JBG 2 - 2006 - Enteroscopia com Duplo Balao.p65 - Sociedade de ...

ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO
David Corrêa Alves de Lima
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (Sobed); Membro do Grupo de Propedêutica Complementar do Instituto Alfa
de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais; Membro da Sociedade Francesa de Endoscopia
Digestiva (SFED); Membro da American Society of Gastrointestinal Endoscopy (ASGE); Diretor da Clínica Biogastro – Núcleo de
Gastroenterologia e Videoendoscopia Digestiva – Belo Horizonte/MG
INTRODUÇÃO
Enteroscopia com duplo-balão
Double-balloon enteroscopy
Thiago Tôrres Silva
Aluno do 6º ano da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais; Acadêmico voluntário do Projeto de pesquisa –
Enteroscopia com duplo-balão – desenvolvido no Instituto Alfa de Gastroenterologia
Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais
As doenças primárias do intestino delgado clinicamente
são relativamente raras, respondendo por cerca de 1%
a 4% das doenças digestivas e existem evidentes limitações
no estudo diagnóstico desse segmento. Diferentemente
do trato digestório alto e baixo, que encontra nos
dias atuais métodos de estudo de grande eficácia, principalmente
pelos notáveis avanços na propedêutica e terapêutica
endoscópicas, até recentemente havia uma incômoda
carência de métodos mais eficazes para o estudo
do intestino delgado. Este fato ocorre em função da localização
anatômica e o comprimento do intestino delgado,
distante da boca e do ânus.
Vários métodos de inserção e técnicas endoscópicas
foram desenvolvidas, no intuito de possibilitar exames detalhados
das lesões de acesso mais difícil, tais como
método de ropeway, método da sonda enteroscópica e a
push-enteroscopia. O método de ropeway e a sonda
enteroscópica são raramente usados devido à sua complexidade
técnica e difícil manuseio. A push-enteroscopia
tornou-se mais popular, porém o endoscópio só pode ser
introduzido até o jejuno proximal. Assim, faltava um método
endoscópico capaz de examinar as porções médias
e distais do intestino delgado no intuito de complementar
e/ou substituir os métodos radiológicos.
Recentemente, foi introduzida a cápsula endoscópica,
que propicia imagens de todo o intestino delgado. Tendo
em vista que este método não permite a realização de
biópsias ou procedimentos terapêuticos, um novo endoscópio
com possibilidade de inserção, de forma prática e
sem complicações em todo o intestino foi desenvolvido.
No início de 2001, foi relatado por Yamamoto e colabo-
radores a enteroscopia com duplo-balão (EDB), consistindo
em uma nova técnica de inserção do enteroscópio
para observar todo o intestino delgado. A EDB tem a vantagem
de permitir a realização de biópsias e tratamento
de várias lesões do intestino delgado proximal, podendo
substituir a enteroscopia intra-operatória, os métodos tradicionais
de push-enteroscopia e as sondas enteroscópicas.
A grande vantagem da EDB sobre os métodos
convencionais reside nas imagens de alta definição e possivelmente
com magnificação em curto prazo, bem como
na realização de biópsias e ampla terapêutica endoscópica.
A avaliação detalhada de lesões com ultra-som
endoscópico é outra possibilidade que já começa a ser
investigada.
A possibilidade de realizar testes específicos com
anticorpos para doença celíaca tem trazido novamente o
interesse da endoscopia com histologia, demonstrando
que a atrofia e o infiltrado linfocitário são achados típicos,
mas não específicos nessa afecção.
ENTEROSCOPIA COM DUPLO-BALÃO (EDB)
Preparo
Quando a EDB é realizada por via oral há necessidade
de jejum de seis a oito horas como para uma endoscopia
digestiva alta convencional. Quando a abordagem
for por via anal deve-se realizar o preparo de cólon como
para colonoscopia. O procedimento é realizado ambulatorialmente,
sob sedação consciente assistida ou não
por anestesiologista, sendo habitualmente bem tolerado.
Especificações do aparelho
O sistema de EDB consiste em um endoscópico com
44 JBG, J. bras. gastroenterol., Rio de Janeiro, v.6, n.2, p.44-49, out./dez. 2006

um balão montado na sua porção distal
acoplado a um overtube, também com um balão
na sua extremidade distal, ambos conectados
a uma bomba insufladora para encher e
esvaziar os balões (Figura 1). Existem dois tipos
de endoscópios sendo um para uso diagnóstico
(EN-450 P5: Fujinon, Saitama, Japão)
e outro para uso terapêutico (EN-450 T5: Fujinon
Saitama Japão). Ambos os aparelhos apresentam
comprimento de trabalho de 200 cm e
rotas para insuflação dos balões.
O overtube tem comprimento de 145 cm,
consistindo em um tubo flexível com um balão
na sua extremidade distal e superfícies interna
e externa cobertas por uma camada hidrofílica.
Os balões do endoscópio e do overtube são
feitos de látex, com parede de 0,1 mm, sendo insuflados
e esvaziados com preciso controle pela bomba insufladora,
através de botões que monitoram a pressão de ar em
ambos os balões. Durante o uso, a pressão nos balões é
de 45 mmHg (6 Kpa), pressão mínima possível para manter
as fixações do intestino delgado durante a inserção
do endoscópio e suficiente para não causar dor ou desconforto
durante a insuflação.
Indicação do exame
A utilização da EDB permite o alcance das porções
mais distais do intestino delgado de forma mais simples
e eficaz, melhorando dramaticamente a possibilidade de
inserção quando comparada a push-enteroscopia convencional.
Além do mais, a boa flexibilidade do endoscópio é
mantida mesmo após a sua inserção, já que o corpo deste
está fixado pelo overtube. Dessa forma, qualquer ponto
do intestino delgado pode ser fixado possibilitando a
introdução e retirada do endoscópio, ao mesmo tempo
em que propicia o exame detalhado da mucosa, realização
de biópsias e procedimentos terapêuticos, facilitados
pelos comandos de operação em quatro direções.
Recentemente Yamamoto e cols. relataram sua experiência
com a EDB através de 178 enteroscopias, 89 por
via anterógrada e 89 por via retrógrada, realizadas em
123 pacientes. O endoscópio com duplo balão foi inserido
pelas vias oral e anal conseguindo-se atingir cerca da
metade ou dois terços de todo intestino delgado. A combinação
de ambas as vias permite o exame de todo o
intestino delgado sendo relatado sucesso de 86% na tentativa
de enteroscopia total. Esse resultado é comparável
com 79% de sucesso, recentemente obtido pela cápsula
endoscópica. A principal dificuldade técnica na realização
da EDB relaciona-se a aderências de cirurgias prévias.
Na pesquisa de sangramento gastrointestinal de origem
obscura, foi feito o diagnóstico da causa em 76%
dos casos, comparável a cápsula endoscópica que va-
ENTEROSCOPIA COM DUPLO-BALÃO
Fig. 1 – A - Enteroscópio de Duplo Balão (Fujinon EN-450P5) – modelo diagnóstico:
comprimento de 200 cm, diâmetro externo de 8,5 mm e canal de trabalho de 2,2
mm; B – Bomba insufladora de ar (Fujinon PB-10) no sistema de enteroscopia de
duplo balão.
riou de 30% a 80%. Além disso, esse método possibilita
a realização de biópsias e observação em tempo real,
podendo ser realizado mesmo nos casos de suspeita de
estenose do intestino delgado, uma contra-indicação ao
uso da cápsula endoscópica. Sunada e cols. relataram
17 casos de EDB em estenoses de intestino delgado,
incluindo três casos de tumores, com realização segura
de dilatações com balão.
O endoscópico pode ser também inserido através de
anastomoses intestinais e alças aferentes após cirurgia
em Y de Roux. Também há possibilidade de realização
de exames radiológicos contrastados mais detalhados e
localizados, com imagens mais precisas, já que ocluindo
o intestino delgado o balão evita o refluxo do contraste.
Os procedimentos terapêuticos constituem-se em importante
diferencial proporcionado por essa técnica.
Yamamoto e cols. obtiveram sucesso na hemostasia
endoscópica, polipectomia, mucosectomia, dilatação com
balão e colocação de próteses. A polipectomia pode ser
útil no tratamento de síndromes poliposas. Ohmiya e cols.
relatam sua experiência em polipectomias de todo intestino
delgado em pacientes com síndrome de Peutzjeghers,
possibilitando a prevenção de complicações como
intussuscepção, sangramento e crescimento dos tumores
com necessidade de abordagem cirúrgica.
Princípios técnicos
A descrição detalhada da EDB tem sido divulgada por
vários autores japoneses e ocidentais. A pressão dentro
dos balões é rigorosamente controlada pela bomba insufladora
através de sensores automáticos. Não há nenhuma
diferença com relação às pressões aplicadas nos balões
quando utilizados por via anterógrada ou retrógrada.
Devido ao fato da insuflação ser controlada pela pressão
e não pelo volume de ar insuflado, não há risco de se
utilizarem os balões em órgãos com diferentes diâmetros.
A enteroscopia pode ser realizada tanto pela via
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DAVID CORRÊA ALVES DE LIMA E THIAGO TÔRRES SILVA
anterógrada (Figura 2A) quanto pela via retrógrada (Figura
2B). O uso da fluoroscopia (fFigura 3A) para orientar
as manobras de retificação é sempre desejável, porém
Fig. 2 – Ilustrações demonstrando a sequência de manobras na progressão do enteroscópio
de duplo balão: A – Abordagem anterógrada; B – Abordagem retrógrada.
Fig. 3 – Controle da progressão do enteroscópio de duplo balão
através da fluoroscopia: A – Abordagem anterógrada; B – Abordagem
retrógrada.
Quadro 1
Possibilidades diagnósticas e terapêuticas da EDB
Uso Diagnóstico Uso Terapêutico
Videoendoscopia de alta
resolução
Hemostasia
(métodos de injeção, coagulação
com plasma de argônio,
hemoclipes)
Cromoendoscopia do
Polipectomia
intestino delgado
Biópsias Mucosectomias
Citologia aspirativa de
Dilatação
lesões submucosas
Enteróclise seletiva do Remoção de corpo-estranho
intestino delgado
Tatuagem da mucosa com
nanquim
Colocação de próteses
auto-expansíveis
não é obrigatória. A fluoroscopia é útil nos casos de difícil
progressão, angulações acentuadas, pacientes com cirurgia
abdominal prévia e essencial na via retrógrada (Figura
3B). Na maioria das vezes não há necessidade
de se realizar a enteroscopia total.
Este é o caso de apenas 20% a 25%
dos pacientes que se submetem a EDB nas
maiores séries publicadas. As possibilidades
diagnósticas e terapêuticas da EDB
estão listadas na Tabela 1.
Teoria de inserção
A teoria da inserção do endoscópico com
duplo balão teve origem na tentativa de resolver
a dificuldade na inserção do endoscópio
com técnica de push-enteroscopia 27 .
Na push-enteroscopia, o instrumento forma
curvas acentuadas, dificultando a continuidade
da introdução, uma vez que a força
aplicada na parte proximal não é transmitida
eficientemente à extremidade distal do
endoscópio. No entanto, Yamamoto e cols.
consideraram que a dificuldade real não estava
simplesmente na curvatura do endoscópio,
mas na necessidade de retificar o
intestino. Assim, o endoscópio com duplo balão utiliza
um overtube macio e flexível com balão na extremidade
no intuito de possibilitar a retificação do intestino, enquanto
o endoscópico é avançado no seu interior. O
overtube pode dobrar-se, mas não alongar-se e, mesmo
na presença de dobras ou curvas, o intestino que está
em volta do overtube não se alonga, uma vez que está
ancorado pelo balão na sua extremidade distal. Assim, a
força utilizada na inserção do enteroscópio aplicada na
sua parte proximal é efetivamente transmitida a sua extremidade
distal, permitindo o avanço distal do
endoscópio, uma vez que o balão insuflado do overtube
mantém o intestino fixado. Assim, o novo método endoscópico
de inserção com duplo balão permite a progressão
do aparelho até as porções mais distais do intestino
delgado.
Avaliação da profundidade de inserção do
enteroscópio
Quando o intestino delgado é retificado e sanfonado
por diversas vezes, torna-se difícil avaliar a extensão examinada,
assim como determinar a localização precisa de
eventuais alterações encontradas. O endoscopista deve
estimar a distância percorrida, anotando a cada movimento
de introdução do enteroscópio o quanto foi percorrido,
e a cada manobra de retificação do conjunto estima-se o
quanto o enteroscópio retornou, subtraindo-se do total
que foi percorrido. Obtém-se então o quanto se ganhou
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no final desta manobra, marcando/anotando em uma folha
sistematicamente. Somam-se então os valores correspondentes
aos segmentos percorridos.
RESULTADOS E COMPLICAÇÕES
Vários artigos foram publicados demonstrando a experiência
inicial utilizando-se a enteroscopia com duplobalão
(Tabela 2). Em todas as grandes séries publicadas,
o SGIO foi a principal indicação para EDB.
Em média, a profundidade atingida é de 250 cm por
via oral e cerca de 130 cm por via anal, com uma média
de tempo de exame de 75 minutos. O uso da fluoroscopia
é particularmente útil quando há a intenção de se obterem
radiografias contrastadas seletivas, assim como na
avaliação de estenoses e realização de dilatações. Com
a experiência, o tempo de exposição radiológica necessário
para a enteroscopia com duplo-balão vai reduzindo
e, na experiência de alguns grupos, passa a ser em torno
de 1 minuto.
Embora os trabalhos descrevam rendimento diagnóstico
de aproximadamente 75%, deve-se salientar que as
amostras estudadas são selecionadas. A mesma consideração
se aplica ao elevado número de procedimentos
terapêuticos. As angioectasias são as alterações mais
freqüentes e consideradas a principal causa SGIO nos
países ocidentais. Nas maiores séries publicadas, a EDB
foi determinante para a indicação de tratamento medicamentoso
para doença de Crohn em até 20% dos casos.
O tratamento cirúrgico após o achado de tumores malignos
de delgado ou estenoses complexas foi indicado em
cerca de 10% a 20% dos casos.
Complicações graves
(N, n/ ∑ )
Quadro 2
Resultados das principais séries européias e japonesa
Japanese
(retrospectivo)
Alemanha
(Wiesbaden)
(prospectivo)
Européia
(retrospectiva)
ENTEROSCOPIA COM DUPLO-BALÃO
Yamamoto e colaboradores relatam duas complicações
maiores em 178 exames, sendo uma de perfuração
em um paciente com linfoma maligno em quimioterapia e
outra em um paciente com diagnóstico de doença de
Crohn de intestino delgado que apresentou febre e dor
abdominal após o exame, sendo tratado conservadoramente
através de jejum e antibioticoterapia, com evolução
favorável.
Íleo paralítico foi recentemente relatado após o tratamento
endoscópico de lesões angiodisplásicas com plasma
de argônio. Entretanto, não se sabe se o íleo é conseqüência
do tratamento endoscópico ou da técnica de
EDB propriamente dita. As complicações esperadas após
procedimentos terapêuticos endoscópicos comumente utilizados
(polipectomias e hemostasias) também podem
ocorrer com a EDB.
A pancreatite após EDB foi relatada por diversos investigadores.
Em todos os casos o tratamento clínico foi
suficiente. O risco estimado é de 1% embora a etiologia
da pancreatite permaneça obscura.
EXPERIÊNCIA INICIAL COM EDB NO INSTITUTO
ALFA DE GASTROENTEROLOGIA – HOSPITAL DAS
CLÍNICAS DA UFMG
No Instituto Alfa de Gastroenterologia - Hospital das
Clínicas da UFMG, examinamos entre agosto/2005 a agosto/2006,
24 pacientes (14 homens e 10 mulheres) com
idade média de 46 anos (min. 18, máx. 65). Foram realizadas
27 EDB sob assistência anestesiológica (24 por
via anterógrada e 3 por via retrógrada), empregando-se o
enteroscópio modelo EN-450T5 - Fujinon Inc., Japão. As
indicações para EDB foram:
Européia
(prospective)
Holandesa
(prospectiva)
Pacientes (n) 123 137 62 100 275
EDB (n) 178 248 89 147 ?
Indicação principal SGIO SGIO SGIO SGIO SGIO
Profundidade de Oral ? 240 ± 100 250 ± 170 220 ± 90 270 ± 100
inserção (cm)
Anal ? 140 ± 90 180 ± 150 130 ± 80 150 ± 120
Exposição à Minutos ? 3.6 ± 3.5 ? 2.1 ± 2.4 4 ± 2
fluoroscopia
dGy/cm2 ? 236 ± 235 ? 155 ± 158 ?
Via mais utilizada Anal Oral Oral Oral Oral
1.6% (2/123)
1.1% (2/178)
Nenhuma
(1/100 associada
ao propofol)
Nenhuma Nenhuma
(1/100 associada
ao propofol)
1.1% (3/275)
Diagnóstico 76% 79% 80% 72% 73%
Tratamento
Endoscópico
Clínico
Cirúrgico
?
20%
?
?
79%
41.5%
20%
17.5%
?
42%
?
?
SGIO: Sangramento gastrointestinal obscuro; ? : não informado nos trabalhos
sangramento gastrointestinal
de origem obscura, 7 anemia
a esclarecer, 3 dor abdominal
isolada, 3 doença de Crohn
com hemorragia digestiva, 2 diarréia
com dor abdominal, 2
síndrome de Peutz-Jegehrs, 2
carcinóides duodenais múltiplos,
1 diarréia crônica, 1 semioclusão
intestinal, 1 displasia
de alto grau (biópsia jejunal), 1
e hipoproteinemia e emagrecimento.
1 Considerando a doença
de Crohn e a anemia a
esclarecer como fazendo parte
do SGIO, totalizamos 12
indicações para investigação
de hemorragia do intestino
médio, o que corresponde a
50% da nossa casuística ini-
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62%
42%
12%
8%
?
55%
?
?

DAVID CORRÊA ALVES DE LIMA E THIAGO TÔRRES SILVA
cial. Os exames foram bem tolerados, sem complicações
maiores. Dois pacientes apresentaram depressão
respiratória leve e reversível secundária à analgesia. Outros
dois queixaram de odinofagia transitória após o procedimento.
A duração média do exame pela via anterógrada
foi de 92min (48-150 min) e pela via retrógrada
133 min (124-142 min). A distância percorrida a partir do
ângulo de Treitz foi de 215 cm (150-300 cm) nos exames
por via anterógrada e de 160cm (120-200 cm) por via retrógrada,
a partir da válvula ileocecal. Estudo fluoroscópico
foi empregado em 13 exames (10 na via anterógrada e 3
na via retrógrada), com duração média de 6,5 min. Em 9
pacientes (38%) os achados foram considerados normais.
Os principais achados anormais em 15 pacientes
(62%) foram: angiodisplasias, 5 pólipos, 3 ulcerações, 3 sangramento
ativo, 2 estenose parcial, 2 edema/friabilidade na
mucosa. 1 As intervenções realizadas em 18 pacientes
incluíram biópsias, 10 tatuagem com nanquim, 8 termocoagulação
com plasma de argônio, 3 polipectomia 2 e estudo
radiológico contrastado localizado. 2 Nesse estudo
com uso do enteroscópio terapêutico, a EDB demonstrou
tratar-se de método seguro e efetivo no diagnóstico
de afecções do intestino delgado. A fluoroscopia facilitou
a retificação e a progressão do enteroscópio. A presença
de aderências intestinais secundárias a procedimentos
cirúrgicos prévios nos pareceu dificultar a progressão do
aparelho.
Tivemos oportunidade de realizar EDB em paciente
com diagnóstico de doença de Crohn cursando com hemorragia
digestiva baixa importante. A paciente já havia
sido submetida a endoscopia digestiva alta sem alterações
significativas e colonoscopia com intubação do íleo
terminal demonstrando sangue vindo do íleo proximalmente
ao ponto máximo atingido pelo colonoscópio.
O trânsito intestinal realizado previamente demonstrou
lesões restritas ao íleo terminal. Na EDB por via retrógrada,
por nós realizada, encontramos lesões ulceradas na
válvula ileocecal e a mucosa do íleo distal dentro dos
limites da normalidade até cerca de 60 cm da válvula
ileocecal. A partir deste ponto a mucosa passou a apresentar-se
edemaciada, com erosões e surgindo múltiplas
ulcerações, algumas circunferenciais e áreas de estenose
parcial. Encontramos também no íleo médio varias lesões
ulceradas sangrando ativamente. O diagnóstico
definitivo e avaliação adequada da extensão das lesões
possibilitou uma abordagem racional da paciente.
CONCLUSÃO
A endoscopia do intestino delgado não é mais a “caixa
preta” da endoscopia. A push-enteroscopia ainda é
um método com utilidade clínica, podendo ser empregada
no diagnóstico e terapêutica da parte proximal do in-
testino delgado, especialmente nos casos em que a cápsula
endoscópica demonstrar lesões específicas primárias
nessa região.
A cápsula endoscópica trouxe grandes estímulos e
possibilidade diagnóstica, em especial nos pacientes com
sangramento gastrointestinal obscuro, tendo sido inicialmente
aperfeiçoada com as cápsulas biodegradáveis que
diminuem o risco de complicações. No entanto, a impossibilidade
de seu direcionamento, existência de áreas não
visibilizadas, imagens de resolução limitada, bem como
a impossibilidade de realização de biópsias ou procedimentos
terapêuticos, fatores aliados ao seu alto custo,
implicam limitações na sua utilização mais ampla. Como
a CE não causa desconforto e não necessita sedação,
pode ser o exame inicial, apesar do custo elevado, sobretudo
para a realidade brasileira.
A EDB permite o exame de grande parte ou mesmo
de todo o intestino delgado em número expressivo de
pacientes. É método seguro, que possibilita diagnóstico
preciso, coleta de biópsias e abordagem terapêutica, além
do estadiamento de lesões através da endossonografia.
Os índices de complicações são baixos e aceitáveis.
A possibilidade diagnóstica é de até 75% em pacientes
selecionados. A opção de tratamento de lesões potencialmente
hemorrágicas é sua principal vantagem em relação
à CE e ocorre em cerca de 40% dos exames realizados.
A principal indicação da EDB é a hemorragia do intestino
médio, sendo as angioectasias as alterações mais
freqüentemente encontradas.
As técnicas de hemostasia classicamente utilizadas
na endoscopia tradicional podem ser empregadas com os
enteroscópios terapêuticos. Entretanto o real impacto do
tratamento endoscópico de angioectasias não sangrantes
ainda deve ser determinado. A EDB permite a instituição
de tratamento clínico para doença de Crohn em até 20%
dos pacientes, e do tratamento cirúrgico em cerca de 10%
a 20% dos casos devido a tumores malignos.
Relatos iniciais e publicações relacionadas a EDB sugerem
que esta técnica endoscópica possa ser empregada
em várias situações terapêuticas, evitando-se enteroscopia
intra-operatória e procedimentos cirúrgicos convencionais,
para tratamento de grande número de lesões
passíveis de abordagem endoscópica, com baixos índices
de complicações. Este método pode substituir a pushenteroscopia
e a enteroscopia intra-operatória no futuro e
se tornar o método-padrão de enteroscopia. Na era dos
testes de anticorpos específicos para doença celíaca, a
possibilidade da endoscopia do intestino delgado com
biópsias tem lugar de destaque. Dessa forma, a endoscopia
do intestino delgado permanece um campo estimulante
para pesquisa e desenvolvimento, com possibilidades
de novas descobertas e grandes benefícios em
um futuro próximo.
48 JBG, J. bras. gastroenterol., Rio de Janeiro, v.6, n.2, p.44-49, out./dez. 2006

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Endereço para correspondência
Dr. David Corrêa Alves de Lima
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JBG, J. bras. gastroenterol., Rio de Janeiro, v.6, n.2, p.44-49, out./dez. 2006 49