AMABILIS DE JESUS DA SILVA FIGURINO-PENETRANTE: UM ...
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2.2 Corpo postiço Uma câmera fixa focaliza um manequim de plástico, tipo busto (usado para exibição de langerie), transparente, deitado sobre o chão. Com minhas mãos calçadas por luvas cirúrgicas acaricio a superfície dura e sem vida deste simulacro de corpo. Na mão direita trago um estilete vermelho, e faço um risco-corte em volta do bico de uma das mamas. Em seguida, faço um risco-corte na vertical e outro na horizontal. Repito a ação na outra mama. Retiro as luvas. Toco novamente no corpo do manequim. Cubro os riscos-cortes com fita microporosa. A câmera aberta em plano geral, filma meu corpo nu, de perfil, segurando o corpo- plástico. Visto-o em meu corpo e me viro para a câmera. Toco seus seios salientes, a cintura, o lugar do sexo inexistente. Pressiono-o contra o meu corpo na tentativa de torná-lo parte de mim. Depois, coloco minha mão por entre os dois corpos e, aos poucos, afasto o corpo-plástico para acariciar sua parte interna. Estendo minhas mãos e ofereço o corpo- extra à câmera. A câmera em corte americano (tipo retrato 3X4), fixa: estou vestida pelo manequim, mantenho meu olhar fixo na câmera e tenho presa ao corpo a inscrição “Tamanho Único”. Esta proposição, apresentada no grupo de Performance e Pedagogia, sob o título Su- perfície: Tamanho Único, inicialmente intentava problematizar questões relacionadas ao corpo ressentido por intervenções cirúrgicas, sobretudo, intervenções de caráter estético, de correção. Observar no meu próprio corpo ressentido as possíveis origens da vontade de modificação, de transformação, mas de igualamento, de pertencimento, de satisfação, e tam- bém de sacrifício, de violação, de transgressão. As hipóteses ofereciam-se em vitrines: superfícies sem expressões, plásticas, sem cores, sem gordura, sem sangue, sem vida. As hipóteses ofereciam-se em outras vitrines: superfícies “bombadas”, “malhadas”, “abdomens de tanquinho”, sem gordura, sem estrias, sem celulites, com sangue, com vida. Promessas da superfície. Eram apenas algumas hipóteses. Apenas superfícies. Mas lembrei-me de Hofmannsthal: A profundidade está escondida. Onde? Na superfície 24 . E fiquei mais atenta à minha superfície. Vi emergir um corte na mão, três vestidos marchetados por uma barra de ferro, modelos encarnados, seios imensos, falsos, pendurados em um pescoço, e um rosto com marcas de vários cortes. Vi na minha superfície a dor de 24 HOFMANNSTHAL, apud CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio. Trad. Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 90. 76
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2.2 Corpo postiço<br />
Uma câmera fixa focaliza um manequim de plástico, tipo busto (usado para exibição<br />
de langerie), transparente, deitado sobre o chão. Com minhas mãos calçadas por luvas cirúrgicas<br />
acaricio a superfície dura e sem vida deste simulacro de corpo. Na mão direita<br />
trago um estilete vermelho, e faço um risco-corte em volta do bico de uma das mamas. Em<br />
seguida, faço um risco-corte na vertical e outro na horizontal. Repito a ação na outra mama.<br />
Retiro as luvas. Toco novamente no corpo do manequim. Cubro os riscos-cortes com<br />
fita microporosa.<br />
A câmera aberta em plano geral, filma meu corpo nu, de perfil, segurando o corpo-<br />
plástico. Visto-o em meu corpo e me viro para a câmera. Toco seus seios salientes, a cintura,<br />
o lugar do sexo inexistente. Pressiono-o contra o meu corpo na tentativa de torná-lo<br />
parte de mim. Depois, coloco minha mão por entre os dois corpos e, aos poucos, afasto o<br />
corpo-plástico para acariciar sua parte interna. Estendo minhas mãos e ofereço o corpo-<br />
extra à câmera.<br />
A câmera em corte americano (tipo retrato 3X4), fixa: estou vestida pelo manequim,<br />
mantenho meu olhar fixo na câmera e tenho presa ao corpo a inscrição “Tamanho Único”.<br />
Esta proposição, apresentada no grupo de Performance e Pedagogia, sob o título Su-<br />
perfície: Tamanho Único, inicialmente intentava problematizar questões relacionadas ao<br />
corpo ressentido por intervenções cirúrgicas, sobretudo, intervenções de caráter estético,<br />
de correção. Observar no meu próprio corpo ressentido as possíveis origens da vontade de<br />
modificação, de transformação, mas de igualamento, de pertencimento, de satisfação, e tam-<br />
bém de sacrifício, de violação, de transgressão. As hipóteses ofereciam-se em vitrines: superfícies<br />
sem expressões, plásticas, sem cores, sem gordura, sem sangue, sem vida. As hipóteses<br />
ofereciam-se em outras vitrines: superfícies “bombadas”, “malhadas”, “abdomens de<br />
tanquinho”, sem gordura, sem estrias, sem celulites, com sangue, com vida. Promessas da<br />
superfície. Eram apenas algumas hipóteses. Apenas superfícies.<br />
Mas lembrei-me de Hofmannsthal: A profundidade está escondida. Onde? Na superfície<br />
24 . E fiquei mais atenta à minha superfície. Vi emergir um corte na mão, três vestidos<br />
marchetados por uma barra de ferro, modelos encarnados, seios imensos, falsos, pendurados<br />
em um pescoço, e um rosto com marcas de vários cortes. Vi na minha superfície a dor de<br />
24 HOFMANNSTHAL, apud CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio. Trad. Ivo Barroso.<br />
São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 90.<br />
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