Focus 17.1 - Royal Canin
Focus 17.1 - Royal Canin
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VETERINARY<br />
A revista internacional para o Médic o Veterinário de animais de c ompanhia<br />
V<br />
Doença do trato<br />
urinário inferior<br />
#<strong>17.1</strong><br />
Epidemiologia da urolitíase felina • Como abordar... Gatos com sintomas do trato urinário inferior • Nutrição e distúrbios urinários em gatos esterilizados •<br />
Análise quantitativa dos cálculos urinários em cães e gatos • Como tratar... O gato com DTUI – perspectiva do cirurgião • Endo-urologia e radiologia de<br />
intervenção do trato urinário • Métodos para medir o potencial de cristalização da urina - RSS vs. APR • Sal, hipertensão e doença renal crônica
O grande objetivo<br />
dos pesquisadores que<br />
trabalham para a <strong>Royal</strong><br />
<strong>Canin</strong> é compartilhar nosso<br />
conhecimento com os<br />
nossos colegas da<br />
comunidade veterinária,<br />
através de variados<br />
artigos e livros.
EDITORIAL<br />
Caro Colega,<br />
Veterinary <strong>Focus</strong>, Vol. 17, nº1 – 2007<br />
Consultores Editoriais<br />
• Drª Denise A. Elliott, BVSc(Hons), PhD, Dipl.<br />
ACVIM, Dipl. ACVN Comunicações Científicas,<br />
<strong>Royal</strong> <strong>Canin</strong>, EUA<br />
• Drª Pascale Pibot, DVM, Directora de<br />
Publicações Científicas, <strong>Royal</strong> <strong>Canin</strong>, França<br />
• Drª Pauline Devlin, BSc, PhD, Directora-<br />
Assistente Veterinária, <strong>Royal</strong> <strong>Canin</strong>, RU<br />
• Drª Karyl Hurley, BSc, DVM, Dipl. ACVIM, Dipl.<br />
ECVIM-CA Assuntos Académicos Globais,<br />
WALTHAM<br />
Obrigado pela sua fidelidade e apoio à WALTHAM <strong>Focus</strong> ao longo dos últimos anos. No<br />
momento em que a presente edição marca o início do 17º ano de publicação, a equipe<br />
editorial e o editor desejam expressar a sua gratidão. O nosso objetivo consiste em<br />
proporcionar ao leitor uma revista de veterinária de alta qualidade, com pareceres estado de<br />
arte no campo da medicina veterinária canina e felina. Para tornar a leitura mais agradável,<br />
temos o prazer de apresentar o novo aspecto gráfico, com uma nova concepção e melhor<br />
utilização das ilustrações.<br />
Para esta edição, selecionamos o tema sobre os distúrbios urinários. Ao longo dos últimos<br />
anos, tem-se verificado um aumento do número de novos casos de urolitíases por estruvita<br />
em felinos, apesar da redução significativa da prevalência desta afecção registada nos anos<br />
90. É muito importante que os clínicos disponham de boa informação sobre este distúrbio, de<br />
forma a realizar um tratamento eficaz e, simultaneamente, diminuir a sua prevalência.<br />
Por último, a denominação WALTHAM <strong>Focus</strong> foi alterada para Veterinary <strong>Focus</strong>. Tendo em<br />
conta o volume de circulação de 100.000 cópias, em cerca de 50 países, consideramos da<br />
máxima importância a inclusão da palavra “Veterinária” no título!<br />
Com os nossos votos de um excelente trabalho!<br />
Editor<br />
• Dr. Richard Harvey, PhD, BVSc, DVD, FIBiol, MRCVS<br />
Secretário Editorial<br />
• Laurent Cathalan<br />
lcathalan@buena-media.fr<br />
Ilustração<br />
• Arnaud Pouzet<br />
Tradução<br />
• Paula Cortes<br />
A equipe editorial<br />
Denise Elliott, Pascale Pibot, Pauline Devlin, Karyl Hurley e Richard Harvey<br />
AGRADECIMENTOS: A ROYAL CANIN DO BRASIL AGRADECE A PROFA. DRA. MITIKA HAGIWARA PELA PRECIOSA<br />
CONTRIBUIÇÃO NA REVISÃO DESTA EDIÇÃO DA REVISTA VETERINARY FOCUS.<br />
Revisão editorial para outras línguas :<br />
• Drª Imke Engelke, DVM (Alemão)<br />
• Drª María Elena Fernández, DVM (Espanhol)<br />
• Drª Eva Ramalho, DVM (Português)<br />
• Drª Paola Oppia, DVM (Italiano)<br />
• Drª Margriet Bos, DVM (Holandês)<br />
• Prof. Dr. R. Moraillon, DVM (Francês)<br />
• Drª Luciana D. de Oliveira, DVM (Português)<br />
• Drª Ana Gabriela Valério (Português)<br />
• Drª Wandrea S. Mendes (Português)<br />
Publicado por: Buena Media Plus<br />
PCA: Bernardo Gallitelli<br />
Morada: 85, avenue Pierre Grenier<br />
92100 Boulogne – França<br />
Telefone: +33 (0) 1 72 44 62 00<br />
Impresso na União Europeia<br />
ISSN 0965-4577<br />
Circulação: 100,000 cópias<br />
Depósito legal: Fevereiro 2007<br />
Publicado por Aniwa S. A. S.<br />
Impresso no Brasil por:<br />
Intergraf Indústria Gráfica Ltda.<br />
As autorizações de comercialização dos agentes terapêuticos para uso em animais de companhia variam muito a nível mundial. Na ausência de uma licença específica, deve ser considerada<br />
a publicação de um aviso de prevenção adequado, antes da administração de tais fármacos.
SUMÁRIO<br />
Editorial p. 01<br />
Conhecimento e respeito... As principais raças felinas atuais p. 03<br />
Catherine Bastide-Coste<br />
Epidemiologia da urolitíase felina p. 04<br />
Doreen M. Houston<br />
Como abordar... Gatos com sintomas do trato urinário inferior p. 10<br />
Jodi L. Westropp<br />
Nutrição e distúrbios urinários em gatos esterilizados p. 18<br />
Jean-Jacques Bénet e Morgane Lamarche<br />
Análise quantitativa dos cálculos urinários em cães e gatos p. 22<br />
Andrew Moore<br />
Como tratar... O gato com DTUI – perspectiva do cirurgião p. 28<br />
Giselle Hosgood<br />
Endo-urologia e radiologia de intervenção do trato urinário p. 31<br />
Allyson C. Berent<br />
Métodos para medir o potencial de cristalização da urina p. 37<br />
- RSS vs. APR<br />
William G. Robertson e Abigail E. Stevenson<br />
Ponto de vista ROYAL CANIN... Diluição urinária: fator-chave p. 41<br />
na prevenção de urólitos de estruvita e de oxalato de cálcio<br />
Vincent Biourge<br />
Sal, hipertensão e doença renal crônica p. 45<br />
Scott A. Brown<br />
Guia destacável... Atlas de sedimento urinário p. 47<br />
ALEMANHA ARGENTINA AUSTRÁLIA ÁUSTRIA BAHREIN BÉLGICA BRASIL CANADÁ CHINA CHIPRE COREIA CROÁCIA DINAMARCA EMIRADOS ÁRABES UNIDOS ESLOVÉNIA ESPANHA ESTADOS UNIDOS DA<br />
AMÉRICA ESTÓNIA FILIPINAS FINLÂNDIA FRANÇA GRÉCIA HOLANDA HONG-KONG HUNGRIA IRLANDA ISLÂNDIA ISRAEL ITÁLIA JAPÃO LETÓNIA LITUÂNIA MALTA MÉXICO NORUEGA NOVA ZELÂNDIA<br />
POLÓNIA PORTO RICO PORTUGAL REINO UNIDO REPÚBLICA CHECA REPÚBLICA DA ÁFRICA DO SUL REPÚBLICA ESLOVACA ROMÉNIA RÚSSIA SINGAPURA SUÉCIA SUIÇA TAILÂNDIA TAIWAN TURQUIA<br />
2 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / Vol 17 No 1<br />
VETERINARY<br />
A Veterinary <strong>Focus</strong> é publicada em inglês, francês, alemão, chinês, holandês,<br />
italiano, polonês, português, espanhol, japonês, grego e russo<br />
Ilustração da capa: cálculo de oxalato de cálcio detectado na bexiga de uma cadela Schnauzer Miniatura esterilizada, com 8,5 anos e 9kg<br />
de peso. O cálculo media 18mm de diâmetro.<br />
CONHECIMENTO E RESPEITO<br />
#<strong>17.1</strong><br />
2 0 0 7 - 1 0 $ / 1 0 €<br />
A revista internacional para o Médic o Veterinário de animais de c ompanhia<br />
Visite a biblioteca científica para uma selecção de artigos<br />
da Veterinary <strong>Focus</strong><br />
© Lanceau<br />
© Lanceau<br />
© Lanceau<br />
Maine Coon<br />
British Shorthair<br />
Bengal
As raças clássicas, uma<br />
situação mista<br />
Na maioria das regiões do mundo<br />
(particularmente, na Europa), as<br />
raças British Shorthair e Siamês<br />
encontram-se quase sempre na lista<br />
das dez mais populares (Tabela 1),<br />
seguida de perto pela raça Persa. Em<br />
contrapartida, nos EUA a situação é<br />
muito diferente, com a ausência total<br />
do British Shorthair. Compilar dados<br />
“globais” significativos da Europa<br />
Continental torna-se uma tarefa<br />
difícil, uma vez que cada país possui<br />
o seu próprio registro de felinos<br />
domésticos. No entanto, foi possível<br />
reunir e comparar alguns elementos,<br />
que se apresentam na Tabela 1. Os<br />
dados relativos a França já são<br />
reconhecidos pelo Ministério da<br />
Agricultura (o primeiro caso na<br />
Europa). No Japão, a raça Persa é<br />
a mais popular, imediatamente<br />
seguida pelo American Shorthair. Na<br />
Austrália, Nova Zelândia e África do<br />
Sul, os dados são muito semelhantes<br />
aos obtidos no Reino Unido.<br />
Os Persa estão em declínio<br />
A longa supremacia dos Persa tem<br />
sido ultimamente desafiada em<br />
diversos países. Sobretudo os gatos<br />
de raça grande, como o Maine Coon<br />
e o Gato das Florestas Norueguesas,<br />
estão tornando-se cada vez mais<br />
populares. O Ragdoll e o Siberiano<br />
registram também um aumento de<br />
popularidade. Uma característica que<br />
os torna particularmente atraentes é<br />
o fato de requererem menos cuidados<br />
Tabela 1.<br />
Detalhes comparativos dos registros de raças felinas (dados de 2005, majoritariamente)<br />
CONHECIMENTO E RESPEITO<br />
As principais raças<br />
felinas atuais<br />
Existem cerca de sessenta raças reconhecidas mundialmente.<br />
A sua popularidade diverge consideravelmente de acordo com<br />
cada país.<br />
Por Catherine Bastide-Coste, Comunicações, LOOF (Registo oficial francês de raças de gatos)<br />
de higiene e de beleza que os Persa.<br />
Raças Exóticas<br />
Os criadores estão constantemente<br />
em busca de novas raças que suscitem<br />
admiração. Nos EUA, a TICA (The<br />
International Cat Association) é<br />
muito ativa neste campo e,<br />
como se pode constatar através da<br />
Tabela 1, ultimamente o número de<br />
registros da raça Bengal (resultante<br />
do cruzamento entre gatos selvagens<br />
e gatos malhados) é muito superior<br />
ao de qualquer outra raça. Em<br />
contrapartida, na Rússia, as raças<br />
Sphinx, Scottish Fold e American Curl<br />
são as mais populares. Na Austrália, a<br />
raça Australian Mist apresenta um<br />
índice crescente de popularidade.<br />
Estados Unidos Reino Unido Europa Continental França<br />
CFA TICA GCCF (30.000 registos) FiFe LOOF (17.000 registos)<br />
Persa<br />
Bengal<br />
British Shorthair Gato das Florestas Norueguesas<br />
Persa<br />
Maine Coon Ragdoll<br />
Siamês<br />
Persa<br />
Burmês<br />
Exotic Shorthair Maine Coon<br />
Persa<br />
Maine Coon<br />
Chartreux<br />
Siamês<br />
Sphinx<br />
Burmês<br />
Sagrado da Birmânia<br />
Maine Coon<br />
Abissínio<br />
Persa<br />
Sagrado da Birmânia<br />
British Shorthair Gato das Florestas Norueguesas<br />
Fontes:<br />
TICA- The International Cat Association (www.tica.org), CFA- the Cat Fanciers Organization (www.cfa.org), FIFe- Fédération Internationale Féline<br />
(www.fifeweb.org), GCCF- Governing Council of the Cat Fancy (www.gccfcats.org).<br />
Vol 17 No 1 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / 3
Epidemiologia<br />
da urolitíase felina<br />
Doreen M. Houston DVM, DVSc,<br />
Dipl. ACVIM<br />
Medi-Cal - <strong>Royal</strong> <strong>Canin</strong> Veterinary Diets<br />
Guelph, Ontário, Canadá<br />
A Drª Houston é formada pela Faculdade de Medicina<br />
Veterinária de Ontário (FVO), em 1980. Durante 4 anos<br />
trabalhou numa clínica veterinária em Thunder Bay, Ontário,<br />
regressando à FVO para prosseguir a sua formação (Internato,<br />
Residência e DVSc em Medicina Interna). Obteve o Diploma do<br />
Colégio Americano de Medicina Interna Veterinária (ACVIM) em<br />
1991. A Drª Doreen M. Houston ingressou no corpo docente da<br />
Faculdade Ocidental de Medicina Veterinária da Universidade<br />
de Saskatchewan em 1990, alcançando o título de professora<br />
catedrática em 1995. Durante o exercício da sua docência a<br />
Drª. Houston recebeu inúmeros prêmios de ensino. Em Julho<br />
de 1996, abandonou o meio acadêmico para integrar a equipe<br />
de Veterinary Medi-Cal Diets <strong>Royal</strong> <strong>Canin</strong> em Guelph, Ontário.<br />
Atualmente desempenha as funções de Diretora de Pesquisa<br />
e Ensaios Clínicos da Medi-Cal <strong>Royal</strong> <strong>Canin</strong> Veterinary Diets,<br />
Canadá. A Drª Houston é autora de diversos artigos<br />
publicados, de capítulos de livros e de um manual.<br />
Introdução<br />
Incidência, prevalência e taxa de morbidade proporcional<br />
(PMR) são termos usados para descrever a<br />
frequência de uma doença (1). Define-se por taxa de<br />
incidência da urolítiase o número de novos casos desta<br />
4 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / Vol 17 No 1<br />
doença observados numa população, durante um<br />
período de tempo definido (habitualmente anual). A<br />
incidência de uma doença constitui-se em um dado útil<br />
para os epidemiologistas, pois serve para medir o risco<br />
da patologia. Define-se por prevalência da urolitíase o<br />
número total de animais de companhia de uma<br />
população que apresentem urólitos, num momento<br />
específico. A prevalência difere da incidência, na<br />
medida em que não transmite informação acerca do<br />
risco. A proporção de urolitíases na totalidade dos casos<br />
observados em uma clínica ou hospital, em um<br />
determinado período de tempo, constitui a taxa de<br />
morbidade proporcional (PMR).<br />
Infelizmente, estes termos são muitas vezes utilizados<br />
de forma inadequada ou com alternância do sentido, o<br />
que pode dar origem a confusões quando se pretende<br />
comparar dados de estudos diferentes. Além disso, nem<br />
todos os países editam trabalhos sobre a urolitíase, e os<br />
dados publicados relativos a felinos são menos<br />
consistentes entre países do que para a espécie canina,<br />
com representação de um número inferior de países.<br />
Por consequência, é bastante difícil conhecer a<br />
verdadeira incidência, prevalência e PMR da urolitíase<br />
nos gatos, no mundo.<br />
A doença do trato urinário inferior felino (DTUIF ou<br />
FLUTD - feline lower urinary tract disease) consiste em<br />
um grupo heterogêneo de distúrbios caracterizados<br />
por sinais clínicos semelhantes, que incluem<br />
hematúria (macroscópica e microscópica), disúria,<br />
estrangúria, polaquiúria, micções inapropriadas<br />
(periúria, ou sinais de micção irritativa fora da caixa de<br />
areia), assim como, obstrução parcial ou total da uretra<br />
(2). Historicamente, a taxa de incidência da FLUTD tem<br />
registado valores
Tabela 2.<br />
Predisposição decorrente da idade, sexo e raça e outros fatores de risco em potencial de causar urólitos em gatos<br />
Tipo de urólito Raça Idade Gênero Outros<br />
Estruvita<br />
EUA<br />
Estéril: 3 meses – 22 anos; Fêmeas ligeiramente > • Excesso de peso /<br />
Foreign Shorthair; Ragdoll; Chartreux; Oriental média 7,2 +/- 3,5 anos (1) machos (10, 19)<br />
inativo<br />
Shorthair; DPC*; Himalaia (6); Himalaia e Persa (8); Induzido por infecção; Machos <br />
fêmeas (10, 19)<br />
Machos ligeiramente ><br />
fêmeas (10)<br />
Nenhuma<br />
Machos (10)<br />
Fêmeas > machos (1)<br />
Machos > fêmeas (10)<br />
Nenhuma (10)<br />
Machos > fêmeas<br />
(8, 10)<br />
• Excesso de peso / inativo<br />
• Consumo reduzido<br />
de água<br />
• Ingestão de dietas<br />
acidificantes<br />
de urina (17)<br />
• Vida em ambientes<br />
internos (17)<br />
• Hipercalcemia sérica (18)<br />
• Consumo reduzido<br />
de água<br />
• Shunts porto-vasculares<br />
• Infecções do trato urinário<br />
• Consumo reduzido de água<br />
• Vida em ambientes internos<br />
• Defeito metabólico<br />
congênito (23)<br />
• Defeito congênito do metabolismo<br />
da purina (24)<br />
• Consumo reduzido de<br />
água<br />
• Consumo reduzido de<br />
água<br />
• Hiperparatiroidismo<br />
primário (19)<br />
Em gatos Rex, Burmês, Abissínio, Azul da Rússia,<br />
Sagrado da Birmânia e Siamês, o risco de formação de<br />
cálculos de estruvita parece ser mais baixo (6,8,13).<br />
Ao contrário do que sucede na espécie canina, no gato a<br />
maioria dos urólitos de estruvita é estéril (1,6,13). A<br />
infecção por organismos responsáveis pela quebra da<br />
urease é rara em felinos e observável, sobretudo, em<br />
gatos com menos de um ano de vida, em gatos<br />
idosos ou com fatores de comprometimento do<br />
hospedeiro (ureterostomias perineais, etc.). Os urólitos<br />
de estruvita formam-se devido à supersaturação da<br />
urina em magnésio, amônio e fósforo, e com um pH<br />
urinário >6,5, situação que pode resultar da depleção<br />
do volume intravascular e da retenção de água. Um
estudo de casos clínicos destacou o aumento do risco<br />
pela administração de dietas com teores elevados de<br />
magnésio, fósforo, cálcio, cloreto e fibra, níveis<br />
moderados de proteína e baixo teor de gordura (14). As<br />
dietas contendo 0,15 a 1,0% de magnésio, na matéria<br />
seca, estão associadas à formação de urólitos de<br />
estruvita. Contudo, a ação do magnésio depende da<br />
forma deste mineral e do pH da urina (15). Buffington,<br />
et al. relataram que os gatos com administração de 0,5%<br />
de cloreto de magnésio não evidenciaram formação de<br />
urólitos de estruvita, enquanto que os felinos com 0,5%<br />
de óxido de magnésio apresentaram este tipo de<br />
cálculo. A diferença em termos de formação de estruvita<br />
foi devido ao fato do óxido de magnésio promover a<br />
produção de urina alcalina, enquanto o cloreto de<br />
magnésio favorece a formação de urina ácida que tem<br />
carácter protetor (15).<br />
Oxalato de cálcio<br />
As raças Himalaia e Persa parecem mais predispostas ao<br />
risco de urolitíase por oxalato de cálcio (6,8,10,11,13)<br />
(Figuras 3 e 4). Até o momento não existe explicação<br />
para o aparente aumento do risco de formação de urólitos<br />
de oxalato de cálcio, embora seja associado ao uso<br />
frequente de dietas acidificantes com restrição do teor de<br />
magnésio, de modo a controlar a formação de urólitos de<br />
estruvita (6,13,14,16,17,18). A acidúria persistente pode<br />
estar associada a uma acidose metabólica de baixa<br />
intensidade, que promove a mobilização óssea de<br />
carbonato e de fósforo para os íons tampão de<br />
hidrogênio. A mobilização simultânea de cálcio,<br />
associada à inibição da reabsorção deste mineral nos<br />
túbulos renais provoca o aumento da excreção urinária<br />
de cálcio (hipercalciúria). Lekcharoensuk, et al.<br />
relataram probabilidade três vezes superior de formação<br />
de urólitos de oxalato de cálcio em gatos alimentados<br />
com dietas formuladas para induzir pH urinário situado<br />
entre 5,99 e 6,15 (13,14). Em 5 gatos com hipercalcemia e<br />
urólitos de oxalato de cálcio, a descontinuação de dietas<br />
acidificantes ou a administração de acidificantes<br />
urinários foi associada à normalização das concentrações<br />
de cálcio sérico (18). No entanto, muitos gatos são<br />
alimentados com dietas acidificantes e apenas alguns<br />
desenvolvem hipercalcemia, acidose metabólica e<br />
urolitíase de oxalato de cálcio. Consequentemente, é<br />
importante levar em consideração fatores como a<br />
hiperabsorção gastrintestinal ou o aumento da excreção<br />
renal de cálcio em pacientes com maior susceptibilidade.<br />
O aumento da absorção intestinal de cálcio pode resultar<br />
do excesso de cálcio dietético, excesso de vitamina D ou<br />
hipofosfatemia. Por outro lado, o aumento da excreção<br />
renal de cálcio pode ocorrer devido ao decréscimo da<br />
EPIDEMIOLOGIA DA UROLITÍASE FELINA<br />
Figura 2.<br />
Variabilidade do<br />
aspecto dos urólitos<br />
de estruvita em<br />
felinos.<br />
Imagem: cortesia de<br />
Andrew Moore, CVUC,<br />
Guelph, Ontário,<br />
Canadá.<br />
Figura 3a.<br />
Radiografia laterolateral<br />
que evidencia<br />
inúmeros cálculos, de<br />
pequenas dimensões,<br />
radiopacos, na uretra<br />
de um gato macho<br />
com FLUTD.<br />
Radiografia: cortesia<br />
do Dr. Brian Crabbe,<br />
Port E lgin, Ontário,<br />
Canadá.<br />
Figura 3b.<br />
A análise revelou<br />
urólitos compostos<br />
por 100% de oxalato<br />
de cálcio.<br />
Imagem: cortesia de<br />
Andrew Moore, CVUC,<br />
Guelph, Ontário,<br />
Canadá.<br />
Figura 4.<br />
Urólitos de oxalato felinos com aspecto variável. Frequentemente, o<br />
diidrato de oxalato de cálcio revela uma aparência laminada, tal como<br />
é observável no canto inferior direito da figura. De forma geral, o<br />
monoidrato de oxalato de cálcio é arredondado, como o exemplo que<br />
se apresenta no canto inferior esquerdo da imagem.<br />
Imagem: cortesia de Andrew Moore, CVUC, Guelph, Ontário, Canadá.<br />
reabsorção tubular renal (furosemida e corticosteróides),<br />
ou ao aumento da mobilização de cálcio das reservas do<br />
organismo (acidose, hiperparatiroidismo, hipertiroidismo,<br />
excesso de vitamina D) (1,19).<br />
Um estudo de casos clínicos demonstrou que os gatos<br />
alimentados com dietas com teores reduzidos de<br />
umidade e de proteína apresentam maior risco de<br />
urolitíase por oxalato de cálcio (14). Foi igualmente<br />
Vol 17 No 1 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / 7
elatado aumento do consumo de água, do volume<br />
urinário e da excreção de fósforo na urina em felinos<br />
com administração de dietas ricas em proteínas, embora<br />
a excreção de cálcio não tenha aumentado. A depleção<br />
do volume intravascular e a concentração do volume<br />
urinário potencializam o risco de supersaturação da<br />
urina em cálcio e em oxalato. Os gatos alimentados com<br />
dietas úmidas apresentam cerca de 1/3 de<br />
probabilidade de desenvolver urólitos de oxalato de<br />
cálcio, comparados a gatos que recebem<br />
alimentos com pouca umidade(14). Os alimentos<br />
ricos em umidade estão associados com o aumento de<br />
produção de urina menos concentrada, quando<br />
comparadas a dietas com pouca umidade.<br />
A piridoxina (vitamina B 6 ) aumenta a transaminação<br />
de glioxilato, importante precursor do ácido oxálico,<br />
para glicina. Deste modo, a carência em piridoxina<br />
aumenta a produção endógena e subsequente excreção<br />
de oxalato. Não foi relatada, até o momento, qualquer<br />
forma de ocorrência natural desta síndrome. Além<br />
disso, a suplementação com vitamina B 6 não reduz a<br />
excreção urinária de ácido oxálico, comparativamente à<br />
administração de dietas contendo níveis adequados<br />
desta vitamina (20).<br />
Tanto a restrição quanto a suplementação de magnésio<br />
dietético estão associadas ao maior risco de urolitíase<br />
por oxalato de cálcio em gatos. Consequentemente, no<br />
intuito de minimizar os riscos deste distúrbio, as dietas<br />
não deverão conter nem um teor muito restritivo, nem<br />
suplementação de magnésio (14).<br />
Nos humanos é sugerido desde há muito tempo que a<br />
suplementação com cloreto de sódio permite aumentar<br />
a excreção urinária de cálcio. Contudo, um estudo<br />
epidemiológico recente conduzido por Lekcharoensuk,<br />
et al. não sustenta esta hipótese, ao descobrir que o<br />
aumento de sódio dietético reduz o risco de formação<br />
de urólitos de oxalato de cálcio no gato (14).<br />
O risco de formação de urólitos de oxalato de cálcio<br />
aumenta com a idade. Smith, et al. relataram uma<br />
produção urinária em gatos idosos (idade média: 10,63<br />
+/- 1,32 anos) com valores RSS para a estruvita,<br />
significativamente inferiores (0,721 +/- 0,585 vs. 4,984<br />
+/- 4,028) e níveis RRS para o oxalato de cálcio bem mais<br />
elevados (3,449 +/- 1,619 vs. 0,911 +/- 0,866), em<br />
comparação a um grupo de gatos mais jovens (4,06 +/-<br />
1,02 anos). Os gatos idosos apresentaram um pH urinário<br />
acentuadamente mais baixo que os felinos mais jovens<br />
(6,08 ± 0,22 vs. 6,38 +/- 0,22, respectivamente). Este<br />
decréscimo observado nos animais mais velhos explica, em<br />
8 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / Vol 17 No 1<br />
parte, a maximização do risco de formação de urólitos de<br />
oxalato de cálcio decorrente do envelhecimento (21).<br />
O modo de vida em ambientes fechados é também<br />
considerado um fator de risco para urolitíase por oxalato<br />
de cálcio (7,12,17).<br />
Urato de amônio<br />
O urato de amônio é o terceiro urólito habitualmente<br />
identificado em gatos. É composto por ácido úrico e pelo<br />
sal de amônio monobásico deste ácido (urato ácido de<br />
amônio) (1,8). Em comparação com a estruvita e o oxalato,<br />
caracteriza-se por uma baixa prevalência e não sofreu<br />
alterações significativas durante as últimas 2 décadas<br />
(Tabela 1). No Canadá, dos 321 cálculos analisados como<br />
urato de amônio, 10 eram provenientes de gatos Siamês<br />
(3,1%) e 9 de Maus Egípcios (2,8%) (10). Os urólitos de<br />
urato podem formar-se em gatos com shunts portosistêmicos<br />
ou qualquer forma grave de disfunção hepática,<br />
situações por vezes associadas a um decréscimo da<br />
conversão hepática da amônia para uréia que resulta em<br />
hiperamonemia. Nesta espécie os urólitos de urato são<br />
também observáveis em animais com infecções do trato<br />
urinário, condizentes ao aumento de amônia urinária, em<br />
gatos com acidose metabólica e urina com elevada acidez,<br />
assim como em felinos alimentados com dietas de teor<br />
elevado em purinas, como fígado e outras vísceras (22). No<br />
entanto, na maioria dos pacientes felinos a patogênese<br />
permanece desconhecida (8).<br />
Fosfato de cálcio<br />
Os urólitos de fosfato de cálcio são pouco comuns no gato.<br />
A hidroxiapatita e a apatita carbonatada são as formas<br />
habitualmente observadas; a bruxita (diidrato de cálcio,<br />
hidrogênio e fosfato) é menos frequente. Os urólitos puros<br />
de cálcio e fosfato podem estar associados a hiperparatiroidismo<br />
primário, a distúrbios predisponentes à<br />
hipercalciúria (hipercalcemia, excesso de vitamina D,<br />
acidose sistêmica, excesso de cálcio dietético), ou à hiperfosfatúria<br />
(excesso de fósforo dietético), à diminuição do<br />
volume urinário, urina muito alcalina e, pelo menos no<br />
caso de nefrólitos, à presença de coágulos sanguíneos (1).<br />
Estes ocorrem com frequência como um componente<br />
menor, juntamente com os cálculos de estruvita e de<br />
oxalato de cálcio.<br />
Cistina<br />
Os urólitos de cistina formam-se em gatos com cistinúria,<br />
malformação metabólica congênita caracterizada por<br />
uma deficiente reabsorção tubular proximal de cistina e<br />
de outros aminoácidos (ornitina, lisina, arginina) (23).<br />
Não foi relatada qualquer predisposição óbvia de sexo ou<br />
raça, embora o risco seja maior em gatos Siamês (6,19).<br />
Acomete sobretudo felinos de meia-idade e idosos (23).
Sílica<br />
Os urólitos de sílica são pouco frequentes. Ainda que<br />
com base em dados limitados, não parece existir<br />
predisposição de raça, sexo ou idade. No entanto, no<br />
Canadá o número de cálculos analisados provenientes<br />
de machos foi ligeiramente superior ao de fêmeas (10).<br />
Desconhece-se a causa deste tipo de urólitos em gatos.<br />
Xantina<br />
Os urólitos de xantina são raros e podem resultar de um<br />
defeito congênito no metabolismo das purinas ou da<br />
administração de alopurinol. Na maioria dos casos não<br />
existem fatores de risco identificáveis. Não foi relatada<br />
qualquer predisposição aparente de raça, sexo ou idade<br />
(24). Risco de reincidência elevado (no intervalo de 3 a<br />
12 meses) (24).<br />
Pirofosfato de magnésio e potássio<br />
Foram identificados urólitos de pirofosfato de magnésio e<br />
de potássio em 4 gatos Persa (25). No Canadá, no total<br />
foram analisados 15 deste tipo de urólitos no CVUC<br />
(Centro Veterinário de Urólitos do Canadá). A maioria<br />
ocorreu em gatos domésticos (66,7%) e 2/3 dos urólitos<br />
foram identificados em machos. Cinco ocorreram em gatos<br />
de raça (2 Himalaia, 2 Persa e 1 Maine Coon). Outros 9<br />
urólitos apresentaram núcleo de oxalato de cálcio (8)<br />
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EPIDEMIOLOGIA DA UROLITÍASE FELINA<br />
ou de estruvita (1) recoberto por cálculos de pirofosfato<br />
(10). Apesar da sua etiologia não estar totalmente<br />
elucidada, postula-se que esteja relacionada com uma<br />
disfunção enzimática temporária ou permanente que<br />
provoque a supersaturação urinária de pirofosfato<br />
conducente, por sua vez, à cristalização do urólito (25).<br />
Cálculos sanguíneos sólidos desidratados<br />
(DSBC)<br />
Foram relatados casos de DSBC em felinos da América<br />
do Norte (8) com etiologia desconhecida. Em geral,<br />
estes cálculos não contêm qualquer material cristalino e<br />
muitos são radiolucentes.<br />
Urólitos mistos<br />
Os urólitos mistos ou compostos consistem em um núcleo de<br />
um determinado tipo de mineral e pedra ou concha de outro<br />
tipo de mineral. Formam-se em virtude da sobreposição de<br />
fatores que promovem a precipitação de um tipo de urólito<br />
sobre fatores anteriores que favoreciam a precipitação de<br />
outro tipo de mineral. Alguns minerais funcionam<br />
também como núcleo de depósito de outro tipo de mineral;<br />
por exemplo, todos os tipos de urólito predispõem a<br />
infecções do trato urinário, passíveis de originar a<br />
precipitação secundária de estruvita.<br />
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Vol 17 No 1 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / 9
COMO ABORDAR...<br />
Gatos com<br />
sintomas do trato<br />
urinário inferior<br />
Jodi L. Westropp, DVM, PhD, Dipl. ACVIM<br />
Departamento de Medicina e Epidemiologia Veterinária,<br />
Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade da<br />
Califórnia, Davis, CA 95616 EUA<br />
A Drª Westropp realizou o seu curso universitário na<br />
Universidade Estadual de Ohio, onde permaneceu até<br />
concluir o curso de medicina veterinária, em 1997.<br />
Em seguida, completou um ano de internato em medicina e<br />
cirurgia de pequenos animais em Nova Iorque.<br />
Regressou ao Ohio para efetuar a residência em medicina<br />
interna e o PhD. Obteve o Diploma em 2001 e concluiu o<br />
Doutorado em 2004. Atualmente, é professora assistente do<br />
departamento de medicina e epidemiologia<br />
da Faculdade de Medicina Veterinária, na Universidade da<br />
Califórnia, em Davis. O seu principal interesse na área da<br />
pesquisa centra-se nos distúrbios do trato urinário inferior,<br />
em cães e gatos. A Drª Westropp detém também o cargo de<br />
diretora do Laboratório de Análise de Cálculos Urinários<br />
Gerald V. Ling, na UCD.<br />
Introdução<br />
A doença do trato urinário inferior (DTUI) nos gatos inclui<br />
diversas associações de manifestações: tentativas frequentes e<br />
esforço de micção, micções inapropriadas (periúria), micções<br />
dolorosas e presença de sangue na urina (hematúria). Estes<br />
sinais não caracterizam uma doença específica: podem ser<br />
10 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / Vol 17 No 1<br />
observados em gatos com cálculos vesicais (cálculos císticos),<br />
infecções bacterianas do trato urinário, neoplasia, ou outras<br />
lesões por massas vesicais. Em cerca de dois terços dos casos,<br />
os clínicos não conseguem descobrir uma causa específica<br />
para os sinais clínicos, pelo que se referem a esta síndrome<br />
como cistite idiopática felina (CIF) (1).<br />
Anamnese e exame físico<br />
A elaboração de uma anamnese completa pode revelar-se<br />
muito importante para determinar a presença de poliúria,<br />
polidipsia, polaquiúria (micção frequente de pequenos<br />
volumes de urina), estrangúria, hematúria, ou se o gato<br />
apresenta uma combinação destes sinais clínicos. Por outro<br />
lado, a história do paciente auxilia igualmente a decidir quais<br />
os diagnósticos mais importantes. É importante obter<br />
informações sobre o ambiente, sobretudo em felinos com<br />
maior probabilidade de CIF. Deve realizar-se sempre um<br />
exame físico minucioso do trato urinário inferior e da região<br />
perineal circundante.<br />
Diagnóstico<br />
Exame de urina e cultura: a urinálise conduzida em gatos<br />
com DTUI apresenta resultados variáveis (alterações como<br />
hematúria, proteinúria, piúria, cristalúria e densidade), que<br />
são pouco característicos de afecções específicas da bexiga.<br />
Por exemplo, tanto hematúria como proteinúria, sinais de<br />
vasodilatação suburetral e derrame vascular, independentemente<br />
da sua etiologia, podem ser temporários – presente<br />
em uma micção, mas não na seguinte. Em caso de infecção<br />
do trato urinário, pode ser observada piúria. Contudo, este<br />
sinal clínico (habitualmente, em quantidades mínimas) pode<br />
também manifestar-se numa cistite estéril. Além disso,<br />
menos de 2% dos gatos com idade inferior a 10 anos<br />
apresentam cistite bacteriana verdadeira , porém, a cultura<br />
urinária é geralmente um teste pouco elucidativo. A
probabilidade de infecção do trato urinário aumenta com a<br />
idade, com a presença de cálculos císticos, de<br />
ureterostomias perineais (2) e de urina diluída (3).<br />
Pode também ser observada cristalúria em diversos gatos<br />
sem manifestação de sinais clínicos associados ao trato<br />
urinário inferior. No entanto, pode constituir um dado<br />
relevante em pacientes com predisposição para a recorrência<br />
de cálculos urinários. Uma vez que a CIF é um diagnóstico de<br />
exclusão, preconiza-se a realização de análise e cultura<br />
urinárias, em gatos com DTUI recorrente e não sujeitos a<br />
avaliação anterior. A densidade da urina deve ser<br />
cuidadosamente analisada, sobretudo em felinos mais<br />
velhos, de modo a verificar a existência de concentração<br />
adequada, levando-se em conta que o tipo de dieta (seca<br />
>1,040 vs. em lata >1,030) pode inf luenciar o<br />
resultado. Consequentemente, o clínico deverá recomendar<br />
veementemente a realização de exame de urina em gatos<br />
idosos, ou se o felino evidenciar outros distúrbios com<br />
presença de isostenúria (ex. hipertiroidismo, insuficiência<br />
renal) ou tenha sido submetido a cirurgias anteriores.<br />
Radiografia: a radiografia abdominal simples, que abranja<br />
todo o trato urinário (incluindo a uretra), pode constituir -se<br />
em instrumento diagnóstico de grande utilidade em gatos<br />
com DTUI. É aconselhável aplicar enema de água morna antes<br />
do exame radiológico para conseguir avaliar completamente a<br />
uretra. Aproximadamente 15 a 20% dos pacientes felinos com<br />
DTUI apresentam evidências radiográficas de cálculos císticos<br />
(4). Em algumas situações, a cistografia contrastada pode<br />
ajudar a revelar lesões, como cálculos não radiopacos, massas<br />
ou coágulos sanguíneos. Os estudos de contraste são<br />
particularmente indicados para gatos mais velhos, com menor<br />
probabilidade de CIF.<br />
Cistoscopia: Se o gato apresentar episódios recorrentes de<br />
DTUI e já tiverem sido efetuados os diagnósticos<br />
supramencionados, poderá ser considerada a realização de<br />
uma citoscopia. Este procedimento permite visualizar a<br />
uretra e a bexiga em baixas e altas pressões, o que facilita a<br />
detecção de pequenos cálculos císticos, divertículos,<br />
ureteres ectópicos e pequenos pólipos. Caso não seja<br />
observável nenhum destes elementos, é possível avaliar o<br />
grau de gravidade do edema, de glomerulações (pequenas<br />
hemorragias localizadas), da friabilidade e de fibroses. Se o<br />
cenário cistoscópico indicar, ocasionalmente, deverá se<br />
considerar a realização de biópsia da bexiga para análise<br />
histopatológica e eventual cultura.<br />
Os exemplos apresentados a seguir são casos apresentados<br />
aos nossos clínicos ou combinações de diversos casos, para<br />
ilustrar diferentes diagnósticos e estratégias terapêuticas<br />
para gatos com DTUI.<br />
Caso Nº 1<br />
Onion é uma fêmea esterilizada de raça doméstica de pêlo<br />
curto, com 3 anos de idade. Foi levada à consulta devido a<br />
um primeiro episódio de periúria, estrangúria e hematúria,<br />
ocorrido há um dia e meio.<br />
Histórico do animal: Os proprietários adotaram a gata com<br />
2 anos de idade de um abrigo e não tinham observado<br />
qualquer problema no passado. Relataram a inexistência de<br />
poliúria ou polidipsia. A gata vive exclusivamente em<br />
ambiente fechado, sem outros animais de companhia e<br />
consome um alimento seco comercial para felinos.<br />
Exame físico: De maneira geral, o exame não destacou<br />
observações especiais, com exceção de perda de pêlo inguinal<br />
bilateral e auto-escoriações óbvias na mesma área (Figura 1).<br />
Apresentava bexiga pequena e a gata ressentiu-se durante a<br />
palpação deste órgão.<br />
Escore de Condição Corporal (ECC) =6/9.<br />
Lista de problemas:<br />
1. DTUI caracterizadas sobretudo por periúria, hematúria e<br />
estrangúria.<br />
2. Perda de pêlo inguinal e auto-escoriações.<br />
Avaliações: O diagnóstico diferencial para as DTUI,<br />
num gato com esta idade, inclui: CIF, urolitíase,<br />
problemas comportamentais e infecção do trato<br />
urinário. Outras afecções, como neoplasia,<br />
divertículo da bexiga, outras anormalidades<br />
anatômicas ou estenoses uretrais, são menos prováveis<br />
em felinos que apresentem estes sinais clínicos e esta<br />
anamnese. Provavelmente, a alopecia é auto-induzida<br />
em resultado da dor provocada pela doença da bexiga.<br />
Em alguns casos individuais, poderá ser considerada a<br />
Figura 1.<br />
Alopecia simétrica na<br />
virilha e abdome<br />
ventral, no Caso 1.<br />
Vol 17 No 1 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / 11
COMO ABORDAR...<br />
Figura 2.<br />
Aumento da liberação de norepinefrina (NE) durante período de<br />
stress, em gatos com CIF, comparativamente aos controles.<br />
NE (pg/ml)<br />
10,000<br />
7500<br />
5000<br />
2500<br />
existência de distúrbios dermatológicos primários.<br />
Plano de diagnóstico: Apesar de se tratar da primeira<br />
manifestação de DTUI, o proprietário optou pela realização<br />
de procedimentos de diagnóstico adicionais. Foi realizada<br />
radiografia abdominal, com o cuidado de incluir todo o<br />
trato urinário inferior; não foram detectadas alterações e a<br />
bexiga apresentava-se pequena. A análise e cultura urinárias<br />
revelaram densidade de 1,049 com> 100 RBC/hpf<br />
(Glóbulos vermelhos por campo de ampliação). A cultura<br />
urinária apresentou resultado negativo.<br />
Diagnóstico: Grande probabilidade de CIF.<br />
Recomendações no caso da Onion: As causas de CIF não<br />
estão ainda totalmente elucidadas. Felizmente, cerca de<br />
85% dos gatos com CIF não apresentam recorrência<br />
subsequente dos sinais clínicos. De acordo com a minha<br />
própria experiência, é bastante útil esclarecer aos proprietários<br />
sobre a doença, transmitindo os conhecimentos<br />
clínicos, para que estes possam compreender os sinais<br />
clínicos do animal.<br />
Uma premissa universal é que a CIF não constitui um simples<br />
distúrbio da bexiga, mas que envolve interações complexas<br />
dos dois principais ramos do sistema de resposta corporal ao<br />
stress: o sistema nervoso simpático e o sistema endócrino. Nos<br />
seres humanos ocorre uma doença semelhante denominada<br />
cistite intersticial. Ambas parecem apresentar evolução com<br />
‘‘altos e baixos’’, exacerbado pelos fatores de stress (5). O<br />
sistema nervoso simpático age através da liberação de<br />
catecolaminas, como a norepinefrina (NE) e a epinefrina,<br />
enquanto as glândulas adrenais liberam cortisol e um<br />
conjunto de outros esteróides. A CIF caracteriza-se por uma<br />
sobreatividade do sistema nervoso simpático (6) e por uma<br />
fraca resposta endócrina (7) a fatores de stress que parecem<br />
não afetar os gatos saudáveis. Alguns estudos demonstraram<br />
12 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / Vol 17 No 1<br />
0 10 20 30 40<br />
Dias<br />
CIF<br />
Saudáveis<br />
aumento de NE e de outros metabólitos de catecolaminas em<br />
gatos com CIF face a um fator de stress ligeiro, em comparação<br />
a felinos saudáveis (Figura 2). Qualquer estratégia de<br />
tratamento que diminua a descarga do sistema nervoso<br />
simpático pode revelar-se importante para a redução dos<br />
sinais clínicos, assim como reduzir a nocividade da urina para<br />
a parede lesada da bexiga e normalizar a permeabilidade<br />
deste órgão.<br />
Além do sistema nervoso simpático, também se observam<br />
anomalias no eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal<br />
(HPA) em gatos com CIF. Após administração de dose<br />
elevada (125g) de ACTH sintético, os felinos com esta<br />
afecção evidenciaram decréscimo significativo nas respostas<br />
de cortisol sorológico, em comparação com os animais<br />
saudáveis (8). Muito embora não tenham sido identificadas<br />
alterações histológicas óbvias, as áreas constituídas pelas<br />
zonas fasciculadas e reticuladas eram consideravelmente<br />
menores em secções das glândulas dos gatos com CIF que nos<br />
animais saudáveis. Assim, enquanto o sistema simpáticoneural<br />
parece encontrar-se totalmente ativado neste<br />
distúrbio, o mesmo não sucede com o eixo HPA.<br />
É provável que a patofisiologia da CIF envolva interações<br />
complexas entre diversos sistemas do organismo. As<br />
anomalias não se localizam apenas na bexiga, mas também,<br />
nos sistemas ner voso, endócrino, gastrintestinal,<br />
comportamental e até cardiovascular (9). Não foi ainda<br />
determinado porque estes sistemas se manifestam sob a<br />
forma de CIF em certos gatos e em outros não. No entanto, o<br />
padrão de imprevisibilidade sustenta a presença de uma<br />
alteração subjacente comum que se expressa de forma<br />
distinta, com base na susceptibilidade individual. Para que<br />
possam proporcionar um tratamento mais adequado a estes<br />
doentes, é importante que os clínicos compreendam que esta<br />
síndrome não constitui apenas uma “doença da bexiga”,<br />
controlável pelo simples uso de terapias dietéticas ou<br />
quimioterápicas.<br />
Com base nos dados obtidos em pesquisas conduzidas em<br />
gatos com CIF, parece tratar-se de uma síndrome dolorosa.<br />
No decurso de episódios agudos deve ser prescrita terapia<br />
analgésica. Um sedativo ligeiro também pode ser benéfico<br />
para diminuir a ansiedade observada durante crises agudas<br />
repentinas. Em geral, esta terapia é aplicada durante 4 a 6<br />
dias, prestando especial atenção à existência de micções,<br />
ainda que de pequeno volume, especialmente no caso dos<br />
machos. No caso da Onion, foi prescrita buprenorfina<br />
(0,03mg/kg PO, BID, durante 4 dias). Embora seja preferível<br />
utilizar a buprenorfina, as estratégias analgésicas alternativas<br />
podem incluir: adesivos de fentanil, butorfanol, oximorfona
ou, eventualmente, fármacos anti-inflamatórios não<br />
esteróides, como o meloxicam.<br />
Foi também considerado o meio envolvente de ‘‘Onion’’,<br />
visto ter-se descoberto que, através do ‘‘enriquecimento’’ do<br />
ambiente em que estes gatos se inserem, é possível diminuir<br />
a “superatividade” simpática e aumentar o intervalo entre<br />
crises (10). Foram efetuadas as seguintes recomendações<br />
para esta gata:<br />
1. Caixas de areia: recomendou-se a colocação da caixa de<br />
areia numa área sossegada e acessível da casa e proceder seu<br />
esvaziamento (diário) e limpeza (semanal) de forma regular.<br />
A cobertura da caixa de areia foi retirada, indicando-se o uso<br />
de areia para gatos, inodora.<br />
2. Alimentação e água: foi recomendada dieta<br />
comercial de manutenção, de apresentação úmida. Os<br />
alimentos úmidos são preferíveis para gatos com CIF, uma<br />
vez que o aumento do teor de água dilui quaisquer<br />
componentes potencialmente nocivos na urina e ajuda a<br />
diminuir a dor associada a este distúrbio. Foi demonstrada<br />
em estudos diminuição na taxa de recorrência de<br />
CIF em gatos alimentados com dieta úmida, em<br />
comparação com outros alimentos com dieta seca com<br />
idêntica formulação (Urinary S/O ® , <strong>Royal</strong> <strong>Canin</strong> Veterinary<br />
Diet) (11). Proporcionar a opção de escolha entre alimentos<br />
secos e úmidos em recipientes adjacentes, separados, ao<br />
invés de substituir a dieta habitual por outra nova, permite<br />
que o animal expresse as suas preferências. Se os gatos (ou<br />
os proprietários) recusarem os alimentos úmidos, devem ser<br />
pesquisadas outras formas de aumentar a ingestão de água,<br />
de acordo com as particularidades do animal (fontes,<br />
torneiras gota-a-gota, etc.).<br />
Nesta altura, não foram feitas outras sugestões uma vez<br />
que, tal como referido anteriormente, a maioria dos gatos<br />
não apresenta episódios recorrentes após a primeira crise<br />
de CIF. Além disso, a alteração simultânea de vários<br />
elementos no ambiente do gato poderia ser tão<br />
“estressante” como não efetuar qualquer alteração.<br />
Adendo: Os proprietários da Onion foram contactados 3<br />
dias após a consulta e o gato apresentava-se clinicamente<br />
normal. O acompanhamento subsequente, 3 semanas e 3<br />
meses após a consulta, revelou que o gato permanecia<br />
assintomático.<br />
Nota: No caso de Onion, o diagnóstico foi realizado a pedido<br />
do proprietário, no sentido de auxiliar a esclarecer a causa<br />
da DTUI. Se os proprietários não estivessem interessados na<br />
condução de testes adicionais, ou manifestassem razões de<br />
ordem financeira, a terapia com analgésicos e explicações<br />
para os proprietários sobre a doença teriam sido<br />
GATOS COM SINTOMAS DO TRATO URINÁRIO INFERIOR<br />
suficientes. Na maioria dos casos, a densidade urinária<br />
exclui a existência de doença renal subjacente. Contudo, se<br />
os sinais clínicos persistirem ou recidivarem, deve ser<br />
recomendado veementemente a realização de exames<br />
diagnósticos complementares.<br />
Caso Nº 2<br />
Casey é um macho esterilizado da raça Himalaia, com 6<br />
anos de idade, levado à consulta na nossa clínica devido a<br />
DTUI recorrente e a uma história de obstrução uretral,<br />
iniciada há 6 meses.<br />
Histórico do paciente: Casey foi levado à consulta veterinária<br />
há cerca de dois anos devido a uma história de estrangúria,<br />
polaquiúria e hematúria, com duração média de 3 a<br />
4 dias e recaídas com intervalos de 2 a 3 meses. O hemograma<br />
completo e o perfil bioquímico realizados há um ano não<br />
revelavam alterações. As radiografias abdominais não<br />
evidenciavam a presença de cálculos no interior do trato<br />
urinário. As diversas culturas urinárias realizadas durante os<br />
últimos dois anos apresentavam resultados negativos. Em<br />
todas as urinálises foi constatada densidade específica<br />
superior a 1,035 e os sedimentos urinários apenas destacavam<br />
hematúria e, ocasionalmente, uma ligeira piúria (5-7/CA). Ao<br />
longo dos últimos 2 anos foram administrados diversos<br />
antibióticos distintos, incluindo amoxicilina com ácido<br />
clavulânico e enrofloxacina, sem registo de qualquer melhoria<br />
consistente. Há cerca de seis meses Casey foi levado a um<br />
serviço de urgências devido a estrangúria persistente, tendo<br />
sido diagnosticada obstrução uretral. Foi tratado e recebeu<br />
alta após internamento hospitalar durante 3 dias. A dieta de<br />
Casey era composta por diversos alimentos secos comerciais<br />
para felinos. A caixa de areia era renovada diariamente e<br />
lavada com regularidade. O animal dispõe de várias<br />
janelas com parapeitos e diversos brinquedos,<br />
recomendados pelo veterinário. Casey tem um modo de<br />
vida exclusivamente de interior, coabitando com dois outros<br />
gatos.<br />
Exame físico: O exame físico de Casey não revelou<br />
nenhuma alteração. ECC =5/9.<br />
Lista de problemas: Os episódios de melhora e piora da<br />
DTUI, durante os últimos 2 anos, e a história de obstrução<br />
uretral, ocorrida há 6 meses.<br />
Avaliação: Uma vez tendo o médico veterinário excluído<br />
diversas causas de DTUI na espécie felina, como cálculos<br />
císticos e infecções do trato urinário, o diagnóstico<br />
diferencial aponta com maior probabilidade para CIF. No<br />
entanto os sinais clínicos de Casey persistiram, devendo ser<br />
Vol 17 No 1 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / 13
COMO ABORDAR...<br />
considerados outros diagnósticos diferenciais, como<br />
neoplasia, divertículos e coágulos sanguíneos. Na<br />
minha opinião, por vezes a obstrução uretral constitui uma<br />
manifestação de CIF em felinos machos. É possível que a<br />
proteína, os cristais (habitualmente de estruvita), as células<br />
e os fragmentos presentes no soro sejam retidos e formem<br />
um plug de muco (Figura 3).<br />
Plano: Foram consideradas outras possibilidades<br />
diagnosticas no caso de Casey devido à ausência de<br />
resposta à terapia e persistência dos sinais clínicos.<br />
1. Foi realizado novo hemograma e perfil bioquímico para<br />
confirmar a inexistência de sinais de alterações sistêmicas,<br />
como doença renal ou anemia. Não foram registadas<br />
alterações.<br />
2. Foi efetuado novo exame de urina, sobretudo para avaliar a<br />
densidade da urina. Esta apresentou valor de 1,048, não<br />
tendo sido detectadas outras alterações nesta consulta.<br />
3. Foi realizada ultrassonografia abdominal para garantir a<br />
inexistência de massas, lesões, coágulos sanguíneos,<br />
pequenos cálculos não radiopacos, ou cálculos de dimensões<br />
reduzidas no interior do trato urinário.<br />
4. Procedeu-se um cistouretrograma contrastado para<br />
verificar a inexistência de outras anormalidades<br />
anatômicas. Este estudo revelou espessamento da parede<br />
da bexiga, sem presença de outras alterações. Todas estas<br />
informações são compatíveis com CIF (12). Devido à<br />
persistência de sinais clínicos, foi realizada cistoscopia.<br />
Durante o exame, a bexiga evidenciou friabilidade e<br />
inúmeras pequenas hemorragias petequiais localizadas<br />
(glomerulações). A bexiga apresentava um edema<br />
moderado, mas com distensão normal (Figura 4).<br />
Diagnóstico: CIF e histórico de obstrução uretral.<br />
Recomendações no caso de Casey: após o diagnóstico foi<br />
agendada outra consulta com os proprietários para discutir<br />
o problema do animal e fornecer o máximo de informação<br />
sobre medidas para amenizar os sinais clínicos do Casey e<br />
espaçar o intervalo entre episódios da doença.<br />
Uma lista contendo recursos ambientais foi discutida com<br />
os proprietários, e os seguintes detalhes foram obtidos:<br />
1. Casey vive numa casa de dois andares, com 3 quartos, um<br />
14 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / Vol 17 No 1<br />
Figura 3.<br />
Plug mucoso<br />
composto por<br />
estruvita,<br />
fragmentos<br />
celulares e<br />
proteínas.<br />
pequeno escritório e uma área de lavanderia.<br />
2. Existiam apenas 2 caixas de areia para 3 gatos (embora os<br />
proprietários considerassem adequado), colocadas lado a<br />
lado na lavanderia. Os proprietários utilizavam areia<br />
higiênica inodora e esvaziavam as caixas sanitárias<br />
diariamente. Uma delas era coberta com tampa e ambas as<br />
caixas eram minuciosamente limpas duas vezes por mês.<br />
3. Os três gatos partilhavam comedouros e bebedouros,<br />
colocados na lavanderia e também na cozinha. Os recipientes<br />
eram limpos com regularidade e todos os gatos tinham acesso<br />
aos alimentos secos e aos úmidos.<br />
4. Dispunham de janelas com parapeitos num quarto do<br />
andar superior, assim como diversos brinquedos que eram<br />
usados rotativamente pelos animais.<br />
5. Não possuíam arranhadores para gatos.<br />
6. Casey não dispunha de uma zona de “fuga” dos outros<br />
gatos, como por exemplo outro quarto ou um armário.<br />
Durante o questionamento referente ao relacionamento<br />
entre o Casey e os outros dois gatos, descobrimos que um<br />
gato parecia ser dominante e “atacava” frequentemente<br />
Casey enquanto este descansava.<br />
Recomendações no caso de Casey:<br />
1. Foi prescrita terapia analgésica. Embora o animal não se<br />
apresentasse sintomático durante a consulta, foi fornecido<br />
butorfanol aos proprietários, com instruções para<br />
administrar este medicamento (1mg 2 a 3 vezes ao dia,<br />
durante um período máximo de 3 dias) caso se<br />
desenvolvessem sinais clínicos. Foi também fornecido um<br />
antagonista não seletivo do adrenoreceptor alfa<br />
fenoxibenzamina - para utilizar em caso de necessidade. A<br />
fenoxibenzamina auxilia a relaxar a uretra, situação que pode<br />
revelar-se importante nos machos desta espécie. Como<br />
alternativa, poderia prescrever-se o antagonista do<br />
adrenoreceptor alfa-1, mais seletivo – Prazosin (CoVM1). Os<br />
antagonistas alfa caracterizam-se também por um efeito<br />
sedativo. Com esta medicação em casa, os proprietários não<br />
teriam necessidade de retornar à consulta com Casey, caso<br />
este apresentasse estabelecer novo episódio. O animal não<br />
tolera muito bem as viagens de automóvel e não sendo<br />
necessário outro diagnóstico, é preferível reduzir o stress<br />
associado ao transporte até à clínica veterinária.<br />
2. Com base em estudos anteriores efetuados em gatos com<br />
CIF crônica recorrente, demonstramos um aumento das<br />
catecolaminas e a má-resposta do eixo hipotalâmicopituitário,<br />
durante um fator de stress moderado. Além disso,<br />
foi documentado um déficit da função do adrenoreceptor de<br />
alfa-2 em gatos com CIF, em comparação com gatos<br />
saudáveis sob as mesmas situações de stress (13). Baseado<br />
nesses dados, estratégias de tratamento objetivando a<br />
redução do tônus simpático no intuito de reduzir estes tipos
Figura 4.<br />
Imagem citoscópica da<br />
parede da bexiga<br />
apresentando várias<br />
pequenas hemorragias<br />
petequiais.<br />
de anomalias tem sido publicadas (10). Nesse ensaio foi<br />
recomendado aos proprietários de 46 gatos com CIF,<br />
habitantes de ambientes internos, alguns métodos de<br />
enriquecimento ambiental multimodal (MEMO) baseados na<br />
história ambiental detalhada, tal como a que foi coletada<br />
para Casey. Os casos foram acompanhados durante 10 meses<br />
através do contato com os clientes para determinar o efeito<br />
dos MEMO nas DTUI e em outros sinais. Foram identificadas<br />
reduções significativas nas DTUI, no medo, nervosismo,<br />
sinais relativos ao trato respiratório, manifestando-se<br />
também tendência (P
COMO ABORDAR...<br />
tocas, com diversos níveis. Em geral, os gatos sentem-se<br />
“seguros” quando se encontram num nível mais elevado do<br />
que a sua “presa” ou ameaça ambiental. Graças a este<br />
dispositivo com formato de escada, Casey poderá subir e<br />
afastar-se dos outros gatos sempre que quiser. Se a estrutura<br />
for colocada perto da janela, o animal poderá contemplar o<br />
exterior.<br />
6. Foi igualmente recomendada aos clientes a consulta do<br />
seguinte website: www.indoorcat.org, no sentido de<br />
obterem ideias adicionais e favorecer a implementação<br />
gradual das recomendações anteriormente mencionadas.<br />
O contato persistente com os clientes, mantendo-os<br />
informados sobre a CIF, tem sido muito útil pois permite<br />
certificar que estes se sentem confortáveis e “com controle”<br />
da doença do seu gato. O acompanhamento é essencial e a<br />
comunicação contínua é benéfica. Após 3 dias, quando os<br />
proprietários foram contactados por telefone, informaram<br />
que Casey estava se recuperando bem, que tinham<br />
adquirido a nova caixa de areia e o arranhador, e que<br />
tinham ajustado os recipientes do alimento e da água.<br />
Estavam tendo dificuldades em encontrar o Feliway ® , e<br />
então foram informados sobre um website para os auxiliar.<br />
Após três semanas os proprietários tinham implementado<br />
lentamente as alterações prescritas e Casey estava bem. O<br />
nosso técnico voltou a contactá-los três meses depois;<br />
informaram que Casey havia apresentado “urina<br />
ensanguentada” 2 semanas antes e que o tinham tratado<br />
com os medicamentos prescritos. O episódio durou 36<br />
horas e os proprietários não tinham procurado cuidados<br />
veterinários. Os proprietários foram também informados<br />
que se a CIF do Casey continuasse a progredir, além de outra<br />
terapia MEMO poderíamos prescrever um anti-depressivo<br />
tricíclico, tal como amitriptilina ou a clomipramina. Estes<br />
medicamentos são, por vezes, usados em casos crônicos<br />
graves de CIF após terem sido implementados todos os<br />
esforços de enriquecimento ambiental (16).<br />
Caso Nº 3<br />
Mischa é uma fêmea esterilizada de raça Siamês Mestiça,<br />
com 11 anos de idade, que foi levada ao nosso hospital para<br />
avaliação de periúria e hematúria que durava 2 semanas.<br />
Após um questionário mais aprofundado, os proprietários<br />
não achavam que Mischa apresentasse esforço ao urinar,<br />
mas notaram que as gotas de urina encontradas no tapete<br />
eram bastante pequenas (o que nos sugeria a presença<br />
de polaquiúria). Informaram ainda que a gata lambia com<br />
muita frequência a região perineal. Mischa não tinha tido<br />
problemas de saúde até aquele momento. Os proprietários<br />
não tinham certeza sobre sua ingestão de ração e água<br />
porque tinham outros 2 gatos e todos os animais<br />
16 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / Vol 17 No 1<br />
partilhavam os mesmos comedouros. Era fornecido<br />
aos gatos um alimento seco comercial ad libitum. Mischa só<br />
tinha autorização para sair ocasionalmente até o pátio.<br />
Exame físico: Não foram detectadas alterações, exceto<br />
desconforto à palpação abdominal caudal. A bexiga<br />
apresentava-se moderadamente cheia. ECC = 5/9.<br />
Problemas: Hematúria, periúria e possível polaquiúria.<br />
Avaliação: os diagnósticos diferenciais são semelhantes aos<br />
discutidos nos dois casos anteriores, contudo, a maioria dos<br />
gatos com CIF são, geralmente, mais jovens e apresentam<br />
sinais de DTUI distintos. Deste modo, deve-se<br />
encorajar a realização de avaliações diagnósticas em casos<br />
como este, uma vez que é menos provável que se trate de<br />
CIF.<br />
Plano: Foram realizados hemograma, perfil bioquímico,<br />
urinálise com cultura e radiografias abdominais.<br />
O hemograma e perfil bioquímico apresentavam resultados<br />
normais (BUN=25 mg/dL (8,9 mmol/L), creatinina =1,5<br />
mg/dL (134 mmol/L)). A densidade específica da urina era<br />
de 1,049. O sedimento urinário revelou > 100 RBC/hpf, sem<br />
indícios de piúria, e a cultura era negativa. As radiografias<br />
abdominais revelaram a presença de mineraliza-ção renal<br />
moderada, suspeitando-se da existência de um urólito no<br />
ureter esquerdo (Figura 5). Notou-se uma pequena<br />
quantidade de “fragmentos cristalinos” na bexiga, mas não<br />
foram identificados verdadeiros cálculos.<br />
Recomendou-se a realização de ultrassonografia abdominal,<br />
de modo a caracterizar mais detalhadamente os sedimentos<br />
da bexiga, a mineralização renal e o cálculo uretral. Este<br />
teste evidenciou apenas uma ligeira dilatação do uréter<br />
esquerdo. Os rins apresentavam leve diminuição da<br />
definição corticomedular e a pélvis renal esquerda estava<br />
ligeiramente distendida. O cálculo encontrado no ureter<br />
encontrava-se a cerca de 3 cm da bexiga. Não foi notada a<br />
presença de outros cálculos.<br />
A micção de Mischa foi monitorada no hospital durante as<br />
24 horas seguintes. Pode ser muito útil observar os hábitos<br />
urinários e efetuar avaliação direcionada a DTUI sempre<br />
que possível, em animais que são levados a consulta devido<br />
a distúrbios urinários. Neste caso tivemos sorte e<br />
descobrimos que Mischa urinava sem qualquer estrangúria<br />
ou polaquiúria. No entanto, verificou-se a presença de<br />
hematúria grave.<br />
Diagnóstico: Mineralização renal e cálculos uretrais.<br />
Plano: Sugeriu-se a realização de CT contrastada para<br />
auxiliar a definir a extensão do uréter esquerdo que se
Figura 5.<br />
Radiografia lateral do Caso 3, demonstrando cálculos uretrais e<br />
mineralização renal.<br />
encontrava obstruída, mas os proprietários recusaram.<br />
Nesta fase a cirurgia para retirar o cálculo não foi<br />
recomendada devido ao fato deste ser um procedimento<br />
invasivo, e o gato se encontrar estável e estar bem, e<br />
também devido às limitações financeiras dos<br />
proprietários. Nos gatos, os cálculos uretrais são muito<br />
frustrantes e normalmente reserva-se a cirurgia para casos<br />
em que a função renal se encontre gravemente<br />
comprometida. As características clínico-patológicas e o<br />
manejo de casos de obstrução uretral estão bem descritos<br />
na literatura (17,18).<br />
A maioria dos cálculos no trato urinário superior dos gatos é<br />
composta por oxalato de cálcio (19, 20). Ocasionalmente,<br />
encontram-se relatos de cálculos de fosfato de cálcio ou de<br />
sangue solidificado (21). Não está disponível qualquer<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
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GATOS COM SINTOMAS DO TRATO URINÁRIO INFERIOR<br />
protocolo de dissolução para a urolitíase de oxalato de<br />
cálcio, e por isso foi prescrito à Mischa uma dieta úmida,<br />
não acidificante, de modo a evitar a reincidência de<br />
formação de oxalato do cálcio. As dietas úmidas parecem<br />
constituir método mais fácil de aumentar a ingestão de<br />
água, o que é benéfico para a redução da carga de solutos e<br />
evitar a formação de cálculos (22). Foi escolhida uma dieta<br />
não acidificante devido ao presumível componente de<br />
oxalato de cálcio do cálculo. Recomendou-se a periódica<br />
realização de hemogramas e avaliação da função renal.<br />
Procedeu-se também o monitoramento da gata através de<br />
ultrassonografia, relativamente ao agravamento progressivo<br />
da obstrução uretral.<br />
Este caso foi apresentado para ilustrar a importância da coleta<br />
detalhada de sinais, do histórico e do exame físico na<br />
avaliação de gatos com DTUI. Embora mais de dois terços dos<br />
gatos que sofrem de DTUI não apresentem uma causa<br />
identif icável e seja estabelecido o diagnóstico de CIF,<br />
são normalmente gatos mais jovens ou de meia-idade. Os<br />
gatos com CIF apresentam normalmente um ou mais sinais<br />
dos mencionados nos primeiros dois casos.<br />
12. Scrivani PV, Chew DJ, Buffington T, et al. Results of retrograde urethrography<br />
in cats with idiopathic, nonobstructive lower urinary tract disease and their<br />
association with pathogenesis: 53 cases (1993-1995). JAVMA 1997; 211:<br />
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18. Kyles AE, Hardie EM, Wooden BG, et al. Management and outcome of cats with<br />
ureteral calculi: 153 cases (1984-2002). J Am Vet Med Assoc 2005; 226: 937-<br />
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urinary tract of cats. J Vet Intern Med 2006; 20: 828-834.<br />
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Vol 17 No 1 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / 17
Nutrição e distúrbios<br />
urinários em gatos<br />
esterilizados:<br />
estudo exploratório retrospectivo<br />
Jean-Jacques Bénet, DVM<br />
Escola de Medicina Veterinária de Alfort, Departamento<br />
de Doenças Contagiosas, Maisons-Alfort, França<br />
O Prof. Bénet formou-se na Escola de Medicina Veterinária<br />
de Lyon, em 1971. Especializou-se em Microbiologia e<br />
Imunologia em 1975 e em Epidemiologia em 1979.<br />
Atualmente é Professor na Escola de Medicina Veterinária<br />
de Alfort (França), na Unidade de Doenças Contagiosas e<br />
é também o docente responsável pela<br />
pós-graduação em Epidemiologia. A área de pesquisa do<br />
Prof. Bénet centra-se nas zoonoses transmitidas pelos<br />
animais de companhia e na tuberculose bovina.<br />
Morgane Lamarche, DVM<br />
<strong>Royal</strong> <strong>Canin</strong>, Aimargues, França<br />
Morgane Lamarche é formada na Escola de Medicina<br />
Veterinária de Alfort. Trabalhou primeiro num serviço de<br />
emergências de pequenos animais e, atualmente,<br />
desempenha as funções de diretora-adjunta de produtos<br />
na <strong>Royal</strong> <strong>Canin</strong>.<br />
18 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / Vol 17 No 1 / / 2007<br />
Introdução<br />
Já estão disponíveis na maioria dos países industrializados<br />
alimentos adaptados às necessidades dos gatos<br />
esterilizados. Na França, uma variedade de produtos<br />
específicos para este setor da população felina é<br />
comercializado em clínicas veterinárias desde 1998<br />
(Neutered Cat ® <strong>Royal</strong> <strong>Canin</strong>). Trata-se de um alimento<br />
seco (com 7% de umidade) apresentado sob a forma<br />
de croquetes, com características nutricionais<br />
direcionadas para a redução dos riscos relacionados<br />
com cálculos urinários, frequentes em gatos esterilizados.<br />
Este estudo teve como objetivo analisar a relação<br />
entre a nutrição e as afecções urinárias em gatos<br />
esterilizados.<br />
Materiais e métodos<br />
Desenho experimental<br />
O estudo retrospectivo baseou-se em dois grupos de<br />
gatos esterilizados. A um grupo foi administrado o<br />
alimento em avaliação (designado por “Grupo A”)<br />
enquanto que o outro grupo foi alimentado com<br />
outras dietas comercializadas em clínicas veterinárias<br />
(“Grupo B”).<br />
O estudo foi limitado a alimentos disponíveis no<br />
circuito veterinário por razões relacionadas com os<br />
próprios produtos (os produtos vendidos em<br />
supermercados são mais variados em sua composição<br />
e são, normalmente, alimentos úmidos), motivos<br />
relacionados aos proprietários (partindo do princípio<br />
que os proprietários que adquirem a alimentação na<br />
clínica veterinária estão mais preocupados com a
saúde do seu gato) e por uma questão de<br />
rastreabilidade (os clínicos, bem como, os<br />
membros de sua equipe podem ajudar a<br />
confirmar se o gato tem recebido o<br />
mesmo alimento desde o momento da<br />
esterilização).<br />
Os dados obtidos incluem informações<br />
relativas aos últimos 7 anos, que correspondem<br />
ao período durante o qual a<br />
gama de alimentos se encontrou<br />
disponível.<br />
Concepção do plano de amostragem<br />
> Seleção dos indivíduos e do plano de amostragem<br />
Foi disponibilizado um questionário inicial dirigido<br />
aos proprietários de gatos, em regime self-service, em<br />
seis clínicas veterinárias da região de Paris, com o<br />
objetivo de obter 100 gatos para cada um dos grupos.<br />
O principal fator limitante era a obtenção de<br />
participantes suficientes para o Grupo A. Foram<br />
assegurados os seguintes critérios de seleção: idade<br />
compreendida entre 2 e 13 anos, utilização constante<br />
do alimento (1 a 8 anos) e, naturalmente, autorização<br />
do proprietário para o animal participar do estudo.<br />
Organização dos dados recolhidos<br />
Nesta consulta foi preenchido um segundo<br />
questionário, que incluía uma seção dirigida ao<br />
proprietário e outra ao veterinário, na sequência de<br />
um exame não invasivo ao gato. Durante uma reunião<br />
preliminar com os seis veterinários que participaram<br />
da pesquisa, foi acordada a metodologia e aplicação<br />
do questionário.<br />
A informação recolhida junto aos proprietários<br />
baseou-se na condição física do animal, no modo de<br />
vida, no alimento (quantidade fornecida, número de<br />
refeições diárias, método de fornecimento e consumo<br />
de água). No decurso da consulta, o veterinário<br />
70<br />
60<br />
50<br />
40<br />
30<br />
20<br />
10<br />
0<br />
Número de gatos<br />
macho fêmea<br />
sexo<br />
não sim<br />
raça<br />
2 a9 anos 10 a13 anos
Descrição das amostras<br />
Não foram observadas diferenças entre os dois grupos<br />
relativamente à demografia da população felina<br />
(Figura 1) e dos seus proprietários (idade, categoria<br />
sócio-econômica).<br />
Saúde Animal<br />
> Estado geral de saúde dos animais<br />
A proporção de animais com problemas de saúde<br />
(levados à consulta pelo menos uma vez devido a uma<br />
razão de ordem patológica) antes da esterilização<br />
revelou-se semelhante nos dois grupos (3 animais em<br />
cada grupo). Contudo, a proporção foi mais elevada<br />
no Grupo B após a esterilização, com uma diferença<br />
significativa (RR = 1,46 [1,06 – 2,01]) (Tabela 1).<br />
> Afecções urinárias<br />
Os dados recolhidos referem-se à história e aos registos<br />
médicos do animal. Os gatos do Grupo A apresentaram<br />
menos distúrbios urinários (Tabela 2) que os gatos do<br />
Grupo B, diferença considerada significativa (p<br />
NUTRIÇÃO E DISTÚRBIOS URINÁRIOS EM GATOS ESTERILIZADOS: ESTUDO EXPLORATÓRIO RETROSPECTIVO<br />
Tabela 3.<br />
Análise dos alimentos (%)<br />
Grupo A Grupo B<br />
MÉDIO MÍN MÁX MÉDIO MÍN MÁX<br />
Umidade 7 7 7 7 5,5 42,7<br />
Proteína * 36 28 38 34 25,5 42,0<br />
Gordura* 10 10 15 22 8,0 23,2<br />
Fibra bruta* 6,7 3,7 6,8 3,3 0,8 14,8<br />
Sódio* 0,75 0,39 0,75 0,30 0,23 0,6<br />
influência no risco da ocorrência de urólitos. Um teor<br />
maior de sódio estimula a diurese e, por<br />
consequência, produz a diluição urinária que limita a<br />
formação de cristais na urina (3). A variedade de<br />
alimentos estudada (Grupo A) continha um teor médio<br />
de sódio de 0,75% na matéria seca, o dobro do<br />
nível contido nos alimentos do Grupo B (Tabela 3).<br />
Esta diferença em termos de formulação é um<br />
elemento que explica a variação dos riscos observados.<br />
Conclusão<br />
Este ensaio retrospectivo demonstrou a viabilidade do<br />
tema em análise, na prática. Produziu resultados<br />
interessantes a favor da variedade de alimentos<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
1. Lekcharoensuk C, Osborne CA, Lulich JP. Epidemiologic study of risk factors for<br />
lower urinary tract diseases in cats. J Am Vet Med Assoc 2001; 218: 1429-1435.<br />
2. Lekcharoensuk C, Lulich JP, Osborne CA, et al. Association between patientrelated<br />
factors and risk of calcium oxalate and magnesium ammonium<br />
phosphate urolithiasis in cats. J Am Vet Med Assoc 2000; 217: 520-525.<br />
*Expressa em<br />
porcentagem da<br />
matéria seca.<br />
estudada, sugerindo que estes produtos exercem<br />
efetivamente um impacto na redução dos riscos<br />
de distúrbios urinários, justificando pesquisas mais<br />
aprofundadas. Os dados obtidos deverão ser<br />
confirmados por estudos realizados em larga escala.<br />
Os autores agradecem aos Drs. Pascal Bounous, Etienne<br />
Calais, Bertrand Hollanders, Maurice Kaiser, Delphine<br />
Lacaze-Masmonteil, Jean-Pierre Leroux, Thierry Rabot,<br />
assim como aos seus colegas que disponibilizaram a sua<br />
preciosa colaboração para a concretização dos objetivos<br />
do presente estudo.<br />
3. Tournier C, Aladenise S, Vialle S, et al. The effect of dietary sodium on urine<br />
composition and calcium oxalate relative supersaturation in healthy cats, in<br />
Proceedings. 10 th ESVCN congress 2006, pp. 189<br />
Vol 17 No 1 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / 21
Análise quantitativa<br />
dos cálculos urinários<br />
em cães e gatos<br />
Andrew Moore, MSc<br />
Centro Veterinário de Urólitos do Canadá, Universidade<br />
de Guelph, Serviços Laboratoriais, Guelph, Ontário,<br />
Canadá<br />
Andrew Moore concluiu o Mestrado em Botânica em<br />
1990 e exerce a função de supervisor do Laboratório<br />
de Microscopia Analítica, Serviços Laboratoriais da<br />
Universidade de Guelph, desde 1992. Esta unidade<br />
laboratorial realiza a identificação de substâncias<br />
estranhas em produtos alimentares para a indústria e<br />
para o governo, e presta serviços de microscopia como<br />
meio complementar de diagnóstico<br />
no âmbito das patologias animais e vegetais. Em 1998,<br />
Andrew Moore ajudou a criar o Centro Veterinário de<br />
Urólitos do Canadá, que efetua análises quantitativas de<br />
urólitos para os clínicos canadenses, em parceria<br />
com a Medi-Cal/ Dietas Veterinárias <strong>Royal</strong> <strong>Canin</strong>.<br />
22 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / Vol 17 No 1<br />
Introdução<br />
A identificação rigorosa do tipo, ou tipos, de minerais<br />
contidos num urólito é fundamental para a aplicação<br />
do regime preventivo e terapêutico mais adequado.<br />
Os urólitos podem ser recolhidos através de micções<br />
espontâneas (devendo utilizar-se uma rede de pesca<br />
de aquário para a sua coleta), de descargas por<br />
uroidropropulsão, aspiração por cateter uretral,<br />
citoscopia ou remoção cirúrgica (1,2,3). Todos os<br />
urólitos obtidos devem ser submetidos à análise<br />
quantitativa em laboratórios especializados para<br />
determinar a composição mineral de cada uma das 4<br />
camadas que podem estar presentes (Figura 1).<br />
Existem diversas técnicas de análise quantitativa: a<br />
microscopia de luz polarizada, a estreptoscopia por<br />
infra-vermelhos, a microscopia eletrônica de varredura<br />
com microanálise de raio-X e a difração de raio-X,<br />
que serão abordadas, individualmente no presente<br />
artigo. Centros que disponibilizam este tipo de<br />
análise: Centro Veterinário de Urólitos do Canadá,<br />
Universidade de Guelph; Centro de Urólitos de<br />
Minnesota, Faculdade de Medicina Veterinária,<br />
Universidade de Minnesota; Departamento de<br />
Urologia de Bona, Alemanha; Laboratório de Análise<br />
de Cálculos Urinários, Universidade da Califórnia,<br />
Davis, e o Centro de Urólitos de Budapeste.
Os urólitos que contêm pelo menos 70% de um único<br />
mineral são classificados como sendo daquele<br />
mineral (4). Os urólitos com núcleo e revestimento de<br />
diferentes tipos de minerais são classificados como<br />
compostos (4). Os urólitos com
composição dos urólitos (6). Os tipos de cristais<br />
presentes podem ser totalmente diferentes da<br />
composição do urólito, eventualmente não passar<br />
para a urina e, por vezes, são observados diversos<br />
tipos de cristais na mesma amostra de urina. A Figura<br />
4 evidencia cristais de estruvita, brushita e diidrato<br />
de oxalato de cálcio, presentes simultâneamente na<br />
urina de um cão macho SRD.<br />
A análise quantitativa é disponibilizada há vários anos<br />
sob a forma de kits comerciais baseados em testes de<br />
identificação química, com alterações específicas de<br />
cor em contato com porções fragmentadas de um<br />
cálculo. A eficácia deste método de análise de urólitos<br />
foi revista em outro estudo, sendo estes kits<br />
conhecidos por produzir resultados falso positivo e<br />
falso negativo (7,8,9) (Tabela 1). Por outro lado,<br />
também não estão preparados para detectar a sílica.<br />
Análise Quantitativa<br />
A análise quantitativa total de um urólito envolve<br />
diversas fases e procedimentos analíticos distintos que<br />
contribuem individualmente para a sua identificação.<br />
Alguns cálculos são mais complexos que outros e, por<br />
isso, requerem testes mais exaustivos. O<br />
procedimento a seguir descrito é o que se utiliza no<br />
Centro Veterinário de Urólitos do Canadá (CVUC).<br />
Este centro iniciou a sua atividade em 1998, e realizou<br />
até a presente data análises quantitativas em mais de<br />
9.000 cálculos felinos e 31.000 cálculos caninos (10,11).<br />
Em primeiro lugar, os cálculos são submetidos a um<br />
exame visual minucioso e, em seguida, seccionados<br />
em duas partes iguais e analisados num microscópio<br />
de dissecação. Procede-se o registro das camadas ou<br />
zonas existentes no seu interior, recolhendo cuidado-<br />
Figura 5.<br />
Cálculo de estruvita felino, com núcleo de urato de amônio.<br />
24 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / Vol 17 No 1<br />
samente uma amostra de cada para análise individual.<br />
Em termos descritivos, o cerne óbvio ou ponto de<br />
início denomina-se “núcleo”, a massa do urólito<br />
designa-se por “pedra”, a camada exterior distinta<br />
atribui-se a designação “revestimento” e as projeções<br />
superficiais ou áreas aguçadas são denominadas<br />
“cristais de superfície” (Figura 1). É essencial<br />
determinar a existência de um núcleo no interior do<br />
cálculo e, em caso afirmativo, qual a sua composição.<br />
É também importante conhecer a composição das<br />
outras camadas, apesar do manejo/tratamento da<br />
urolitíase se basear sobretudo nos elementos que<br />
compõem o núcleo, uma vez que é a origem do<br />
cálculo. A composição das camadas exteriores pode<br />
ser diferente da detectada no núcleo, no entanto,<br />
parte-se do princípio de que a totalidade dos urólitos<br />
tenha sido removida do paciente e que o<br />
tratamento será direcionado para a prevenção da<br />
recorrência das condições que induziram a formação<br />
do cálculo original.<br />
Por exemplo, todos os urólitos predispõem o paciente<br />
a infecções do trato urinário. Se a infecção for<br />
provocada por bactérias produtoras de urease, os<br />
subsequentes depósitos de minerais no urólito terão<br />
maior probabilidade de ser de estruvita (12). O tipo<br />
de cálculo composto mais comum que tivemos<br />
oportunidade de analisar apresenta um núcleo de<br />
oxalato de cálcio, rodeado por uma pedra de<br />
estruvita, embora também tenham sido observadas<br />
pedras de estruvita com um núcleo de urato de<br />
amônio, de fosfato de cálcio ou sílica. As Figuras 5 e 6<br />
ilustram dois exemplos diferentes destes tipos de<br />
cálculos.<br />
Figura 6.<br />
Cálculo de estruvita canino, com núcleo de oxalato.
Cristalografia Óptica<br />
Denomina-se por cristalografia óptica a<br />
principal técnica utilizada na análise de cálculos no<br />
Centro de Urólitos. Após identificação visual de cada<br />
região do cálculo, recolhe-se uma amostra de cada<br />
uma destas áreas. As amostras são individualmente<br />
fragmentadas e examinadas em um microscópio de<br />
luz polarizada, por imersão em um líquido de<br />
índice de refração determinado. Graças à<br />
determinação do índice de refração dos diversos<br />
componentes cristalinos é possível obter a identidade<br />
e a proporção de cada camada. Este método permite<br />
identificar e quantificar com rapidez e precisão a<br />
maioria dos componentes.<br />
Se um cálculo contiver minerais pouco habituais ou<br />
metabólitos de fármacos, ou se for constituído por<br />
núcleo de dimensões muito reduzidas, diferente do<br />
resto do cálculo, utilizam-se técnicas adicionais para<br />
confirmar a composição.<br />
Microscopia eletrônica<br />
O laboratório trabalha com microscópio eletrônico de<br />
varredura, equipado com um sistema de microanálise<br />
de raios X (espectômetro de dispersão de energia), que<br />
permite o exame e análise de amostras muito pequenas.<br />
É possível seccionar o cálculo em duas partes, colocá-las<br />
sob o microscópio e proceder a análise das diferentes<br />
áreas no seu interior. Cada cristal pode ser<br />
individualmente ampliado, sem afetar mesmo o<br />
núcleo mais diminuto, evitando-se o risco de o perdê-lo<br />
por completo durante remoção com bisturi e agulha.<br />
Permite igualmente obsevar camadas muito finas no<br />
interior do cálculo e determinar a sua composição.<br />
Contagem<br />
1000<br />
500<br />
O Si<br />
1 2 3 4 KeV<br />
Figura 7.<br />
Espectro de raios X de um núcleo minúsculo de sílica, num cálculo de<br />
oxalato de cálcio canino.<br />
ANÁLISE QUANTITATIVA DOS CÁLCULOS URINÁRIOS EM CÃES E GATOS<br />
Tabela 1.<br />
Análise Quantitativa<br />
Tipo de cálculo Falso - Falso +<br />
Oxalato de cálcio<br />
Sílica<br />
Urato<br />
Carbonato<br />
Brushita<br />
Xantina<br />
4<br />
4<br />
4<br />
4<br />
4<br />
O sistema de microanálise de raios X, anexado ao SEM,<br />
determina a composição básica de qualquer material<br />
examinado, mesmo cristais isolados colocados lado a<br />
lado, podem ser analisados separadamente. Os<br />
elementos individuais presentes na amostra são<br />
identificados através da medição dos raios X emitidos<br />
da amostra bombardeada pelo feixe de elétrons do<br />
microscópio (Figura 7). O SEM e a microanálise de<br />
raios X são muito eficazes para a análise de materiais<br />
inorgânicos, como os minerais, embora não<br />
consigam diferenciar compostos semelhantes, como a<br />
brushita e a apatita, que são formas de fosfato de<br />
cálcio, ou materiais orgânicos, como a xantina e o ácido<br />
úrico. Para separar estes tipos de compostos é<br />
necessário recorrer à análise por infra-vermelho.<br />
Espectroscopia por infra-vermelho<br />
A análise por infra-vermelho permite identificar<br />
grande variedade de materiais orgânicos, incluindo<br />
diversos componentes habitualmente observados nos<br />
cálculos urinários. É um instrumento inestimável para<br />
estabelecer a diferença entre os diferentes tipos de<br />
urato, como o urato de amônio e de sódio, o ácido úrico<br />
e a xantina. Também pode ser utilizado para<br />
diferenciar o monoidrato e o diidrato de oxalato de<br />
Figura 8.<br />
Núcleo de um cálculo de estruvita canino.<br />
4<br />
Vol 17 No 1 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / 25
Copr. © 1980, 1981-1999 Sadtler. Todos os Direitos Reservados<br />
Figura 9.<br />
Micrografia de luz polarizada dos cristais de carbonato de cálcio no<br />
núcleo.<br />
cálcio, bem como os diferentes fosfatos: bruxita,<br />
apatita e o fosfato tricálcio. Um microscópio de infravermelho<br />
anexado a um espectrofotômetro de infravermelho<br />
com transformador Fourier (FTIR), permite<br />
a análise de quantidades microscópicas de material.<br />
Esta técnica tem-se revelado muito útil para identificar<br />
núcleos muito pequenos ou cristais individuais. No<br />
exemplo apresentado abaixo de uma fêmea esterilizada,<br />
SRD, com 10 anos de idade, o núcleo do cálculo de<br />
estruvita era composto por um aglomerado de minúsculas<br />
esferas vermelhas (Figura 8). No microscópio de<br />
luz polarizada, parecia tratar-se de carbonato de cálcio,<br />
componente pouco habitual dos cálculos caninos ou<br />
felinos (Figura 9). A microanálise de raios X no<br />
microscópio eletrônico de varredura indicou que as<br />
micro-esferas continham apenas cálcio, carbono e<br />
oxigênio, dados insuficientes para as distinguir do<br />
oxalato de cálcio. No entanto, a análise de infravermelhos<br />
produziu um espectro a partir de um único<br />
cristal, que correspondeu com exatidão ao espectro<br />
Unidades de absorção<br />
1.0<br />
0.8<br />
0.6<br />
0.4<br />
0.2<br />
0.0<br />
26 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / Vol 17 No 1<br />
Carbonato de Cálcio<br />
Número de ondas cm-1 3500 3000 2500 2000 1500 1000 500<br />
Figura 11.<br />
Duas metades de um cálculo de estruvita ligadas por um pedaço de<br />
sutura, incluindo uma porção de um nó.<br />
de referência do carbonato de cálcio (Figura 10).<br />
A análise em FTIR (Fourier Transform Infrared) temse<br />
revelado muito importante para a identificação<br />
de cálculos pouco comuns. O laboratório recebeu<br />
um urólito irregular, de cor verde-escura, recolhido de<br />
um macho castrado, Schipperke de 4 anos. O exame<br />
inicial através do microscópio de luz polarizada não<br />
permitiu identificar a amostra, e a microanálise de<br />
raio-X indicou material orgânico com teor elevado de<br />
nitrogênio. A análise FTIR determinou a composição<br />
do cálculo como sendo 100% diidroxi-2,8 adenina, um<br />
metabolito da purina e, consequentemente, o paciente<br />
recebeu tratamento para urolitíase de urato.<br />
Diversos cálculos são originados por substâncias<br />
estranhas que conseguem penetrar na bexiga. A<br />
vantagem de uma análise microscópica reside no<br />
fato de ser possível identificar até mesmo os<br />
componentes menos comuns. Fragmentos de material<br />
vegetal ou fibras de madeira são rapidamente<br />
identificados através de microscopia<br />
luminosa. As partículas metálicas<br />
requerem microanálise por raio-X, e<br />
para a detecção dos polímeros<br />
recorre-se à tecnologia do FTIR.<br />
Entre as substâncias mais insólitas<br />
detectadas no núcleo de cálculos,<br />
podem citar-se fragmentos de agulhas<br />
de pinheiro em urólitos de estruvita e<br />
uma agulha de costura, ingerida por<br />
um cão, que posteriormente migrou<br />
para a bexiga (13).<br />
Figura 10.<br />
Espectro FTIR do carbonato de cálcio.
Alguns materiais enviados para análise foram<br />
coletados pelos proprietários pensando tratar-se de<br />
cálculos da bexiga excretados através da urina. Com<br />
base em técnicas de microscopia o laboratório<br />
conseguiu identificar em diversos casos pedaços de<br />
areia higiênica e pequenos blocos de amido,<br />
considerados como cálculos urinários.<br />
Os corpos estranhos mais comuns observadas na<br />
composição dos núcleos de muitos cálculos são<br />
suturas resultantes de cistotomias anteriores. Por<br />
vezes, são óbvias logo ao exame visual, quando o<br />
cálculo apresenta a forma de um nó (Figura 11), mas<br />
com frequência, são apenas pequenos fragmentos<br />
ocultos no centro do cálculo. Podem ser identificadas<br />
através do microscópio luminoso, mas para confirmar<br />
o tipo de material de sutura (sutura de seda, sintética<br />
vs. monofilamento, etc.) recorre-se à análise FTIR.<br />
Por vezes, são também utilizados métodos de análise<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
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and cats. J Am Vet Med Assoc 1992; 201: 111-113.<br />
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dogs and cats by voiding urohydropropulsion. J Am Vet Med Assoc 1993; 203:<br />
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Bartges JW eds. Vet Clin North Am Small Anim Pract 1999; 29: 17-38.<br />
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characteristics and prevalence of canine urocystoliths from a regional urolith<br />
center. Am J Vet Res 1998; 59: 379-387.<br />
6. Buffington CA, Chew DJ. Diet therapy in cats with lower urinary tract disorders.<br />
Vet Med 1999; 94: 626-630.<br />
ANÁLISE QUANTITATIVA DOS CÁLCULOS URINÁRIOS EM CÃES E GATOS<br />
suplementares, como a difração por raios X, para<br />
facilitar a identificação de amostras pouco comuns.<br />
Resumo<br />
A análise quantitativa rigorosa dos cálculos caninos e<br />
felinos é importante, uma vez que ajuda o veterinário<br />
a determinar as causas subjacentes da urolitíase e a<br />
prescrever o tratamento mais eficaz para o paciente.<br />
As técnicas microscópicas permitem detectar núcleos<br />
diminutos, determinar se a sua composição é<br />
diferente das restantes zonas do cálculo, conseguindo<br />
identificar com precisão os componentes do urólito,<br />
frequentemente negligenciados ou incorretamente<br />
classificados através de métodos qualitativos. Os<br />
dados coletados em conjunto com a amostra enviada<br />
para análise também se revelam muito úteis para a<br />
pesquisa das causas de urolitíase.<br />
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definitive determination of chemical type. J Am Vet Med Assoc 1984; 185: 983-987.<br />
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Small Anim Pract 1986; 16: 293-301.<br />
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February 1998 to April 2003. Can Vet J 2004; 45: 225-230.<br />
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urolithiasis in a dog. Can Vet J 1999; 40: 125-126.<br />
Vol 17 No 1 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / 27
COMO TRATAR...<br />
O gato com DTUI -<br />
perspectiva do cirurgião<br />
Giselle Hosgood BVSc, MS, PhD, FACVSc,<br />
Dipl. ACVS<br />
Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade do<br />
Estado da Louisiana, Baton Rouge, LA 70803, EUA<br />
A Drª Hosgood é formada pela Universidade de Queensland<br />
e foi interna de cirurgia na Universidade de Murdoch, antes<br />
de iniciar a residência cirúrgica na Universidade de Purdue,<br />
em Indiana. Atualmente, é Professora e Diretora dos<br />
Serviços de Cirurgia de Animais de Companhia da<br />
Universidade Estadual da Louisiana. A sua principal área de<br />
interesse é a cirurgia de tecidos moles. A Drª Hosgood é<br />
autora de inúmeros trabalhos publicados na literatura<br />
científica sobre diversos aspectos da cirurgia clínica<br />
e experimental.<br />
A filosofia<br />
O manejo clínico da DTUI (Doença do trato urinário<br />
inferior) felina evoluiu significativamente ao longo<br />
dos últimos 15 a 20 anos, evidenciando progressos<br />
consideráveis quanto à compreensão da influência da<br />
nutrição e manipulação dietética, à crescente<br />
conscientização por parte dos médicos veterinários e<br />
proprietários, da qual resulta a detecção precoce dos<br />
problemas, assim como o manejo rigoroso dos gatos<br />
acometidos. Por consequência, o papel da cirurgia<br />
frente a gatos com esta afecção sofreu uma alteração.<br />
28 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / Vol 17 No 1<br />
Embora a maioria dos clínicos e cirurgiões concordem<br />
que a cirurgia não constitui a primeira linha de<br />
atuação, existem casos em que a inter venção<br />
cirúrgica está preconizada ou é escolhida para facilitar<br />
o manejo dos gatos com DTUI. A perspectiva sobre as<br />
situações em que se deverá recorrer a este procedimento<br />
permite melhorar os resultados tanto para o<br />
gato, como para a satisfação do cliente.<br />
Quais são os procedimentos<br />
cirúrgicos mais indicados?<br />
São três os procedimentos cirúrgicos que se utilizam<br />
na abordagem da DTUI felina. Indiscutivelmente, o<br />
procedimento mais importante, com o qual o clínico<br />
deverá estar familiarizado, que não deverá hesitar em<br />
realizar e o único imprescindível numa emergência é a<br />
cistostomia com sonda. Esta intervenção requer a<br />
colocação cirúrgica de uma sonda através da parede<br />
ventral do abdome até à bexiga (1). Deve realizar-se,<br />
preferencialmente, com o animal anestesiado – embora<br />
se trate de uma cirurgia de curta duração – mas<br />
também pode ser efetuada sob sedação e anestesia<br />
local, se necessário. Foram descritas técnicas<br />
percutâneas com cateteres especiais em cães. A<br />
colocação de uma sonda de cistostomia diminui a<br />
obstrução de fluxo urinário e favorece a subsequente<br />
estabilização do animal, ajuda a manter a descompressão<br />
em caso de distensão extrema da bexiga, o que<br />
facilita a recuperação do músculo detrusor, permite<br />
que a uretra se restabeleça da inflamação e trauma<br />
induzidos pela doença ou por tentativas de sondagem.<br />
Além disso, por se tratar de um sistema fechado<br />
para a coleta de urina, facilita o monitoramento da<br />
excreção urinária e da recuperação renal. Uma<br />
cistostomia com sonda torna desnecessária a<br />
colocação de um catéter permanente, passível de<br />
aumentar a inflamação da uretra, nos casos em que se
permitem a sua inserção. Qualquer cateter interno que<br />
permaneça aberto aumenta o risco de contaminação<br />
ambiental do tubo, impossibilitando a quantificação<br />
da urina.<br />
Os outros procedimentos utilizados no manejo da<br />
DTUI são a uretrostomia perineal (Figura 1) e a<br />
uretrostomia antepúbica. A uretrostomia perineal cria<br />
uma abertura uretral no períneo, na uretra<br />
membranosa (2,3). A uretrostomia antepúbica produz<br />
uma abertura uretral na parede ventral do abdome<br />
e constitui, claramente, uma intervenção de emergência<br />
(4). Está indicada em situações de danos<br />
irreparáveis na uretra membranosa distal, frequentemente<br />
originados por tentativas repetidas de<br />
cateterismo, que impossibilitam a realização da<br />
uretrostomia perineal. A posterior formação de<br />
estenoses, que não permitam a ressecção, também<br />
pode-se constituir em indicação (Figura 2). Foi<br />
descrita uma modificação dos procedimentos, com<br />
criação de um óstio transpélvico (5). As indicações<br />
para esta intervenção são idênticas às das outras<br />
uretrostomias.<br />
Relativamente à uretrostomia perineal, as suas indicações<br />
por vezes são claras, e em outros casos, controversas.<br />
Trata-se de uma intervenção claramente<br />
indicada, sempre que existem danos irreparáveis na<br />
uretra peniana. Mais preocupante ainda é a tentativa<br />
de realizar este procedimento quando a obstrução não<br />
pode ser aliviada. A uretrostomia perineal não se<br />
constitui em uma intervenção de emergência, sendo<br />
mais indicado proceder a cistostomia com sonda nos<br />
casos de difícil desobstrução. Uma vez estabilizado o<br />
animal, e após o intervalo de tempo necessário para a<br />
recuperação da uretra, novas tentativas controladas<br />
de reduzir a obstrução poderão ser realizadas. Está<br />
fora de questão realizar uretrostomia perineal num<br />
gato com episódios recorrentes de obstrução, ao invés<br />
de se proceder manejo médico específico rigoroso.<br />
Efetuar este tipo de intervenção em um gato com essas<br />
características pressupõe uma decisão informada ao<br />
cliente. Como não dispomos de um método de<br />
predição do futuro que permita saber se o animal<br />
voltará a sofrer nova obstrução, não é possível tomar<br />
uma decisão com a máxima certeza em situações deste<br />
tipo. De qualquer forma, se pode determinar se o<br />
sucesso do tratamento ocorreu por causa do<br />
procedimento, que previne novas obstruções, ou se o<br />
gato realmente não apresenta novos episódios<br />
obstrutivos.<br />
Quais são as consequências da<br />
uretrostomia?<br />
As alterações anatômicas associadas à uretrostomia<br />
perineal incluem a redução do seu comprimento a<br />
provavelmente menos de 1/3, através da remoção<br />
da uretra peniana. O novo óstio é criado na zona de<br />
maior diâmetro da uretra membranosa, na altura das<br />
glândulas bulbouretrais. A consequência prevista para<br />
esta alteração consiste na perda dos mecanismos de<br />
defesa natural, habitualmente providenciados pela<br />
estreita uretra peniana, que evitam sobretudo a<br />
contaminação ascendente. Em geral, a primeira<br />
manifestação de obstrução uretral em gatos com DTUI<br />
não está associada a uma infecção bacteriana (6-8).<br />
Este tipo de infecção é mais provável na sequência de<br />
manipulação, incluindo cateterismo periódico ou<br />
Figura 1.<br />
Uretrostomia perineal completa destacando a ampla abertura do<br />
óstio, na altura das glândulas bulbouretrais (indicada pela seta), e<br />
a uretra aberta, que se prolonga até ao períneo.<br />
Figura 2.<br />
Aspecto típico da<br />
zona de uma<br />
uretrostomia<br />
perineal estenosada<br />
(indicada pela seta),<br />
habitualmente<br />
secundária a uma<br />
dissecação<br />
inadequada da<br />
uretra na altura das<br />
glândulas<br />
bulbouretrais.<br />
Vol 17 No 1 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / 29
O GATO COM DTUI – PERSPECTIVA DO CIRURGIÃO<br />
permanente e obstrução recorrente. É interessante<br />
notar que os gatos com DTUI e infecção bacteriana,<br />
submetidos a uretrostomia perineal, apresentaram<br />
recorrência de infecções do trato urinário, enquanto<br />
os felinos saudáveis sujeitos a uretrostomia perineal<br />
por outros motivos, não desenvolvem infecções do<br />
trato urinário (9,10). Desconhece-se se a recorrência<br />
nos gatos com DTUI poderia ser diferente da situação<br />
sem a intervenção cirúrgica. Assim, a uretrostomia<br />
perineal não pressupõe um risco do animal contrair<br />
uma infecção do trato urinário, exceto se apresentar<br />
histórico de recorrência de infecções urinárias<br />
bacterianas.<br />
A uretrostomia antepúbica provoca alterações<br />
anatômicas semelhantes, embora reduza ainda mais o<br />
comprimento uretral. A localização física do óstio no<br />
abdome ventral aumenta o risco de contaminação<br />
ascendente. As queimaduras pela urina podem<br />
também constituir um problema. Embora a junção<br />
vesico-uretral não deva ser afetada, por vezes, a<br />
incontinência urinária representa um problema. Num<br />
estudo composto por 16 gatos, 13 dos quais com DTUI,<br />
foram observadas infecções bacterianas recorrentes<br />
do trato urinário em 5 animais e sinais de DTUI em<br />
oito (4). Nenhum dos gatos sujeitos a uretrostomia<br />
antepúbica por trauma desenvolveu infecção<br />
bacteriana do trato urinário, o que coincide com os<br />
resultados observados para a uretrostomia perineal.<br />
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ostectomy. Vet Surg 2004; 33: 246-252.<br />
30 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / Vol 17 No 1<br />
Quais são as complicações da<br />
uretrostomia perineal?<br />
A hemorragia provocada pelo corte do tecido peniano é<br />
a complicação precoce mais frequente, solucionada<br />
sem intervenção. A longo prazo, a complicação mais<br />
comum é a estenose associada a uma técnica cirúrgica<br />
inadequada, a cateterismo permanente e a trauma<br />
auto-induzido. Preferencialmente esta cirurgia deverá<br />
ser realizada por um clínico experiente. O cateterismo<br />
permanente não é indicado. Se for necessário a<br />
descompressão urinária da bexiga ou desvio uretral,<br />
deverá considerar-se como recurso a cistostomia com<br />
sonda. É imperativo reduzir o trauma auto-induzido.<br />
Resumo<br />
Todos os esforços devem ser realizados para conduzir<br />
manejo clínico rigoroso e aplicar estratégias de<br />
prevenção em gatos com DTUI. A cistostomia com<br />
sonda constitui importante instrumento de manejo,<br />
sobretudo em caso de urgência. Face à presença de<br />
trauma uretral irreparável, a indicação de<br />
uretrostomia é óbvia. A uretrostomia perineal, por si<br />
só não está indicada no tratamento da DTUI. Optar<br />
pela realização deste procedimento em gatos com<br />
obstrução recorrente, mesmo com um manejo clínico<br />
rigoroso, deverá ser uma decisão informada e tomada<br />
de acordo com a análise individual de cada caso.<br />
6. Kruger JM, Osborne CA, Goyal SM, et al. Clinical evaluation of cats with lower<br />
urinary tract disease. J Am Vet Med Assoc 1991; 199: 211-216.<br />
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occurring feline urologic syndrome. Vet Clin N Am 1984; 14: 503-511.<br />
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perineal urethrostomy in cats. J Am Vet Med Assoc 1992; 200: 681-684.<br />
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outcome of perineal urethrostomy in cats. J Small Anim Pract 2005 ; 46: 227-<br />
231.
Endo-urologia e radiologia<br />
de intervenção do<br />
trato urinário<br />
Allyson C. Berent, DVM, Dipl. ACVIM<br />
Hospital Veterinário Matthew J. Ryan da Universidade da<br />
Pensilvânia, Filadélfia, PA, EUA<br />
A Drª. Berent é formada pela Universidade de Cornell e<br />
completou a residência em medicina interna na Universidade<br />
da Pensilvânia. Obteve uma bolsa de estudos em radiologia<br />
interventiva e foi Conferencista Waltham sobre diagnósticos<br />
e terapêuticas minimamente invasivas, na Universidade da<br />
Pensilvânia e na Universidade Thomas Jefferson. Atualmente,<br />
faz parte da equipe veterinária de medicina interna e<br />
radiologia interventiva de pequenos animais, da Universidade<br />
da Pensilvânia, como especialista em radiologia e endoscopia<br />
de intervenção. A principal área de interesse da Drª Berent é a<br />
endo-urologia interventiva.<br />
Introdução<br />
A endocirurgia/endoscopia interventiva (EI) envolve a<br />
utilização de equipamento endoscópico em conjunto com<br />
outras modalidades contemporâneas de imagiologia<br />
endoscópica, como a fluoroscopia e/ ou a ultrassonografia,<br />
para a condução de procedimentos terapêuticos e<br />
de diagnóstico praticamente em qualquer parte do corpo<br />
a que se tenha acesso através de um endoscópio<br />
(gastrintestinal, biliar, respiratório, trato urinário, etc.).<br />
A radiologia interventiva (RI) utiliza a fluoroscopia, com<br />
ou sem ultrassonografia, para acessar vasos sanguíneos e<br />
diversos lúmens, de modo a coletar materiais específicos<br />
para fins de diagnóstico e tratamento.<br />
Este artigo apresenta uma perspectiva resumida sobre<br />
alguns dos procedimentos urológicos minimamente<br />
invasivos, aplicados com crescente frequência em<br />
pacientes veterinários, bem como sobre algumas aplicações<br />
futuras mais promissoras da endourologia e RI,<br />
atualmente em fase de pesquisa.<br />
Equipamento<br />
Os procedimentos endocirúrgicos interventivos tradicionais<br />
requerem diversos tipos de endoscópios flexíveis<br />
e rígidos. A citoscopia rígida é realizada frequentemente<br />
em fêmeas para acessar à uretra, bexiga e ureteres. Os<br />
diâmetros recomendados situam-se entre 1,9 e 7,5 mm,<br />
consoante ao tamanho do paciente.<br />
Recorre-se a ureteroscópios flexíveis para explorar a<br />
uretra e bexiga de cães macho (2,5 a 3,4 mm), e<br />
acesso uretral em todos os animais com dimensões<br />
suficientes para permitir a aplicação destes diâmetros. Os<br />
nefroscópios rígidos são usados (2,8 a 7,3 mm de<br />
diâmetro) em nefrolitotomias percutâneas ou para<br />
ablação de tumores do trato urinário superior, numa<br />
abordagem anterógrada. Podem ser utilizados diversos<br />
tipos de litotriptores e lasers intracorpóreos nestes<br />
procedimentos, como os lasers ultrassônicos, pneumáticos,<br />
eletroidráulicos, de holmio: laser YAG (ítrio,<br />
alumínio, granada), e lasers de tipo díodo. A litotripsia<br />
extracorpórea por onda de choque (ESWL) é adequada<br />
para nefrólitos, urólitos e cistólitos caninos de menores<br />
dimensões.<br />
Na maioria dos procedimentos RI comuns a utilização de<br />
uma unidade de fluoroscopia tradicional é suficiente. Já<br />
Vol 17 No 1 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / 31
um equipamento de fluoroscopia com braço-C comporta<br />
a vantagem da mobilidade do intensificador de imagem,<br />
permitindo diversas visualizações tangenciais, sem<br />
mover o paciente. A ultrassonografia facilita o acesso de<br />
agulha percutânea ao interior dos vasos ou a outras<br />
estruturas (bexiga urinária, pélvis renal, etc.).<br />
São necessários fios condutores de diversos tamanhos,<br />
formas e grau de rigidez, bem como cateteres e stents,<br />
para cada intervenção (ver abaixo).<br />
Técnicas<br />
Rim e uréter<br />
> Colocação de um stent ureteral<br />
Procede-se à colocação de um stent ureteral no caso de<br />
diversos distúrbios, para desviar a urina da pelve renal<br />
para a bexiga urinária. Esta técnica pode revelar-se útil em<br />
pacientes com obstrução ureteral decorrente de uma<br />
urolitíase ou neoplasia obstrutiva ureteral ou trigonal<br />
(Figura 1), após ureteroscopia, nefrolitotomia percutânea,<br />
remoção de um cálculo ureteral (por meio de catéteres ou<br />
de litotripsia ureteral), em caso de anastomose ureteral<br />
pós-operatória, de laceração ou espasmo ureteral, ou de<br />
ureterite. Além disso, a presença de um stent ureteral<br />
pode favorecer uma dilatação ureteral passiva, de modo a<br />
permitir a passagem de ureterólitos até aí obstrutivos, ou<br />
de um ureteroscópio flexível para condução da intervenção<br />
ureteral indicada.<br />
Em caso de neoplasia ureteral, por exemplo, o acesso da<br />
nefrostomia percutânea através de uma técnica anterógrada<br />
pode realizar-se sob orientação de ultrassom<br />
(Figura 1A) ou fluoroscópica (Figura 2A), passando o fio<br />
condutor pelo uréter e interior da bexiga de forma a sair<br />
pela uretra (Figura 1B). O dilatador ureteral é inserido<br />
em sobreposição ao fio, numa abordagem retrógrada, de<br />
forma a dilatar a junção vésico-ureteral (Figura 1C), e<br />
então stent uretral pode ser deslocado (Figura 1D).<br />
> Nefrolitotomia percutânea (NLPC)<br />
A nefrolitíase ou as obstruções ureterais proximais,<br />
secundárias a ureterólitos, podem dar origem a insuficiência<br />
renal progressiva, piolonefrite intratável, hematúria,<br />
cólica ureteral e hidronefrose. Um cálculo bastante<br />
pequeno poderá passar, contudo, outros cálculos requerem<br />
cirurgia para aliviar a obstrução ou evitar danos permanentes<br />
nos néfrons. As nefrotomias, pielotomias ou<br />
ureterotomias são cirurgias invasivas e complicadas,<br />
passíveis de provocar uma morbidade significativa (1).<br />
Recentemente foi realizada uma nefrolitotomia percutânea.<br />
Trata-se de um procedimento pouco invasivo que tem<br />
como objetivo minimizar a morbidade e preservar ao<br />
máximo a função renal.<br />
32 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / Vol 17 No 1<br />
Figura 1.<br />
Imagem fluoroscópica abdominal lateral de um cão com 6,5kg e uma<br />
obstrução do uréter esquerdo, induzida por carcinoma celular transitório<br />
(TCC). A. Pielocentese percutânea com um cateter de calibre 18, e<br />
ureteropielografia de contraste apresentando hidronefrose (asterisco<br />
branco) e hidroureter (setas brancas). Setas pretas = cateter marcador do<br />
cólon. B. Colocação anterógrada de fio condutor e cateter hidrofílicos num<br />
ângulo de 0.035”(setas brancas), ao longo da obstrução e saindo através<br />
do pênis. C. Dilatação ureteral retrógrada com dilatador ureteral de 6Fr,<br />
colocado sobre o fio (setas brancas). D. Stent ureteral multifenestrado<br />
permanente de 4,7Fr x 12 cm (setas brancas) colocado desde a pélvis<br />
renal (asterisco branco) até à bexiga urinária (BU), para descompressão.<br />
Como descrito anteriormente, a ureteropielografia<br />
retrógrada requer o uso de cistoscopia e fluoroscopia. O<br />
acesso por cateter ureteral é mantido para proteger o<br />
uréter de uma eventual penetração de fragmentos do<br />
cálculo e permitir - se necessário - a repetição da<br />
intervenção. A abordagem retrógrada poderá não ser<br />
possível em gatos machos ou cães machos de raças<br />
pequenas, realizando-se o acesso anterógrado por via<br />
percutânea, com orientação fluoroscópica ou ultrassonográfica.<br />
Após inserir a agulha percutânea e o fio<br />
condutor até à pélvis renal, orientado por fluoroscopia, é<br />
introduzido um balão dilatador em sobreposição ao fio,<br />
para realizar a dilatação percutânea do trato até à pélvis<br />
renal, de forma a atingir as dimensões que permitam a<br />
colocação de uma bainha suficientemente grande (Figura<br />
2A), para permitir o acesso do nefroscópio com litotriptor.<br />
Procede-se à introdução do nefroscópio através da bainha<br />
de acesso e o nefrólito ou urólito proximal é identificado e<br />
fragmentado através de litrotripsia laser ultrassônica ou<br />
pneumática (Figuras 2B e 3). Se o cálculo for pequeno<br />
pode ser extraído através do canal de trabalho do<br />
nefroscópio. Os fragmentos são removidos por sucção,<br />
pinça de coleta, ou de um cesto urológico pela mesma via.<br />
Após a remoção do urólito (Figura 2C), coloca-se uma<br />
sonda de nefrostomia percutânea, durante 7 a 14 dias,<br />
para permitir o fechamento da via de acesso. Em caso de<br />
trauma ou inflamação ureteral, deverá optar-se pela<br />
colocação de um stent nefroureteral percutâneo (Figura 2D)<br />
ou de um stent ureteral duplo permanente «pigtail»<br />
(Figura 1D) mantendo a patência a partir da pele, indo<br />
através da pelve renal e descendo pelo ureter até a bexiga.
Figura 2.<br />
Imagem fluoroscópica lateral de um cão com nefrólitos bilaterais.<br />
A. Após nefrostomia percutânea, introdução de um fio condutor em<br />
toda a extensão e de uma guia de segurança (setas brancas), é<br />
colocada uma bainha de acesso (seta preta) até ao nefrólito<br />
(asterisco branco). B. Posiciona-se um nefroscópio com litotriptor de<br />
ultrassons (seta branca) no interior da bainha, o nefrólito é<br />
fragmentado (setas pretas) e procede-se à remoção dos fragmentos.<br />
C. Imagem fluoroscópica de um rim sem cálculos. D. Colocação de um<br />
stent nefro-ureteral (setas brancas) após litotripsia.<br />
Se houver suspeita de trauma ureteral, o stent deverá<br />
permanecer colocado durante 4 a 6 semanas (2).<br />
> Colocação de uma sonda de nefrostomia percutânea<br />
As obstruções ureterais, secundárias a ureterólitos ou a<br />
tumor canceroso, se forem bilaterais ou se ocorrerem em<br />
animais com insuficiência renal concomitante podem<br />
desencadear uma hidronefrose grave e/ou azotemia<br />
mortal. Alguns pacientes poderão receber cuidados<br />
paliativos até à passagem do urólito, no entanto outros<br />
requerem uma abordagem cirúrgica. As ureterotomias são<br />
cirurgias complicadas e relativamente longas para este<br />
tipo de doente que, em geral, se apresentam já<br />
debilitados. Uma possibilidade consiste na colocação de<br />
sonda de nefrostomia percutânea, para minimizar<br />
rapidamente a obstrução e verificar se há função renal<br />
adequada, antes de submeter o animal a uma anestesia<br />
prolongada para condução da manobra cirúrgica.<br />
O acesso à pelve renal com agulha percutânea efetua-se de<br />
acordo com o procedimento anteriormente descrito, com<br />
orientação ultrassonográfica (Figura 1A). Insere-se um fio<br />
condutor na pelve renal, conduzindo-o (se possível) até ao<br />
uréter, por expansão do trato com dilatadores sequenciais<br />
ou um sistema de dilatação por balão. Um cateter de<br />
drenagem com alça de fixação é avançado sobre o fio para<br />
formar uma alça no interior da pelve renal (Figura 4). O<br />
cateter é ligado a um sistema de coleta de urina e fixado à<br />
parede abdominal com sutura «finger-trap» e múltiplos<br />
pontos simples separados. A presença de sonda de<br />
nefrostomia facilita o acesso à urina produzida pelo rim,<br />
bem como a realização de posterior pieloureterografia de<br />
contraste ou intervenção ureteral percutânea (litotripsia,<br />
ENDO-UROLOGIA E RADIOLOGIA DE INTERVENÇÃO DO TRATO URINÁRIO<br />
Figura 3.<br />
Yorkshire Terrier, fêmea esterilizada,<br />
com 7 anos de idade. Imagem<br />
nefroscópica de um nefrólito de<br />
oxalato de cálcio no interior da pélvis<br />
renal. Trata-se da imagem<br />
endoscópica do cão referido na<br />
Figura 2B.<br />
NLPC, colocação de um stent, etc).<br />
> Ablação de ureter ectópico a laser, guiado por<br />
citoscopia<br />
Os ureteres ectópicos são uma malformação anatômica<br />
congênita, comum em cães com o orifício ureteral em<br />
posição distal ao trígono da bexiga, no interior da uretra,<br />
vagina, vestíbulo ou útero. Mais de 95% dos canídeos com<br />
ureteres ectópicos apresentam um transverso intramural e<br />
são candidatos a esta intervenção minimamente invasiva.<br />
Foi realizada com sucesso a reparação endoscópica dos<br />
ureteres ectópicos em mais de 20 cães, procedimento<br />
efetuado por meio de fluoroscopia, citoscopia e laser YAG:<br />
diodo ou holmio no decurso da citoscopia de diagnóstico.<br />
De forma geral, a correção cirúrgica de ureteres ectópicos<br />
revela resultados de incontinência persistente, com<br />
intervenção médica concomitante em aproximadamente<br />
40 a 71% dos casos, devido a incompetência do mecanismo<br />
do esfíncter uretral (SMI-Sphincter Mechanism<br />
Incompetence) (3,4). Até o momento, e de acordo com a<br />
experiência da autora, a continência tem sido mantida<br />
com (80%) ou sem (60%) medicação concomitante<br />
(fenilpropanolamina), graças a esta intervenção. Será<br />
necessário conduzir um estudo num número superior<br />
de casos com período de acompanhamento mais<br />
amplo que permita estabelecer comparação mais precisa<br />
entre estes procedimentos.<br />
> ESWL (Extracorporeal Shock-Wave Lithotripsy) para a<br />
nefro/ureterolitíase<br />
A litotripsia extracorpórea por onda de choque constituise<br />
em outra alternativa minimamente invasiva para<br />
remoção de cálculos do trato superior na pélvis renal, ou<br />
nos ureteres. Esta técnica utiliza ondas de choque<br />
externas que passam através de meio aquoso, através de<br />
orientação fluoroscópica em 2 planos. O cálculo é sujeito<br />
a cerca de 1.000 a 3.500 choques, com diferentes níveis<br />
de energia, de modo a permitir a sua implosão e<br />
pulverização. Aguarda-se cerca de 1 a 2 semanas para<br />
permitir a passagem dos fragmentos do cálculo através<br />
do uréter até à bexiga urinária. Trata-se de um<br />
procedimento realizável com segurança em nefrólitos<br />
Vol 17 No 1 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / 33
com menos de 5 mm e em ureterólitos inferiores a 3 mm.<br />
Para cálculos de maiores dimensões deverá colocar-se um<br />
stent ureteral duplo permanente «pigtail» antes da<br />
litotripsia ESWL para facilitar a expulsão dos fragmentos<br />
do cálculo. Para cálculos consideravelmente superiores,<br />
recomenda-se a NLPC (5-8).<br />
Bexiga e uretra<br />
> Litotripsia<br />
A litotripsia por laser é uma técnica inovadora que<br />
envolve a fragmentação intracorpórea de urólitos, com<br />
recurso de um citoscópio ou ureteroscópio rígido ou<br />
flexível. O primeiro relato de aplicação da litotripsia com<br />
laser de holmio data de 1995, em medicina humana (9).<br />
O laser de holmio: YAG (ítrio, alumínio, granada) é um<br />
laser pulsado de estado sólido que emite luz com 2.100 nm<br />
de comprimento de onda de infra-vermelhos (10). A<br />
energia é absorvida em menos de 0,5 mm de fluído, o que<br />
permite pulverização segura dos urólitos em zonas de<br />
dimensões reduzidas, como o interior da uretra, do<br />
ureter, da pelve renal ou da bexiga urinária, e risco<br />
limitado de danos uroteliais (10). Esta técnica combina a<br />
secção de tecidos e propriedades coagulantes, com a<br />
capacidade de fragmentar cálculos por contato (10).<br />
Fibras de diâmetro reduzido (200, 365, 550 microns) são<br />
guiadas através do canal de trabalho de citoscópios/<br />
ureteroscópios, flexíveis ou rígidos, também de pequeno<br />
diâmetro. Muito embora os diversos modelos de<br />
litotriptores comercializados apresentem ligeiras variações,<br />
a duração do pulsado dos lasers de holmio varia<br />
entre 250-750 micro-segundos, a energia do pulsado<br />
entre 0,2-4,0J/pulsos e a frequência entre 5-45Hz, com<br />
potência média situada entre 3,0-100W. A potência deve<br />
Figura 4.<br />
A. Radiografia abdominal dorsoventral de um cão com 6,5 kg,<br />
apresentando ureterólitos e nefrólitos bilaterais, após stent ureteral<br />
duplo «pigtail» (a seta branca corresponde ao lado direito; a seta<br />
amarela ao lado esquerdo) e colocação de uma sonda de nefrostomia<br />
(ponta da seta branca).<br />
B. Radiografia lateral do mesmo cão, destacando um «pigtail» do stent<br />
ureteral na pélvis renal (seta amarela) e outro na bexiga (seta preta), e<br />
a sonda de nefrostomia no rim direito (ponta da seta branca).<br />
34 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / Vol 17 No 1<br />
ser selecionada em função<br />
da utilização que se pretende<br />
dar ao equipamento.<br />
A energia do laser concentrase<br />
na superfície do urólito,<br />
orientada por citoscopia. A<br />
energia irradiada pelo laser<br />
pulsado é absorvida pela<br />
água existente no interior do<br />
urólito, produzindo um efeito<br />
fototérmico que provoca a<br />
fragmentação do cálculo. O<br />
laser de holmio exerce a sua<br />
ação no cálculo através de<br />
Figura 5.<br />
Imagem citoscópica de<br />
litotripsia por laser na bexiga<br />
urinária, devido a cálculos<br />
císticos. A fibra azul<br />
corresponde ao laser de<br />
hólmio: YAG, inserido no canal<br />
de trabalho do endoscópio.<br />
uma bolha de vapor, que se forma quando a energia do<br />
laser pulsado, propagada pela água existente na<br />
extremidade da fibra, se imobiliza dentro da bolha<br />
(efeito Moses). Se a ponta da fibra estiver posicionada a<br />
uma distância igual ou superior a 0,5 mm do tecido, a<br />
bolha de vapor desfaz-se, a água absorve a energia e não<br />
ocorre qualquer impacto. Se a extremidade se situar a<br />
menos de 0,5 mm do cálculo, a bolha de vapor entra em<br />
contato com o urólito e pulveriza-o. Quanto mais perto<br />
a ponta da fibra estiver do alvo, maior será o efeito. O<br />
cálculo deverá ser fragmentado até obtenção de<br />
pedaços suficientemente pequenos para serem<br />
removidos de forma normógrada através do orifício<br />
uretral, seja por via uroidropropulsão de esvaziamento,<br />
ou por meio de um cesto para cálculos. Este processo<br />
revela-se bastante útil em caso de cálculos ureterais,<br />
císticos e uretrais (Figura 5). Todos os tipos de cálculos<br />
podem ser fragmentados através de litotripsia por laser<br />
(11,12).<br />
Outras aplicações urológicas para a litotripsia por laser<br />
incluem: a incisão de estenoses uretrais e ureterais; a<br />
ablação de carcinoma de células de transição superficiais/<br />
adenocarcinoma prostático, no interior do lúmen uretral, e<br />
ablação de pólipos urinários com laser (Figura 6). Os<br />
pólipos da bexiga são comuns no cão e podem estar<br />
associados a infecções crônicas recorrentes do trato<br />
urinário e à formação de cistólitos, frequentemente<br />
confundidos com neoplasia cística. É possível remover os<br />
pólipos sem intervenção cirúrgica, através da cauterização<br />
do pedúnculo por citoscopia associada ao uso de cestos ou<br />
de litotripsia por laser.<br />
> Colocação de um stent uretral em obstruções malignas<br />
As obstruções malignas da uretra são responsáveis pelo<br />
mal-estar acentuado, disúria e azotemia não tratável.<br />
Mais de 80% dos animais com carcinoma celular
transitório (TCC) da uretra e/ou carcinoma prostático<br />
apresentam disúria e destes, aproximadamente 10%<br />
desenvolvem obstrução total do trato urinário (13-15). A<br />
quimioterapia e a radiação têm sido bem sucedidas no<br />
abrandamento do crescimento tumoral, mas a cura total é<br />
pouco comum. Face à manifestação de sinais de<br />
obstrução, preconiza-se uma terapia mais agressiva.<br />
Foram descritas outras abordagens: inserção de tubos de<br />
cistostomia, ressecções transuretrais e procedimentos<br />
cirúrgicos de desvio, no entanto, são intervenções<br />
invasivas potencialmente associadas a um resultado<br />
indesejável, devido à drenagem manual da urina,<br />
morbilidade, micções frequentes e infecção. A colocação<br />
de stents expansores metálicos, por orientação<br />
fluoroscópica e abordagem transuretral, pode revelar-se<br />
uma alternativa rápida, confiável e segura para a<br />
desobstrução uretral, tanto em machos quanto em<br />
fêmeas, considerando-se os resultados paliativos<br />
evidenciados: 86% bons a excelentes.<br />
A colocação de um stent uretral também pode ser útil em<br />
doentes com estenoses uretrais benignas ou dissinergia<br />
ref lexa, sempre que as terapias tradicionais não<br />
Figura 6.<br />
Imagem fluoroscópica abdominal lateral de um cão com Carcinoma<br />
Celular Transitório prostático e uretral. A. Cistouretrograma de<br />
contraste que evidencia extravasamento do contraste para o tecido<br />
prostático e atenuação do contraste devido a estreitamento uretral ao<br />
nível da próstata. (3) Cateter marcador de 2cm, colocado no interior do<br />
reto, para efeito de medição. (4) Medição do diâmetro uretral, caudal à<br />
uretra doente. B. Colocação de SEMS parcial durante a visualização<br />
fluoroscópica. C. Cistouretrograma de contraste, realizado<br />
imediatamente após a colocação de um stent total, que demonstra a<br />
desobstrução uretral.<br />
ENDO-UROLOGIA E RADIOLOGIA DE INTERVENÇÃO DO TRATO URINÁRIO<br />
produzam resultados, face a recusa ou não indicação da<br />
opção cirúrgica. Os casos de mortalidade animal após<br />
colocação de um stent uretral resultaram de causas não<br />
relacionadas com a obstrução urinária, na sua maioria<br />
associados a doença metastática distante (13).<br />
Realiza-se um cistouretrograma de contraste, avançando<br />
ao longo da constrição maligna com um fio condutor<br />
transuretral retrógrado ou anterógrado. Após medição do<br />
diâmetro normal da uretra e da extensão da obstrução<br />
procede-se à escolha de um stent uretral metálico autoexpansor<br />
(SEMS) (aproximadamente com mais 10 a 15%<br />
do que o diâmetro uretral e ultrapassando em 1cm a<br />
obstrução, em ambas as extremidades, cranial e caudal).<br />
O stent é colocado com orientação fluoroscópica,<br />
realizando-se novo cistouretograma de contraste para<br />
documentar a desobstrução uretral.<br />
> Implantação transuretral de colágeno na sub-mucosa<br />
Diversas instituições têm recorrido à aplicação de uma<br />
injeção de colágeno com monitoramento uretroscópico<br />
em casos de USMI. Trata-se de uma intervenção indicada<br />
nos casos em que a terapia médica para a SMI não tenha<br />
produzido resultados, esteja contra-indicada ou não seja<br />
tolerada. De forma geral, o sucesso da intervenção é<br />
excelente, muito embora a média de manutenção da<br />
continência, relatada após este procedimento, seja de 17<br />
meses, e bastante comum o recurso a de reaplicações daí<br />
em diante (16).<br />
Procede-se a sondagem da uretra por meio de um<br />
citoscópio rígido, identificando-se uma área no seu<br />
interior imediatamente caudal ao trígono da bexiga. É<br />
inserida uma agulha «heuber» com seringa, previamente<br />
Figura 7.<br />
Cadela Labrador Retriever esterilizada, com 4 anos de idade,<br />
apresentando SMI. A. Imagem citoscópica da uretra, imediatamente<br />
caudal ao trígono, anterior à aplicação da injeção de colágeno.<br />
B. Agulha Heuber com diâmetro 21, introduzida no canal de trabalho<br />
do citoscópio, logo após a primeira injeção de colágeno sub-mucosal.<br />
C. Após 3 injeções de colágeno, aplicadas da esquerda para a direita.<br />
D. Após a última injeção de colágeno.<br />
Vol 17 No 1 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / 35
ENDO-UROLOGIA E RADIOLOGIA DE INTERVENÇÃO DO TRATO URINÁRIO<br />
Figura 8.<br />
Cadela Labrador Retriever esterilizada, com 6 meses de idade e<br />
ureteres ectópicos bilaterais, visualizados através de citoscopia.<br />
A. Imagem citoscópica do orifício ureteral, na uretra distal (seta preta).<br />
B. Ablação por laser do uréter ectópico sob orientação citoscópica. O<br />
cateter amarelo encontra-se no interior do túnel ureteral protegendo a<br />
parede posterior do uréter (seta preta), enquanto a fibra de laser (seta<br />
branca) avança no lúmen ureteral, ao lado do cateter, cortando a<br />
membrana fina até ao lúmen uretral. C. Imagem da membrana ureteral,<br />
seccionada no interior do lúmen uretral, após intervenção com laser.<br />
D. Perspectiva citoscópica trigonal, 6 semanas após a intervenção: o<br />
novo orifício ureteral é visível no interior do lúmen vesical (seta<br />
branca). Boa cicatrização da membrana lisa (seta amarela).<br />
repleta de colágeno no canal de trabalho do citoscópio.<br />
Aplica-se uma injeção sub-mucosal, colocando uma<br />
vesícula no lúmen uretral. Este procedimento é efetuado<br />
em 3 a 4 áreas, de forma a criar um novo estreitamento<br />
no interior do lúmen uretral (Figura 7).<br />
> Cateterismo uretral anterógrado<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
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management of intramural ureteral ectopia in dogs: 36 cases (1994–2004).<br />
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lithotripsy for treatmet of nephrolithiasis and ureterolithiasis in five dogs.<br />
JAVMA. 1996; 208: 531-536. Current Opinion in Urology 2002; 12: 277-280.<br />
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8. Lane IF. Lithotripsy: an update on urologic applications in small animals. Vet Clin<br />
North Am Small Anim Pract 2004; 34: 1011-1025.<br />
36 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / Vol 17 No 1<br />
O cateterismo uretral realiza-se por rotina em doentes<br />
veterinários. Ocasionalmente, pode revelar-se difícil<br />
efetuar um cateterismo retrógrado standard em fêmeas<br />
muito pequenas, fêmeas com tumores obstrutivos ou em<br />
felinos com dilaceração uretral (Figura 8A), na<br />
sequência de tentativas de desobstrução ou secundários<br />
a trauma.<br />
O cateterismo uretral anterógrado, realizado sob<br />
visualização fluoroscópica direta, pode ser efetuado de<br />
forma rápida, fácil e segura, em doentes nos quais as<br />
tentativas de condução de cateterismo retrógrado de<br />
rotina não tenha produzido resultados.<br />
A cistocentese é realizada sob anestesia geral, com um<br />
cateter de 18g, sobre a agulha e através da injeção de<br />
contraste para definir a bexiga urinária e a uretra<br />
(Figura 8B). Procede-se a introdução de um fio condutor<br />
na bexiga, através de abordagem anterógrada e<br />
monitorização fluoroscópica, descendente até à uretra e<br />
saindo pelo pênis ou pela vulva (Figura 8C). Insere-se<br />
um cateter urinário na bexiga (com pontas abertas ou<br />
«pigtail») por via retrógrada, em sobreposição ao fio<br />
(Figura 8D) e, em seguida, retira-se o fio condutor. O<br />
cateter urinário é fixado através do processo de rotina.<br />
> Outras situações<br />
A hematúria renal idiopática é uma doença muito rara<br />
relatada nos cães. A autora possui alguma experiência<br />
com este distúrbio e, caso os leitores estejam<br />
interessados, terá todo o prazer em compartilhar as suas<br />
opiniões. A cistotomia percutânea é analisada no artigo<br />
9. Denstedt JD,Razvi HA, Sales JL, et al. Preliminary experience with holmium:<br />
YAG laser lithotripsy. Endourology 1995; 9: 255-258.<br />
10. Wollin T, Denstedt J. The holmius laser in urology. J Clin Laser Med Surg 1998;<br />
16: 13-20.<br />
11. Davidson EB, Ritchey JW, Higbee RD, et al. Laser lithotripsy for treatment of<br />
canine uroliths. Vet Surg 2004; 33: 56-61.<br />
12. Bagley DH, Das A. Endourologic use of the holmium laser. Text: 2001. Tenton<br />
NewMedia, Jackson, WY.<br />
13. Weisse C, Berent A, Solomon J, et al. Evaluation of palliative stenting for<br />
management of malignant urethral obstructions in dogs. JAVMA 2006; 229:<br />
226-234.<br />
14. Knapp DW, Glickman NW, DeNicola DB, et al. Naturally occurring canine<br />
transitional cell carcinoma of the urinary bladder. A relevant model of human<br />
invasive bladder cancer. Urol Oncol 2000; 5: 47.<br />
15. Norris AM, Laing EJ, Valli VEO, et al. <strong>Canin</strong>e bladder and urethral tumors: a<br />
retrospective study of 115 cases (1980-1985). J Vet Intern Med 1992; 16:145.<br />
16. Barth A, Reichler IM, Hubler M, et al. Evaluation of long-term effects of<br />
endoscopic injection of collagen into the urethral submucosa for treatment of<br />
urethral sphincter incompetence in female dogs: 40 cases (1993-2000).<br />
JAVMA 2005; 226: 73.
Métodos para medir o<br />
potencial de cristalização<br />
da urina - RSS vs. APR<br />
William G. Robertson BSc, PhD, DSc<br />
O Dr. Robertson é bioquímico clínico e trabalha atualmente no<br />
Departamento de Fisiologia (Centro de Nefrologia) da <strong>Royal</strong> Free and<br />
University College Medical School, Londres, Inglaterra. Os principais<br />
interesses do Dr. Robertson são a urolitíase e as áreas de pesquisa<br />
relacionadas com estas afecções. Ao longo de 40 anos, o seu<br />
trabalho de pesquisa incidiu sobretudo sobre o campo da urolitíase<br />
humana mas, durante a última década tem supervisionado<br />
diversos projetos relacionados com a formação de cálculos em<br />
animais de companhia. Além disso, o Dr. Robertson colabora com a<br />
Lithoscreen, um serviço de monitorização dos pacientes que ele<br />
próprio fundou, com o objetivo de identificar a(s) causa(s) dos<br />
cálculos renais e preconizar o tratamento mais adequado para<br />
evitar a formação de novos cálculos.<br />
Abigail E. Stevenson PhD, BSc, MIBiol, Cbiol<br />
A Dra Stevenson formou-se com distinção na Universidade de<br />
Stirling, em 1992. Depois de trabalhar durante 6 meses na Universidade<br />
de Anchorage, Alasca, como assistente de pesquisa foi nomeada<br />
para o cargo de técnica de pesquisa do Centro de Nutrição<br />
WALTHAM para Animais de Companhia para estudar o metabolismo<br />
da vitamina A e da taurina em felinos. Em 1995, foi promovida a<br />
Cientista de Pesquisa, passando a trabalhar na área da saúde do<br />
trato urinário, tema sobre o qual apresentou a sua tese de<br />
doutorado em 2002. Recentemente, a Dra Stevenson aceitou um<br />
cargo na área de Comunicações Científicas da WALTHAM.<br />
Para médicos e pesquisadores é extremamente útil<br />
conseguir prever a probabilidade de cristalização, em<br />
urina recém coletada, dos sais e ácidos responsáveis<br />
pela formação de cálculos. Trata-se de um fator que<br />
tanto se aplica aos estudos conduzidos em seres<br />
humanos como em animais de companhia. No caso dos<br />
primeiros, os cinco principais componentes dos cálculos<br />
são o oxalato de cálcio (OxCa), o fosfato de cálcio (PCa),<br />
o fosfato de amônio magnesiano (FAM ou estruvita), o<br />
ácido úrico (AU) e a cistina. Nos animais de companhia,<br />
os dois principais constituintes são OxCa e estruvita,<br />
embora tenham sido relatados alguns casos de cistina, e<br />
de urato de amônio em certas raças de cães, por<br />
exemplo, Dálma-tas. Enquanto o PCa e o AU são<br />
bastante comuns nos cálculos dos seres humanos,<br />
raramente constituem os componentes primários<br />
dos cálculos observados nos animais de companhia.<br />
O principal fator que determina o potencial de<br />
cristalização da urina é o nível de supersaturação das<br />
diversas substâncias responsáveis pela formação dos<br />
cálculos. O conceito de supersaturação é abordado<br />
detalhadamente na presente edição, no artigo assinado<br />
por Vincent Biourge (ver página 41). Em síntese, a<br />
literatura apresenta dois métodos principais para<br />
avaliar a supersaturação urinária – a Supersaturação<br />
Relativa (RSS) e a Razão do Produto de Atividade<br />
(APR). Ambos os métodos têm origem em estudos<br />
realizados em urina humana, no final dos anos 60 (1) e<br />
início dos anos 70 (2), mas apenas foram transpostos<br />
para o campo dos animais de companhia durante a<br />
última década. De forma geral, a RSS foi adotado como<br />
método de eleição pela pesquisa veterinária, no RU e na<br />
Europa. Nos EUA, tem sido aplicada uma combinação do<br />
Vol 17 No 1 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / 37
Tabela 1.<br />
Resumo dos valores RSS calculados em equilíbrio, em diversas amostras de urina, através dos sistemas<br />
SUPERSAT e EQUIL (de 3)<br />
RSS do OxCa RSS da estruvita<br />
Solução de equilíbrio<br />
SUPERSAT EQUIL SUPERSAT EQUIL<br />
Solução inorgânica 1,00 ± 0,01 (n=14) 1,01 ± 0,01 (n=14) 0,99 ± 0,02 (n=6) 4,70 ± 0,70** (n=6)<br />
Urina humana 1,00 ± 0,06 (n=6) 1,01 ± 0,07 (n=6) 0,99 ± 0,05 (n=6) 6,57 ± 0,67** (n=6)<br />
Urina canina 1,21 ± 0,03 (n=6) 1,52 ± 0,03* (n=6) 1,48 ± 0,25 (n=3) 6,61 ± 1,17* (n=3)<br />
Urina felina 0,97 ± 0,03 (n=6) 1,14 ± 0,03* (n=6) 1,35 ± 0,15 (n=4) 5,74 ± 0,58* (n=4)<br />
* EQUIL > SUPERSAT (P> SUPERSAT (P
MÉTODOS PARA MEDIR O POTENCIAL DE CRISTALIZAÇÃO DA URINA - RSS vs. APR<br />
inibidores de cristalização sobre a taxa de obtenção de<br />
equilíbrio entre a solução e os cristais), poderá<br />
argumentar-se que constitui um método razoável de<br />
medição global da supersaturação e da atividade<br />
inibitória, em conjunto. De fato, à primeira vista esta<br />
teoria poderá ter algum mérito. No entanto, o APR acaba<br />
por ser uma função de outros fatores, tal como a<br />
supersaturação e os inibidores. Estima-se que, no total,<br />
resulte no mínimo de cinco fatores: (a) do nível de<br />
supersaturação inicial da urina, (b) das concentrações<br />
dos vários inibidores e promotores urinários, (c) do<br />
oxalato inicial: razão inicial de oxalato: cálcio na urina<br />
(Figura 1), (d) da fraca densidade da mistura de cristais<br />
e urina (ex. massa de cristais adicionada por unidade de<br />
volume de urina) (Figura 2) e (e) do tempo de<br />
incubação (arbitrariamente, estabelecido em 48 horas,<br />
pelos criadores originais deste método) (Figura 3). Uma<br />
vez que os primeiros quatro fatores podem influenciar a<br />
curva do produto de atividade real, por oposição ao<br />
tempo de incubação de uma urina com excesso de<br />
cristais de OxCa ou PCa, a inclinação da curva de<br />
supersaturação pode variar consideravelmente em<br />
termos de forma, frente à alteração de qualquer uma<br />
destas variáveis (ex. como na Figura 2). Muito embora a<br />
baixa densidade e o tempo de incubação sejam<br />
estabelecidos de forma arbitrária, as variações na<br />
razão oxalato: cálcio podem dar origem a diferenças<br />
acentuadas na quantidade de OxCa precipitada<br />
(Figura 1). Presumivelmente, a quantidade de OxCa<br />
precipitada (ex. cristalúria) é a variável que determina<br />
o risco de formação de cálculos com o maior grau de<br />
proximidade.<br />
Considere-se, por exemplo, duas urinas simples que<br />
representem exatamente o mesmo produto de<br />
atividade inicial (APt=0), mas com concentrações iniciais<br />
de cálcio distintas<br />
(TCa t=0) e de oxalato (TOx t=0).<br />
Urina 1: TCa t=0= 10mmol/L e TOx t=0 = 0,4mmol/L<br />
Urina 2: TCa t=0= 5mmol/L e TOx t=0= 0,8mmol/L<br />
Ambas representarão o mesmo AP t=0= 4.<br />
Suponhamos que ambas possuem um AP t=48 = 1,96<br />
idêntico às 48 horas, o que lhes atribuiria valores idênticos<br />
de APR de 4/1,96 = 2,04, de acordo com os autores do<br />
cálculo original. Contudo, quando se calcula a quantidade<br />
de OxCa precipitado em cada urina, para atingir um AP t=48<br />
de 1,96 às 48 horas, a urina 1 sofrerá uma precipitação de<br />
0,2 mmol/L de OxCa e a urina 2 de 0,376 mmol/L de<br />
OxCa, o que representa quase o dobro da urina 1. A lógica<br />
aponta para um maior potencial de formação de cálculos<br />
por parte da urina 2 comparativamente à urina 1, muito<br />
embora ambas representem os mesmo valores de APR!<br />
Continuando a usar as mesmas amostras de urina,<br />
consideremos agora que a urina 2 precipita a mesma<br />
Volume de cristais de OxCa (mm 3 /L)<br />
100<br />
80<br />
60<br />
40<br />
RSS OxCa<br />
17<br />
15<br />
14<br />
20<br />
Urina felina<br />
Urina canina<br />
Urina humana<br />
0<br />
0.01 0.1 1 10<br />
Logaritmo oxalato/cálcio (mmol/mmol)<br />
Figura 1.<br />
Relação entre a cristalúria de OxCa e a razão urinária de Ox/Ca.<br />
Logaritmo SSR de OxCa<br />
15<br />
10<br />
5<br />
0.01 g CaOx/ 20 mL<br />
0.10 g CaOx/20 mL<br />
1.00 g CaOx/20 mL<br />
0<br />
0 2 4 6 8<br />
PS**<br />
10<br />
Tempo (dias)<br />
Figura 2.<br />
Efeito da baixa densidade (concentração de cristais) e do tempo de<br />
incubação na abordagem da RSS em equilíbrio, na urina humana.<br />
*Produto de formação, ** Produto de solubilidade<br />
APR calculado<br />
15<br />
10<br />
5<br />
0.01 g CaOx/ 20 mL<br />
0.10 g CaOx/20 mL<br />
1.00 g CaOx/20 mL<br />
Figura 3.<br />
Efeito da baixa densidade (concentração de cristais) e do tempo de<br />
incubação no valor do APR na urina humana, calculado através dos<br />
dados da Figura 2.<br />
*Produto de formação, ** Produto de solubilidade<br />
PF*<br />
PF*<br />
0<br />
0 2 4 6 8<br />
SP**<br />
10<br />
Tempo (dias)<br />
Vol 17 No 1 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / 39
MÉTODOS PARA MEDIR O POTENCIAL DE CRISTALIZAÇÃO DA URINA - RSS vs. APR<br />
quantidade de OxCa que a urina 1 durante 48 horas.<br />
Esta situação traduz-se num APR calculado de 1,96 na<br />
urina 1, tal como sucedeu anteriormente, e um APR de<br />
1,39 na urina 2, o que sugere que esta última comporta<br />
um potencial de formação de cálculos bastante inferior<br />
à da urina 1, ainda que ambas precipitem a mesma<br />
quantidade de cristais de OxCa!<br />
Podem aplicar-se os mesmos argumentos à medição do<br />
APR no caso da estruvita.<br />
Em resumo, tanto o numerador como o denominador da<br />
expressão para determinar o APR são suspeitos, no caso<br />
do OxCa, ou no caso da estruvita. O numerador do APR<br />
calculado através do sistema EQUIL sobrestima a RSS<br />
para o OxCa e para a estruvita (sobretudo no caso do<br />
último) na urina de cães e gatos. O denominador da<br />
expressão do APR depende consideravelmente da baixa<br />
densidade de cristais e do tempo de incubação,<br />
utilizados nos estudos de equilíbrio. Assim, esta<br />
medição, também denominada “atividade inibitória”,<br />
pode ser artificialmente induzida para produzir um<br />
resultado baixo ou alto, consoante as condições do<br />
ensaio. O denominador também está dependente da<br />
RSS da urina original e da razão urinária de Ox/Ca.<br />
Embora o risco de formação de cálculos seja uma função<br />
decorrente ou do aumento do nível de supersaturação –<br />
em termos dos sais de formação de cálculos – ou da<br />
diminuição do nível de atividade inibitória na urina, o<br />
APR por si só, e na sua forma original, não pode ser<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
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40 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / Vol 17 No 1<br />
usado de forma confiável para avaliar globalmente o<br />
potencial de formação de cálculos de uma amostra de<br />
urina, uma vez que depende, em larga escala, das<br />
condições dos estudos de equilíbrio, do RSS e do Ox/Ca<br />
da urina original, como anteriormente mencionado. Em<br />
teoria, o melhor método para medir o risco de formação<br />
de cálculos será o RSS (calculado através do SUPERSAT,<br />
e não do EQUIL, pelas razões indicadas na Tabela 1) em<br />
conjunto com as concentrações dos inibidores reais de<br />
cristalização, com valores determinados na urina. Na<br />
rotina apenas se realiza a medição do citrato e do<br />
magnésio na urina dos animais de companhia, dentre os<br />
inibidores detectáveis da urina humana. Destes, o<br />
citrato constitui um potente inibidor da cristalização<br />
dos sais de cálcio, muito embora na urina dos animais<br />
de companhia seja observado apenas em concentrações<br />
muito baixas, sendo improvável que possua alguma<br />
relevância para a determinação do risco de formação de<br />
cálculos. O magnésio é um inibidor muito fraco da<br />
cristalização dos sais de cálcio, e não evidenciou<br />
qualquer diferença na urina de animais com formação<br />
de cálculos e na urina de animais em que esse fenômeno<br />
não se produziu. Ainda não foi determinada a existência<br />
ou inexistência de inibidores não identificados de<br />
cristalização na urina dos animais de companhia. Até<br />
o presente momento a medição da supersaturação<br />
urinária através da RSS continua a ser o método mais<br />
eficaz para determinar o risco de formação de cálculos<br />
em gatos e em cães.<br />
4. Werness PG, Brown CM, Smith LH, et al. EQUIL 2: A BASIC computer program for<br />
the calculation of urinary saturation. J Urol 1985; 134: 1242-1244.<br />
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1641S.<br />
6. Robertson WG, Markwell PJ. Predicting the calcium oxalate crystallisation<br />
potential of cat urine. WALTHAM <strong>Focus</strong> 9, issue 3, 32-33.
Diluição urináriaum<br />
fator-chave na prevenção<br />
de urólitos de estruvita e de<br />
oxalato de cálcio<br />
Vincent Biourge, DVM, PhD, Dipl. ACVN,<br />
Dipl. ECVCN<br />
Centro de Pesquisa <strong>Royal</strong> <strong>Canin</strong>, Aimargues, França<br />
O Dr. Biourge é formado pela Faculdade de Medicina<br />
Veterinária da Universidade de Liége (Bélgica), em 1985.<br />
Foi assistente no Departamento de Nutrição durante 2<br />
anos, antes de ingressar no Hospital Veterinário da<br />
Universidade de Pensilvânia (Filadélfia, EUA) e, mais tarde,<br />
no Hospital Veterinário da Califórnia (Davis, EUA) onde<br />
realizou o doutorado e residência em Nutrição Clínica. Em<br />
1993, apresentou sua tese de doutorado em Nutrição, na<br />
Universidade da Califórnia, e obteve o diploma do Colégio<br />
Americano de Nutrição Veterinária. Em 1994, entrou para o<br />
Centro de Pesquisa <strong>Royal</strong> <strong>Canin</strong>, em Aimargues (França),<br />
como Diretor de Comunicação Científica e Nutricionista.<br />
Desde Janeiro de 1999, é o responsável pelo programa de<br />
pesquisa nutricional <strong>Royal</strong> <strong>Canin</strong>.<br />
pH urinário, estruvita e oxalato<br />
de cálcio<br />
Em meados dos anos 80 a descoberta de que um pH<br />
urinário alcalino (pH >6,5) constituía o principal fator<br />
da patofisiologia dos cristais e cálculos de estruvita,<br />
levou a indústria a reformular as suas dietas (1,2). De<br />
PONTO DE VISTA ROYAL CANIN<br />
PONTOS-CHAVE<br />
➧ A forma mais fácil de reduzir a supersaturação<br />
urinária e, consequentemente, os riscos de<br />
formação de cristais, é aumentar o volume da urina.<br />
➧ O aumento do teor de cloreto de sódio (NaCl) na dieta<br />
aumenta a ingestão de água, bem como, a produção<br />
de urina e diminui a supersaturação urinária.<br />
➧ Pode ser formulada uma única dieta acidificante,<br />
moderadamente suplementada com NaCl, tanto<br />
para a prevenção de urólitos de estruvita e de<br />
oxalato de cálcio, como para a dissolução de<br />
cálculos de estruvita.<br />
acordo com os especialistas, a generalização das<br />
chamadas “dietas acidificantes” conseguiu induzir uma<br />
diminuição assinalável da prevalência de gatos com<br />
sinais de obstrução uretral levados às clínicas veterinárias<br />
(1). Por outro lado, também iniciaram-se os debates<br />
dentro da comunidade veterinária sobre os potenciais<br />
riscos para a saúde, associados à superacidificação (2).<br />
O fato é que a patofisiologia dos urólitos de OxCa não foi<br />
ainda totalmente elucidada e que a sua associação às<br />
dietas acidificantes pode resultar da confusão com<br />
outros fatores, como o aumento da esperança de vida<br />
dos animais de companhia, bem como de alterações<br />
introduzidas na formulação dos alimentos ao longo<br />
deste período(3). Além disso, esta associação não se<br />
aplica aos cães, para os quais as dietas acidificantes são<br />
muito menos comuns.<br />
Vol 17 No 1 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / 41
PONTO DE VISTA ROYAL CANIN<br />
Figura 1.<br />
Zonas de supersaturação relativa (RSS). (modificado a partir de 7)<br />
Contrariamente aos cristais de estruvita, a solubilidade dos cristais<br />
de oxalato é muito reduzida. No caso do OxCa, é quase impossível<br />
obter um valor de RSS inferior a 1.<br />
RSS<br />
OxCa 12<br />
Estruvita<br />
2,5<br />
Com base em estudos epidemiológicos que associam o<br />
potencial das dietas acidificantes aos riscos de formação<br />
de cálculos de OxCa, uma corrente de pesquisadores<br />
acredita que o pH urinário constitui o fator mais<br />
importante na prevenção da recorrência de urólitos de<br />
OxCa (4). De acordo com esta teoria, é impossível<br />
formular uma dieta que previna, simultaneamente, a<br />
formação de cálculos de estruvita e de OxCa, uma vez<br />
que o primeiro requer pH urinário baixo, enquanto o<br />
segundo requer pH mais alcalino.<br />
pH urinário e supersaturação relativa<br />
Considerado isoladamente, o pH da urina não permite<br />
avaliar o risco de formação de cristais de OxCa no trato<br />
urinário, sendo que a supersaturação urinária relativa<br />
(RSS) constitui uma ferramenta bem mais eficaz. Tratase<br />
do método utilizado com maior<br />
frequência em seres humanos e que já foi<br />
validado, tanto em urina canina, como felina<br />
(5), (Consultar artigo de B. Robertson e A.<br />
Stevenson, na página 37).<br />
A formação, crescimento e dissolução dos cristais<br />
urinários depende das concentrações dos<br />
minerais de que são compostos (ex: cálcio e<br />
oxalato) e passíveis de reagir livremente entre si<br />
(5). É possível calcular as frações de cálcio e<br />
oxalato. O produto das concentrações dessas<br />
frações livres denomina-se produto de<br />
atividade. Define-se a RSS de um determinado<br />
sal como a razão do produto de atividade,<br />
dividido pelo produto de solubilidade termodinâmica<br />
para o sal em questão.<br />
42 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / Vol 17 No 1<br />
SUPERSATURAÇÃO INSTÁVEL<br />
Cristalização espontânea<br />
Rápido crescimento de cristais<br />
Produto de formação<br />
SUPERSATURAÇÃO METASTÁVEL<br />
Sem dissolução de cristais<br />
Sem cristalização espontânea<br />
Produto de solubilidade<br />
SUB-SATURAÇÃO<br />
Sem cristalização<br />
Dissolução dos cristais<br />
RSS OxCa<br />
O produto de solubilidade termodinâmica consiste na<br />
quantidade máxima de um determinado sal que pode<br />
ser dissolvida num solvente (ex. água), a uma dada<br />
temperatura (ex. 37°C) e com um determinado pH<br />
(ex. 6.0).<br />
- RSS 1 significa que a urina se encontra supersaturada<br />
e que pode ocorrer formação de cristais, mas<br />
não a sua dissolução.<br />
Num meio complexo como a urina, é possível observar<br />
um RSS de OxCa ou de estruvita acima de 1, sem<br />
ocorrer precipitação espontânea de cristais (6), nível<br />
que se classifica como supersaturação metastável<br />
(Figura 1). Neste nível de saturação, os cristais de OxCa<br />
não se formam espontaneamente, mas podem surgir em<br />
presença de um núcleo.<br />
Com teores mais elevados de minerais na urina, os cristais<br />
produzem-se de forma espontânea em alguns minutos<br />
a horas e designa-se por supersaturação instável<br />
(Figura 1). O limite entre a supersaturação metastável e<br />
instável é denominado produto de formação. Estudos<br />
de precipitação cinética de urina demonstraram que a RSS<br />
do produto de formação se situa em 2,5 no caso da<br />
estruvita e em 12 para o OxCa. O cálculo do RSS, com base<br />
na urina de cães e gatos alimentados com dieta específica,<br />
pode ser utilizado para estudar o efeito exercido por<br />
esse alimento no potencial de cristalização da urina (5,6).<br />
Tanto as dietas comerciais, como experimentais, foram<br />
Dados individuais de 125 dietas<br />
RSS de OxCa reduzida apesar do pH baixo<br />
Alimento seco<br />
Alimento úmido<br />
Produto de<br />
formação<br />
pH urinário<br />
Produto de<br />
solubilidade<br />
5 5.5 6 6.5 7 7.5 8 8.5<br />
Figura 2.<br />
Relação entre o pH urinário e os cristais de oxalato de cálcio (OxCa) em gatos<br />
saudáveis.
DILUIÇÃO URINÁRIA- UM FATOR-CHAVE NA PREVENÇÃO DE URÓLITOS DE ESTRUVITA E DE OXALATO DE CÁLCIO<br />
avaliadas através deste método pelos nossos serviços no<br />
Centro WALTHAM de Nutrição Animal, assim como por<br />
outros pesquisadores. Como previsto, os estudos<br />
comprovaram que as dietas caninas e felinas podem ser<br />
formuladas para induzir urina sub-saturada (RSS
DILUIÇÃO URINÁRIA- UM FATOR-CHAVE NA PREVENÇÃO DE URÓLITOS DE ESTRUVITA E DE OXALATO DE CÁLCIO<br />
Figura 4.<br />
Relação entre a supersaturação relativa (RSS) do sódio dietético e do oxalato de cálcio<br />
(OxCa).<br />
RSS de OxCa<br />
cães saudáveis são também eficazes em cães com<br />
urólitos de OxCa. O maior teor de umidade diminuiu<br />
igualmente o RSS do OxCa em gatos com predisposição<br />
para a formação de cálculos (12).<br />
Estudos epidemiológicos conduzidos sobre os fatores<br />
dietéticos e a prevalência de cálculos de OxCa em cães e<br />
gatos apresentaram conclusões semelhantes quanto aos<br />
benefícios do sódio e do teor de umidade da dieta<br />
(2,13,14).<br />
Sódio dietético e excreção de cálcio<br />
A ligação entre o Na dietético e a excreção urinária de Ca<br />
levou a teoria que as dietas com teor elevado de sódio<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
1. Osborne CA, Kruger JM, Lulich JP, et al. Feline Lower Urinary Tract Diseases.<br />
In: Ettinger S & Feldman E (eds). Textbook of Veterinary Internal medicine.<br />
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2. Kirk CA, Ling GV, Franti CE, et al. Evaluation of factors associated with<br />
development of calcium oxalate urolithiasis in cats. J Am Vet Med Assoc<br />
1995; 207:1429-1434.<br />
3. Stevenson AE, Blackburn JM, Markwell PJ, et al. Nutrient intake and urine<br />
composition in calcium oxalate stone-forming dogs: comparison with<br />
healthy dogs and impact of dietary modification. Vet Ther 2004; 5: 218-231.<br />
4. Bartges JW, C Kirk, IF Lane. Update: management of calcium oxalate<br />
uroliths in dogs and cats. Vet Clin North Am Small Anim Pract 2004; 34:<br />
969-987.<br />
5. Robertson WG, Jones JS, Heaton MA, et al. Predicting the crystallisation<br />
potential of urine from cats and dogs with respect to calcium oxalate and<br />
magnesium ammonium phosphate (struvite). J Nutr 2002; 132: 1637s-<br />
1641s.<br />
6. Markwell PJ, Smith BHE, McCarthy KP. A non-invasive method for assessing<br />
the effect of diet on urinary calcium oxalate and struvite relative<br />
supersaturation in the cat. Animal Technology 1999; 50: 61-67.<br />
7. Stevenson AE, Markwell P. A comparison of urine parameters produced by<br />
healthy Labradors and Miniature Schnauzers. Am J Vet Res 2001; 62: 1782-<br />
1786.<br />
44 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / Vol 17 No 1<br />
Na < 0,5% Na > 0,5%<br />
20<br />
18<br />
Alimento seco Alimento úmido<br />
16<br />
14<br />
Produto de<br />
12<br />
formação<br />
10<br />
8<br />
6<br />
Produto de<br />
4<br />
solubilidade<br />
2<br />
0<br />
0.00 0.20 0.40 0.60 0.80 1.00 1.20 1.40 1.60 1.80 2.00<br />
Na Dietético (% MS)<br />
poderiam promover a formação de cálculos<br />
de oxalato de cálcio em cães e em gatos,<br />
recomendando-se, por isso, a incorporação<br />
de baixo teor de Na (1,11) nos alimentos<br />
formulados para o manejo da DTUI. Apesar<br />
da maior ingestão de sódio estar associada<br />
ao aumento da excreção de cálcio, a concentração<br />
deste mineral não aumenta, devido<br />
ao acréscimo concomitante do volume<br />
urinário, sendo observada uma diminuição<br />
significativa do RSS de OxCa (11).<br />
Conclusão<br />
Foi demonstrado que o RSS constitui<br />
instrumento valioso para avaliar o efeito dos<br />
fatores dietéticos na saturação urinária. No<br />
entanto, são necessários estudos mais<br />
aprofundados para compreender a<br />
patofisiologia dos urólitos de OxCa, as variações<br />
individuais e as especificidades das raças, bem como,<br />
para descobrir outras estratégias que possam influenciar<br />
as concentrações em minerais da urina.<br />
Tanto os nossos resultados, como os estudos publicados,<br />
sugerem fortemente que o aumento do teor de umidade<br />
e/ou de NaCl em dieta acidificante, reduz os riscos de<br />
formação de cristais de OxCa e de estruvita (3,7,10-12). Até<br />
à data, não existem dados publicados que sustentem um<br />
eventual efeito nocivo desta estratégia nutricional em gatos<br />
saudáveis.<br />
8. Burger I, Anderson RS, Holme DW. Nutritional factors affecting water<br />
balance in dog and cat. In: Anderson RS (ed). Nutrition of the Cat and Dog.<br />
Pergamon Press, Oxford 1980, pp. 145-156.<br />
9. Biourge V, Devois C, Morice G, et al. Increased Dietary NaCl significantly<br />
increases urine volume but does not increase urinary calcium oxalate<br />
supersaturation in healthy cats. Proceedings of the 19th American<br />
Congress of Veterinary Internal Medicine, Denver, Colorado, 2001, pp. 866.<br />
10. Hawthorne AJ, Markwell PJ. Dietary sodium promotes increased water<br />
intake and urine volume in cats. J Nutr 2004; 134: 2128s-2129s.<br />
11. Lulich JP, Osborne CA, Sanderson SL. Effects of dietary supplementation<br />
with sodium chloride on urinary relative supersaturation with calcium<br />
oxalate in healthy dogs. Am J Vet Res 2005; 66: 319-324.<br />
12. Lulich JP, Osborne CA, Lekcharoensuk C, et al. Effects of diet on urine<br />
composition of cats with calcium oxalate urolithiasis. J Am Anim Hosp<br />
Assoc 2004; 40: 185-191.<br />
13. Lekcharoensuk C, Osborne CA, Lulich JP, et al. Association between<br />
dietary factors and calcium oxalate and magnesium phosphate<br />
urolithiasis in cats. J Am Vet Med Assoc 2001; 219:1228-1237.<br />
14. Lekcharoensuk C, Osborne CA, Lulich JP, et al. Associations between dry<br />
dietary factors and canine calcium oxalate. Am J Vet Res 2002; 63:330-<br />
337.
Sal, hipertensão<br />
e doença renal crônica<br />
Scott A. Brown, VMD, PhD, Dipl. ACVIM<br />
Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade da<br />
Geórgia, Athens, Geórgia, EUA<br />
O Dr. Brown é formado em Medicina Veterinária em 1982, na<br />
Universidade da Pensilvânia. Completou internato e<br />
residência em Medicina Interna de Pequenos Animais no<br />
Hospital Escolar da Universidade da Geórgia, em 1986. Em<br />
1987 obteve a certificação em Medicina Interna pelo Colégio<br />
Americano de Medicina Interna Veterinária. Entre 1984 e<br />
1989, o Dr. Brown concluiu seu Doutorado em Patofisiologia<br />
Renal, na Universidade da Geórgia. Desde 1989 faz parte do<br />
corpo docente desta Universidade, com cargo conjunto nos<br />
Departamentos de Fisiologia e de Medicina de Pequenos<br />
Animais, onde é atualmente Professor de Fisiologia. As suas<br />
áreas de interesse na pesquisa incidem na progressão da<br />
doença renal crônica e na hipertensão sistêmica.<br />
Foi sugerido que em gatos com doença renal crônica<br />
(DRC) possa existir relação entre a pressão sanguínea<br />
elevada, aporte excessivo de sal (NaCl) e a expansão do<br />
volume de fluído extracelular. O sódio e o cloro são os<br />
principais eletrólitos do fluído extracelular e, de uma<br />
forma geral, restritos a este compartimento de fluído.<br />
Deste modo, alterações no teor corporal total de NaCl<br />
irão eventualmente conduzir a alterações correspondentes<br />
no volume de fluído extracelular. Como o<br />
volume de fluído extracelular constitui fator<br />
determinante no valor da pressão sanguínea, a<br />
regulação do teor corporal de NaCl é fator central no<br />
controle da pressão arterial. Em virtude da<br />
importância do teor corporal de NaCl torna-se evidente<br />
a complexidade do seu equilíbrio, que depende de<br />
mecanismos de regulação renais, hormonais e neurais.<br />
As alterações do teor corporal de NaCl são devidas à<br />
diferenças entre o aporte e a excreção. Infelizmente, a<br />
regulação fisiológica do aporte gastrintestinal e da<br />
excreção fecal é muito reduzida. Por causa disso,<br />
os mecanismos centrais de regulação do sódio<br />
localizam-se nos rins, nos quais variações do aporte de<br />
NaCl conduzem a alterações compensatórias da<br />
excreção urinária (1). Apesar da capacidade do rim<br />
para manter o equilíbrio do teor corporal total de NaCl<br />
se tratar de um mecanismo renal inerente, pode ser<br />
modulada por uma variedade de fatores neurohumorais<br />
e por processos patológicos. Por exemplo, existem<br />
sensores de volume nos átrios, no ventrículo direito,<br />
e em inúmeros vasos sanguíneos. A distensão<br />
destes receptores de volume (geralmente, devido à<br />
expansão do volume de fluído extracelular) provoca um<br />
aumento da excreção renal de sódio, mediada pela<br />
secreção da hormônio natriurético atrial e, também, por<br />
alteração da atividade nervosa renal. Existem,<br />
adicionalmente, outros fatores hormonais que<br />
modulam o controle renal de NaCl. É neste grupo de<br />
fatores que se incluem a angiotensina e a aldosterona,<br />
ambas responsáveis por um decréscimo da excreção<br />
renal de sódio.<br />
Assim como foi referido anteriormente, os gatos com<br />
DRC apresentam uma elevada prevalência de<br />
hipertensão sistêmica (2,3). Uma vez que a alteração da<br />
função renal pode influenciar a pressão sanguínea<br />
através dos efeitos exercidos sobre a excreção de<br />
sódio e sobre a homeostase dos fluídos corporais, tem<br />
Vol 17 No 1 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / 45
SAL, HIPERTENSÃO E DOENÇA RENAL CRÔNICA<br />
sido colocada a hipótese de que a suplementação da<br />
dieta com sal poderia agravar a hipertensão em gatos<br />
com DRC, através da indução de uma expansão de<br />
volume.<br />
Efetivamente já foram estudados os efeitos da ingestão<br />
de sódio dietético sobre a pressão sanguínea. Em várias<br />
linhagens de ratos que apresentavam redução da massa<br />
renal, o consumo de teores elevados de NaCl<br />
aumentou a pressão arterial, efeito que se designa por<br />
sensibilidade ao sal (4). No entanto, algumas linhagens<br />
de ratos são insensíveis ao sal (5), porque os seus rins<br />
conseguem compensar as alterações na ingestão de<br />
NaCl impedindo assim, oscilações da pressão sanguínea.<br />
Curiosamente, a maioria das pessoas revela<br />
também relativa insensibilidade ao sal. Estudos<br />
realizados em cães saudáveis demonstraram que o<br />
aumento da ingestão de NaCl de 8 para 120mol/kg<br />
não afeta a pressão sanguínea, sugerindo que os cães<br />
saudáveis são insensíveis ao sal (6). Este fato significa<br />
que, nestes animais, a regulação renal do teor corporal<br />
total de NaCl é eficiente e capaz de responder<br />
adequadamente a alterações no consumo de sal.<br />
Embora se pudesse pressupor que os cães com DRC<br />
fossem eventualmente sensíveis ao sal, alguns estudos<br />
experimentais em cães com azotemia induzida,<br />
semelhante às Fases II e III da DRC definidas pela IRIS,<br />
indicaram não ser esse o caso (7), uma vez que a<br />
variação da ingestão de NaCl não afetou a pressão<br />
sanguínea destes animais. Embora seja provável a<br />
ocorrência de variação animal individual, devida a<br />
fatores genéticos, ambientais e patológicos, os cães<br />
saudáveis e os cães nas fases I-III da DRC não parecem<br />
ser particularmente sensíveis ao sal.<br />
E quanto aos gatos com DRC? Serão sensíveis ao sal assim<br />
como acontece com algumas linhagens de ratos, ou se<br />
assemelharão mais aos cães e aos seres humanos?<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
1. Brown SA, Brown CA, Jacobs G, et al. Effects of the angiotensin converting enzyme<br />
inhibitor benazepril in cats with induced renal insufficiency. Am J Vet Res 2001; 62:<br />
375-383.<br />
2. Elliott J, Barber PJ, Syme HM, et al. Feline hypertension: clinical findings and response<br />
to antihypertensive treatment in 30 cases. J Small Anim Pract 2001; 42: 122-129.<br />
3. Syme HM, Barber PJ, Markwell PJ, et al. Prevalence of systolic hypertension in cats<br />
with chronic renal failure at initial evaluation. J Am Vet Med Assoc 2002; 220: 1799-<br />
1804.<br />
4. Sterzel R, Luft FC, Gao Y, et al. Renal disease and the development of hypertension in<br />
salt-sensitive Dahl rats. Kidney Int 1988; 33: 1119-1129.<br />
5. Rapp JP. Development of inbred Dahl salt-sensitive and inbred Dahl salt-sensitive rats.<br />
Hypertension 1987; 9 Suppl 1: I-21-I-23.<br />
6. Krieger JE, Liard JF, Cowley AW. Hemodynamics, fluid volume, and hormonal<br />
responses to chronic high-salt intake in dogs. Am J Physiol 1990; 259: H1629- H1636.<br />
7. Greco DS, Lees GE, Dzendzel G, et al. Effects of dietary sodium intake on blood<br />
46 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / Vol 17 No 1<br />
Recentemente, um estudo experimental conduzido em<br />
gatos, sobre azotemia induzida num grau semelhante ao<br />
das Fases II e III da DRC (IRIS), a alteração na ingestão de<br />
sal não produziu qualquer efeito sobre a pressão<br />
sanguínea (8). Além disso, o nível mais baixo de consumo<br />
de NaCl foi associado aos valores mais reduzidos para a<br />
TFG (taxa de filtração glomerular), à caliurese<br />
hipocalêmica inadequada e à ativação do sistema reninaangiotensina-aldosterona.<br />
Estes resultados de insensibilidade<br />
ao sal da pressão sanguínea foram espantosamente<br />
semelhantes aos observados em gatos saudáveis (8).<br />
Analisados em conjunto, os estudos conduzidos em cães e<br />
gatos sugerem que em ambas as espécies, nem a pressão<br />
sanguínea, nem a hipertensão sistêmica são sensíveis ao<br />
sal. Uma vez que ambos os grupos objetos de estudo<br />
apresentavam azotemia semelhante à encontrada na Fase<br />
III, ou numa fase mais precoce da DRC, será necessário<br />
realizar estudos adicionais para determinar se os gatos ou<br />
os cães na Fase IV da DRC evidenciam, igualmente,<br />
uma insensibilidade ao sal.<br />
Não foi surpreendente constatar que a restrição alimentar<br />
de NaCl ativa o eixo renina-angiotensina-aldosterona em<br />
gatos com DRC, uma vez que este sistema hormonal age<br />
no sentido de impedir alterações no equilíbrio do sódio<br />
corporal. Enquanto a ativação deste sistema hormonal<br />
minimiza os efeitos da restrição de sal sobre a pressão<br />
sanguínea, a angiotensina II (9,10) e a aldosterona (11,12)<br />
podem provocar fibrose cardíaca e renal contribuindo<br />
para a progressão da DRC. Deve prestar-se especial<br />
atenção aos efeitos potencialmente nocivos da ativação<br />
deste sistema hormonal nos pacientes. Assim, sempre que<br />
seja preconizada ingestão reduzida de NaCl, deve<br />
considerar-se a administração de inibidores do eixo<br />
renina-angiotensina-aldosterona, tais como os IECA’s<br />
(inibidores da enzima conversora da angiotensina) e/ou os<br />
antagonistas dos receptores da aldosterona ou da<br />
angiotensina II.<br />
pressure measurements in partially nephrectomized dogs. Am J Vet Res 1994; 55:<br />
160-165.<br />
8. Buranakarl C, Mathur S, Brown SA. Effects of dietary sodium chloride intake on renal<br />
function and blood pressure in cats with normal and reduced renal function. Am J Vet<br />
Res 2004; 65: 620-627.<br />
9. Mezzano SA, Aros CA, Droguett A, et al. Renal angiotensin II up-regulation and<br />
myofibroblast activation in human membranous nephropathy. Kidney Int Suppl 2003,<br />
pp. 39-45.<br />
10. Weber KT, Brilla CG. Myocardial fibrosis and the reninangiotensin-aldosterone<br />
system. J Cardiovasc Pharmacol 1992; 20 Suppl 1: 48-54.<br />
11. Sato A, Saruta T. Aldosterone-induced organ damage: plasma aldosterone leveland<br />
inappropriate salt status. Hypertens Res 2004; 27: 303-310.<br />
12. Zhou X, Ono H, Ono Y, et al. Aldosterone antagonism ameliorates proteinuria and<br />
nephrosclerosis independent of glomerular dynamics in L-NAME/SHR model. Am J<br />
Nephrol 2004; 24: 242-249.
✂<br />
• Em geral, os cálculos são brancos ou amarelos e<br />
duros; transformam-se em pó quando triturados.<br />
Cristal de diidrato de<br />
oxalato de cálcio<br />
ESTRUVITA<br />
Cristais de estruvita Cálculos de estruvita<br />
OXALATO DE CÁLCIO<br />
Cálculos de<br />
oxalato de cálcio<br />
• Os cálculos apresentam frequentemente<br />
contornos bastante irregulares.<br />
Cristais de monoidrato<br />
de oxalato de cálcio<br />
Cristais de cistina Cálculos de cistina<br />
Cristais de urato Cálculos de urato<br />
Fêmea ≥ Macho<br />
2 a 6 anos de idade<br />
Sem predisposição racial<br />
Gatos de interior<br />
Obesidade<br />
Esterilização<br />
• Os cristais de estruvita podem<br />
ser um dos componentes dos<br />
plugs uretrais.<br />
GUIA DESTACÁVEL<br />
Atlas de sedimento urinário<br />
PONTOS-CHAVE<br />
➧ A urina deve ser avaliada imediatamente após sua<br />
coleta.<br />
➧ Habitualmente, a urina apresenta quantidades<br />
reduzidas de cristais.<br />
➧ Um gato pode ter cálculos, sem presença de cristais.<br />
➧ Na urolitíase, o tipo de cristais observado pode não<br />
refletir o tipo de cálculo presente.<br />
C á l c u l o s n ã o r a d i o p a c o s C á l c u l o s r a d i o p a c o s<br />
CISTINA<br />
URATO DE AMÔNIO<br />
➧ Um estudo demonstrou que 92% das amostras urinárias<br />
evidenciam cristais quando analisadas 24 horas após a<br />
coleta, versus 24% quando observadas imediatamente.<br />
➧ A viagem de carro até à clínica é suficiente para<br />
aumentar o pH urinário do gato. De fato, o pH da urina<br />
sofre alterações por ação do stress, podendo sofrer um<br />
acréscimo de 1,4 em consequência da alcalose<br />
induzida pela hiperventilação.<br />
Predisposição e idade média de ocorrência<br />
Gato<br />
Gato<br />
Fêmea ≥ Macho<br />
7 a 9 anos de idade<br />
Persa / Burmês<br />
Gatos de interior<br />
Obesidade<br />
Esterilizado<br />
Cão<br />
Fêmea >> Macho<br />
2 a 8 anos de idade<br />
Schnauzer Miniatura /<br />
Cocker Spaniel / Bichon Frise / Shih<br />
Tzu / Yorkshire Terrier /<br />
Poodle Miniatura<br />
• Associado a infecções do trato<br />
urinário em cães.<br />
Cão<br />
Macho >> Fêmea<br />
5 a 12 anos de idade<br />
Schnauzer Miniatura /<br />
Lhasa Apso / Yorkshire Terrier /<br />
Caniche Miniatura / Bichon Frise<br />
• Cristal de monoidrato; frequentemente associado a intoxicação<br />
por etilenoglicol.<br />
Gato<br />
Macho > ou = Fêmea<br />
± 3,5 anos de idade<br />
(4 meses a 12 anos)<br />
Nenhum<br />
Cão<br />
Macho > Fêmea<br />
± 5 anos de idade (1 a 8 anos)<br />
Teckel / Bulldog Inglês /<br />
Terra Nova / Staffordshire Bull Terrier /<br />
Welsh Corgi / Basset Hound<br />
• Pode estar associado a um distúrbio de reabsorção tubular renal.<br />
Gato<br />
Sem predisposição<br />
Cão<br />
Macho > Fêmea<br />
Se não existir shunt porto-sistêmico, em caso contrário<br />
Macho = Fêmea<br />
± 3,5 anos de idade sem shunt<br />
> 1 ano com shunt<br />
Dálmata / BulLdog Inglês /<br />
Schnauzer Miniatura<br />
• Observado com frequência em animais com doença hepática ou<br />
shunt porto-sistêmico.<br />
Vol 17 No 1 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / 47
ATLAS DE SEDIMENTO URINÁRIO<br />
48 / / Veterinary <strong>Focus</strong> / / Vol 17 No 1<br />
Cilindro hialino Bilirrubina<br />
Leucócitos Eritrócitos Células epiteliais transitórias Células transitórias neoplásicas<br />
Aumento de leucócitos<br />
- infecção do trato urinário<br />
- urolitíase<br />
- neoplasia<br />
Aumento de eritrócitos<br />
- cistite<br />
- urolitíase<br />
- trauma (cistocentese, etc.)<br />
- contaminação (próstata, prepúcio)<br />
Células epiteliais transitórias<br />
- infecção<br />
- neoplasia<br />
Aumento de cilindros leucocitários<br />
- pielonefrite<br />
- nefrite intersticial<br />
Fosfato de cálcio amorfo: formação em<br />
pH neutro e alcalino, podem ser observados na<br />
urina de gatos saudáveis.<br />
Tirosina: formação em pH ácido.<br />
Situação rara e sempre anômala. Indica<br />
a presença de doença hepática.<br />
NORMAL<br />
• Baixo número de eritrócitos e leucócitos.<br />
• Escassas células epiteliais escamosas ou cilindros hialinos.<br />
• Presença de cristais de bilirrubina na urina canina<br />
concentrada, sobretudo em machos. A presença deste tipo<br />
de cristais em gatos é sempre uma situação anômala.<br />
PATOLÓGICO<br />
CRISTAIS ATÍPICOS<br />
Fosfato de cálcio – brushita:<br />
formação em pH ácido, pouco comum.<br />
Sulfonamida – metabolitos urinários:<br />
formação em pH ácido e neutro.<br />
Aumento de cilindros eritrocitários<br />
- glomerulonefrite<br />
- trauma<br />
Aumento de cilindros hialinos<br />
- febre<br />
- doença glomerular primária<br />
- congestão passiva do rim<br />
Bactérias<br />
- infecção (especialmente, se a presença de bactérias<br />
estiver associada a um aumento de leucócitos)<br />
- contaminação<br />
- amostra exposta durante excessivo tempo à<br />
temperatura ambiente, antes da análise.<br />
Xantina: formação em pH ácido e neutro.<br />
Situação rara e sempre anômala. Poderá resultar<br />
da administração de alopurinol.<br />
Carbonato de cálcio:<br />
formação em pH neutro e alcalino. Muito raro.<br />
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