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“A coordenar jornais<br />
stressava-me muito mais do que<br />
quando estava numa guerra„<br />
Depois de ter sofrido um enfarte<br />
do miocárdio, em 2006, o jornalista diz<br />
que deixou de adiar decisões. “Passa-se<br />
a encarar a vida de outra forma”, assegura<br />
conseguia estar cá. Queria era ir. Foi nos dois<br />
últimos anos em que estava no Expresso e<br />
em que passava mais tempo no estrangeiro<br />
do que em casa. Coisa de que a Luísa<br />
[a mulher] gostava imenso, não é?<br />
<strong>Lux</strong> – Mas estava cansado do jornalismo quando<br />
tomou a decisão de sair da SIC?<br />
P.C. – Estava cansado não do jornalismo de que<br />
falo no livro, mas do jornalismo de uma forma<br />
geral. O jornalismo que se faz hoje em dia<br />
em todos os meios de comunicação social<br />
é um jornalismo que nunca me foi muito<br />
apelativo. Por isso, era uma coisa que não me<br />
estimulava, era uma rotina que estava a<br />
tornar-se maçadora e cansativa para mim.<br />
<strong>Lux</strong> – Foi difícil tomar essa decisão?<br />
P.C. – Não, tomei-a de um dia para o outro. Não<br />
pensei muito. Na altura, fi z o raciocínio que<br />
faço em muitas coisas na vida: se o fi zer talvez<br />
me arrependa, se não o fi zer vou arrepender-me<br />
de certeza. Por isso, o melhor é fazer.<br />
<strong>Lux</strong> – E nunca se arrependeu dessa decisão?<br />
P.C. – Nunca. Tem sido uma experiência muito<br />
rica e tem sido muito agradável conhecer um<br />
novo tipo de pessoas com uma forma de ver<br />
o mundo para a qual nós, jornalistas, olhamos<br />
muitas vezes com alguma desconfi ança<br />
e até algum desdém, mas que não tem<br />
nenhuma razão de ser. Acho que faria bem a<br />
todos os jornalistas passarem pelo outro lado:<br />
saberem o que é essa experiência, onde é<br />
preciso fazer contas ao centavo, onde é preciso<br />
ter objetivos.<br />
<strong>Lux</strong> – Diz que continua a ser jornalista...<br />
P.C. – Sou um jornalista que não está no ativo,<br />
tal como um médico que gere um hospital<br />
não deixa de ser um médico. Não estou<br />
a exercer, mas é essa a minha profi ssão.<br />
<strong>Lux</strong> – Tem uma vida mais calma, agora?<br />
P.C. – Se calhar, até tenho uma carga horária<br />
maior do que tinha quando estava na SIC.<br />
Trabalho mais horas por dia e por semana.<br />
É um trabalho diferente. Não tenho picos<br />
de stress como se tem no jornalismo televisivo,<br />
nomeadamente quando se está a<br />
apresentar ou a coordenar. A coordenar<br />
jornais stressava-me muito mais do que<br />
quando estava numa guerra. Agora não tenho<br />
esses picos de stress, por isso nesse sentido<br />
tenho hoje uma vida mais sossegada apesar<br />
de ter mais horas de trabalho.<br />
<strong>Lux</strong> – O cansaço que sentia do jornalismo<br />
esteve também relacionado com o enfarte<br />
que teve em 2006?<br />
P.C. – Não. Ou por outra, possivelmente o<br />
facto de estar a fazer uma coisa que não<br />
estava a satisfazer-me e de ter percebido<br />
que a minha vida podia acabar de um dia para<br />
o outro fez-me antecipar uma decisão que<br />
andava a adiar. Mas foi só nesse sentido,<br />
não por já não ter capacidade física para<br />
o fazer.<br />
<strong>Lux</strong> – Repensou a vida depois do enfarte?<br />
P.C. – Não, só essa questão de não adiar<br />
decisões. Por exemplo, estávamos a pensar<br />
em mudar de casa há uma série de tempo<br />
e quando saí do hospital disse: vamos mudar<br />
de casa agora. E mudámos.<br />
<strong>Lux</strong> – Como é que tem sido ser avô?<br />
P.C. – Muito diferente de ser pai, mas não<br />
necessariamente melhor. Acho que as<br />
avós têm mais essa visão do que os avôs.<br />
A mim, às vezes, dá-me vontade de interferir<br />
mais do que devia na educação dele [risos].<br />
Mas não me compete fazer essas coisas,<br />
por isso faço apenas na medida em que<br />
devo fazer, sem ir contra o que os pais<br />
querem. Só tenho um, mas gostava de<br />
ter mais netos. E hão de vir.<br />
<strong>Lux</strong> – Não é daqueles avós que estragam<br />
o neto com mimos?<br />
P.C. – Não. Se calhar, ainda sou um bocadinho<br />
novo para ser um avô assim. Ainda me dá<br />
vontade de lhe dar um açoite no rabo de vez<br />
em quando [risos]. ■<br />
texto Natália Ribeiro (nribeiro@lux.iol.pt) fotos João Cabral<br />
produção Sara Bettencourt