AMABILIS DE JESUS DA SILVA FIGURINO-PENETRANTE: UM ...

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04.06.2013 Views

“dar a ver” a inevitável relação de projeção “eu no outro/o outro em mim”, visto que esse parecer ser o nó ainda por se desatar na filosofia contemporânea. Por isso mesmo, ao refletir sobre a presença do atuante, ou a sua presentificação, não foi descartada, nesta pesquisa, a questão da sobredeterminada qualidade de co-presença, exposta por Hans-Thies Lehamnn. Porém, muda-se o foco, a perspectiva, para se valorizar o ato anterior à experiência estética: as sensações e percepções, primeiro do corpo-atuante, depois do observador, ou observador-participante. E se a experiência estética não se separa das sensações e percepções, então, seria mais acertado admitir: a experiência estética antes da produção de significado, já tornada um legado da forma. O não ter iniciado com a busca da alma no corpo, não significa reverência à lineari- dade histórica. Significa uma opção por mostrar o distanciamento que o teatro toma da experiência cotidiana. Quando o figurino é entendido como o corpo-outrem, corpo de um fantasma, exemplar e não humano, supre-se a experiência individual em favor de uma coletiva, minimizando, ocultando ou a transformando em discursos generalizantes. Então, o longo tempo debruçado sobre a experiência voltada para a individualidade e a busca de si se fez extremada para ressaltar o quanto a performatividade fica relegada nos processos cênicos, e o quanto os meios se sobressaem à experiência propriamente dita. Finalizar, ou recomeçar, com as questões do “outro” também significa fazer notar a perspectiva do figurino-penetrante: as relações sem sujeitos, ou sujeito-a-sujeito. O figurino é o outro (sujeito/objeto) que se coloca em relação com o corpo-atuante, e quando o penetra permanece outro, ou, quem sabe, por momentos se integra, sem possibilidade de separação. Mas a problematização trazida pelo figurino-penetrante se marca, exatamente, na relação do corpo-atuante com o outro, não mais uma projeção da subjetividade de um fantasma. Um outro-matéria, palpável, visível. Figurino-penetrante-incrédulo. Que penetra como a dizer: mostra-me você. Mostrame onde está você. E o debate é produtivo, infindável, e dele não se sai com afirmativas. David Bohm assinala que do ponto de vista da mecânica quântica o corpo possui uma certa individualidade, é um subtodo relativo com sua própria ordem auto-referencial. Entretanto, depende muito do ambiente para existir. As pessoas se distinguem um tanto uma das outras, temos alguma individualidade. Mas talvez a questão seja: qual a profundidade da individualidade, qual a base de tudo isso? 4 E mais adiante, o cientista expõe sua visão holística: O individual é universal e o universal é individual. O termo indivíduo significa “indiviso”, de 4 BOHM, p. 50. In: WEBER, Renée. Diálogos com cientistas e sábios: a busca da unidade. Trad. Gilson Cesar Cardoso de Sousa. São Paulo: Cultrix, 1986. 166

modo que podemos afirmar que muitos poucos indivíduos realmente existiram. (...) A indivi- dualidade só é possível enquanto desdobramento do todo 5 . O ponto de consolo encontrado nas palavras de Bohm talvez seja a condição menos solitária e a noção de que o sujeito não se empareda pelas suas camadas. Este mesmo consolo cria um lugar de confluências entre as experiências advindas das ordens da metafísica e da física. A vontade de alcançar o incomensurável se aproxima da vontade de individualidade. Mas há que se sublinhar o entendimento de assinalação como um divisor dos tempos. Se antes, ela se dava como representação, no sentido de produzir significados e de traduzir outros planos, como reflexo de uma natureza superior, agora ela é tratada no âmbito do “aqui”, e em si mesma como natureza indivisa. E se o descontentamento surge com a noção apresentada de individualidade, aparentemente tão limitada, quase imperceptível, este pode ser compensado pela requintada noção de coletividade. Não mais um todo massivo, a coletividade se põe como um todo dependente de suas partes mais ínfimas e complexas, não unívocas, não idênticas. Também faceando este mesmo debate, o numinoso X ominoso demarca-se como uma linha separadora de posturas diferenciadas. Para a presente pesquisa não se constata a necessidade de precisar o momento em que o ominoso ganha terreno nas experiências artísticas e não artísticas, mas de apontá-lo como um rompimento com as hierarquias: do ponto de vista da crença, estende-se como face da Natureza Naturante, não esplêndida, mas nefasta, execrável; e do ponto de vista da tautologia, oportunizando novos entendimentos do corpo humano, como forma e como matéria. Vale lembrar da figura de Frankenstein a rivalizar com a Natureza Naturante, criando uma espécie sem liames. De todo modo, o ominoso gera um espaço de reflexão da individualidade, deixando para trás a experiência da fascinação e do terror ligadas ao aniquilamento redentor. E como metáfora se poderia pensar nas representações teatrais gregas que, prezando pela verossimilhança, ocultavam da cena o horror, o repulsivo. Esta ocultação ganhava forças no imaginá- rio da recepção, criando um vínculo massivo e catártico. Nas propostas que se utilizam do figurino-penetrante, na maioria das vezes, o repulsivo é o mote desencadeador, à vista do público, nem sempre com objetivos catárticos, e nem sempre redentores, mas como uma performatividade que exibe um limiar entre arte/vida, e cuja regra pode ser o limite vida/morte. 5 BOHM, ibdem, p. 52. 167

modo que podemos afirmar que muitos poucos indivíduos realmente existiram. (...) A indivi-<br />

dualidade só é possível enquanto desdobramento do todo 5 . O ponto de consolo encontrado<br />

nas palavras de Bohm talvez seja a condição menos solitária e a noção de que o sujeito não<br />

se empareda pelas suas camadas.<br />

Este mesmo consolo cria um lugar de confluências entre as experiências advindas<br />

das ordens da metafísica e da física. A vontade de alcançar o incomensurável se aproxima da<br />

vontade de individualidade. Mas há que se sublinhar o entendimento de assinalação como<br />

um divisor dos tempos. Se antes, ela se dava como representação, no sentido de produzir<br />

significados e de traduzir outros planos, como reflexo de uma natureza superior, agora ela é<br />

tratada no âmbito do “aqui”, e em si mesma como natureza indivisa.<br />

E se o descontentamento surge com a noção apresentada de individualidade, aparentemente<br />

tão limitada, quase imperceptível, este pode ser compensado pela requintada noção<br />

de coletividade. Não mais um todo massivo, a coletividade se põe como um todo dependente<br />

de suas partes mais ínfimas e complexas, não unívocas, não idênticas.<br />

Também faceando este mesmo debate, o numinoso X ominoso demarca-se como<br />

uma linha separadora de posturas diferenciadas. Para a presente pesquisa não se constata a<br />

necessidade de precisar o momento em que o ominoso ganha terreno nas experiências artísticas<br />

e não artísticas, mas de apontá-lo como um rompimento com as hierarquias: do ponto<br />

de vista da crença, estende-se como face da Natureza Naturante, não esplêndida, mas nefasta,<br />

execrável; e do ponto de vista da tautologia, oportunizando novos entendimentos do corpo<br />

humano, como forma e como matéria. Vale lembrar da figura de Frankenstein a rivalizar<br />

com a Natureza Naturante, criando uma espécie sem liames.<br />

De todo modo, o ominoso gera um espaço de reflexão da individualidade, deixando<br />

para trás a experiência da fascinação e do terror ligadas ao aniquilamento redentor. E como<br />

metáfora se poderia pensar nas representações teatrais gregas que, prezando pela verossimilhança,<br />

ocultavam da cena o horror, o repulsivo. Esta ocultação ganhava forças no imaginá-<br />

rio da recepção, criando um vínculo massivo e catártico. Nas propostas que se utilizam do<br />

figurino-penetrante, na maioria das vezes, o repulsivo é o mote desencadeador, à vista do<br />

público, nem sempre com objetivos catárticos, e nem sempre redentores, mas como uma<br />

performatividade que exibe um limiar entre arte/vida, e cuja regra pode ser o limite vida/morte.<br />

5 BOHM, ibdem, p. 52.<br />

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