AMABILIS DE JESUS DA SILVA FIGURINO-PENETRANTE: UM ...

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Em outra conferência mecatrônica, Transpermia (2003), Antunez utiliza-se de vários procedimentos para atingir seu plano redentor. Composta por um cenário de estação espaci- al, como metáfora, a proposição desenvolve-se com ações híbridas, alternando-se em per- formance, concerto e conferência. O artista veste seu dreskeleton e com ela samplea sua voz, ativa e modula os sons e controla o filme projetado na tela. No último módulo, Transpermia, a ação adquire tônus de conferência, na qual suas intenções são explicitadas: 1. Interface, novos dispositivos para intervir e perceber o mundo; 2. Robôs, as máquinas como metáfora da vida; 3. Identidades efêmeras, estados transitórios de personalidade, como marco de novas experiências e como conhecimento e 4. Novas formas de criação, modelos de atividade na utopia transpérmica 76 . Atualizando a idéia dos meios de comunicação como extensão do humano, Antunez cria estes dispositivos visando o jogo entre identidade/mutabilidade para chegar no “trans”, o estado além, o estado de intensidade. No entanto, a idéia de metáfora da vida já não se sustenta, senão pelo desejo de utopia. Usufruindo dos aparatos tecnológicos seu corpo não representa, vive. O espectador não assiste, comanda. Sendo experiência dérmica, a única possibilidade de metáfora se dá pelo sonho de construção de narrativa utópica, descolada da realidade, e não na experiência em si. Antunez parece manter o sonho de Ícaro, mas suas asas não são de cera, e a natureza já não se opõe tão duramente, ela mesma modificada. A construção de uma narrativa utópica também consta numa outra proposição/demonstração de Händeler. Por ocasião da exposição do projeto desta pesquisa, o performer construiu uma variação da proposição A pele lembra: com diversas partes corpo co- bertas pelos pregadores de roupa, Händeler me pede que coloque pregadores em suas costas. Sigo, com os pregadores, o desenho de sua coluna. Passo entre os pregadores e sua pele uma corda fina, e a movimento obrigando o corpo-Händeler a se mover segundo meus comandos. Em seguida, Händeler coloca um pregador de roupa em meu pescoço e também passa uma das pontas da corda, comandando meus movimentos. Coloco outro pregador, agora em uma de suas pernas. Estamos interligados e dependentes da movimentação um do outro. Informo as instruções de uso dos pregadores aos ouvintes/participantes: se a corda for presa na parte superior do pregador seu deslizamento fica impedido e não há como es- tendê-la; caso se pretenda deixá-la maior, usa-se o vão existente no pregador. Convido uma 76 Disponível em: http://www.marceliantunez.com/tikiwiki/tiki-read_article.php?articleid=5 acesso em 24 de janeiro de 2007. 114

das participantes a tomar parte na proposição. Tempos depois, há um emaranhado de li- nhas, pois os diversos participantes estão conectados um ao outro, e dependem da movi- mentação dos outros para evitar uma dor maior no corpo, além da já sentida pelo aperto dos pregadores. Os participantes, por momentos, são um único corpo formado por pregadores, e como partes deste corpo são fundamentais na sua construção. A simplicidade da tecnologia utilizada na proposição de Händeler transita entre a metáfora e a experiência transpérmica de Antunez. Metáfora da rede informática em função de sua precariedade não alcançar os níveis possíveis aos meios tecnológicos mais avançados. No entanto, a experiência corporal encontra pontos de semelhança por se tratar de uma relação com as camadas interiores dos corpos-participantes e da interdependência gerada. Distante das metáforas, a noção de corpo obsoleto de Stelarc é já um aceno de “adeus ao corpo”. O aceno acompanha sua pergunta: a forma biológica é adequada para a quantidade, complexidade e qualidade de informações que acumulou? E sua resposta vem em seguida: Considerar o corpo obsoleto em forma e função pode ser o auge da tolice tecnológica, mas mesmo assim ele pode ser o maior das realizações humanas. E uma ponta de nostalgia em sua fala surpreende: O corpo é obsoleto. Estamos no fim da filosofia e da fisiologia humana. O pensamento humano recua para dentro do passado humano 77 . An sit? Quid sit? Quale sit? Se uma coisa existe, qual é a sua natureza e qual é a sua qualidade? Nubladas as fronteiras, resta a beleza poética do desejo de ultrapassar os limites. A matéria saiu da inércia, ou nunca nela esteve. Mas quem sabe ainda o espírito seja uma coisa e o corpo outra. Em Adeus ao corpo, Le Breton inicia dizendo que o corpo é visto por alguns entusi- astas como um vestígio indigno fadado a desaparecer em breve 78 . Para apoiar suas refle- xões, o autor reporta-se ao livro Neuromancer, de William Gibson, no qual aparece pela primeira vez o termo ciberespaço, e no qual o indício de que o corpo passaria a ser um vestí- gio no espaço consolida-se como trama norteadora. Na apresentação do protagonista do romance, Gibson descreve: Case tinha vinte e quatro anos. Aos vinte e dois era um cowboy. Cowboy fora-da-lei, um dos melhores no Sprawl. Ele havia sido treinado pelos melhores, McCoy Pauley e Bobby Quine, lendas do negócio. Na época, operava num barato quase permanente de adrenalina, subproduto da juventude e da proficiência, conectado num deck de ciberespaço cus- 77 STELARC, ibdem, p. 54. 78 LE BRETON, David. “Adeus ao copo” Trad. Paulo Neves. In: NOVAES, Adauto. O homem-máquina: a ciência manipula o corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 123. 115

Em outra conferência mecatrônica, Transpermia (2003), Antunez utiliza-se de vários<br />

procedimentos para atingir seu plano redentor. Composta por um cenário de estação espaci-<br />

al, como metáfora, a proposição desenvolve-se com ações híbridas, alternando-se em per-<br />

formance, concerto e conferência. O artista veste seu dreskeleton e com ela samplea sua voz,<br />

ativa e modula os sons e controla o filme projetado na tela. No último módulo, Transpermia,<br />

a ação adquire tônus de conferência, na qual suas intenções são explicitadas:<br />

1. Interface, novos dispositivos para intervir e perceber o mundo;<br />

2. Robôs, as máquinas como metáfora da vida;<br />

3. Identidades efêmeras, estados transitórios de personalidade, como marco de novas experiências<br />

e como conhecimento e<br />

4. Novas formas de criação, modelos de atividade na utopia transpérmica 76 .<br />

Atualizando a idéia dos meios de comunicação como extensão do humano, Antunez<br />

cria estes dispositivos visando o jogo entre identidade/mutabilidade para chegar no “trans”,<br />

o estado além, o estado de intensidade. No entanto, a idéia de metáfora da vida já não se<br />

sustenta, senão pelo desejo de utopia. Usufruindo dos aparatos tecnológicos seu corpo não<br />

representa, vive. O espectador não assiste, comanda. Sendo experiência dérmica, a única<br />

possibilidade de metáfora se dá pelo sonho de construção de narrativa utópica, descolada da<br />

realidade, e não na experiência em si. Antunez parece manter o sonho de Ícaro, mas suas<br />

asas não são de cera, e a natureza já não se opõe tão duramente, ela mesma modificada.<br />

A construção de uma narrativa utópica também consta numa outra proposição/demonstração<br />

de Händeler. Por ocasião da exposição do projeto desta pesquisa, o performer<br />

construiu uma variação da proposição A pele lembra: com diversas partes corpo co-<br />

bertas pelos pregadores de roupa, Händeler me pede que coloque pregadores em suas costas.<br />

Sigo, com os pregadores, o desenho de sua coluna. Passo entre os pregadores e sua<br />

pele uma corda fina, e a movimento obrigando o corpo-Händeler a se mover segundo meus<br />

comandos. Em seguida, Händeler coloca um pregador de roupa em meu pescoço e também<br />

passa uma das pontas da corda, comandando meus movimentos. Coloco outro pregador,<br />

agora em uma de suas pernas. Estamos interligados e dependentes da movimentação um do<br />

outro. Informo as instruções de uso dos pregadores aos ouvintes/participantes: se a corda<br />

for presa na parte superior do pregador seu deslizamento fica impedido e não há como es-<br />

tendê-la; caso se pretenda deixá-la maior, usa-se o vão existente no pregador. Convido uma<br />

76 Disponível em: http://www.marceliantunez.com/tikiwiki/tiki-read_article.php?articleid=5 acesso em<br />

24 de janeiro de 2007.<br />

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