático e informativo<br />

para escolas, universidades, empresas,<br />

pesquisadores, lideranças sociais<br />

e pessoas interessadas na temática.<br />

Além disso, a Internet vem<br />

funcionando como um espaço de<br />

denúncia, formação, reflexão e debate,<br />

mas, também, de articulação<br />

e participação políticas.<br />

Marcas da Imprensa Negra no <strong>RS</strong><br />

O Exemplo – Porto Alegre (1892 -1930)<br />

A Cruzada – Pelotas (1905)<br />

Alvorada – Pelotas (1907-1910; 1930-1937;<br />

1946-1957)<br />

A Navalha – Santana do Livramento (1931)<br />

A Revolta – Bagé (1925)<br />

A Hora – Rio Grande (1917 - 1934)<br />

União dos Homens de Cor – Porto Alegre (1943)<br />

O Ébano – Porto Alegre (1962)<br />

Tição – Porto Alegre (<strong>Revista</strong> em 1978 e 1979;<br />

Jornal em 1980)<br />

Jornal Como é – Porto Alegre (1995-1998)<br />

Conexão Negra – Porto Alegre (2003)<br />

Apesar de a Internet ser considerada<br />

um meio democrático pela<br />

maior possibilidade dos sujeitos serem<br />

produtores, o racismo também<br />

se manifesta no ciberespaço.<br />

Exemplo disso são ataques virtuais<br />

por hackers a sites voltados para o<br />

segmento negro, como é o caso da<br />

agência de notícias AfroPress, entidade<br />

que integra um projeto da<br />

ONG ABC Sem Racismo, entidade<br />

com sede em São Bernardo (SP),<br />

com área de abrangência no ABC<br />

paulista e em núcleos na Capital,<br />

São Paulo.<br />

A Agência de Informação Multiétnica<br />

(www.afropress.com) foi a<br />

primeira rede de distribuição de informações<br />

sobre as questões étnicoraciais,<br />

com ênfase na realidade dos<br />

afro-brasileiros, criada no início do<br />

século XXI. O Jornal Irohin (impresso<br />

e, depois digital), o Portal Afro (www.<br />

portalafro.com.br) e o Mundo <strong>Negro</strong><br />

(www.mundonegro.com.br) são os<br />

mais antigos e mais conhecidos. Mas<br />

é a Afropress, agência de notícias,<br />

que tem hoje um grau de qualidade<br />

informativa que lhe garante o status<br />

de referência na imprensa negra digital.<br />

Foi um dos primeiros sites de<br />

notícias jornalísticas do movimento<br />

negro organizado em rede, ou seja,<br />

a captação, o processamento e a distribuição<br />

da informação estruturamse<br />

em rede com vários comunicadores<br />

multidisciplinares espalhados<br />

pelo Brasil e o Mundo.<br />

Imprensa negra no<br />

Rio Grande do Sul<br />

Desde a década de 1830, há<br />

jornais escritos por intelectuais negros.<br />

No Rio Grande do Sul, o jornal O<br />

Exemplo, produzido em Porto Alegre<br />

de 1892 até o início de 1930, e vários<br />

outros jornais da chamada imprensa<br />

negra produzidos no interior do estado.<br />

A revista Raça Brasil é lançada em<br />

1996 e é considerada a primeira revista<br />

brasileira de grande alcance concebida<br />

para o público negro.<br />

Que tal escrever e interpretar<br />

uma cena de telenovela<br />

em que apareça um personagem<br />

negro e debater com<br />

os seus colegas em sala de<br />

aula sobre como foi representado<br />

esse personagem.<br />

Faça uma entrevista com<br />

um jornalista ou estudante<br />

de jornalismo negro para saber<br />

como ele percebe a representação<br />

do negro na mídia<br />

gaúcha.<br />

ARAÚJO, Joel Zito. A negação<br />

do negro no Brasil: o<br />

negro na telenovela brasileira.<br />

São Paulo: Senac, 2000<br />

COGO, Denise, MACHADO,<br />

Sátira. Redes de negritude: usos<br />

das tecnologias e cidadania comunicativa<br />

de afro-brasileiros. In:<br />

XXXIII Congresso Brasileiro de<br />

Ciências da Comunicação. 2010.<br />

Caxias do Sul. Anais...Caxias do<br />

Sul: Intercom, 2010. Disponível<br />

em: <br />

Acesso<br />

em: 11 nov. 2010<br />

HALL, Stuart. Identidades<br />

culturais na pós-modernidade.<br />

Rio de Janeiro: DP, 1997.<br />

RAMOS, Silvia (org.). Mídia<br />

e racismo. Rio de Janeiro:<br />

Pallas, 2007.<br />

Núcleo de comunicadores<br />

afro-brasileiros. O negro na<br />

mídia: a invisibilidade da cor.<br />

Porto Alegre: Sindjors, 2005.<br />

SANTOS, José Antônio<br />

dos. Raiou a Alvorada: intelectuais<br />

negros e imprensa -<br />

Pelotas (1907-1957). Pelotas:<br />

Universitária, 2003.<br />

WOORDWARD, Kathryn.<br />

Identidade e diferença: uma<br />

identidade teórica e conceitual.<br />

In: SILVA, Tomaz Tadeu.<br />

Identidade e diferença: a<br />

perspectiva dos estudos culturais.<br />

Petrópolis: Vozes, 2004.<br />

Homenagem ao Dia<br />

da Consciência Negra.<br />

Acesse o link <br />

Assista os filmes Vista a<br />

Minha Pele de Joel Zito de<br />

Araújo & Dandara e As Filhas<br />

do Vento de Joel Zito<br />

de Araújo<br />

Assista capítulos do documentário<br />

A negação do Brasil<br />

de José Zito de Araújo. Tratase<br />

de um passeio na história<br />

da telenovela no Brasil e particularmente<br />

uma análise do papel<br />

nelas atribuído aos atores<br />

negros. Baseado em suas memórias<br />

e em fortes evidências<br />

de pesquisas, o diretor aponta<br />

as influências das telenovelas<br />

nos processos de identidade<br />

étnica dos afro-brasileiros e faz<br />

um manifesto pela incorporação<br />

positiva do negro nas imagens<br />

televisivas do país.<br />

<strong>Negro</strong>s na mídia/negros fazendo mídia<br />

23


O Movimento <strong>Negro</strong> e as lutas por igualdade<br />

24<br />

O Movimento <strong>Negro</strong> e as lutas por<br />

igualdade<br />

A luta por<br />

igualdade racial<br />

começa antes<br />

da abolição da<br />

escravatura<br />

no Brasil. O<br />

Movimento <strong>Negro</strong><br />

ao longo dos anos<br />

vem contribuindo<br />

de forma decisiva<br />

para a conquista<br />

de espaços<br />

de igualdade<br />

social, cultural,<br />

educativa,<br />

política,<br />

através do<br />

fortalecimento<br />

coletivo da<br />

identidade<br />

étnica.<br />

Tem-se conhecimento de que<br />

mesmo antes da Abolição da<br />

escravatura no Brasil, já havia<br />

negros lutando contra a opressão<br />

e a dominação. Para compreender<br />

melhor essas lutas, é preciso relembrar<br />

a caminhada histórica dessas<br />

lideranças e principalmente do Movimento<br />

<strong>Negro</strong>, que combate a discriminação<br />

racial e defende a inclusão<br />

social da população negra. Para<br />

atingir tais objetivos, as lideranças<br />

organizaram grupos de mobilização<br />

racial. Assim, logo após a libertação<br />

dos escravos, já em 1889,<br />

os ex-escravos e seus descendentes<br />

criaram grêmios, clubes, sociedades,<br />

irmandades, fraternidades<br />

e associações reivindicatórias em<br />

diversos estados brasileiros. Essas<br />

formas organizativas devem ser<br />

compreendidas como um espaço<br />

dinâmico, atuante e centros difusores<br />

de ideias e ideais da população<br />

negra.<br />

Militantes negros<br />

no Rio Grande<br />

do Sul<br />

Nesse período, os militantes negros<br />

do estado do Rio Grande do Sul<br />

exerceram papel de protagonistas no<br />

processo de mobilização e debate sobre<br />

a questão racial. De acordo com Muller<br />

(2008), foram organizados mais de 120<br />

grupos criados no Estado, entre 1889 a<br />

1929. Desses, 72 grupos em Porto Alegre<br />

e 53 em Pelotas.<br />

Vale lembrar<br />

que, na região<br />

Sul do Estado, foi<br />

criada, em 1908,<br />

uma associação<br />

composta eminentemente<br />

por<br />

mulheres, a Sociedade<br />

de Socorros<br />

Mútuos Princesa<br />

do Sul. Muitas<br />

dessas organizações<br />

se ocuparam<br />

da questão racial,<br />

outras do entretenimento;<br />

houve<br />

também aquelas João Cândido<br />

que trabalharam<br />

em prol das ações pontuais, tais como<br />

solidariedade e ajuda mútua aos membros<br />

da comunidade.<br />

Experiências organizacionais<br />

espalhadas pelo país qualificaram o<br />

debate nacionalmente. Em 1931, no<br />

contexto da incipiente industrialização<br />

da cidade de São Paulo, surgiu a Frente<br />

Negra Brasileira (FNB), propondo a<br />

inserção da população negra em todos<br />

os segmentos sociais.<br />

Nos anos 1930, outras Frentes<br />

Negras surgiram no país. Embora<br />

com ideias diferentes, mas tinham em<br />

comum a prioridade pela educação e<br />

instrução da comunidade negra, visando<br />

sua plena integração cultural<br />

e social na sociedade. No Rio Grande<br />

do Sul, a Frente Negra Pelotense foi<br />

fundada no dia 10 de maio de 1933<br />

por José Adauto Ferreira da Silva, Carlos<br />

Torres, José Penny, Humberto de<br />

Freitas e Miguel Barros, integrantes<br />

do periódico A Alvorada. Eles desenvolviam<br />

atividades com a comunidade<br />

negra, especialmente cursos e seminários<br />

educacionais.<br />

O grupo pelotense estava em<br />

sintonia com os demais militantes, reivindicando<br />

os direitos sociais, ampliando<br />

a participação das mulheres na imprensa<br />

e combatendo o mito da democracia<br />

racial. Entretanto, sob forte<br />

repressão política durante o Estado<br />

Novo, os movimentos contestatórios<br />

foram esvaziados e a FNB foi extinta.<br />

Grupo de<br />

resistência<br />

Tempos depois surgiram diversos<br />

grupos que lutaram para superar<br />

as desigualdades raciais e sociais. Dois<br />

deles merecem destaque. O primeiro, a<br />

União dos Homens de<br />

Cor, fundado em Porto<br />

Alegre, em 1943,<br />

foi um coletivo liderado<br />

por João Cabral Alves,<br />

que se expandiu<br />

rapidamente para diversos<br />

estados brasileiros.<br />

O segundo, foi<br />

o Teatro Experimental<br />

do <strong>Negro</strong> (TEN - RJ),<br />

que iniciou suas atividades<br />

em 1944, sob a<br />

liderança de Abdias do<br />

Nascimento. Em sua<br />

proposta de trabalhar<br />

como grupo teatral, o<br />

TEN esteve composto<br />

somente por negros.<br />

O TEN realizou o I Congresso do<br />

<strong>Negro</strong> Brasileiro. Desse encontro, saíram<br />

algumas deliberações, entre elas, a<br />

de lutar pela ampliação dos direitos civis<br />

e de utilizar os mecanismos de pressão<br />

popular para implantar a Lei Antidiscriminatória.<br />

A Lei conhecida como<br />

“Afonso Arinos” foi aprovada, em 1951,<br />

no Congresso Nacional. O texto sofreu<br />

alterações substanciais pelos congressistas,<br />

de forma que não atendia plenamente<br />

à luta contra o racismo, pois<br />

considerava as manifestações de racismo<br />

como meras contravenções penais,<br />

sancionáveis com irrisórias penas<br />

de multa. A explicação para esse avanço<br />

pequeno do movimento negro é o<br />

discurso oficial de então, que afirmava<br />

não haver problemas de discriminação<br />

racial no país.<br />

O Congresso promovido pelo<br />

TEN motivou as lideranças a debaterem<br />

os temas de interesse regionais e locais.<br />

O gaúcho Valter Santos, da Sociedade<br />

Beneficente Floresta Aurora, reuniu, em<br />

Porto Alegre, em 1958, diversas delegações<br />

da região Sudeste e Sul para o


I Congresso Nacional do <strong>Negro</strong>. Os temas<br />

tratados no evento foram: o processo<br />

educativo, especialmente a alfabetização<br />

dos negros; as condições sociais<br />

e o papel histórico da população<br />

negra no Brasil e no mundo. O evento<br />

de Porto Alegre estava sintonizado com<br />

o processo de independência dos países<br />

africanos. Entre 1956 e 1966, 30 países<br />

africanos tornaram-se independentes<br />

das nações colonizadoras.<br />

O Grupo Palmares<br />

Com os militares no poder, em<br />

1964, mais uma vez os movimentos sociais<br />

negros foram desarticulados, o que<br />

não significa ausência de contestação.<br />

Houve, mas foram ações fragmentadas.<br />

Em Porto Alegre, por exemplo, surgiu na<br />

rua dos Andradas, centro da cidade, o<br />

Grupo Palmares (1971). O Grupo, por<br />

meio do periódico Tição, promoveu importantes<br />

debates públicos: discutiu o<br />

combate à discriminação racial, as melhorias<br />

da qualidade de vida dos negros<br />

e levantou a bandeira em defesa da afirmação<br />

da identidade negra. Além disso,<br />

o Grupo liderou a discussão sobre a<br />

substituição das comemorações do dia<br />

13 de maio para 20 de novembro.<br />

Movimento <strong>Negro</strong><br />

Unificado (MNU)<br />

Outra entidade importante dos<br />

anos 70 foi o Movimento <strong>Negro</strong> Unificado<br />

(MNU), que reorganizou a luta<br />

antirracista, desta vez combatendo<br />

o sistema capitalista que acentua a<br />

opressão, especialmente das popu-<br />

lações marginalizadas. As principais<br />

ações do MNU foram tentar articular<br />

a luta do negro com os demais setores<br />

da sociedade e, enquanto organização<br />

política, sair em defesa do<br />

processo educativo, reivindicando a<br />

introdução da História da África e do<br />

<strong>Negro</strong> no Brasil nos currículos escolares.<br />

Essa pressão em prol da promoção<br />

da igualdade racial foi decisiva<br />

para, anos depois, ser aprovada a Lei<br />

10.639/2003, que inclui nos currículos<br />

oficiais a obrigatoriedade da disciplina<br />

História e Cultura Afro-brasileira.<br />

As experiências de organização<br />

acima apresentadas são apenas<br />

algumas. Muitas outras existiram e<br />

continuam existindo no Rio Grande<br />

do Sul e devem ser estudadas e<br />

aprofundadas. São experiências desenvolvidas<br />

por educadores, comunicadores,<br />

religiosos, artistas, gestores<br />

públicos. <strong>Negro</strong>s e negras comprometidos<br />

com a construção de<br />

políticas públicas destinadas à população<br />

negra do Rio Grande do Sul,<br />

tais como a reparação de direitos,<br />

o combate à discriminação racial e<br />

às novas ações reivindicatórias, por<br />

exemplo, os movimentos culturais,<br />

como hip-hop e outros.<br />

O que é movimento negro?<br />

(13’). Vídeo que apresenta<br />

de forma didática a trajetória<br />

do movimento negro no<br />

Brasil. http://www.youtube.<br />

com/watch?v=yBcajWhOis8<br />

&feature=related<br />

Crie um artigo ou uma<br />

reportagem para jornal que<br />

discuta sobre a presença do<br />

negro no Rio Grande do Sul.<br />

Faça uma pesquisa e<br />

descubra se na sua cidade<br />

ou região existem organizações<br />

sociais negras. Escreva<br />

um texto contando essa história.<br />

BARBOSA, Marcio. Frente<br />

Negra Brasileira: depoimentos.<br />

São Paulo: Quilomboje,<br />

1998.<br />

DOMINGUES, Petrônio.<br />

Movimento negro brasileiro:<br />

alguns apontamentos históricos.<br />

<strong>Revista</strong> Tempo. v.12,<br />

n.23, Niterói, RJ, 2007.<br />

GOMES, Arilson dos<br />

Santos. A Frente Negra Brasileira<br />

e as suas ideias no <strong>RS</strong><br />

na década de 1930. In: História,<br />

Cultura e Sociedade.<br />

Cadernos de Resumos: o<br />

negro. Porto Alegre, 2006.<br />

MULLER, Liane Susan.<br />

As contas do meu rosário são<br />

balas de artilharia. In: SILVA,<br />

Gilberto Ferreira; SANTOS,<br />

José Antônio e CARNEIRO,<br />

Luiz Carlos da Cunha. <strong>RS</strong> <strong>Negro</strong>:<br />

cartografias sobre a produção<br />

do conhecimento. Porto<br />

Alegre: EDIPUC<strong>RS</strong>, 2008.<br />

William DuBois Nelson Mandela Steve Biko Milton Santos Léopold Sédar Frantz Fanon Luíza Mahin<br />

(1868-1963) (1918) (1946-1977) (1926-2001) (1906-2001) (1925-1961) (1812-1838)<br />

Toussaint L‘Overture Aimé Césaire Carlos Santos Martin Luther King Jr. Malcom X Joseph Firmin Rodolfo Xavier<br />

(1743-1803) (1913-2008) (1904-1989) (1929-1968) (1925-1965) (1850-1911) (1874-1964)<br />

O Movimento <strong>Negro</strong> e as lutas por igualdade<br />

25


20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Negra<br />

26<br />

20 de novembro – Dia Nacional da<br />

Consciência Negra<br />

O dia Nacional da<br />

Consciência Negra,<br />

celebrado em 20<br />

de novembro,<br />

em homenagem<br />

ao líder Zumbi<br />

dos Palmares, é<br />

o momento de<br />

marcar posição e<br />

fortalecer a defesa<br />

em prol da justiça<br />

racial e social.<br />

A<br />

comemoração do Dia Nacional<br />

da Consciência Negra homenageia<br />

Zumbi dos Palmares, assassinado<br />

no dia 20 de novembro de 1695.<br />

Zumbi foi um dos mais importants líderes<br />

do Quilombo de Palmares, localizado<br />

no estado do Alagoas. Mas não foi<br />

sempre assim. Por longo tempo, a data<br />

símbolo no Brasil era o dia 13 em comemoração<br />

à abolição da escravidão em<br />

referência à assinatura da Lei Áurea, em<br />

1888, pela Princesa Isabel. A Lei que libertou<br />

os escravos no Brasil recebeu<br />

forte pressão das manifestações Abolicionistas<br />

(1878-1888) através de um<br />

movimento composto por diversas lideranças,<br />

como o engenheiro negro André<br />

Rebouças, que propôs o fim imediato da<br />

escravidão. Mesmo com essa influência,<br />

a Lei Áurea, na prática, não representava<br />

os ideais de lutas construídas pela<br />

população negra, muito menos ajudava<br />

a superar as barbáries sofridas pelos<br />

negros escravizados. Por essa razão, os<br />

militantes do movimento entenderam<br />

que era necessário encontrar uma nova<br />

data, outro acontecimento que melhor<br />

representasse a luta dos afro-brasileiros<br />

em defesa da afirmação e do reconhecimento<br />

da identidade negra. E que esse<br />

dia fosse dedicado à conscientização da<br />

população. Pois, a visibilidade do dia dedicado<br />

à consciência negra apresenta<br />

homens e mulheres que lutam e se organizam<br />

para concretizar a superação<br />

das desigualdades, garantindo direitos e<br />

promovendo justiça racial e social.<br />

Mudança<br />

necessária<br />

Em 1971, no auge da ditadura no<br />

Brasil, o Grupo Palmares, criado por lideranças<br />

sociais de Porto Alegre, saiu em<br />

defesa da substituição das comemorações.<br />

A sugestão do deslocamento do<br />

13 de maio para o dia 20 de novembro<br />

ganhou adesão nacionalmente e,<br />

em menos de uma década, a data<br />

passou a ser o Dia Nacional da Consciência<br />

Negra. Segundo os dados de 2009<br />

da Secretaria Especial de Políticas de Promoção<br />

da Igualdade Racial (Seppir), são<br />

757 municípios, distribuídos em 20 estados<br />

brasileiros, que aderiram à nova data<br />

como feriado ou ponto facultativo. No<br />

Rio Grande do Sul, mais de 200 municípios<br />

aprovaram o Dia da Consciência<br />

Negra como feriado ou ponto facultativo;<br />

outros têm projeto de lei em andamento<br />

ou aguardam decisão judicial<br />

para implantar o feriado municipal. A reivindicação<br />

do Movimento <strong>Negro</strong> é para<br />

que a data seja feriado nacional.<br />

O Primeiro 20 de<br />

Novembro<br />

O 20 de novembro representa<br />

resistência. Foi com esse espírito<br />

que um grupo de jovens negros<br />

liderado por Oliveira Silveira,<br />

Antonio Carlos Cortes, Ilmo da Silva,<br />

Vilmar Nunes, entre outros, se<br />

reuniam, periodicamente, na Rua<br />

da Praia, no centro da capital gaúcha<br />

para discutir outra data comemorativa<br />

e, assim, retomar a história<br />

de resistência e afirmação da<br />

identidade da população negra. O<br />

primeiro 20 de Novembro que homenageou<br />

Zumbi foi organizado<br />

pelos militantes do Grupo Palmares,<br />

em 1971, e festejado no Clube<br />

Náutico Marcílio Dias, uma organização<br />

social localizada, na época,<br />

no bairro Menino Deus, em Porto<br />

Alegre. O Grupo Palmares se desfez,<br />

mas deixou um importante legado<br />

à sociedade brasileira.<br />

O fio da memória (1991,<br />

115min) é um filme que aborda<br />

histórias de personagens e<br />

situações do presente, apresentando<br />

a história dos negros<br />

no Brasil.<br />

Palavras-chave para pesquisar:<br />

Afirmação da identidade<br />

étnica da comunidade<br />

negra, Dia Nacional da consciência<br />

negra, discriminação<br />

social e racial.<br />

CAMPOS, Deivison Moacir<br />

Cezar. A ressignificação<br />

de palmares: uma história de<br />

resistência. In: SILVA, Gilberto<br />

Ferreira; SANTOS, José<br />

Antônio e CARNEIRO, Luiz<br />

Carlos da Cunha. <strong>RS</strong> <strong>Negro</strong>:<br />

cartografias sobre a produção<br />

do conhecimento. Porto<br />

Alegre, EDIPUC<strong>RS</strong>, 2008.<br />

São mais de 700 municípios<br />

distribuídos em 19 estados e no<br />

DF que já aderiram à proposta<br />

ao 20 de novembro como feriado<br />

ou ponto facultativo. No <strong>RS</strong>, mais<br />

de 200 municípios instituíram o Dia<br />

da Consciência Negra como feriado<br />

municipal.


Políticas públicas de ações afirmativas<br />

nas lutas por igualdade<br />

As ações<br />

afirmativas<br />

são parte de<br />

um processo<br />

reparatório<br />

que ajuda a<br />

criar nova<br />

realidade para a<br />

população negra<br />

e o conjunto<br />

da sociedade<br />

brasileira<br />

As políticas públicas de Ações<br />

Afirmativas, implantadas nos<br />

últimos anos no Brasil, buscam<br />

corrigir as situações de discriminação<br />

e desigualdades que impedem<br />

o acesso da população negra<br />

e dos grupos sociais minoritários às<br />

mais diferentes oportunidades, da<br />

educação ao mundo do trabalho.<br />

Sobre o tema, existem argumentos<br />

favoráveis e contrários.<br />

Antes de prosseguir, vamos retornar<br />

ao século XIX, período em que<br />

os pesquisadores tentaram explicar<br />

por que uma raça era oprimida enquanto<br />

a outra era opressora, buscando<br />

com isso estabelecer uma hierarquia<br />

entre as raças. Para estabelecer<br />

essa hierarquia, deveria ser feita uma<br />

classificação tendo como referenciais<br />

socioeconômcios e culturais o mundo<br />

europeu; segundo os pesquisadores,<br />

os povos europeus<br />

eram seres humanos<br />

melhores e mais inteligentes<br />

que os demais.<br />

Abdias Nascimento<br />

diz que essa<br />

ideia-força justifica o<br />

preconceito, uma vez<br />

que, quem não fosse<br />

europeu era visto<br />

como atrasado, desqualificado<br />

e como ser<br />

que não produzia conhecimento<br />

nem cul-<br />

Lélia Gonzáles<br />

tura. Então, o que fazer com os milhões<br />

de negros trazidos para o Brasil<br />

durante o período colonial? Solução<br />

seria embranquecer a sociedade.<br />

Com essa política de branqueamento,<br />

o governo brasileiro concedeu, em 30<br />

anos, diversos incentivos e subsídios a<br />

cerca de 3 milhões de imigrantes europeus.<br />

A ideia fracassou porque a população<br />

negra continuou sendo expressiva<br />

no país.<br />

Democracia racial<br />

A partir de 1930, a elite brasileira<br />

muda de tática. Passa a conceber<br />

o conceito de democracia racial<br />

para explicar que a população brasileira<br />

é mestiça, incluindo os negros<br />

nesse processo de miscigenação. Na<br />

prática, a ideia era de que as raças<br />

viviam em harmonia, sem conflitos.<br />

Essa ideia foi duramente questionada<br />

após sucessivos escândalos de racismo<br />

e preconceito. É importante<br />

dizer que o preconceito também se<br />

revela no discurso. Encontra-se facilmente<br />

expressões como “é coisa de<br />

negro”. Essas marcas discursivas têm<br />

mostrado que, quem tem a cor da<br />

pele mais escura, também vivencia,<br />

muitas vezes, experiências de discriminação<br />

nas relações interpessoais e<br />

nas notícias veiculadas nos meios de<br />

comunicação social.<br />

Ações afirmativas<br />

O movimento negro brasileiro,<br />

desde o início do século XX, vem<br />

propondo, em diversas instâncias organizacionais,<br />

políticas públicas que<br />

possibilitem ampliar<br />

os direitos socais.<br />

Momentos decisivos<br />

dessas reivindicações<br />

ocorreram, em 1958,<br />

durante o I Congresso<br />

Nacional do <strong>Negro</strong><br />

realizado em Porto<br />

Alegre. Uma das principais<br />

demandas do<br />

Encontro foi a necessidade<br />

de alfabetização<br />

da população negra,<br />

meta ainda a ser alcançada.<br />

Essas ações reivindicatórias<br />

estavam articuladas também com<br />

as demandas internacionais. Veja<br />

o que ocorreu nos EUA, nos anos<br />

1960. Os negros norte-americanos<br />

eram proibidos de frequentar as<br />

unidades escolares e não podiam<br />

utilizar os meios de transporte público.<br />

Fato ocorrido na cidade de Little<br />

Rock e que desencadeou movimentos<br />

de lutas pela ampliação de<br />

direitos liderados por Martim Luther<br />

King, Elizabeth Eckfort, Rosa Parks,<br />

entre outros. Essas ações possibilitaram<br />

efetivar a política de cotas<br />

nos EUA, ratificadas pelo presidente<br />

Kennedy.<br />

Atualmente, no Brasil, a luta é<br />

pela implantação de ações afirmativas<br />

como mecanismos de inclusão<br />

racial e social. As propostas ganharam<br />

força internacionalmente. Em<br />

2001, durante a III Conferência Mundial<br />

de Combate ao Racismo, Discriminação<br />

Racial, Xenofobia e Formas<br />

Correlatas de Intolerância, ocorrida<br />

em Durban, na África do Sul, os<br />

congressistas debateram sobre o<br />

combate às desigualdades raciais.<br />

O evento trouxe novas perspectivas<br />

para as lutas sociais do movimento.<br />

Jorge Manoel Adão (2008) elenca alguns,<br />

como a criação de Conselhos,<br />

programas de ações afirmativas nos<br />

vários Ministérios, implantação da<br />

Secretaria Especial de Políticas de<br />

Promoção da Igualdade Racial (Seppir),<br />

em março de 2003 e diversas<br />

mobilizações, como, por exemplo,<br />

Marcha de Zumbi + 10, entre outros.<br />

Esse cenário reivindicatório justifica<br />

o argumento de que é necessário<br />

construir políticas públicas destinadas<br />

à comunidade negra.<br />

O sistema de<br />

cotas em debate<br />

As reservas de vagas nas universidades<br />

brasileiras, como uma das políticas<br />

de ações afirmativas, têm gerado<br />

muito debate na própria academia, nas<br />

instituições, nos movimentos sociais e<br />

no conjunto da sociedade. O argumento<br />

favorável é que o sistema de cotas<br />

permite que a população historicamente<br />

desfavorecida tenha acesso ao ensino<br />

superior, contribuindo com a reparação<br />

de injustiças. Entre os argumentos contrários,<br />

estão o daqueles que afirmam<br />

que os beneficiários das cotas podem<br />

contribuir para uma queda na qualidade<br />

do ensino superior. Nessa mesma<br />

perspectiva, há os que defendem que<br />

Políticas públicas de Ações Afirmativas nas lutas por igualdade<br />

27


Políticas públicas de Ações Afirmativas nas lutas por igualdade<br />

28<br />

as cotas seriam um modo de discriminação<br />

às avessas, acentuando ainda<br />

mais o racismo. Abdias Nascimento nos<br />

faz um questionamento desconcertante:<br />

“os brancos tiveram as cotas durante<br />

500 anos e está tudo bem?”. Para Nascimento,<br />

a implantação das políticas de<br />

cotas raciais é uma maneira de democratizar<br />

o acesso e garantir a permanência<br />

do cotista na Universidade.<br />

A iniciativa de promover o processo<br />

de democratização começa a ser<br />

posta em prática, em 1992, pela sociedade<br />

civil através dos cursinhos pré-vestibulares<br />

destinados a estudantes negros<br />

e carentes. No <strong>RS</strong>, surgem vários<br />

cursos nos clubes sociais negros, e nas<br />

ONGs visando à preparação acadêmica<br />

e à reflexão crítica acerca das desigualdades<br />

sociais. Outras iniciativas, como<br />

o empenho da CECUNE (Centro Ecumênico<br />

de Cultura Negra) em coordenar<br />

a seleção dos candidatos negros<br />

para o ingresso no Centro Universitário<br />

Metodista, IPA. Ações que contribuíram<br />

para dar visibilidade à temática.<br />

Nelson Mandela<br />

Ações concretas<br />

No final dos anos 2000, a democratização<br />

do acesso estava ocorrendo<br />

em 39 universidades públicas, sendo<br />

20 federais e 19 estaduais. Como<br />

as universidades são autônomas, elas<br />

têm a liberdade de adotar os próprios<br />

critérios para implantação do sistema<br />

nos seus cursos. No Rio Grande do Sul,<br />

quatro universidades públicas aderiram<br />

à política de reserva de vagas:<br />

UFRGS, UFSM, Unipampa e UERGS.<br />

Essas instituições não adotam apenas<br />

o recorte étnico-racial; elas trabalham<br />

também com o critério social e a trajetória<br />

escolar do estudante para a concessão<br />

das cotas de ingresso à universidade.<br />

Pesquise alguns depoimentos<br />

favoráveis e contrários<br />

sobre ações afirmativas.<br />

Analise os discursos tendo<br />

presente o artigo 3º da Constituição<br />

Federal, que diz que<br />

o Estado é responsável pela<br />

construção da igualdade.<br />

Agora redija um texto apresentando<br />

suas opiniões.<br />

Faça uma entrevista com<br />

um estudante cotista ou um<br />

beneficiário do PROUNI.<br />

Identifique a trajetória escolar,<br />

o processo de ingresso<br />

na universidade, o rendimento<br />

escolar, entre outros.<br />

Elabore um texto comentando<br />

essa história e apresente<br />

o resultado para os colegas.<br />

Educador<br />

Quer baixar vídeo do<br />

youtube para trabalhar<br />

em sala de aula?<br />

Acesse: http://www.<br />

baixaki.com.br/site/<br />

dwnld48923.htm e faça<br />

download do programa<br />

aTube Catcher.<br />

ADÃO, Jorge Manoel.<br />

Ações afirmativas em educação:<br />

políticas de cotas em universidades<br />

públicas. In: SIL-<br />

VA, Gilberto Ferreira; SANTOS,<br />

José Antônio e CARNEIRO,<br />

Luiz Carlos da Cunha. <strong>RS</strong> <strong>Negro</strong>:<br />

cartografias sobre a produção<br />

do conhecimento. Porto<br />

Alegre: EDIPUC<strong>RS</strong>, 2008.<br />

GOMES, Nilma Lino. Alguns<br />

termos e conceitos presentes<br />

no debate sobre relações<br />

raciais no Brasl:<br />

uma breve discussão. Educação<br />

anti-racista caminhos<br />

abertos pela Lei Federal<br />

nº10.639/03. Brasília: SE-<br />

CAD/MEC, 2005.<br />

SILVA, Petronilha Beatriz<br />

Gonçalves; SILVÉRIO, Valter<br />

Roberto. Educação e Ações<br />

Afirmativas: entre a injustiça<br />

simbólica e a injustiça econômica.<br />

Brasília: INEP, 2003.<br />

SILVA, Cidinha. Ações<br />

Afirmativas em educação:<br />

experiências brasileiras. São<br />

Paulo: Editora Selo <strong>Negro</strong>,<br />

2003.<br />

LOPES, Cristina. Cotas<br />

raciais: por que sim? 3. Ed.,<br />

Ibase, 2008.<br />

Cartilha. Ações Afirmativas:<br />

este é o caminho. Fundação<br />

Cultural Palmares, 2006.<br />

http://www.palmares.gov.<br />

br/_temp/sites/000/2/publicacoes/cartilhapestana.pdf

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