AMABILIS DE JESUS DA SILVA FIGURINO-PENETRANTE: UM ...
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uma ambientação. Mas comumente, se oculta para dar vez ao espaço nu, espaço que existe apenas em potencial, pois depende da relação com o corpo. Já o figurino, ainda não é despertado pelo corpo, seguindo esta idéia de existência em potencial, tampouco serve de estímulo para as ações-corpo. Justamente por isso, o complexo estudo de Appia oportuniza a análise do figurino como despregada das discussões do corpo, enfatizando o costume de vinculá-lo somente aos sistemas de códigos visuais. E, também por isso, o estudo de Appia, abre nova frente de observação do figurino. Um figurino que possa favorecer as pesquisas que se voltam para os estados do corpo, deixando de ser camada externa, para construir com ele um constante debate, em prol da vivificação. A prática de Schlemmer também resguarda alguns dos princípios do simbolismo, mantendo a imagem como égide da sugestão e da alusão. Os figurinos-invólucros que cobrem os corpos-atuantes em seu Balé Triádico, prezam pela indefinição de sexo, etnia, status, idade e outros buscando o essencial do ser humano, com base na ideia de universalização dos sentimentos. Quando se refere à mecanização como procedimento de treinamento para o corpo-atuante, justifica: Mecanizou-se tudo o que se podia mecanizar. O resultado é um conhecimento mais profundo de tudo aquilo que ainda não pode ser mecanizado 48 . Schlemmer considera que a palavra teatro carrega em si a função de travestimento e transmutação. O travestimento se dá, segundo o encenador, pela transformação do corpo humano, por sua subtração pelo figurino e máscara, que permitem, assim, expressar o essen- cial, ou ao contrário, contribui para se manter no terreno do ilusório, reforça sua conformi- dade orgânica ou mecânica às leis, ou as impedem. A exemplo de Appia e Craig, Schlemmer também pesquisa as demais áreas artísticas reconhecendo que a arquitetura, escultura e pintura são artes estáticas, que fixam o movi- mento em um dado momento. Se o teatro é a arte do movimento e o corpo-atuante, enquanto organismo, se situa no espaço tridimensional, o teatro só se estabelece na relação cor- po/espaço. Mas o jogo entre o orgânico e o inorgânico, o natural e o artificial, marca um contínuo que propicia o distanciamento e a aproximação com o representado. Um diferencial nos estudos de Schlemmer pode ser a esquematização das divisões do teatro falado, teatro gestual e teatro visual, entre verbo/ação/forma, o espírito/ação/silhueta ou o sentido/acontecimento/aparição, como a reproduzir o problema da origem do ser e do mundo na linguagem cênica. Segundo este esquema, todos os gêneros se bastariam como 48 “Se ha mecanizado todo lo que se ha podido. El resultado es un conocimiento más profundo de todo aquello que aún no ha podido ser mecanizado” (Tradução livre). SCHLEMMER, Oskar. “Hombre y Figura Artística”. In: CEBALOS, Edgar. Princípios de dirección escenica. Col. Escenologia. México: EC, 1999, p. 237. 44
linguagem, mas se integrados geram intersecções de campos entre o teatro, o culto e a festa popular. Com base nestes intercâmbios de linguagens e gêneros, Schlemmer propõe uma preparação para o corpo-atuante que contempla a ginástica, a acrobacia, o ballet e a pantomima. E da sua tendência ao formalismo resultam desenhos de figurinos que, criando formas geométricas, impedem o corpo de se movimentar convencionalmente. O treinamento do corpo alia-se aos mecanismos dos figurinos para fazer surgir distintas figuras. Figuras artísticas. Então, duas perspectivas são viáveis: o uso de um figurino-máscara-do-corpo que o oculta para transformá-lo em figura artística, ignorando as relações do corpo com o figurino; e um figurino igualmente máscara-do-corpo, mas que mostra o quanto está interferindo no corpo, pois exige dele outros modos de operar. Este rápido recorte tem por fim sinalizar que os procedimentos em cujo centro está a ocultação do corpo como préstimo à idealização do humano, enfatizando a idéia de humanidade universalizada, aqui servem apenas como problematização das questões de hierarquias. Então, por um lado, o simbolismo carrega e expande as intenções platônicas de essencialismo, tal qual a flor essencial de Mallarmé, que não encontra correspondência em quaisquer das flores do mundo inferior. Por outro lado, as questões biográficas de Kleist, quando transmutadas em arte, ancoram um paradoxo para o essencialismo. Este paradoxo é pontua- do por Gerd Bornhein a partir de uma das cartas que Kleist endereça à sua irmã: Nós não podemos decidir se aquilo que chamamos de verdade realmente é a verdade ou somente uma aparência. E se for simples aparência, então a verdade que buscamos nesta terra não tem mais sentido após a morte, e todo esforço para conquistarmos algo que nos siga mesmo no túmulo é vão 49 . A dúvida de Kleist surge como um rasgo, e deixa entrever o âmago da nostalgia. Bornhein localiza: a nostalgia da flor azul, desse azul que é símbolo de distância, torna-se objeto de culto; e o romântico adora esta flor, compraz-se na distância que o separa dela, vive a distância com volúpia. A solução trágica de Kleist para sua própria vida, encerrá-la ainda cedo, mostra-se como sintoma de uma dor profunda, tão profunda que o incapacita para o paradoxo. Esta dor transforma-se na angústia da separação, da ruptura entre homem e mundo, nostalgia de um sonho que se sabe impossível até o fim 50 . Apesar de sua obra mais conhecida ter se tornado o grande emblema do simbolismo, Kleist pode ser um lugar de confluências, ou esse lugar da dúvida, suscitando um desejo 49 BORNHEIM, Gerd. O sentido e a máscara. São Paulo: Perspectiva, 1975, p. 98. 50 BORNHEIM, ibdem, p. 101. 45
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Já o figurino, ainda não é despertado pelo corpo, seguindo esta idéia de existência em<br />
potencial, tampouco serve de estímulo para as ações-corpo. Justamente por isso, o complexo<br />
estudo de Appia oportuniza a análise do figurino como despregada das discussões do corpo,<br />
enfatizando o costume de vinculá-lo somente aos sistemas de códigos visuais. E, também<br />
por isso, o estudo de Appia, abre nova frente de observação do figurino. Um figurino que<br />
possa favorecer as pesquisas que se voltam para os estados do corpo, deixando de ser camada<br />
externa, para construir com ele um constante debate, em prol da vivificação.<br />
A prática de Schlemmer também resguarda alguns dos princípios do simbolismo,<br />
mantendo a imagem como égide da sugestão e da alusão. Os figurinos-invólucros que cobrem<br />
os corpos-atuantes em seu Balé Triádico, prezam pela indefinição de sexo, etnia, status,<br />
idade e outros buscando o essencial do ser humano, com base na ideia de universalização<br />
dos sentimentos. Quando se refere à mecanização como procedimento de treinamento<br />
para o corpo-atuante, justifica: Mecanizou-se tudo o que se podia mecanizar. O resultado é<br />
um conhecimento mais profundo de tudo aquilo que ainda não pode ser mecanizado 48 .<br />
Schlemmer considera que a palavra teatro carrega em si a função de travestimento e<br />
transmutação. O travestimento se dá, segundo o encenador, pela transformação do corpo<br />
humano, por sua subtração pelo figurino e máscara, que permitem, assim, expressar o essen-<br />
cial, ou ao contrário, contribui para se manter no terreno do ilusório, reforça sua conformi-<br />
dade orgânica ou mecânica às leis, ou as impedem.<br />
A exemplo de Appia e Craig, Schlemmer também pesquisa as demais áreas artísticas<br />
reconhecendo que a arquitetura, escultura e pintura são artes estáticas, que fixam o movi-<br />
mento em um dado momento. Se o teatro é a arte do movimento e o corpo-atuante, enquanto<br />
organismo, se situa no espaço tridimensional, o teatro só se estabelece na relação cor-<br />
po/espaço. Mas o jogo entre o orgânico e o inorgânico, o natural e o artificial, marca um<br />
contínuo que propicia o distanciamento e a aproximação com o representado.<br />
Um diferencial nos estudos de Schlemmer pode ser a esquematização das divisões do<br />
teatro falado, teatro gestual e teatro visual, entre verbo/ação/forma, o espírito/ação/silhueta<br />
ou o sentido/acontecimento/aparição, como a reproduzir o problema da origem do ser e do<br />
mundo na linguagem cênica. Segundo este esquema, todos os gêneros se bastariam como<br />
48 “Se ha mecanizado todo lo que se ha podido. El resultado es un conocimiento más profundo de todo<br />
aquello que aún no ha podido ser mecanizado” (Tradução livre). SCHLEMMER, Oskar. “Hombre y<br />
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EC, 1999, p. 237.<br />
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