AMABILIS DE JESUS DA SILVA FIGURINO-PENETRANTE: UM ...
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aqueles que conseguem dar um sentido místico à simples forma de uma roupa, que, não<br />
contentes em colocar ao lado do homem o seu Duplo, atribuem a cada homem vestido o<br />
duplo de suas roupas; aqueles que atravessam essas roupas ilusórias, essas roupas número<br />
dois, com um sabre que lhes dá o aspecto de grandes borboletas atingidas em pleno<br />
ar, essas pessoas, muito mais do que nós, têm o sentido inato do simbolismo absoluto e<br />
mágico da natureza 4 .<br />
A insistência no aspecto metafísico se faz de forma a retumbar as divisões das or-<br />
dens, desprendida das questões filosófico-religiosas cristãs, mas mantendo hierarquias. E o<br />
corpo é suporte de passagem, de penetração pelos vãos entre o material e o imaterial. A<br />
desestabilização ocorre quando, em harmonia, os elementos teatrais emprestam sua materia-<br />
lidade para assegurar um espaço de atravessamento do corpo por entre os planos, e a ence-<br />
nação se estabelece como zona lacunosa.<br />
É a partir desta zona que é possível complexar a leitura sobre o figurino. Ao assumir<br />
a tarefa de ser cenografia, o figurino toma para si a responsabilidade de ambientação do es-<br />
paço externo. No entanto, como ambientação de um lugar lacunoso, e sendo invólucro do<br />
corpo, o figurino torna-se portal de passagem: indica um estado de representação.<br />
Artaud se reporta a um corpo sem órgãos, que não tem boca, não tem língua, não<br />
tem dentes, não tem laringe, não tem esôfago, não tem estômago, não tem ventre, não tem<br />
ânus (...) o estado de consciência do não ser 5 . Como apêndice e conduto dos estados do cor-<br />
po, o figurino é o lugar desta consciência do não ser, é um campo aberto a epifanias, o lugar<br />
do devir. Difere-se do figurino-caracterização por não se destinar ao lugar de representação<br />
de um personagem específico. É um campo de imanências, do transitório, do híbrido, combinação<br />
de diferentes naturezas, o lugar do conflito e do perigo, que faz permanecer o presente,<br />
conforme elucida Urias Arantes: só que, esse tempo e espaço de perigo não são míticos,<br />
como um ‘passado absoluto’ que apenas justifica um presente anódino, mas o próprio<br />
presente como eterno 6 .<br />
Para falar do corpo sem órgãos, Artaud faz um mapeamento do corpo humano visan-<br />
do o que chama de atletismo afetivo, como se o ator fosse um atleta do coração, admitindo<br />
uma espécie de musculatura afetiva que corresponde a localizações físicas dos sentimen-<br />
tos 7 . Assim, concentra-se nas possibilidades trazidas pelos treinamentos de respiração, ad-<br />
4<br />
ARTAUD, ibdem, p. 58.<br />
5<br />
ARTAUD, apud LINS, Daniel. Antonin Artaud: o artesão do corpo sem órgãos. Rio de Janeiro: 1999,<br />
p. 47.<br />
6<br />
ARANTES, Urias Corrêa. Artaud: teatro e cultura. Campinas: Unicamp, 1988, p. 24.<br />
7 ARTAUD, ibdem, p. 130.<br />
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