AMABILIS DE JESUS DA SILVA FIGURINO-PENETRANTE: UM ...

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04.06.2013 Views

de Sherman, o corpo aberto de Orlan. As técnicas de si: negação do sublime. As técnicas de si: negação das leis, do cumprimento cego, do aceitável e do modelo. Volto e vejo emergir outra superfície em minha superfície. Agora uma superfície branca, coberta por pelos avermelhados. A superfície branca de Händeler, alemã. A superfície branca de Händeler deslocada no espaço. A superfície branca de Händeler entre diferentes cores de superfícies. A superfície branca de Händeler, visitante, entre os corpos gordos, cheios de carne, expostos nos fogos de Sodoma e Gomorra. A superfície branca de Händeler marchetada, exprimida, martirizada, tauxiada. A superfície branca de Händeler, já avermelhada, colorida pelo sangue. A carne exposta de Händeler. Técnicas de si: negação do sublime. Técnicas de si: busca desesperada do sublime, o caminhar pelos vales da dor, da entrega, do êxtase. A superfície branca de Händeler à espera do dardo do amor de Deus, da perfuração, do alívio. Histerias. A superfície branca de Händeler à mercê das lembranças do paraíso perdido. A Pele Lembra, de Händeler, e as quatro incisões que Gina Pane faz em pontos de seu corpo, com uma gilete, simbolizando o corte do cordão umbilical de seu corpo com outros corpos, na performance Psiché (1974). O corpo-espaço ilusório de identidade: A localização essencial do corpo está em ‘nós’. Minhas experiências corporais mostram como a sociedade forma e concede o ‘corpo’: o objetivo de minhas experiências é desmistificar a imagem do ‘corpo’ como reduto de nossa individualidade, para restaurar sua verdadeira realidade, a função da comunicação social 31 . A superfície branca não mais reduto de sua individualidade, sexual-homo-sexual-bisexual-trans-sexual, com falo, Criança?/Mãe?/Mulher? Ainda alemã? A pele lembra, não suprime as recordações. Recorda, com Kahlo, a dor sangrenta. Encena, com Sherman, as poses ficcionais do cotidiano. Busca o sujeito de desejo. Abre os poros, rasga o envoltóriosanta-prostituta de Orlan, e parece gritar: o que está na superfície é o que mais dói em mim. Sobre os usos dos prazeres e as técnicas de si: a pele lembra o que está por debaixo dos tecidos de mármore, dos modelos fixos, da punição. A pele lembra do corte na mama direita, na mama esquerda. A pele lembra a formação dos saberes sobre a sexualidade, os sistemas de poder que regulam a sua prática, e as formas nas quais um indivíduo pode e deve se reconhecer como sujeito dessa sexualidade. A pele lembra que os sujeitos de desejo usam diferentes tamanhos de pele. 31 PANE, apud GROSENICK, ibdem, p. 428. 88

As primeiras hipóteses da proposição Superfície: lá estão os simulacros e os corpos pendurados. Diferentes vitrines. Diferentes sacrários. São somente superfícies, em contraste com a pele que se lembra de suas camadas latejantes, sem simulacro, saída das vitrines, a romper com os sacrários. Pele do corpo coberto com veste manchada de sangue. A performance de Händeler, em certo sentido, fica no limite da desestabilização da hierarquia entre corpo e objeto. O encontro das matérias do corpo e do figurino impede a diálise. Por momentos corpo e figurino formam uma única coisa, e tentar encontrar o dentro e o fora é um exercício inócuo. Diante da pele avermelhada há inversão do visível com o invisível, não como assinalação, mas como realidade que se coloca tanto para o artista como para o espectador. A pele é invólucro permeável, que se deixa penetrar pelos objetos- apêndices, exteriores-interiores, estimulantes, químicos, abafando a vozes que cantavam: sim, nós seremos vosso fantasma, vosso ideal e vossa impossibilidade, os vossos e os nossos também 32 . O corpo-Händeler se completa nestes apêndices-extensores. Ou, em relação com e- les, mostra sua incompletude, exibindo as camadas, como a deslocá-las até o mais exterior. Seu corpo, nesta proposição, concretiza a imagem visada por Le Roy do indivíduo percebido como uma infinidade de partes extensivas. O corpo aberto de Händeler. 2.4 Corpo estigmatizado Mas por que este desfile lúgubre de corpos costurados, vitrificados, catatonizados, aspirados, posto que o CsO é também pleno de alegria, de êxtase, de dança? Deleuze e Guattari Muitas das proposições que se utilizam do corpo como mídia acabam por revelar interfaces com as noções de fetiche. Corpos, em geral, pouco cobertos, deixando entrever as camadas interiores e exteriores, em exposição, quase vodus de si mesmos, quase coisificando a si mesmos. Corpos que se dão a ver nos seus martírios, nos seus frêmitos, e pedem cumplicidade do espectador. Volto-me, então, para a observação destes aspectos. A origem da palavra fetiche é analisada por Serge Gruzinski no seu sentido mais amplo. Segundo o autor, inicialmente esta terminologia, de origem portuguesa, era aplicada à 32 Refiro-me à fala de Deleuze e Guattari quando falam do papel desempenhado pelo cristianismo sobre o desejo, e que os autores consideram como um padre que lançou a tripla maldição sobre o desejo: a lei da negativa, a da regra extrínseca, a do ideal transcendente. O ideal é a impossibilidade do desejo. In: DE- LEUZE, ibdem, p. 15. 89

As primeiras hipóteses da proposição Superfície: lá estão os simulacros e os corpos<br />

pendurados. Diferentes vitrines. Diferentes sacrários. São somente superfícies, em contraste<br />

com a pele que se lembra de suas camadas latejantes, sem simulacro, saída das vitrines, a<br />

romper com os sacrários. Pele do corpo coberto com veste manchada de sangue.<br />

A performance de Händeler, em certo sentido, fica no limite da desestabilização da<br />

hierarquia entre corpo e objeto. O encontro das matérias do corpo e do figurino impede a<br />

diálise. Por momentos corpo e figurino formam uma única coisa, e tentar encontrar o dentro<br />

e o fora é um exercício inócuo. Diante da pele avermelhada há inversão do visível com o<br />

invisível, não como assinalação, mas como realidade que se coloca tanto para o artista como<br />

para o espectador. A pele é invólucro permeável, que se deixa penetrar pelos objetos-<br />

apêndices, exteriores-interiores, estimulantes, químicos, abafando a vozes que cantavam:<br />

sim, nós seremos vosso fantasma, vosso ideal e vossa impossibilidade, os vossos e os nossos<br />

também 32 .<br />

O corpo-Händeler se completa nestes apêndices-extensores. Ou, em relação com e-<br />

les, mostra sua incompletude, exibindo as camadas, como a deslocá-las até o mais exterior.<br />

Seu corpo, nesta proposição, concretiza a imagem visada por Le Roy do indivíduo percebido<br />

como uma infinidade de partes extensivas. O corpo aberto de Händeler.<br />

2.4 Corpo estigmatizado<br />

Mas por que este desfile lúgubre de corpos costurados, vitrificados, catatonizados,<br />

aspirados, posto que o CsO é também pleno de alegria, de êxtase, de dança?<br />

Deleuze e Guattari<br />

Muitas das proposições que se utilizam do corpo como mídia acabam por revelar<br />

interfaces com as noções de fetiche. Corpos, em geral, pouco cobertos, deixando entrever as<br />

camadas interiores e exteriores, em exposição, quase vodus de si mesmos, quase coisificando<br />

a si mesmos. Corpos que se dão a ver nos seus martírios, nos seus frêmitos, e pedem<br />

cumplicidade do espectador. Volto-me, então, para a observação destes aspectos.<br />

A origem da palavra fetiche é analisada por Serge Gruzinski no seu sentido mais amplo.<br />

Segundo o autor, inicialmente esta terminologia, de origem portuguesa, era aplicada à<br />

32 Refiro-me à fala de Deleuze e Guattari quando falam do papel desempenhado pelo cristianismo sobre o<br />

desejo, e que os autores consideram como um padre que lançou a tripla maldição sobre o desejo: a lei da<br />

negativa, a da regra extrínseca, a do ideal transcendente. O ideal é a impossibilidade do desejo. In: <strong>DE</strong>-<br />

LEUZE, ibdem, p. 15.<br />

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