Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Rui Moreno<br />
paulo coelho<br />
A OCASIÃO E O LADRÃO<br />
OS DOIS MENINOS<br />
Uma velha história árabe conta que dois<br />
meninos – um rico e um pobre – voltavam<br />
do mercado. O rico trazia biscoitos untados<br />
com mel, e o pobre trazia um pedaço<br />
de pão velho.<br />
– Deixo-te comer o meu biscoito, se<br />
fi zeres de cão para mim – disse o rico.<br />
O menino pobre aceitou, e – de quatro na<br />
calçada – começou a comer as guloseimas<br />
do menino rico.<br />
O sábio Fath, que assistia à cena, comentou:<br />
– Se este menino pobre tivesse um pouco<br />
de dignidade, acabaria por descobrir<br />
uma maneira de ganhar dinheiro. Mas ele<br />
prefere tornar-se o cão do menino rico, e<br />
comer o seu biscoito. Amanhã, quando<br />
for grande, fará o mesmo por um cargo<br />
público, e será capaz de trair o seu país<br />
por uma bolsa de ouro.<br />
EVITANDO AJUDAR O DEMÓNIO<br />
– Muitas vezes somos instrumentos do<br />
mal, quando tentamos praticar o bem – disse<br />
Al-Fahid ao seu amigo. – Procuro estar<br />
sempre alerta, mas hoje fui usado pelo<br />
demónio.<br />
“Se este menino pobre tivesse um pouco<br />
de dignidade, acabaria por descobrir uma maneira<br />
de ganhar dinheiro. Mas ele prefere tornar-se o cão<br />
do menino rico, e comer o seu biscoito„<br />
– Como? Você tem fama de sábio!<br />
– Esta manhã fui fazer as preces na mesquita.<br />
Respeitando a tradição, tirei os sapatos<br />
antes de entrar. À saída, reparei que<br />
tinham sido roubados: acabei por criar<br />
um ladrão.<br />
– Mas não é sua culpa – disse o amigo.<br />
– É minha culpa. É fácil despertar o lado<br />
mau do nosso próximo. É fácil irritar<br />
alguém, semear a discórdia, levantar<br />
dúvidas, separar irmãos. O demónio<br />
precisa do homem para realizar os seus<br />
atos – e por isso sou responsável.<br />
O CONDENADO À MORTE<br />
O grupo passou pela rua: os soldados<br />
levavam um condenado para a forca.<br />
– Este homem não prestava – comentou<br />
um discípulo com Awas-el Salam. – Uma<br />
vez dei-lhe uma moeda de prata para<br />
o ajudar a levantar-se da miséria, e ele<br />
não fez nada de importante.<br />
– Talvez ele não preste, mas pode estar agora<br />
a caminhar para a forca por sua causa.<br />
É possível que tenha utilizado o dinheiro<br />
que você lhe deu para comprar um punhal,<br />
que acabou por usar no crime cometido;<br />
então, as suas mãos também estão ensanguentadas.<br />
Em vez de procurar apoiá-lo<br />
com amor e carinho, preferiu dar-lhe uma<br />
esmola e livrar-se da sua obrigação.<br />
DIANTE DE DEUS<br />
Um velho vendia brinquedos no mercado<br />
de Bagdad. Os seus compradores,<br />
sabendo que ele estava com a visão<br />
fraca, de vez em quando pagavam com<br />
moedas falsas.<br />
O velho percebia o truque – mas não<br />
dizia nada. Nas suas orações, pedia a<br />
Deus que perdoasse os que o enganavam.<br />
“Talvez estejam com pouco dinheiro,<br />
e querem comprar presentes para os<br />
fi lhos”, dizia consigo mesmo.<br />
O tempo passou, e o homem morreu.<br />
Diante do portal do Paraíso, rezou mais<br />
uma vez:<br />
– Senhor! – disse. – Sou um pecador.<br />
Fiz muita coisa errada, não sou melhor do<br />
que as moedas falsas que recebi. Perdoai-me!<br />
Nesse momento, o portão abriu-se e uma<br />
Voz disse:<br />
– Perdoar o quê? Como é que posso<br />
julgar alguém que, em toda a sua vida,<br />
jamais julgou os outros?<br />
www.paulocoelhoblog.com