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AMABILIS DE JESUS DA SILVA FIGURINO-PENETRANTE: UM ...

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fome e de dor. Mas ousando, cito-o como um primeiro na linhagem dos que encontram na dor<br />

subterfúgios para a criação, e o claro entendimento.<br />

O corpo resignado de Jó, sem as vestes, com a cabeça raspada, prostrado por terra, a<br />

raspar a sua podridão. O corpo leproso de Jó, em conflito, em sofrimento, em dúvida, em de-<br />

vir, e a perguntar: Porventura tens tu [Deus] olhos de carne, ou vês as coisas como as vê o<br />

homem? 51<br />

Se Rajagopalan situa Jó em extremo aos preceitos de Nietzsche, me permito pontuar<br />

um forte diálogo entre o personagem Zaratustra e Jó. O corpo de Jó, magro, consumido de<br />

fome, afastado da alma, quase a libertá-la, é, também, toda a prova física, de um corpo físico,<br />

condenado às questões humanas, e à sua falência, tendo que suportar os suplícios neste plano,<br />

sem esperanças. O próprio corpo de Jó é posto em questão, com violência. Jó não é um deus<br />

descido à Terra, a salvar a humanidade. Luta consigo mesmo, com seu corpo chagado. Luta<br />

com o horrendo: a putrefação da carne. O combate está travado no dilema corpo/mente, e enquanto<br />

o corpo padece a mente (alma) adquire maior lucidez. O combate toma outras caracte-<br />

rísticas. A mente (alma) esvaece, ainda que por instantes. (E agora dentro de mim mesmo se<br />

murcha a minha alma, e os dias de aflição apoderaram-se de mim). Jó é seu corpo. (De noite<br />

os meus ossos são transpassados de dores, e os vermes que me devoram, não dormem) 52 . E<br />

seu corpo não cede, vive a humanidade. Jó, o Além-Homem em sua vontade de potência, po-<br />

de ser a imagem do domínio de si, suspenso na grande corda sobre o abismo, de que fala Ni-<br />

etzsche.<br />

Junto ao corpo sepulcral de Jó, em suspenso, a veste manchada de sangue de Santa<br />

Catarina de Sena, o corpo cravejado de São Francisco, o corpo escarificado de Mustafar, o<br />

corpo perfurado de Zpira, o corpo sem órgãos de Artaud, a mão sangrenta de Pane, o corpo<br />

mutilado de Kahlo, o corpo mutante de Orlan, o corpo atravessado pelo dardo do amor de<br />

Deus de Santa Tereza, o corpo aberto de Händeler. Todos, corpos em perigo: Perigoso passar<br />

um abismo, perigoso seguir esse caminho, perigoso olhar para trás, perigoso temer e parar 53 .<br />

Todos corpos em busca do domínio de si.<br />

As técnicas de si são variadas, e compreendem desde o jejum de São Francisco, aos<br />

meios de provocar transe, de Artaud. Mas, pelo viés desta tese, faço notar o figurino como<br />

estratégia do domínio de si. Talvez seja correto afirmar que o domínio de si está implícito nos<br />

processos mais relevantes da história do teatro. De outra forma, não se contaria com tão mar-<br />

51 Jó, 10, 4<br />

52 Jó, 30, 16-17.<br />

53 NIETZSCHE, ibdem, p. 22.<br />

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