AMABILIS DE JESUS DA SILVA FIGURINO-PENETRANTE: UM ...
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direcionamentos da presente pesquisa. No todo, um corpo feito de ferro, fósforo, magnésio, água e potássio entre outros, mais o tecido das roupas de dentro, geralmente algodão, os acessórios usados para avolumar, tais como: madeira e barbatana de baleia (como no caso das anquinhas), cobertos pelos grossos tecidos de tapeçaria ou veludo. Em 1930 o livro A psicologia das roupas , de J. C. Flügel, traz considerações sobre o traje a partir de três funções principais: enfeite, pudor e proteção. No capítulo intitulado “A ética das roupas – arte e natureza”, no qual o autor propõe um tratado com base num princípio combinado de ética hedonista e de psicologia freudiana, faço observar um pensamento voltado para a tentativa de controle do corpo grotesco. Segundo o psicólogo, uma das funções da roupa deveria ser assegurar o máximo de satisfação de acordo com o princípio da realidade: isto é, o princípio de basear nossas satisfações em um reconhecimento fundamental do mundo real, e não de uma distorção, ou de uma negação de seus aspectos menos agradáveis 57 . Para traçar este estudo, Flügel parte da possibilidade de definição de “bom” nas roupas, tendo em vista as finalidades do enfeite, do pudor e da proteção, para alcançar a investigação e a estima conscientes sobre dadas ten- dências, e as suas concordâncias ou discordâncias com o princípio da realidade. Dos aspectos abordados, um parece instigante: o transporte de artigos essenciais. A preocupação do autor, neste item, dirige-se aos objetos que se acoplam ao corpo, sejam eles guardados em apêndices da roupa ou separados dela. Sobre os apêndices das roupas, os bol- sos, o autor analisa pacientemente as suas desvantagens, que vão desde a possibilidade de perder os objetos (quando há multiplicidade de bolsos), às sérias deformações que a quantidade de objetos causa no trabalho do alfaiate, e ao tempo empregado nas mudanças dos objetos de uma para outra roupa. Enquanto que os apêndices separados das roupas, as bolsas, apresentam como desvantagem o risco de se perdê-las, ou de manter as mãos ocupadas em segurá-las. Como solução, Flügel sugere a combinação dos dois acessórios, masculinos (bolsos) e femininos (bolsas), e, desta forma, se obteria um apêndice colado ao corpo por alças, evitando as desvantagens de um e outra. Contudo, a reflexão acontece em torno da função estética, mantendo em vigência o princípio da realidade. Tais apêndices deveriam ser cuidados Perspectiva, 1999, p. 188. No teatro o termo grotesco tornou-se um conceito para definir uma estética que combina os artifícios de lógicas diferentes. Com relação ao corpo, este conceito vem sendo usado por diversos autores para indicar um corpo híbrido, seja pelo uso de próteses ou de elementos que de alguma forma interferem na imagem do corpo. 57 FLÜGEL, J. C. A psicologia das roupas. Trad. Antônio Ennes Cardoso. São Paulo: Mestre Jou, 1966, p. 167. 48
em sua aparência, pois sendo extensão do corpo teriam por obrigação ornamentá-lo sem in- terferir na sua forma natural. No item seguinte, o autor desenvolve um tratado sobre a pintura e os cosméticos, comentando sobre o aumento de seus usos entre as mulheres ocidentais nos anos pós-guerra como um movimento distante da realidade: seu perigo jaz na tendência de cultivar um ideal artificial. Categórico, Flügel entende este movimento como retrocesso: Mas quando os lábios se tornam vermelhos com uma intensidade que a natureza jamais deu até mesmo às suas filhas mais sadias e formosas, há um pequeno mas definitivo passo para trás em direção ao barbarismo que encontra beleza na cintura apertada, no pé comprimido e nas juntas dos dedos amputada 58 . Na totalidade do texto de Flügel, evidencia-se a tendência em buscar regras que dis- tingam as sociedades contemporâneas das “primitivas”, sinalizando não somente para a idéia de evolução, reduzida às normas de etiquetas do vestir, como também à divisão de classes. Há um limite aceitável para as modificações do corpo. Na redação incisiva, o autor prossegue: Os povos civilizados usam menos objetos ornamentais isoladas do que os selvagens e entre as classes mais cultas da sociedade civilizada está sendo mal vista a exibição muito livre de pedras preciosas, exceto em poucas ocasiões muito definidas. Talvez, finalmente, nosso gosto estético possa abolir totalmente estas formas de ornamentação 59 . Esta associação entre o excesso de ornamentos artificiais e os seres “primitivos” encontrou ecos nas sociedades européias do início de século XX, para as quais Flügel despontou como importante estudioso desta área de conhecimento. Mais uma vez se trata de entender qual é a natureza em questão. A hierarquia prevê rigor: as extensões se juntam harmoni- osamente ao corpo-natureza humana, reprimindo o corpo-natureza selvagem. No capítulo “A ética das roupas: diferenças individuais e sexuais”, o autor parte para a análise dos temperamentos individuais, e se arrisca no agrupamento por tipos: O tipo rebelde se irrita continuamente com as restrições impostas pelas roupas; o tipo resignado também sofre, apesar de não se enfurecer; os tipos moderado e auto-satisfeito parecem representar formações reativas que têm elementos distintamente neuróticos em 58 FLÜGEL, ibidem, p. 171. 59 FLÜGEL, ibidem, p. 173. 49
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em sua aparência, pois sendo extensão do corpo teriam por obrigação ornamentá-lo sem in-<br />
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No item seguinte, o autor desenvolve um tratado sobre a pintura e os cosméticos,<br />
comentando sobre o aumento de seus usos entre as mulheres ocidentais nos anos pós-guerra<br />
como um movimento distante da realidade: seu perigo jaz na tendência de cultivar um ideal<br />
artificial. Categórico, Flügel entende este movimento como retrocesso:<br />
Mas quando os lábios se tornam vermelhos com uma intensidade que a natureza jamais<br />
deu até mesmo às suas filhas mais sadias e formosas, há um pequeno mas definitivo passo<br />
para trás em direção ao barbarismo que encontra beleza na cintura apertada, no pé<br />
comprimido e nas juntas dos dedos amputada 58 .<br />
Na totalidade do texto de Flügel, evidencia-se a tendência em buscar regras que dis-<br />
tingam as sociedades contemporâneas das “primitivas”, sinalizando não somente para a idéia<br />
de evolução, reduzida às normas de etiquetas do vestir, como também à divisão de classes.<br />
Há um limite aceitável para as modificações do corpo. Na redação incisiva, o autor prossegue:<br />
Os povos civilizados usam menos objetos ornamentais isoladas do que os selvagens e entre<br />
as classes mais cultas da sociedade civilizada está sendo mal vista a exibição muito<br />
livre de pedras preciosas, exceto em poucas ocasiões muito definidas. Talvez, finalmente,<br />
nosso gosto estético possa abolir totalmente estas formas de ornamentação 59 .<br />
Esta associação entre o excesso de ornamentos artificiais e os seres “primitivos” encontrou<br />
ecos nas sociedades européias do início de século XX, para as quais Flügel despontou<br />
como importante estudioso desta área de conhecimento. Mais uma vez se trata de entender<br />
qual é a natureza em questão. A hierarquia prevê rigor: as extensões se juntam harmoni-<br />
osamente ao corpo-natureza humana, reprimindo o corpo-natureza selvagem.<br />
No capítulo “A ética das roupas: diferenças individuais e sexuais”, o autor parte para<br />
a análise dos temperamentos individuais, e se arrisca no agrupamento por tipos:<br />
O tipo rebelde se irrita continuamente com as restrições impostas pelas roupas; o tipo<br />
resignado também sofre, apesar de não se enfurecer; os tipos moderado e auto-satisfeito<br />
parecem representar formações reativas que têm elementos distintamente neuróticos em<br />
58 FLÜGEL, ibidem, p. 171.<br />
59 FLÜGEL, ibidem, p. 173.<br />
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