AMABILIS DE JESUS DA SILVA FIGURINO-PENETRANTE: UM ...

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04.06.2013 Views

As reivindicações de Marx contra a opressão do corpo-trabalhador submisso às en- grenagens do capitalismo darão margem à reflexões posteriores das condições do corpo-ser na atualidade. Destas reflexões, destaco a entrevista dada por Michel Foucault, na década de 1970 20 , pontuando aspectos positivos das invectivas de Marx, mas destacando a insistência em reformulações de modelos sociais. Para Foucault, há uma espécie de fantasma oriundo nas idéias de corpo duplo do rei que se alastra até o tempo da república, sob reconformação, no corpo social, constituído pela universalidade das vontades. O corpo social não adviria de um consenso, e sim da materialidade do poder se exercendo sobre o próprio corpo dos indivíduos 21 . Ou seja, os ideais libertários do marxismo, em nome da ideologia, ainda se restrin- ge à noção de um sujeito humano, que segundo o filósofo francês, segue um padrão forneci- do pela filosofia clássica. Intitulada “Poder-Corpo”, esta entrevista de Foucault se centra na perspectiva do jogo entre o poder e a consciência do corpo, evidenciando o importante papel das estruturas de poder para despertar tal consciência. Diferentemente do esperado, o poder não busca a opressão do corpo, mas o coloca ao nível da mercadoria e da exploração econômica: Como resposta à revolta do corpo, encontramos um novo investimento que não tem mais a forma de controle-repressão, mas de controle-estimulação 22 . A tese de que nas sociedades burgue- sas e capitalistas há a supressão da realidade do corpo cairia por terra, pois o poder se di- mensiona na fisicalidade e no corporal. Desde o período renascentista a individualidade entendida no corpo-ser, pelos con- tornos das camadas-peles, imbui-se de uma ambigüidade que, quase contraditoriamente, se dilata nas teorias do marxismo. Da Revolução Francesa, guarda-se a coletividade escondida em “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, certificada no jargão de Robespierre: “A indivi- dualidade não é nada, o coletivo é tudo”. O ideal de humanidade socializada, de Marx, man- terá, de outra forma, a supressão do individual, e visto à distância não dá margens à dúvidas do estabelecimento de um corpo social dependente das estruturas de poder. A proposição de Le Roy põe em debate tanto a ilusão da individualidade como a da coletividade quando acrescenta o colapso das fronteiras entre corpo e extensão e a impossi- bilidade de completude. Nas palavras de Lepecki é o corpo relacional que mantém potencia- lidade política. 20 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Trad. Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1979. 21 FOUCAULT, ibidem, 1979, p. 146. 22 FOUCAULT, ibidem, 1979, p. 147. 74

Colapsada a hierarquia entre corpo e extensão, as fronteiras se desmoronam, tornan- do verdadeira a suposição de Le Roy: o corpo pode ser percebido como espaço e tempo e para comércio, tráfego e troca. O corpo relacional impõe-se como atitude política. Há aqui, uma confluência entre os pensamentos de Le Roy e os adeptos da body modification: o cor- po é mutante, quer sobre o ponto de vista biológico, ou em termos de subjetividade. O reco- nhecimento deste estado de mutação é um reconhecimento de que as estratégias políticas podem e devem ser burladas para marcar uma cena incisiva no tocante às desestabilizações das hierarquias mais arraigadas. Interesso-me pelas proposições que compreendem esta forma de pensar o corpo, revisando a máxima “No teatro, o hábito faz o monge”. Pois é certo que o faz. No entanto, a reivindicação de um corpo vivo em cena, com suas nuances, em seus estados diferenciados, também exige do “hábito” outras relações. Durante a participação no grupo de Pedagogia e Performance, sob orientação do Prof. Doutor Fernando Passos, em 2006, no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal da Bahia, tive oportunidade de experenciar duas proposições bem diferentes com relação ao corpo mídia como posicionamento político 23 . Integro-as como parte do meu en- tendimento do projeto, naquela época ainda por ser delimitado. No atual momento, com a devida distância, percebo que estas experiências podem servir como estratégia didática, mostrando claramente o processo de identificação dos costumes recorrentes na minha trajetória como figurinista. Na primeira proposição que descrevo, “Superfície”, atuei como performer/figurinista. Esta dupla função trouxe acréscimos para a aproximação do assunto escolhido, já que meu próprio corpo foi colocado como mídia. Em “A pele lembra: entre a dor e o prazer, uma Diva try-sexual em estado de in-beetwen-ness tentando salvar o mundo”, de Frank Händeler, atuei como assistente de palco, e também nesta função outras perspectivas se somaram. 23 O Prof. Dr. Fernando Passos criou este grupo em 2006, oportunizando o estudo, a crítica e a experimentação de performances. Durante os meses de minha participação, nos dedicamos às bibliografias relacionadas à Teoria Queer. Depois, cada participante trabalhou individualmente em uma experiência prática. Reunimo-nos numa tarde e noite para o registro em vídeo. Na semana seguinte assistimos e comentamos todas as performances. A última etapa previa a escrita de um texto sobre a sua própria performance articulando as teorias estudadas. Além da minha proposta, “Superfícies: Tamanho Único”, também participei como assistente de palco da proposta de outro membro do grupo, Frank Händeler, intitulada “A pele lembra”. 75

Colapsada a hierarquia entre corpo e extensão, as fronteiras se desmoronam, tornan-<br />

do verdadeira a suposição de Le Roy: o corpo pode ser percebido como espaço e tempo e<br />

para comércio, tráfego e troca. O corpo relacional impõe-se como atitude política. Há aqui,<br />

uma confluência entre os pensamentos de Le Roy e os adeptos da body modification: o cor-<br />

po é mutante, quer sobre o ponto de vista biológico, ou em termos de subjetividade. O reco-<br />

nhecimento deste estado de mutação é um reconhecimento de que as estratégias políticas<br />

podem e devem ser burladas para marcar uma cena incisiva no tocante às desestabilizações<br />

das hierarquias mais arraigadas.<br />

Interesso-me pelas proposições que compreendem esta forma de pensar o corpo, revisando<br />

a máxima “No teatro, o hábito faz o monge”. Pois é certo que o faz. No entanto, a<br />

reivindicação de um corpo vivo em cena, com suas nuances, em seus estados diferenciados,<br />

também exige do “hábito” outras relações.<br />

Durante a participação no grupo de Pedagogia e Performance, sob orientação do<br />

Prof. Doutor Fernando Passos, em 2006, no Programa de Pós-Graduação da Universidade<br />

Federal da Bahia, tive oportunidade de experenciar duas proposições bem diferentes com<br />

relação ao corpo mídia como posicionamento político 23 . Integro-as como parte do meu en-<br />

tendimento do projeto, naquela época ainda por ser delimitado. No atual momento, com a<br />

devida distância, percebo que estas experiências podem servir como estratégia didática,<br />

mostrando claramente o processo de identificação dos costumes recorrentes na minha trajetória<br />

como figurinista.<br />

Na primeira proposição que descrevo, “Superfície”, atuei como performer/figurinista.<br />

Esta dupla função trouxe acréscimos para a aproximação do assunto escolhido, já que meu<br />

próprio corpo foi colocado como mídia. Em “A pele lembra: entre a dor e o prazer, uma Diva<br />

try-sexual em estado de in-beetwen-ness tentando salvar o mundo”, de Frank Händeler,<br />

atuei como assistente de palco, e também nesta função outras perspectivas se somaram.<br />

23 O Prof. Dr. Fernando Passos criou este grupo em 2006, oportunizando o estudo, a crítica e a experimentação<br />

de performances. Durante os meses de minha participação, nos dedicamos às bibliografias<br />

relacionadas à Teoria Queer. Depois, cada participante trabalhou individualmente em uma experiência<br />

prática. Reunimo-nos numa tarde e noite para o registro em vídeo. Na semana seguinte assistimos e comentamos<br />

todas as performances. A última etapa previa a escrita de um texto sobre a sua própria performance<br />

articulando as teorias estudadas. Além da minha proposta, “Superfícies: Tamanho Único”, também<br />

participei como assistente de palco da proposta de outro membro do grupo, Frank Händeler, intitulada “A<br />

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