AMABILIS DE JESUS DA SILVA FIGURINO-PENETRANTE: UM ...
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na. Reportando-se aos estudos de Mel Davies, Turner observa que se o espartilho era um<br />
instrumento da opressão masculina, também reduzia a incidência de relação sexual. Como<br />
efeito colateral da evidência médica de que o corpete causava danos à cerviz, o uso do espartilho<br />
impossibilitava o coito pela forte dor que gerava. Além disto, a pressão sobre as<br />
vísceras abdominais, sobre o útero, interferia nos fluxos menstruais das mulheres no período<br />
da puberdade, resultando ocasionalmente em amenorréia 40 .<br />
Ainda segundo Turner, a aceitação social do corpete traz um corpo delgado não por<br />
um impulso ascético de salvação, seguindo uma tradição mística de punição do corpo, mas<br />
como um câmbio, um rasgo específico do hedonismo calculador como parte da ética do capitalismo<br />
tardio. Aqui é possível pontuar um paralelo com as utilizações de espartilhos fei-<br />
tas por Mustafar. Na ação Nineteen inches (1959) seu corpo parece estar dividido em duas<br />
partes, e as cinturas alcançam uma medida quase inumana. No entanto, sua intenção caminha<br />
na contramão de uma doutrina hedonista. Troca o prazer instantâneo por um profundo<br />
conhecimento de si, quase num impulso de salvação para confrontar as éticas do sistema<br />
vigente. E se Turner conclui que há uma medicação geral da sociedade, pelo conduto da qual<br />
a vigilância e a disciplina são auto-imposições do próprio indivíduo, Mustafar mostra a possibilidade<br />
de se utilizar do mesmo objeto símbolo desta investida para efetuar uma estratégia<br />
política.<br />
Como posto por Turner, utilização das roupas e acessórios para indicação de status<br />
vem sempre acompanhada de outras prerrogativas. Alberto Cardín pode dar mais subsídios<br />
para o debate quando observa que a moda se relaciona com as questões da libido, encontrando<br />
nela condições de sobrevivência. Em entrevista a Germán Garcia, Cardín relembra o po-<br />
sicionamento psicanalítico de Freud e Lacan no tocante aos pontos de intersecção entre sexualidade,<br />
desejo, corpo e moda:<br />
Jacques Lacan disse que o que Freud descobriu é que a sexualidade falta ali onde se supõe<br />
que deveria estar (nos genitais), e que por isso se encontra-a em qualquer lado. Para<br />
designar isso, Freud inventou a terminologia libido (que, por suposto, já existia). Libido,<br />
que não é tanto um fluxo, uma energia como um órgão: algo suplementar ao corpo,<br />
algo que se incorpora, desde o outro, até a regulação de nosso próprio desejo. Este órgão,<br />
sem embargo, não tem carne (não é nenhum dos órgãos de nosso corpo), senão, paradoxalmente<br />
determina o funcionamento erótico de todos os órgãos do corpo. (...) Ali<br />
onde algo não pode ser, isso mesmo chega a teu ser, e podes vê-lo. Assim, a moda se in-<br />
40 TURNER, ibdem, p. 131-2.<br />
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