JBG 4 - 2005 - Colecistite aguda.p65
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MARTA CARVALHO GALVÃO<br />
ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO<br />
Marta Carvalho Galvão<br />
Chefe do Serviço de Radiologia do Hospital São Zacharias do Hospital Geral da Santa Casa Misericórdia do Rio de Janeiro.<br />
Professora Assistente de Radiologia da Faculdade de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques e da Universidade Gama Filho.<br />
Médica staff da 18ª Enfermaria do Hospital Geral da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Radiologista do Hospital da Lagoa, Rio de<br />
Janeiro. Mestre em Radiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Membro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia.<br />
INTRODUÇÃO<br />
A colecistite <strong>aguda</strong> desenvolve-se como resultado de<br />
um obstáculo mecânico ao esvaziamento da vesícula<br />
biliar, representando, portanto, uma enfermidade de caráter<br />
obstrutivo. A infecção pode sobrevir como complicação<br />
em 50% dos casos, mas freqüentemente não é o<br />
determinante inicial. Na maioria das situações (90% dos<br />
casos), o fator obstrutivo é representado pelo cálculo<br />
vesicular (colelitíase) (Figura 1) que obstrui o infundíbulo<br />
da vesícula ou o ducto cístico.<br />
A estase biliar conseqüente favorece a concentração<br />
da bile, que promove a liberação da fosfolipase pela<br />
mucosa, dando início a alterações histológicas que se<br />
tornam relevantes cerca de 6 a 8 horas após o evento<br />
obstrutivo, quando surgem distensão, congestão e<br />
edema da vesícula. Há rompimento da camada de<br />
glicoproteína da mucosa, expondo o epitélio à ação direta<br />
da bile; isto desencadeia a liberação de prostaglandinas<br />
e outros mediadores da inflamação, levando<br />
ao acúmulo de líquido intraluminal.<br />
A fosfolipase promove a transformação de lecitina<br />
(constituinte normal da bile) em liso-lecitina, que, ao<br />
agredir a parede vesicular, determinará alterações e<br />
complicações de variados graus, podendo culminar com<br />
isquemia, necrose, infecção da bile (que pode levar a<br />
empiema) e infecção da parede vesicular, via seios de<br />
Rokitanski-Aschoff (que são invaginações da mucosa<br />
através da parede vesicular), complicando-se com abscessos<br />
intramurais.<br />
Cerca de 20% da população geral desenvolve cálculo<br />
vesicular ao longo da vida, incidência que aumenta<br />
com a idade, sendo duas vezes mais freqüente em mulheres.<br />
O protótipo dos pacientes com colecistite <strong>aguda</strong><br />
é representado por mulher obesa, com mais de 40 anos,<br />
freqüentemente multípara, que apresenta colelitíase e<br />
em geral tem antecedentes de cólica biliar. O Quadro 1<br />
relaciona os principais fatores de risco para colelitíase.<br />
<strong>Colecistite</strong> <strong>aguda</strong><br />
Acute cholecystitis<br />
Figura 18.1 – Ultra-sonografia da vesícula. Imagem hiperecóica com<br />
sombra acústica posterior. Colelitíase.<br />
Fig. 1 – Ultra-sonografia da vesícula. Imagem hiperecóica com sombra<br />
acústica posterior. Colelitíase<br />
Quadro 1<br />
Fatores de risco para colelitíase<br />
• Obesidade<br />
• Redução rápida do peso corporal<br />
• Ressecção ou doença ileal<br />
• Hiperalimentação<br />
• Hipertrigliceridemia<br />
• Gravidez<br />
• Cirrose hepática<br />
• Hipotireoidismo<br />
• Hemólise<br />
Dos cálculos vesiculares, cerca de 80% a 90% são<br />
compostos por colesterol; os restantes 10% são pigmentados<br />
ou mistos. Eles resultam da deficiência dos<br />
estabilizantes biliares (ácidos biliares e lecitina) em relação<br />
aos solutos (colesterol, bilirrubina ou carbonato<br />
de cálcio). Isto leva à formação de estruturas cristalinas<br />
radiotransparentes (cálculos de colesterol) ou de variável<br />
radiopacidade (bilirrubinato de cálcio).<br />
Menos freqüentemente a colecistite <strong>aguda</strong> desenvolve-se<br />
na ausência de cálculos – colecistite alitiásica.<br />
166 <strong>JBG</strong>, J. bras. gastroenterol., Rio de Janeiro, v.5, n.4, p.166-174, out./dez. <strong>2005</strong>
Fig. 2 – Ultra-sonografia da vesícula. Vesícula biliar de paredes espessadas,<br />
apresentando material ecogênico no seu interior, sem sombra<br />
acústica posterior. Lama biliar<br />
Nesta eventualidade, a causa mais comum é a bile espessa<br />
– lama biliar –, que funciona como “rolha” no<br />
canal cístico. A lama biliar costuma acompanhar pacientes<br />
em jejum prolongado ou em alimentação parenteral,<br />
eventos favorecedores de estase biliar. A lama biliar (Figura<br />
2) é uma bile litogênica, contendo todos os elementos<br />
necessários à nucleação de cálculos, como<br />
mucina, glicoproteínas e cálcio.<br />
QUADRO CLÍNICO E APRESENTAÇÕES ESPECIAIS<br />
O Quadro 2 lista os principais sinais e sintomas da<br />
colecistite <strong>aguda</strong>. Em geral, a colecistite <strong>aguda</strong> é precedida<br />
por pelo menos um episódio de cólica biliar. O termo<br />
“cólica biliar”, que resulta da impactação do cálculo<br />
no ducto cístico ou infundíbulo da vesícula, é, de certa<br />
forma, impróprio, pois a escassez de musculatura na<br />
parede do ducto cístico previne contrações muito vigorosas<br />
deste. O que chamamos de cólica biliar é resultado,<br />
portanto, do espasmo funcional do cístico dilatado e<br />
obstruído. Esta dor, de média intensidade, é em geral<br />
sentida no epigástrio e freqüentemente desencadeada<br />
por ingesta alimentar rica em gorduras.<br />
O episódio é mais comumente noturno, quando a<br />
vesícula assume a posição horizontal facilitando a en-<br />
Quadro 2<br />
Quadro clínico da colecistite <strong>aguda</strong><br />
• Dor no QSD – ponto cístico<br />
• Febre (usualmente baixa)<br />
• Leucocitose com desvio à E (12.000)<br />
• Náuseas e vômitos<br />
• Anorexia<br />
• Sinal de Murphy<br />
• Massa palpável no QSD<br />
COLECISTITE AGUDA<br />
trada de cálculos no ducto cístico. O quadro é súbito,<br />
com intensidade que aumenta nos primeiros 10 a 15<br />
minutos e atinge um platô em 3 horas. A dor pode se<br />
irradiar para a região interescapular ou ombro direito.<br />
Vômitos e sudorese podem se associar. Se o cálculo<br />
desobstrui o ducto cístico e retorna para a luz vesicular,<br />
o episódio geralmente regride e a dor cessa. O cálculo<br />
pode ainda migrar em direção ao colédoco. Em ambas<br />
as situações há descompressão vesicular, podendo haver<br />
remissão completa dos sintomas ou progressão para<br />
outros quadros, como coledocolitíase e suas complicações.<br />
A crise de cólica biliar é tipicamente associada<br />
com testes laboratoriais normais.<br />
Do ponto de vista clínico pode ser confuso diferenciar<br />
entre um episódio em remissão, sem implicações inflamatórias<br />
significativas, de um quadro progressivo para<br />
colecistite <strong>aguda</strong>; no entanto. persistência da obstrução<br />
por mais de quatro horas geralmente dá início a um<br />
quadro mais intenso e grave de colecistite. Nesta circunstância,<br />
a dor desvia-se para o quadrante superior<br />
direito. Este desvio representa a mudança da dor visceral,<br />
mal localizada no epigástrio, fruto da impactação ductal<br />
por cálculo, para a dor parietal, localizada no ponto<br />
cístico, secundária, agora, à inflamação vesicular. Esta<br />
mudança de localização da dor pode requerer intervalo<br />
de várias horas. A dor pode ser agravada pela inspiração<br />
profunda. Ao exame físico o paciente queixa-se de<br />
hipersensibilidade no ponto vesicular (intersecção da linha<br />
hemiclavicular direita com o rebordo costal) e o<br />
clínico pode ter dificuldade em aprofundar a palpação.<br />
Súbita exacerbação da dor com suspensão da inspiração<br />
durante a compressão do ponto cístico é o que chamamos<br />
“sinal de Murphy”. É muito específico, embora<br />
esteja presente apenas em 50% dos pacientes.<br />
A febre na colecistite <strong>aguda</strong> é usualmente baixa (37º<br />
a 38ºC), e os pacientes estão anoréticos e nauseados.<br />
Febre mais elevada sugere complicações. Em 30% a<br />
40% dos casos, a vesícula pode ser sentida como massa<br />
no hipocôndrio direito, secundária à sua distensão<br />
<strong>aguda</strong>. Cerca de 15% dos pacientes apresentarão icterícia<br />
mesmo sem coledocolitíase. Algumas situações clínicas<br />
especiais merecem destaque por tratar-se de condições<br />
usualmente mais graves e que podem não<br />
corresponder à apresentação clássica da doença. Estas<br />
condições referem-se à colecistite enfisematosa, à<br />
colecistite gangrenosa, a forma alitiásica e a síndrome<br />
de Mirizzi.<br />
<strong>Colecistite</strong> gangrenosa refere-se a uma forma mais<br />
grave de inflamação em que ocorre necrose parietal,<br />
aumentando o risco de perfuração em mais de 10% dos<br />
casos. O sinal de Murphy é menos freqüentemente observado,<br />
pois pode haver denervação da parede vesicular<br />
(Figura 3).<br />
<strong>JBG</strong>, J. bras. gastroenterol., Rio de Janeiro, v.5, n.4, p.166-174, out./dez. <strong>2005</strong> 167
MARTA CARVALHO GALVÃO<br />
Fig. 3 – Ultra-sonografia da vesícula biliar e vesícula biliar apresentando<br />
em seu interior material denso (hemorragia) e membrana mucosa descolada.<br />
<strong>Colecistite</strong> <strong>aguda</strong> necrosante confirmada cirurgicamente.<br />
Fig. 4 – Ultrasonografia<br />
da<br />
vesícula biliar.<br />
Presença de<br />
imagens<br />
hiperecóicas no<br />
interior da<br />
vesícula, sem<br />
sombra acústica<br />
posterior. Sinal da<br />
Champagne.<br />
Paredes mal<br />
delimitadas.<br />
<strong>Colecistite</strong><br />
enfisematosa<br />
A forma enfisematosa da doença (Figura 4) é uma<br />
manifestação também mais grave, secundária à infecção<br />
por organismos produtores de gás, que, em 1/3 dos<br />
pacientes, é representado pelo Clostridium perfringens.<br />
É mais usual nos idosos, sobretudo nos portadores de<br />
Diabetes mellitus. A insuficiência vascular da vesícula<br />
parece ser o mecanismo principal. O risco de perfuração<br />
aqui aumenta em cinco vezes quando comparado a<br />
colecistite não complicada.<br />
A síndrome de Mirizzi deve ser suspeitada quando,<br />
além da constelação dos sintomas que compõem o quadro<br />
da colecistite <strong>aguda</strong>, sobrepõem-se sinais de obstrução<br />
da via biliar. Esta decorre da impactação do cálculo<br />
no ducto cístico com acentuada inflamação local<br />
que produz efeito de massa no ducto hepático comum.<br />
Esta síndrome deve ser reconhecida pré-operatoriamente<br />
em função do risco de o cirurgião ligar inadvertidamente<br />
o ducto hepático comum que emerge da massa inflamatória,<br />
confundindo-o com o ducto cístico.<br />
Finalmente, atenção especial merece a colecistite <strong>aguda</strong><br />
na ausência de cálculos (forma alitiásica) em função<br />
de sua apresentação por vezes atípica, de sua incidência<br />
relativamente alta (2% a 15% dos casos de colecistite<br />
Fig. 5 – Ultra-sonografia da vesícula biliar. Vesícula biliar de paredes<br />
espessadas (7,7 mm), sem cálculos no seu interior. O sinal de Murphy<br />
ultra-sonográfico foi positivo. Paciente HIV positivo. <strong>Colecistite</strong> alitiásica<br />
<strong>aguda</strong>) e, sobretudo, por poder acometer pacientes<br />
imunocomprometidos e com co-morbidades (Figura 5).<br />
Um estudo publicado pelo Centro de Trauma da Universidade<br />
de Maryland (EUA) reportou incidência de<br />
colecistite <strong>aguda</strong> alitiásica em 0,5% dos pacientes que<br />
permaneciam sob cuidados intensivos por mais de uma<br />
semana. Esta estatística parece relevante e orienta-nos<br />
a incluir a vesícula biliar como fonte potencial de sepse<br />
em qualquer paciente gravemente enfermo por tempo<br />
prolongado. Da mesma forma este diagnóstico deve ser<br />
lembrado nos pacientes vitimados de choque, onde a<br />
hipoperfusão da artéria cística pode culminar com<br />
colecistite <strong>aguda</strong> na ausência de cálculos.<br />
Por outra via, a estase biliar desencadeia dilatação<br />
da vesícula, reduzindo o fluxo parietal e levando à<br />
isquemia, que parece ser o principal fator implicado na<br />
etiopatogenia da colecistite alitiásica. A mucosa isquêmica<br />
torna-se mais vulnerável à injúria pelos ácidos<br />
biliares, sendo, portanto, a infecção um evento secundário<br />
também aqui.<br />
Tanto as complicações quanto a taxa de mortalidade<br />
(que chega a 6% a 7%) são maiores na forma alitiásica,<br />
devendo assim ser prontamente diagnosticada. Pacientes<br />
graves, em estado confusional ou em uso de narcóticos<br />
podem não manifestar dor no hipocôndrio direito,<br />
mas usualmente apresentarão febre e leucocitose. Já<br />
os pacientes externos têm, virtualmente todos, dor no<br />
ponto cístico e leucocitose. Destes pacientes extra-hospitalares,<br />
¾ são portadores de arterioesclerose grave.<br />
Existe uma série de condições que favorecem esta<br />
forma de colecistite, como mostra o Quadro 3.<br />
Importante ressaltar que nos pacientes HIV positivos<br />
a mais freqüente causa de colecistite <strong>aguda</strong> continua<br />
sendo a forma litiásica (70% dos casos), embora<br />
em menor proporção do que nos imunocompetentes.<br />
Assim, em tais pacientes, a ausência de colelitíase em<br />
168 <strong>JBG</strong>, J. bras. gastroenterol., Rio de Janeiro, v.5, n.4, p.166-174, out./dez. <strong>2005</strong>
Quadro 3<br />
Condições associadas à colecistite <strong>aguda</strong> alitiásica<br />
• Pacientes internados<br />
• Em uso de narcóticos<br />
• Em nutrição parenteral<br />
• Em ventilação mecânica<br />
• Traumatizados<br />
• Grandes queimados<br />
• Imunossuprimidos<br />
• Após choque hipovolêmico<br />
vigência de inflamação <strong>aguda</strong> da vesícula deve nos remeter<br />
ao citomegalovírus e ao criptosporídio como principais<br />
agentes, sendo o curso da doença alitiásica mais<br />
indolente, com manifestação mais sub<strong>aguda</strong> do que na<br />
forma litiásica. Os achados bioquímicos não são usualmente<br />
significativos, sendo a leucopenia achado comum.<br />
Estes pacientes, HIV positivos, apresentam-se usualmente<br />
com dor crônica no quadrante superior direito, metade<br />
deles tem febre, perda de peso e sinal de Murphy<br />
positivo, enquanto apenas ¼ tem náuseas.<br />
DIAGNÓSTICO POR IMAGEM<br />
Objetividade na avaliação, rapidez na definição do diagnóstico,<br />
visibilização direta do órgão suspeito e suas<br />
complicações, custo baixo e pouca intervenção no paciente<br />
fizeram da ultra-sonografia o método de eleição (padrão-ouro)<br />
nos pacientes com colecistite <strong>aguda</strong> suspeita,<br />
sendo freqüentemente o único procedimento necessário<br />
na confirmação do diagnóstico. Além disto é capaz de:<br />
• Redirecionar a investigação, diagnosticando patologias<br />
que mimetizam a colecistite <strong>aguda</strong>.<br />
• Rastrear complicações e diagnosticar formas graves<br />
que necessitem de pronta intervenção.<br />
• Determinar a extensão do processo inflamatório,<br />
fornecendo ao cirurgião um inventário pré-operatório,<br />
importante na abordagem laparoscópica.<br />
Devido à sua particular sensibilidade em avaliar os<br />
órgãos do quadrante superior direito (fígado, vias biliares,<br />
vesícula, pâncreas), regra geral consideramos a ultrasonografia<br />
o primeiro método a ser utilizado na avaliação<br />
da dor neste compartimento. Com relação à detecção<br />
dos cálculos vesiculares, principal agente etiológico da<br />
colecistite <strong>aguda</strong>, o Quadro 4 compara os diversos procedimentos<br />
e suas respectivas sensibilidades.<br />
A radiografia panorâmica do abdômen<br />
A radiografia panorâmica do abdômen é um método<br />
amplamente disponível nas emergências de praticamente<br />
todos os hospitais do País, além de ser procedimento<br />
seguro e barato. No entanto, não costuma trazer infor-<br />
COLECISTITE AGUDA<br />
Quadro 4<br />
Radiologia convencional × US × TC na detecção da litíase vesicular<br />
Método Sensibilidade<br />
RX 15% a 20%<br />
TC 80%<br />
US 96%<br />
mações relevantes no quadro de colecistite <strong>aguda</strong>. Devido<br />
à sua disponibilidade e por ser parte da investigação<br />
por imagem nos quadros abdominais agudos de difícil<br />
caracterização diagnóstica, é importante buscar e<br />
reconhecer achados, ainda que indiretos, de doença<br />
vesicular e/ou suas complicações.<br />
A sensibilidade na demonstração de cálculos na loja<br />
vesicular não ultrapassa 15% em razão da maioria dos<br />
cálculos vesiculares não serem radiopacos.<br />
Achados positivos de doença <strong>aguda</strong> são a demonstração<br />
de gás no hipocôndrio direito (Figura 6) contornando<br />
a parede da vesícula e a presença de massa com<br />
densidade de partes moles na loja vesicular, usualmente<br />
provocando rechaço inferior do ângulo hepático do<br />
cólon. (Figura 7). O primeiro achado é indicativo de colecistite<br />
enfisematosa, e o segundo sugere a presença de<br />
uma vesícula <strong>aguda</strong>mente distendida. Infelizmente, estes<br />
achados não são freqüentes o suficiente para tornar<br />
a radiografia panorâmica do abdômen um procedimento<br />
rotineiro com este fim.<br />
A presença de aerobilia em pacientes sem história<br />
prévia de manipulação da via biliar pode chamar a atenção<br />
para a presença de fístula bílio-digestiva que, associada<br />
à demonstração de cálculo radiopaco e obstrução<br />
intestinal, dá origem a uma tríade que culmina com o<br />
diagnóstico de íleo biliar. Estes cálculos, usualmente de<br />
tamanho superior a 2 cm, ganham a alça intestinal depois<br />
de erodir a parede vesicular.<br />
A demonstração de uma vesícula com paredes calcificadas<br />
(vesícula em porcelana), embora de interesse<br />
diagnóstico devido ao risco aumentado de carcinoma<br />
vesicular, é facilmente detectado pela radiografia simples,<br />
mas não se relaciona à colecistite <strong>aguda</strong>. (Figura 8).<br />
Se a colecistite <strong>aguda</strong> é o diagnóstico clínico mais<br />
provável, consideramos desnecessária a realização da<br />
radiografia panorâmica do abdômen fundamentalmente<br />
por não responder aos questionamentos aqui já descritos<br />
e por necessitar de método complementar que<br />
demonstre diretamente a vesícula e suas potenciais complicações<br />
locais.<br />
Ultra-sonografia do abdômen<br />
Tanto a ultra-sonografia quanto a colecintigrafia têm<br />
alta acurácia no diagnóstico de colecistite <strong>aguda</strong> litiásica,<br />
<strong>JBG</strong>, J. bras. gastroenterol., Rio de Janeiro, v.5, n.4, p.166-174, out./dez. <strong>2005</strong> 169
MARTA CARVALHO GALVÃO<br />
Fig. 6 –<br />
Radiografia do<br />
hipocôndrio e<br />
flanco direitos.<br />
Observa-se na loja<br />
da vesícula biliar<br />
imagem linear de<br />
hipertransparência,<br />
sugestiva de gás<br />
na parede vesicular.<br />
<strong>Colecistite</strong><br />
enfisematosa<br />
Fig. 7 – Topograma do abdômen. Nota-se massa com densidade de<br />
partes moles ocupando o hipocôndrio direito, condicionando rechaço inferior<br />
do ângulo hepático do cólon. Mesmo paciente da Figura 18.5 (HIV<br />
positivo com colecistite <strong>aguda</strong> alitiásica)<br />
no entanto a ultra-sonografia conquistou maior popularidade<br />
em função de fornecer maiores informações acerca<br />
das complicações locais da doença, como, por exemplo,<br />
o abscesso perivesicular (Figura 9), por ter mais<br />
baixo custo, ser de rápida execução e identificar melhor<br />
os diagnósticos alternativos, escaneando órgãos adjacentes,<br />
como fígado, pâncreas, vias biliares, rins etc.<br />
Vale salientar, no entanto, que nenhum outro método<br />
depende tanto da experiência do operador, estando portanto<br />
o diagnóstico diretamente relacionado à técnica<br />
Fig. 8 – Radiografia<br />
do hipocôndrio e<br />
flanco direitos.<br />
Na loja vesicular<br />
observa-se imagem<br />
de calcificação fina<br />
em toda a extensão<br />
da parede da vesícula<br />
biliar. Vesícula biliar<br />
“em porcelana”<br />
correta de execução. Alguns cuidados devem ser tomados<br />
na avaliação da vesícula biliar, como:<br />
• Idealmente, o paciente deve estar em jejum há 4<br />
a 6 horas, o que não é incomum em face da anorexia e<br />
náuseas que estes pacientes apresentam em vigência<br />
de doença <strong>aguda</strong>.<br />
• A vesícula deve ser avaliada em toda sua extensão,<br />
certificando-se para isto que foram examinados o<br />
fundo vesicular e a região do infundíbulo, onde não infreqüentemente<br />
podemos surpreender cálculos encravados.<br />
• Mobilize o paciente em diversos decúbitos, sobretudo<br />
em oblíqua posterior esquerda, o que facilita a<br />
mobilização do órgão e seu conteúdo, tornando possível<br />
sua visualização em longitudinal.<br />
• Se achar necessário mensurar o tamanho da<br />
vesícula, faça-o através da medida transversa, a qual<br />
Fig. 9 – Vesícula biliar parcialmente ocupada por material ecogênico,<br />
apresentando paredes, sobretudo na região fúndica, de difícil caracterização.<br />
Adjacente à vesícula (ântero-lateralmente), observa-se coleção<br />
sugestiva de abscesso perivesicular. <strong>Colecistite</strong> <strong>aguda</strong>, complicada<br />
com abscesso<br />
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não deve ultrapassar 4 cm em diâmetro.<br />
• A parede vesicular deve ser medida em sua porção<br />
que toca o parênquima hepático, não devendo ultrapassar,<br />
em condições normais, com boa distensibilidade,<br />
3 mm.<br />
• Nas complicações, quando o leito vesicular pode<br />
tornar-se de difícil caracterização, lembre-se de examinálo<br />
através da fissura hepática principal, ou no trajeto da<br />
veia hepática média.<br />
• Avalie o entorno da vesícula, buscando coleções,<br />
microabscessos hepáticos e a presença de fístulas ou<br />
perfurações.<br />
• As vias biliares devem ser cuidadosamente examinadas<br />
quanto à presença de dilatações, aerobilia e<br />
cálculos no seu interior, situações que podem acompanhar<br />
o quadro agudo. O hepatocolédoco pode ser avaliado<br />
utilizando-se inclusive a vesícula distendida como<br />
janela acústica.<br />
• Pesquise o sinal do “Murphy ultra-sonográfico”,<br />
comprimindo a loja vesicular e solicitando ao paciente<br />
que inspire profundamente. A inflamação <strong>aguda</strong>, acompanhada<br />
de dor, o impedirá de concluir a respiração. O<br />
ponto cístico situa-se na intersecção da linha hemiclavicular<br />
direita com o rebordo costal.<br />
• A presença de lama biliar e/ou cálculos deve ser<br />
relatada no laudo. Em relação aos cálculos devemos informar<br />
ao cirurgião seu número, localização (ducto cístico,<br />
infundíbulo), tamanho e mobilidade. Na abordagem<br />
laparoscópica, o inventário pré-operatório completo traz<br />
ao cirurgião mais confiança e conforto durante o procedimento.<br />
A presença dos cálculos pode, além disto, atestar<br />
a indicação da colecistectomia caso os achados patológicos<br />
não sejam consistentes com inflamação <strong>aguda</strong>.<br />
• Por fim, proceda, como deve ser o costume, a<br />
uma avaliação geral do abdômen, pois seu paciente será<br />
encaminhado a um procedimento cirúrgico, e achados<br />
passíveis de diagnóstico ultra-sonográfico não devem<br />
surpreender o cirurgião.<br />
O Quadro 5 classifica os cálculos vesiculares em relação<br />
a seu tamanho. Esta classificação serve para normalizar<br />
a descrição, e todos os ultra-sonografistas deveriam<br />
adotá-la como rotina. A microlitíase (Figura 10)<br />
é entendida como cálculos com menos de 3 mm de diâmetro<br />
e não deve ser confundida com lama biliar. Chamamos<br />
lama biliar a suspensão de muco, bilirrubinato<br />
de cálcio e cristais de colesterol, que à ultra-sonografia<br />
têm a aparência de uma camada com baixa amplitude<br />
de ecos que não forma sombra acústica posterior, podendo<br />
fazer nível bile-lama. Hoje está definida a associação<br />
entre lama biliar, cálculo e colecistite <strong>aguda</strong>.<br />
O achado mais consistente de colecistite <strong>aguda</strong> é a<br />
presença da tríade composta por colelitíase, espessamento<br />
da parede vesicular (Figura 11) e o Murphy<br />
COLECISTITE AGUDA<br />
ultra-sonográfico (reprodução do sinal de Murphy com<br />
a compressão da vesícula realizada pelo transdutor). O<br />
valor preditivo positivo desta tríade alcança 95%. É importante,<br />
no entanto, ressaltar que estes sinais, isoladamente,<br />
não guardam especificidade, devendo ser valorizados<br />
no contexto da doença <strong>aguda</strong>.<br />
A parede da vesícula biliar mede menos que 2 mm<br />
de espessura em cerca de 97% dos pacientes normais,<br />
sendo seu espessamento acima de 4 mm indício de inflamação.<br />
No entanto, existe uma série de situações em<br />
que este dado não tem valor clínico para o diagnóstico<br />
de colecistite <strong>aguda</strong>, tal qual mostra o Quadro 6.<br />
Com a popularização da colecistectomia laporoscópica<br />
tem-se buscado identificar, pré-operatoriamente, situações<br />
que possam prever o risco potencial de conversão<br />
para cirurgia convencional, o que é relevante se considerarmos<br />
o custo destes procedimentos e a experiência<br />
de quem realiza a cirurgia.<br />
A ultra-sonografia tem-se mostrado, como atestam<br />
publicações recentes, de valor para este fim, através da<br />
identificação do espessamento da parede vesicular e<br />
presença de líquido pericolecístico; achados estes<br />
indicativos do aumento das dificuldades técnicas, prolongamento<br />
do tempo de preparo laparoscópico (expo-<br />
Quadro 5<br />
Classificação dos cálculos biliares em relação ao tamanho<br />
Classificação Tamanho<br />
Microcálculos < 3 mm<br />
Cálculos pequenos 3 a 5 mm<br />
Cálculos médios 5 a 10 mm<br />
Cálculos grandes > 10 mm<br />
Fig. 10 – Ultra-sonografia da vesícula biliar. Após repetidas compressões<br />
do hipocôndrio direito e sucessivas mudanças de decúbitos, notamos<br />
múltiplas pequenas imagens hiperecóicas que flutuam na bile.<br />
Vesícula biliar de paredes espessadas. Paciente com história pregressa<br />
de pancreatite <strong>aguda</strong> recorrente idiopática. <strong>Colecistite</strong> <strong>aguda</strong> e microcálculos<br />
vesiculares<br />
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MARTA CARVALHO GALVÃO<br />
Fig. 11 – Ultra-sonografia da vesícula. Vesícula biliar de paredes espessadas,<br />
laminadas, apresentando lama biliar e cálculos no seu interior.<br />
Paciente com sinal de Murphy ultra-sonográfico positivo e sinais clínicos<br />
de coleciste <strong>aguda</strong>. <strong>Colecistite</strong> <strong>aguda</strong> litiásica<br />
Quadro 6<br />
Causas de espessamento da parede vesicular<br />
• Contração fisiológica<br />
• <strong>Colecistite</strong> crônica<br />
• Adenomiomatose<br />
• Colangite esclerosante<br />
• Carcinoma vesicular<br />
• Hipertensão portal (varizes parietais)<br />
• Insuficiência renal<br />
• Doenças auto-imunes<br />
• Hepatite <strong>aguda</strong><br />
• Giardíase<br />
• Obstrução linfática<br />
sição do triângulo de Calot) e maior taxa de conversão.<br />
A intensidade do processo inflamatório influencia, portanto,<br />
o grau de dificuldade cirúrgica, devendo o ultrasonografista<br />
fornecer o máximo de informações possíveis<br />
ao clínico.<br />
Na forma gangrenosa da doença, a ultra-sonografia<br />
pode evidenciar membranas intraluminais – representando<br />
exsudato fibrinoso ou membrana descolada –,<br />
hemorragia e a parede pode ter aspecto estriado. A presença<br />
de membranas é considerada um achado específico,<br />
no entanto é incomum. A ultra-sonografia é superior<br />
à colecintigrafia na demonstração de perfuração e<br />
presença de gás na parede vesicular, evidenciada por<br />
sombra acústica que emerge da parede da vesícula, típica<br />
do artefato de gás (chamada “sombra suja” pelos<br />
ultra-sonografistas).<br />
Sugerimos a realização da radiografia do abdômen<br />
sempre que a ultra-sonografia sugere a presença de<br />
colecistite enfisematosa; este dado merece confirmação,<br />
pois sugere o risco de perfuração e a cirurgia é<br />
emergencial.<br />
No empiema, a parede pode não ser totalmente<br />
delineada, denotando inflamação grave, e o conteúdo é<br />
usualmente heterogêneo pela presença de pus.<br />
O fluxo arterial na parede inflamada pode estar aumentado,<br />
e para utilidade diagnóstica necessita cobrir<br />
uma área superior a 2,5 cm de comprimento ao estudo<br />
com color-Doppler. No entanto, este dado carece de<br />
especificidade. Pacientes om hipertensão portal podem<br />
apresentar varizes na parede vesicular e mimetizar<br />
edema ou hiperfluxo. O Quadro 7 descreve os achados<br />
ultra-sonográficos de colecistite <strong>aguda</strong>.<br />
Colecintigrafia<br />
A cintigrafia hepatobiliar é considerada o mais específico<br />
método de diagnóstico de obstrução do ducto<br />
cístico. É realizada através da injeção endovenosa do<br />
ácido iminodiacético (IDA) ou seu análogo ácido<br />
diisopropil iminodiacético (DISIDA) ligado ao tecnécio<br />
99. Após a administração, cerca de 80% de uma dose<br />
total de 5 mCi é excretada pela bile sem conjugação. Os<br />
20% restantes sofrem excreção renal. A vesícula biliar é<br />
normalmente visibilizada ao final de 30 minutos da injeção.<br />
Se a vesícula não é visibilizada após 45 minutos<br />
podem-se usar baixas doses de morfina, com o objetivo<br />
de contrair o esfíncter de Oddi e facilitar a demonstração<br />
da vesícula caso o ducto cístico seja patente. O indicador<br />
cintigráfico de colecistite <strong>aguda</strong> é, portanto, a<br />
não-visibilização da vesícula.<br />
No nosso meio, a colecintigrafia não é um método<br />
rotineiramente utilizado na emergência por não ser disponível<br />
na maioria de nossos hospitais, por tratar-se de<br />
procedimento relativamente oneroso, demorado, por vezes<br />
exigindo a permanência do paciente por até 4 horas<br />
no setor e por necessitar de medicação endovenosa.<br />
A ultra-sonografia oferece, por sua vez, além de sensibilidade<br />
similar, vantagens que a tornaram o procedimento<br />
de escolha, padrão-ouro, na avaliação da cole-<br />
Quadro 7<br />
Achados ultra-sonográficos na colecistite <strong>aguda</strong><br />
• Colelitíase<br />
• Espessamento da parede<br />
• Distensão vesicular<br />
• Líquido pericolecístico<br />
• Lama biliar<br />
• Obstrução do cístico<br />
• Parede vesícula laminada (edema)<br />
• Sinal de Murphy ultra-sonográfico<br />
• Fluxo mural aumentado ao power Doppler<br />
• Peri-hepatite<br />
• Abscesso pericolecístico ou bilioma<br />
• Gás na parede ou intraluminal<br />
172 <strong>JBG</strong>, J. bras. gastroenterol., Rio de Janeiro, v.5, n.4, p.166-174, out./dez. <strong>2005</strong>
cistite <strong>aguda</strong>. Comparativamente à colecintigrafia, a ultrasonografia<br />
é mais disponível, mais barata, não necessita<br />
de nenhuma medicação para sua realização, além de<br />
ter o resultado imediato e fornecer a possibilidade de<br />
diagnósticos alternativos. Excepcionalmente, a ultrasonografia<br />
necessitará de procedimento alternativo para<br />
o diagnóstico da colecistite <strong>aguda</strong>.<br />
Tomografia computadorizada<br />
A tomografia não tem papel importante na avaliação<br />
da colecistite <strong>aguda</strong>, exceto em situações especiais,<br />
quando a apresentação é atípica e a ultra-sonografia<br />
não conclusiva. Esta situação representa mais freqüentemente<br />
pacientes com colecistite alitiásica. À injeção<br />
do contraste endovenoso a parede encontra-se<br />
espessada, com baixa atenuação e captação do meio<br />
de contraste pela mucosa. Infiltração da gordura pericolecística<br />
pode ser um achado determinante para o diagnóstico.<br />
A demonstração de gás no interior da vesícula<br />
ou em sua parede é mais bem caracterizada pela<br />
tomografia computadorizada, por sua particular sensibilidade<br />
na demonstração de gás (Figura 12).<br />
Outra indicação interessante seria para pacientes<br />
com co-morbidades, bem exemplificado pelos pacientes<br />
HIV positivos, os quais podem ter um curso mais subagudo<br />
da doença e gerar confusão na conclusão do diagnóstico.<br />
Colangiorressonância magnética<br />
Representa um método mais complementar do que<br />
alternativo, pois avalia com maior propriedade a árvore<br />
biliar, tendo uma indicação aceitável nos pacientes com<br />
suspeita de coledocolitíase associada, e por acrescentar<br />
informações pré-operatórias relevantes. Além disto, tem<br />
sensibilidade superior à ultra-sonografia na detecção de<br />
cálculo obstruindo o ducto cístico (sensibilidades respectivas<br />
de 97% e 77%). No entanto, deve-se ressaltar<br />
seu custo alto e sua indisponibilidade ainda nos hospitais<br />
públicos de nosso país, sendo, portanto, método<br />
complementar para casos selecionados.<br />
Finalmente, é conveniente ressaltar que a ultrasonografia<br />
é o método de eleição e o único necessário<br />
para avaliar a imensa maioria dos pacientes que se apresentam<br />
com suspeita clínica de colecistite <strong>aguda</strong>. Determina<br />
com alta sensibilidade a presença de colelitíase,<br />
constituindo ainda um método capaz de avaliar o<br />
hipocôndrio direito com excelente relação custo-benefício.<br />
É, no entanto, de fundamental importância que os<br />
pacientes sejam examinados por um clínico experiente,<br />
uma vez que nenhum dos sinais ultra-sonográficos isoladamente<br />
é específico da doença; no entanto, associado<br />
aos achados clínicos positivos atinge uma sensibili-<br />
COLECISTITE AGUDA<br />
Fig. 12 – Tomografia computadorizada do abdome com contraste oral e<br />
venoso. Vesícula biliar de paredes espessadas e coleção perivesicular.<br />
Gás no interior e contornando a parede vesicular. <strong>Colecistite</strong> <strong>aguda</strong><br />
enfisematosa<br />
dade próxima a 100%, em tempo hábil, sem custo significativo,<br />
fornecendo ao cirurgião um confortável inventário<br />
pré-operatório.<br />
TERAPÊUTICA<br />
A primeira conduta frente a um paciente com suspeita<br />
de colecistite <strong>aguda</strong> é interná-lo para confirmação<br />
diagnóstica e estabelecimento da terapêutica. Em seguida,<br />
devemos mantê-lo em dieta zero e iniciar<br />
hidratação endovenosa cuidadosa, de acordo com cada<br />
situação. A verificação através da história e exame físico<br />
da coexistência de outras condições clínicas é imprescindível,<br />
pois esta doença comumente incide em<br />
diabéticos, cirróticos, portadores de doença pulmonar<br />
obstrutiva crônica, idosos etc. É, pois, fundamental a<br />
avaliação pré-operatória ainda que devamos fazê-la com<br />
a maior brevidade possível. É preferível “perdermos”<br />
algumas horas na normalização de uma glicemia, no<br />
equilíbrio de um distúrbio hidroeletrolítico, na verificação<br />
do estado de coagulação de um cirrótico, do que<br />
indicarmos uma cirurgia imediata com riscos mais elevados.<br />
O preparo pré-operatório adequado é tão importante<br />
quanto a cirurgia precoce.<br />
Antibioticoterapia<br />
Na colecistite <strong>aguda</strong> leve, de diagnóstico precoce, o<br />
uso de antibiótico deve ser indicado de forma profilática<br />
e em monoterapia. Isto se justifica em função de cerca<br />
de 50% dos pacientes apresentarem infecção bacteriana<br />
superposta no ato da cirurgia.O uso de cefalosporinas<br />
de primeira geração (cefazolina) ou de segunda geração<br />
(cefoxitina) nos parece o mais indicado por um pe-<br />
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MARTA CARVALHO GALVÃO<br />
ríodo não superior a 24 horas de pós-operatório, desde<br />
que a colecistectomia confirme a suspeita clínica de uma<br />
colecistite <strong>aguda</strong> não complicada (Quadro 8).<br />
Já na colecistite gangrenosa, enfisematosa ou complicada<br />
com empiema, perfuração, síndrome de Mirizzi<br />
ou coledocolitíase, optamos por uma terapia tríplice,<br />
associando-se ampicilina (para os enterococos), aminoglicosídeo<br />
(para os gram-negativos) e metronidazol (para<br />
os anaeróbios) (Quadro 9).<br />
Quadro 8<br />
<strong>Colecistite</strong> <strong>aguda</strong> × agentes bacterianos na bile<br />
• Escherichia coli<br />
• Klebsiella species<br />
• Enterococcus (Streptococcus faecalis)<br />
• Enterobacter species<br />
• Pseudomonas<br />
• Clostridia species<br />
• Bacteroides<br />
Quadro 9<br />
<strong>Colecistite</strong> × Antibióticos<br />
• Forma leve/moderada - uso profilático (24 h):<br />
Cefazolina - 1g de 6/6 h - via EV ou<br />
Cefoxitina - 1g de 6/6 h - via EV<br />
• Fomas graves – associação terapêutica ( 5 a 10 dias)<br />
Ampicilina – 1g de 6/6 h EV +<br />
Amicacina 500 mg – 12/12 h EV +<br />
Metronidazol 500 mg – 8/8 h EV<br />
Obs.: Em nefropatas pode-se substituir a amicacina ou gentamicina<br />
(aminoglicosídeo) por cefalosporina de terceira geração ou ciprofloxacina<br />
Momento da cirurgia<br />
A terapêutica da colecistite <strong>aguda</strong> é cirúrgica. Inúmeros<br />
trabalhos prospectivos, randomizados, têm sido<br />
taxativos quanto às vantagens da colecistectomia precoce,<br />
tanto sob o ponto de vista clínico-cirúrgico, quanto<br />
em relação aos custos para a instituição. Com esta<br />
conduta há uma diminuição do tempo médio de doença,<br />
da duração da hospitalização, do índice de complicações<br />
e de mortalidade. Além disto, evitamos a recorrência<br />
do quadro de colecistite <strong>aguda</strong>, o que ocorre em mais<br />
de 20% dos pacientes tratados clinicamente.<br />
Cirurgia convencional versus laparoscópica<br />
A colecistectomia por incisão subcostal direita, descrita<br />
em 1886 por Langenberch, foi, durante um século,<br />
o padrão-ouro na terapêutica da colecistite <strong>aguda</strong>. No<br />
entanto, em 1987, Mouret, em Lyon, fez a primeira<br />
colecistectomia laparoscópica – modalidade cirúrgica<br />
atualmente indicada como primeira escolha, salvo contra-indicações<br />
absolutas (Quadro 10). Dentre as vantagens<br />
da cirurgia laparoscópica destacamos a rápida recuperação<br />
pós-operatória, em média de 24 a 48 horas,<br />
com rápido funcionamento intestinal e menor uso de<br />
analgésicos, possibilidade de uma volta mais precoce<br />
ao trabalho e menor custo global da cirurgia.<br />
Quadro 10<br />
Contra-indicações da colecistectomia<br />
• Peritonite generalizada<br />
• Choque séptico<br />
• Coagulopatia grave<br />
• Câncer da vesícula (concomitante)<br />
• Terceiro trimestre da gravidez<br />
Obs.: Nestas situações, a colecistectomia aberta é a preferida.<br />
LITERATURA RECOMENDADA<br />
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Van Leeuwen DJ, Reeders JWAJ, Ariyama J, Stanley RJ. Imaging in<br />
hepatobiliary and pancreatic disease. Londres: WB Saunders<br />
Company, 2000.<br />
Endereço para correspondência<br />
Dra. Marta Carvalho Galvão<br />
Rua Tonelero 83/101 - Copacabana<br />
2030-000 – Rio de Janeiro- RJ<br />
174 <strong>JBG</strong>, J. bras. gastroenterol., Rio de Janeiro, v.5, n.4, p.166-174, out./dez. <strong>2005</strong>