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RTJ 207-1.indb - Supremo Tribunal Federal

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Revista Trimestral de Jurisprudência<br />

volume <strong>207</strong> – número 1<br />

janeiro a março de 2009<br />

páginas 1 a 460


Diretoria-Geral<br />

Alcides Diniz da Silva<br />

Secretaria de Documentação<br />

Janeth Aparecida Dias de Melo<br />

Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência<br />

Nayse Hillesheim<br />

Seção de Preparo de Publicações<br />

Leide Maria Soares Corrêa Cesar<br />

Seção de Padronização e Revisão<br />

Rochelle Quito<br />

Seção de Distribuição de Edições<br />

Leila Corrêa Rodrigues<br />

Diagramação: Eduardo Franco Dias<br />

Capa: Núcleo de Programação Visual<br />

(<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)<br />

Revista trimestral de jurisprudência / <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, Coordenadoria de Divulgação<br />

de Jurisprudência. – Ano 1, n. 1 (abr./jun. 1957)- . –<br />

Brasília: Imprensa Nacional, 1957-.<br />

v. <strong>207</strong>-1; 22 cm.<br />

Três números a cada trimestre.<br />

Editores: Editora Brasília Jurídica, 2002-2006; <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, 2007- .<br />

ISSN 0035-0540<br />

1. Direito - Jurisprudência - Brasil. I. Brasil. <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (STF).<br />

Solicita-se permuta.<br />

Pídese canje.<br />

On demande l’échange.<br />

Si richiede lo scambio.<br />

We ask for exchange.<br />

Wir bitten um Austausch.<br />

CDD 340.6<br />

STF/CDJU<br />

Anexo II, Cobertura<br />

Praça dos Três Poderes<br />

70175-900 – Brasília-DF<br />

rtj@stf.gov.br<br />

Fone: (0xx61) 3217-4766


SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL<br />

Ministro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002), Presidente<br />

Ministro Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003), Vice-Presidente<br />

Ministro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989)<br />

Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990)<br />

Ministra ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000)<br />

Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO (25-6-2003)<br />

Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003)<br />

Ministro EROS Roberto GRAU (30-6-2004)<br />

Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (16-3-2006)<br />

Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha (21-6-2006)<br />

Ministro Carlos Alberto MENEZES DIREITO (5-9-2007)<br />

COMPOSIÇÃO DAS TURMAS<br />

PRIMEIRA TURMA<br />

Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO, Presidente<br />

Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello<br />

Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI<br />

Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha<br />

Ministro Carlos Alberto MENEZES DIREITO<br />

SEGUNDA TURMA<br />

Ministra ELLEN GRACIE Northfleet, Presidente<br />

Ministro José CELSO DE MELLO Filho<br />

Ministro Antonio CEZAR PELUSO<br />

Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes<br />

Ministro EROS Roberto GRAU<br />

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA<br />

Doutor ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA


COMPOSIÇÃO DAS COMISSÕES<br />

COMISSÃO DE REGIMENTO<br />

Ministro MARCO AURÉLIO<br />

Ministra CÁRMEN LÚCIA<br />

Ministro CEZAR PELUSO<br />

Ministro MENEZES DIREITO – Suplente<br />

COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA<br />

Ministra ELLEN GRACIE<br />

Ministro JOAQUIM BARBOSA<br />

Ministro RICARDO LEWANDOWSKI<br />

COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO<br />

Ministro CEZAR PELUSO<br />

Ministro CARLOS BRITTO<br />

Ministro EROS GRAU<br />

COMISSÃO DE COORDENAÇÃO<br />

Ministro CELSO DE MELLO<br />

Ministro EROS GRAU<br />

Ministro MENEZES DIREITO


SUMÁRIO<br />

Pág.<br />

ACÓRDÃOS ....................................................................................................... 9<br />

ÍNDICE ALFABÉTICO .............................................................................. 431<br />

ÍNDICE NUMÉRICO .................................................................................. 457


ACÓRDÃOS


MANDADO DE INJUNÇÃO 670 — ES<br />

Relator: O Sr. Ministro Maurício Corrêa<br />

Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Gilmar Mendes<br />

Impetrante: Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito<br />

Santo – SINDPOL — Impetrado: Congresso Nacional<br />

Mandado de injunção. Garantia fundamental (cf, art. 5º,<br />

inciso LXXI). Direito de greve dos servidores públicos civis<br />

(cf, art. 37, inciso VII). Evolução do tema na jurisprudência do<br />

<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (STF). Definição dos parâmetros de<br />

competência constitucional para apreciação no âmbito da Justiça<br />

<strong>Federal</strong> e da Justiça estadual até a edição da legislação específica<br />

pertinente, nos termos do art. 37, VII, da CF. Em observância<br />

aos ditames da segurança jurídica e à evolução jurisprudencial<br />

na interpretação da omissão legislativa sobre o direito de greve<br />

dos servidores públicos civis, fixação do prazo de 60 (sessenta)<br />

dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria.<br />

Mandado de injunção deferido para determinar a aplicação das<br />

Leis 7.701/88 e 7.783/89.<br />

1. Sinais de evolução da garantia fundamental do mandado de<br />

injunção na jurisprudência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (STF).<br />

1.1. No julgamento do MI 107/DF, Relator o Ministro<br />

Moreira Alves, DJ de 21-9-90, o Plenário do STF consolidou<br />

entendimento que conferiu ao mandado de injunção os seguintes<br />

elementos operacionais: i) os direitos constitucionalmente<br />

garantidos por meio de mandado de injunção apresentam-se<br />

como direitos à expedição de um ato normativo, os quais, via de<br />

regra, não poderiam ser diretamente satisfeitos por meio de provimento<br />

jurisdicional do STF; ii) a decisão judicial que declara a


12<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

existência de uma omissão inconstitucional constata, igualmente,<br />

a mora do órgão ou poder legiferante, insta-o a editar a norma<br />

requerida; iii) a omissão inconstitucional tanto pode referir-se a<br />

uma omissão total do legislador quanto a uma omissão parcial;<br />

iv) a decisão proferida em sede do controle abstrato de normas<br />

acerca da existência, ou não, de omissão é dotada de eficácia<br />

erga omnes, e não apresenta diferença significativa em relação<br />

a atos decisórios proferidos no contexto de mandado de injunção;<br />

iv) o STF possui competência constitucional para, na ação<br />

de mandado de injunção, determinar a suspensão de processos<br />

administrativos ou judiciais, com o intuito de assegurar ao interessado<br />

a possibilidade de ser contemplado por norma mais benéfica,<br />

ou que lhe assegure o direito constitucional invocado; v)<br />

por fim, esse plexo de poderes institucionais legitima que o STF<br />

determine a edição de outras medidas que garantam a posição do<br />

impetrante até a oportuna expedição de normas pelo legislador.<br />

1.2. Apesar dos avanços proporcionados por essa construção<br />

jurisprudencial inicial, o STF flexibilizou a interpretação<br />

constitucional primeiramente fixada para conferir uma compreensão<br />

mais abrangente à garantia fundamental do mandado<br />

de injunção. A partir de uma série de precedentes, o <strong>Tribunal</strong><br />

passou a admitir soluções “normativas” para a decisão judicial<br />

como alternativa legítima de tornar a proteção judicial efetiva<br />

(CF, art. 5º, XXXV). Precedentes: MI 283, Rel. Min. Sepúlveda<br />

Pertence, DJ de 14-11-91; MI 232/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJ<br />

de 27-3-92; MI 284, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ o ac. Min.<br />

Celso de Mello, DJ de 26-6-92; MI 543/DF, Rel. Min. Octavio<br />

Gallotti, DJ de 24-5-02; MI 679/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ<br />

de 17-12-02; e MI 562/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 20-6-03.<br />

2. O mandado de injunção e o direito de greve dos servidores<br />

públicos civis na jurisprudência do STF.<br />

2.1. O tema da existência, ou não, de omissão legislativa<br />

quanto à definição das possibilidades, condições e limites para o<br />

exercício do direito de greve por servidores públicos civis já foi,<br />

por diversas vezes, apreciado pelo STF. Em todas as oportunidades,<br />

esta Corte firmou o entendimento de que o objeto do mandado<br />

de injunção cingir-se-ia à declaração da existência, ou não,<br />

de mora legislativa para a edição de norma regulamentadora<br />

específica. Precedentes: MI 20/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ<br />

de 22-11-96; MI 585/TO, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 2-8-02; e<br />

MI 485/MT, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 23-8-02.<br />

2.2. Em alguns precedentes (em especial, no voto do Ministro<br />

Carlos Velloso, proferido no julgamento do MI 631/MS, Rel.<br />

Min. Ilmar Galvão, DJ de 2-8-02), aventou-se a possibilidade de


R.T.J. — <strong>207</strong> 13<br />

aplicação aos servidores públicos civis da lei que disciplina os<br />

movimentos grevistas no âmbito do setor privado (Lei 7.783/89).<br />

3. Direito de greve dos servidores públicos civis. Hipótese<br />

de omissão legislativa inconstitucional. Mora judicial, por diversas<br />

vezes, declarada pelo Plenário do STF. Riscos de consolidação<br />

de típica omissão judicial quanto à matéria. A experiência<br />

do direito comparado. Legitimidade de adoção de alternativas<br />

normativas e institucionais de superação da situação de omissão.<br />

3.1. A permanência da situação de não-regulamentação do<br />

direito de greve dos servidores públicos civis contribui para a ampliação<br />

da regularidade das instituições de um Estado democrático<br />

de Direito (CF, art. 1º). Além de o tema envolver uma série de questões<br />

estratégicas e orçamentárias diretamente relacionadas aos<br />

serviços públicos, a ausência de parâmetros jurídicos de controle<br />

dos abusos cometidos na deflagração desse tipo específico de movimento<br />

grevista tem favorecido que o legítimo exercício de direitos<br />

constitucionais seja afastado por uma verdadeira “lei da selva”.<br />

3.2. Apesar das modificações implementadas pela Emenda<br />

Constitucional 19/98 quanto à modificação da reserva legal de<br />

lei complementar para a de lei ordinária específica (CF, art. 37,<br />

VII), observa-se que o direito de greve dos servidores públicos<br />

civis continua sem receber tratamento legislativo minimamente<br />

satisfatório para garantir o exercício dessa prerrogativa em consonância<br />

com imperativos constitucionais.<br />

3.3. Tendo em vista as imperiosas balizas jurídico-políticas,<br />

que demandam a concretização do direito de greve a todos os trabalhadores,<br />

o STF não pode se abster de reconhecer que, assim<br />

como o controle judicial deve incidir sobre a atividade do legislador,<br />

é possível que a Corte Constitucional atue também nos casos<br />

de inatividade ou omissão do Legislativo.<br />

3.4. A mora legislativa em questão já foi, por diversas vezes,<br />

declarada na ordem constitucional brasileira. Por esse motivo, a<br />

permanência dessa situação de ausência de regulamentação do<br />

direito de greve dos servidores públicos civis passa a invocar,<br />

para si, os riscos de consolidação de uma típica omissão judicial.<br />

3.5. Na experiência do direito comparado (em especial, na<br />

Alemanha e na Itália), admite-se que o Poder Judiciário adote<br />

medidas normativas como alternativa legítima de superação de<br />

omissões inconstitucionais, sem que a proteção judicial efetiva<br />

a direitos fundamentais se configure como ofensa ao modelo de<br />

separação de poderes (CF, art. 2º).<br />

4. Direito de greve dos servidores públicos civis. Regulamentação<br />

da lei de greve dos trabalhadores em geral (Lei


14<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

7.783/89). Fixação de parâmetros de controle judicial do exercício<br />

do direito de greve pelo legislador infraconstitucional.<br />

4.1. A disciplina do direito de greve para os trabalhadores<br />

em geral, quanto às “atividades essenciais”, é especificamente delineada<br />

nos arts. 9º a 11 da Lei 7.783/89. Na hipótese de aplicação<br />

dessa legislação geral ao caso específico do direito de greve dos<br />

servidores públicos, antes de tudo, afigura-se inegável o conflito<br />

existente entre as necessidades mínimas de legislação para o exercício<br />

do direito de greve dos servidores públicos civis (CF, art. 9º,<br />

caput, c/c art. 37, VII), de um lado, e o direito a serviços públicos<br />

adequados e prestados de forma contínua a todos os cidadãos<br />

(CF, art. 9º, § 1º), de outro. Evidentemente, não se outorgaria<br />

ao legislador qualquer poder discricionário quanto à edição, ou<br />

não, da lei disciplinadora do direito de greve. O legislador poderia<br />

adotar um modelo mais ou menos rígido, mais ou menos restritivo<br />

do direito de greve no âmbito do serviço público, mas não<br />

poderia deixar de reconhecer direito previamente definido pelo<br />

texto da Constituição. Considerada a evolução jurisprudencial<br />

do tema perante o STF, em sede do mandado de injunção, não se<br />

pode atribuir amplamente ao legislador a última palavra acerca<br />

da concessão, ou não, do direito de greve dos servidores públicos<br />

civis, sob pena de se esvaziar direito fundamental positivado. Tal<br />

premissa, contudo, não impede que, futuramente, o legislador<br />

infraconstitucional confira novos contornos acerca da adequada<br />

configuração da disciplina desse direito constitucional.<br />

4.2 Considerada a omissão legislativa alegada na espécie,<br />

seria o caso de se acolher a pretensão, tão-somente no sentido de<br />

que se aplique a Lei 7.783/89 enquanto a omissão não for devidamente<br />

regulamentada por lei específica para os servidores públicos<br />

civis (CF, art. 37, VII).<br />

4.3 Em razão dos imperativos da continuidade dos serviços<br />

públicos, contudo, não se pode afastar que, de acordo com as peculiaridades<br />

de cada caso concreto e mediante solicitação de entidade<br />

ou órgão legítimo, seja facultado ao tribunal competente<br />

impor a observância a regime de greve mais severo em razão de<br />

tratar-se de “serviços ou atividades essenciais”, nos termos do<br />

regime fixado pelos arts. 9º a 11 da Lei 7.783/89. Isso ocorre porque<br />

não se pode deixar de cogitar dos riscos decorrentes das possibilidades<br />

de que a regulação dos serviços públicos que tenham<br />

características afins a esses “serviços ou atividades essenciais”<br />

seja menos severa que a disciplina dispensada aos serviços privados<br />

ditos “essenciais”.<br />

4.4. O sistema de judicialização do direito de greve dos<br />

servidores públicos civis está aberto para que outras atividades


R.T.J. — <strong>207</strong> 15<br />

sejam submetidas a idêntico regime. Pela complexidade e variedade<br />

dos serviços públicos e atividades estratégicas típicas do<br />

Estado, há outros serviços públicos, cuja essencialidade não está<br />

contemplada pelo rol dos arts. 9º a 11 da Lei 7.783/89. Para os<br />

fins desta decisão, a enunciação do regime fixado pelos arts. 9º<br />

a 11 da Lei 7.783/89 é apenas exemplificativa (numerus apertus).<br />

5. O processamento e o julgamento de eventuais dissídios<br />

de greve que envolvam servidores públicos civis devem obedecer<br />

ao modelo de competências e atribuições aplicável aos trabalhadores<br />

em geral (celetistas), nos termos da regulamentação da Lei<br />

7.783/89. A aplicação complementar da Lei 7.701/88 visa à judicialização<br />

dos conflitos que envolvam os servidores públicos civis<br />

no contexto do atendimento de atividades relacionadas a necessidades<br />

inadiáveis da comunidade que, se não atendidas, coloquem<br />

“em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da<br />

população” (Lei 7.783/89, parágrafo único, art. 11).<br />

5.1. Pendência do julgamento de mérito da ADI 3.395/DF,<br />

Relator o Ministro Cezar Peluso, na qual se discute a competência<br />

constitucional para a apreciação das “ações oriundas da<br />

relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo<br />

e da administração pública direta e indireta da União, dos<br />

Estados, do Distrito <strong>Federal</strong> e dos Municípios” (CF, art. 114, I, na<br />

redação conferida pela EC 45/04).<br />

5.2. Diante da singularidade do debate constitucional do direito<br />

de greve dos servidores públicos civis, sob pena de injustificada<br />

e inadmissível negativa de prestação jurisdicional nos âmbitos<br />

federal, estadual e municipal, devem-se fixar também os parâmetros<br />

institucionais e constitucionais de definição de competência,<br />

provisória e ampliativa, para a apreciação de dissídios de greve<br />

instaurados entre o poder público e os servidores públicos civis.<br />

5.3. No plano procedimental, afigura-se recomendável aplicar<br />

ao caso concreto a disciplina da Lei 7.701/88 (que versa sobre especialização<br />

das turmas dos Tribunais do Trabalho em processos coletivos),<br />

no que tange à competência para apreciar e julgar eventuais<br />

conflitos judiciais referentes à greve de servidores públicos que sejam<br />

suscitados até o momento de colmatação legislativa específica<br />

da lacuna ora declarada, nos termos do inciso VII do art. 37 da CF.<br />

5.4. A adequação e a necessidade da definição dessas questões<br />

de organização e procedimento dizem respeito a elementos<br />

de fixação de competência constitucional de modo a assegurar,<br />

a um só tempo, a possibilidade e, sobretudo, os limites ao exercício<br />

do direito constitucional de greve dos servidores públicos,<br />

e a continuidade na prestação dos serviços públicos. Ao adotar


16<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

essa medida, este <strong>Tribunal</strong> passa a assegurar o direito de greve<br />

constitucionalmente garantido no art. 37, VII, da Constituição<br />

<strong>Federal</strong>, sem desconsiderar a garantia da continuidade de prestação<br />

de serviços públicos – um elemento fundamental para a<br />

preservação do interesse público em áreas que são extremamente<br />

demandadas pela sociedade.<br />

6. Definição dos parâmetros de competência constitucional<br />

para apreciação do tema no âmbito da Justiça <strong>Federal</strong> e da<br />

Justiça estadual até a edição da legislação específica pertinente,<br />

nos termos do art. 37, VII, da CF. Fixação do prazo de 60 (sessenta)<br />

dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria.<br />

Mandado de injunção deferido para determinar a aplicação<br />

das Leis 7.701/88 e 7.783/89.<br />

6.1. Aplicabilidade aos servidores públicos civis da Lei<br />

7.783/89, sem prejuízo de que, diante do caso concreto e mediante<br />

solicitação de entidade ou órgão legítimo, seja facultado ao juízo<br />

competente a fixação de regime de greve mais severo, em razão<br />

de tratarem de “serviços ou atividades essenciais” (Lei 7.783/89,<br />

arts. 9º a 11).<br />

6.2. Nessa extensão do deferimento do mandado de injunção,<br />

aplicação da Lei 7.701/88, no que tange à competência para<br />

apreciar e julgar eventuais conflitos judiciais referentes à greve<br />

de servidores públicos que sejam suscitados até o momento de<br />

colmatação legislativa específica da lacuna ora declarada, nos<br />

termos do inciso VII do art. 37 da CF.<br />

6.3. Até a devida disciplina legislativa, devem-se definir<br />

as situações provisórias de competência constitucional para a<br />

apreciação desses dissídios no contexto nacional, regional, estadual<br />

e municipal. Assim, nas condições acima especificadas, se<br />

a paralisação for de âmbito nacional, ou abranger mais de uma<br />

região da justiça federal, ou ainda, compreender mais de uma<br />

unidade da federação, a competência para o dissídio de greve<br />

será do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça (por aplicação analógica do<br />

art. 2º, I, a, da Lei 7.701/88). Ainda no âmbito federal, se a controvérsia<br />

estiver adstrita a uma única região da justiça federal,<br />

a competência será dos Tribunais Regionais Federais (aplicação<br />

analógica do art. 6º da Lei 7.701/88). Para o caso da jurisdição no<br />

contexto estadual ou municipal, se a controvérsia estiver adstrita<br />

a uma unidade da federação, a competência será do respectivo<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça (também por aplicação analógica do art. 6º<br />

da Lei 7.701/88). As greves de âmbito local ou municipal serão<br />

dirimidas pelo <strong>Tribunal</strong> de Justiça ou <strong>Tribunal</strong> Regional <strong>Federal</strong><br />

com jurisdição sobre o local da paralisação, conforme se trate de<br />

greve de servidores municipais, estaduais ou federais.


R.T.J. — <strong>207</strong> 17<br />

6.4. Considerados os parâmetros acima delineados, a par<br />

da competência para o dissídio de greve em si, no qual se discuta<br />

a abusividade, ou não, da greve, os referidos tribunais, nos âmbitos<br />

de sua jurisdição, serão competentes para decidir acerca<br />

do mérito do pagamento, ou não, dos dias de paralisação em<br />

consonância com a excepcionalidade de que esse juízo se reveste.<br />

Nesse contexto, nos termos do art. 7º da Lei 7.783/89, a deflagração<br />

da greve, em princípio, corresponde à suspensão do contrato<br />

de trabalho. Como regra geral, portanto, os salários dos dias de<br />

paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em que a greve<br />

tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento aos<br />

servidores públicos civis, ou por outras situações excepcionais<br />

que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato<br />

de trabalho (art. 7º da Lei 7.783/89, in fine).<br />

6.5. Os Tribunais mencionados também serão competentes<br />

para apreciar e julgar medidas cautelares eventualmente incidentes<br />

relacionadas ao exercício do direito de greve dos servidores<br />

públicos civis, tais como: i) aquelas nas quais se postule a<br />

preservação do objeto da querela judicial, qual seja, o percentual<br />

mínimo de servidores públicos que deve continuar trabalhando<br />

durante o movimento paredista, ou mesmo a proibição de qualquer<br />

tipo de paralisação; ii) os interditos possessórios para a<br />

desocupação de dependências dos órgãos públicos eventualmente<br />

tomados por grevistas; e iii) as demais medidas cautelares que<br />

apresentem conexão direta com o dissídio coletivo de greve.<br />

6.6. Em razão da evolução jurisprudencial sobre o tema da<br />

interpretação da omissão legislativa do direito de greve dos servidores<br />

públicos civis e em respeito aos ditames de segurança jurídica,<br />

fixa-se o prazo de 60 (sessenta) dias para que o Congresso<br />

Nacional legisle sobre a matéria.<br />

6.7. Mandado de injunção conhecido e, no mérito, deferido<br />

para, nos termos acima especificados, determinar a aplicação das<br />

Leis 7.701/88 e 7.783/89 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam<br />

a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen<br />

Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

maioria de votos, conhecer do mandado de injunção e propor a solução para a<br />

omissão legislativa com a aplicação da Lei 7.783, de 28 de junho de 1989, no<br />

que couber.<br />

Brasília, 25 de outubro de 2007 — Gilmar Mendes, Relator para o acórdão.


18<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Maurício Corrêa: O Sindicato dos Servidores Policiais<br />

Civis do Espírito Santo (SINDIPOL) impetra mandado de injunção coletivo<br />

contra o Congresso Nacional, com pedido de medida liminar, objetivando seja<br />

reconhecido o direito de greve da categoria, com base na Lei federal 7.783/89,<br />

dada a falta de norma regulamentadora da disposição contida no inciso VII do<br />

art. 37 da Constituição de 1988.<br />

2. Esclarece que após exaustivas e infrutíferas negociações com o Governo<br />

do Estado, que se recusou a atender reivindicações mínimas da categoria,<br />

viu-se na obrigação de deflagrar um movimento grevista na Polícia Civil capixaba.<br />

O Juiz da Vara de Feitos da Fazenda Pública Estadual, contudo, deferiu<br />

tutela antecipada em ação ordinária (Processo 024.010.028918), impedindo o<br />

exercício do direito constitucional de greve por parte dos seus associados, que se<br />

encontram sob ameaça de prisão, pagamento de multa diária e de corte do ponto.<br />

3. Fundamentando-se em julgados desta Corte e do <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

espírito-santense, afirma que não se pode admitir que a mora do legislador em<br />

regulamentar o direito de greve assegurado pelo constituinte originário sirva<br />

de pretexto para punições absurdas contra o trabalhador. Segue-se o argumento<br />

de que o “STF tem entendido que, não obstante o ‘caráter mandamental’ do<br />

instituto, é possível a cominação de prazo para o órgão competente editar a<br />

norma demandada, suprindo, assim, a mora legislativa, sob pena de, vencido<br />

esse prazo, assegurar, concretamente, apenas em relação ao impetrante, o exercício<br />

do direito inviabilizado pela falta da norma”, conforme ensina Hely Lopes<br />

Meirelles e outros administrativistas que menciona.<br />

4. Requer o Impetrante a citação do Congresso Nacional para que regulamente<br />

o inciso VII do art. 37 da Carta <strong>Federal</strong>, no prazo de trinta dias, e a suspensão<br />

liminar dos efeitos da sentença proferida pelo Juiz da 1ª Vara dos Feitos<br />

da Fazenda Pública Estadual de Vitória, que “proibiu o movimento paredista”<br />

deflagrado pela categoria (fl. 26). No mérito, pede seja julgado procedente o mandado<br />

de injunção, garantindo-se aos seus associados o direito de greve na forma<br />

da Lei 7.783/89, enquanto não editada norma específica, bem como para declarar<br />

a nulidade do Processo 024.010.018.918 instaurado pelo Estado do Espírito Santo.<br />

5. Pela decisão de fl. 69, indeferi o pedido de medida liminar e determinei<br />

fossem solicitadas informações à autoridade impetrada, que encaminhou resposta<br />

aduzindo não estar caracterizada a inércia do Congresso Nacional, uma vez que<br />

ali se encontram em tramitação várias proposições acerca da matéria (fls. 75/79).<br />

6. O Procurador-Geral da República Professor Geraldo Brindeiro alude a<br />

precedente desta Corte em que foi concedido o writ tão-só para reconhecer a<br />

mora do Congresso Nacional na elaboração da lei complementar a que se refere<br />

o art. 37, VII, da Constituição (fls. 81/83), e afinal opina pelo deferimento parcial<br />

do mandado de injunção.<br />

7. Após a manifestação do Parquet, o Impetrante compareceu aos autos<br />

(fls. 86/90) para noticiar a edição da Lei 7.311/01, que regulamentou o direito de


R.T.J. — <strong>207</strong> 19<br />

greve dos servidores públicos estaduais, e, em decorrência, requer seja reconhecida<br />

a eficácia desse diploma legal até que venha a ser promulgada lei federal<br />

estabelecendo normas gerais sobre a matéria.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Relator): A jurisprudência desta Corte<br />

firmou entendimento de que o julgamento do mandado de injunção tem como<br />

finalidade verificar se há mora, ou não, da autoridade ou do Poder de que depende<br />

a elaboração de lei regulamentadora do Texto Constitucional, cuja lacuna<br />

torne inviável o exercício dos direitos, liberdades e prerrogativas asseguradas<br />

pela Carta <strong>Federal</strong>.<br />

2. Ocorre que não pode o Poder Judiciário, nos limites da especificidade<br />

do mandado de injunção, garantir ao Impetrante o direito de greve. Caso assim<br />

procedesse, substituir-se-ia ao legislador ordinário, o que extrapolaria o âmbito<br />

da competência prevista na Constituição. Também não lhe é facultado fixar<br />

prazo para que o Congresso Nacional aprove a respectiva proposição legislativa,<br />

nem anular sentença judicial, convolando o mandado de injunção em tipo de<br />

recurso não previsto na legislação processual.<br />

3. Quanto ao pedido formulado após a manifestação do Ministério Público<br />

<strong>Federal</strong>, para que seja reconhecida a eficácia da Lei Estadual 7.311/02, anoto que<br />

não é possível atendê-lo, quer pela impropriedade do meio utilizado, quer pela<br />

vedação processual de se modificar a inicial depois de a autoridade coatora 1 ter<br />

se pronunciado (CPC, art. 264 – aplicação subsidiária).<br />

4. Relativamente à lacuna da norma regulamentadora do dispositivo constitucional<br />

em questão, assinalo que pedido idêntico já foi apreciado por esta Corte, a<br />

qual reconheceu a “mora do Congresso Nacional quanto à elaboração da lei complementar<br />

a que se refere o art. 37, VII, da Constituição. Comunicação ao Congresso<br />

Nacional e ao Presidente da República” (MI 438/GO, Néri da Silveira, DJ de<br />

16-6-95). No mesmo sentido, o MI 485/MT, de que fui Relator, DJ de 23-8-02.<br />

Ante tais circunstâncias, conheço, em parte, do mandado de injunção,<br />

apenas para declarar a mora do Congresso Nacional quanto à edição da norma<br />

regulamentadora do art. 37, VII, da Carta da República, devendo, quanto a este<br />

fato, ser oficiado ao órgão impetrado.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

MI 670/ES — Relator: Ministro Maurício Corrêa. Impetrante: Sindicato<br />

dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo – SINDIPOL<br />

(Advogados: Homero Junger Mafra e outro). Impetrado: Congresso Nacional.<br />

1<br />

“Art. 264. Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento<br />

do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei.”


20<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Decisão: Após o voto do Ministro Maurício Corrêa, Relator, conhecendo, em<br />

parte, da impetração, e, nessa parte, acolhendo-a para certificar a mora do Congresso<br />

Nacional, pediu vista o Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, justificadamente, os<br />

Ministros Celso de Mello e Nelson Jobim. Presidência do Ministro Marco Aurélio.<br />

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />

Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Maurício Corrêa, Ellen Gracie e Gilmar<br />

Mendes. Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro.<br />

Brasília, 15 de maio de 2003 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.<br />

VOTO<br />

(Vista)<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de mandado de injunção no qual<br />

o Impetrante postula o reconhecimento do direito de greve.<br />

O Ministro Maurício Corrêa (Relator originário destes autos) fixou no seu<br />

voto a seguinte orientação:<br />

A jurisprudência desta Corte firmou entendimento de que o julgamento do<br />

mandado de injunção tem como finalidade verificar se há mora, ou não, da autoridade<br />

ou do Poder de que depende a elaboração de lei regulamentadora do Texto<br />

Constitucional, cuja lacuna torne inviável o exercício dos direitos, liberdades e<br />

prerrogativas asseguradas pela Carta <strong>Federal</strong>.<br />

2. Ocorre que não pode o Poder Judiciário, nos limites da especificidade<br />

do mandado de injunção, garantir ao Impetrante o direito de greve. Caso assim<br />

procedesse, substituir-se-ia ao legislador ordinário, o que extrapolaria o âmbito<br />

da competência prevista na Constituição. Também não lhe é facultado fixar prazo<br />

para que o Congresso Nacional aprove a respectiva proposição legislativa, nem<br />

anular sentença judicial, convolando o mandado de injunção em tipo de recurso<br />

não previsto na legislação processual.<br />

3. Quanto ao pedido formulado após a manifestação do Ministério Público<br />

<strong>Federal</strong>, para que seja reconhecida a eficácia da Lei Estadual 7.311/02, anoto que<br />

não é possível atendê-lo, quer pela impropriedade do meio utilizado, quer pela<br />

vedação processual de se modificar a inicial depois de a autoridade coatora ter se<br />

pronunciado (CPC, art. 264 – aplicação subsidiária).<br />

4. Relativamente à lacuna da norma regulamentadora do dispositivo constitucional<br />

em questão, assinalo que pedido idêntico já foi apreciado por esta Corte,<br />

a qual reconheceu a “mora do Congresso Nacional quanto à elaboração da Lei<br />

Complementar a que se refere o art. 37, VII, da Constituição. Comunicação ao<br />

Congresso Nacional e ao Presidente da República” (MI 438/GO, Néri da Silveira,<br />

DJ de 16-6-95). No mesmo sentido, o MI 485/MT, de que fui Relator, DJ de 23-8-02.<br />

Ante tais circunstâncias, conheço, em parte, do mandado de injunção, apenas<br />

para declarar a mora do Congresso Nacional quanto à edição da norma regulamentadora<br />

do art. 37, VII, da Carta da República, devendo, quanto a este fato, ser<br />

oficiado ao órgão impetrado.<br />

O mandado de injunção no Direito brasileiro<br />

Em sessão de 15 de maio de 2003, pedi vista dos autos para apreciar a<br />

questão da conformação constitucional do mandado de injunção no direito


R.T.J. — <strong>207</strong> 21<br />

brasileiro e a evolução da interpretação que este <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> lhe<br />

tem conferido.<br />

Como se vê, trata-se de pedido de mandado de injunção no qual o Impetrante<br />

postula o reconhecimento do direito de greve dos servidores públicos<br />

civis (CF, art. 37, VII).<br />

Preliminarmente, a questão da conformação constitucional do mandado<br />

de injunção no direito brasileiro e a evolução da interpretação que o <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (STF) tem conferido a essa garantia fundamental merece algumas<br />

considerações.<br />

No âmbito do direito comparado, cabe salientar que, se alguns sistemas<br />

constitucionais, como aquele fundado pela Lei Fundamental de Bonn, comportam<br />

discussão sobre a existência, ou não, de direitos fundamentais de caráter<br />

social (soziale Grundrechte), é certo que tal controvérsia não assume maior<br />

relevo entre nós.<br />

O poder constituinte originário, embora em capítulos destacados, houve<br />

por bem consagrar os direitos sociais que também vinculam o poder público,<br />

por força inclusive da eficácia vinculante que se extrai da garantia processualconstitucional<br />

do mandado de injunção e da ação direta de inconstitucionalidade<br />

por omissão.<br />

Assinale-se que a Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 (CF/1988) abriu possibilidades<br />

para o desenvolvimento sistemático da declaração de inconstitucionalidade<br />

sem a pronúncia da nulidade, na medida em que atribuiu particular<br />

significado ao controle de constitucionalidade da chamada “omissão do legislador”.<br />

O art. 5º, LXXI, da CF previu expressamente a concessão do mandado<br />

de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora tornar inviável o<br />

exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes<br />

à nacionalidade, à soberania e à cidadania.<br />

Ao lado desse instrumento, destinado, fundamentalmente, à defesa de<br />

direitos individuais contra a omissão do ente legiferante, introduziu o constituinte,<br />

no art. 103, § 2º, um sistema de controle abstrato da omissão.<br />

Desse modo, reconhecida a procedência da ação direta de inconstitucionalidade<br />

por omissão, deve o órgão legislativo competente ser informado da<br />

decisão, para as providências cabíveis.<br />

Caso se trate de órgão administrativo, ele estará obrigado a colmatar a<br />

lacuna no prazo de 30 dias.<br />

Deve-se admitir, portanto, que, com a adoção desses peculiares mecanismos<br />

de controle da omissão do legislador, criou-se a possibilidade de se desenvolver<br />

nova modalidade de decisão no processo constitucional brasileiro. Se se<br />

partir do princípio de que a decisão proferida pelo <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, no<br />

processo de mandado de injunção e no controle abstrato da omissão, tem conteúdo<br />

obrigatório ou mandamental para o legislador e que a decisão que reconhece<br />

a subsistência de uma omissão parcial contém, ainda que implicitamente,


22<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

a declaração de inconstitucionalidade da regra defeituosa, há de se concluir,<br />

inevitavelmente, que a superação da situação inconstitucional, mesmo nesses<br />

casos, deve ocorrer em duas etapas (Zweiaktverfahren).<br />

Tecidas essas breves considerações, passemos à análise da jurisprudência<br />

desta Corte quanto ao writ of mandamus.<br />

A) O mandado de injunção na jurisprudência do STF<br />

O <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em questão de ordem no MI 107/DF (Rel.<br />

Min. Moreira Alves), manifestou o seguinte entendimento:<br />

Ementa: Mandado de injunção. Questão de ordem sobre sua auto-aplicabilidade,<br />

ou não. – Em face dos textos da Constituição <strong>Federal</strong> relativos ao mandado<br />

de injunção, é ele ação outorgada ao titular de direito, garantia ou prerrogativa a<br />

que alude o art. 5º, LXXI, dos quais o exercício está inviabilizado pela falta de<br />

norma regulamentadora, e ação que visa a obter do Poder Judiciário a declaração<br />

de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a mora em regulamentar<br />

por parte do Poder, órgão, entidade ou autoridade de que ela dependa,<br />

com a finalidade de que se lhe dê ciência dessa declaração, para que adote as providências<br />

necessárias, à semelhança do que ocorre com a ação direta de inconstitucionalidade<br />

por omissão (art. 103, § 2º, da Carta Magna), e de que se determine,<br />

se se tratar de direito constitucional oponível contra o Estado, a suspensão dos<br />

processos judiciais ou administrativos de que possa advir para o impetrante dano<br />

que não ocorreria se não houvesse a omissão inconstitucional. – Assim fixada a<br />

natureza jurídica desse mandado, é ele, no âmbito da competência desta Corte -<br />

que está devidamente definida pelo art. 102, I, auto-executável, uma vez que, para<br />

ser utilizado, não depende de norma jurídica que o regulamente, inclusive quanto<br />

ao procedimento, aplicável que lhe é analogicamente o procedimento do mandado<br />

de segurança, no que couber. Questão de ordem que se resolve no sentido da autoaplicabilidade<br />

do mandado de injunção, nos termos do voto do Relator.<br />

(MI 107, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 21-9-90.)<br />

Portanto, deixou assente o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> que, consoante a<br />

sua própria natureza, o mandado de injunção destinava-se a garantir os direitos<br />

constitucionalmente assegurados, inclusive aqueles derivados da soberania popular,<br />

como o direito ao plebiscito, o direito ao sufrágio, a iniciativa legislativa<br />

popular (art. 14, I e III), bem como os chamados direitos sociais (Constituição,<br />

art. 6º), desde que o Impetrante estivesse impedido de exercê-los em virtude da<br />

omissão do órgão legiferante.<br />

A concepção de omissão deve compreender não só a chamada omissão absoluta<br />

do legislador, isto é, a total ausência de normas, como também a omissão<br />

parcial, na hipótese de cumprimento imperfeito ou insatisfatório de dever constitucional<br />

de legislar (cf. MI 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves, <strong>RTJ</strong> 133, p. 11(31)).<br />

A partir do precedente firmado no MI 107/DF, de relatoria do Ministro<br />

Moreira Alves, o STF constatou que o mandado de injunção afigurava-se adequado<br />

à realização de direitos constitucionais que dependiam da edição de normas<br />

de organização, sob pena do esvaziamento do significado desses direitos.


R.T.J. — <strong>207</strong> 23<br />

Todavia, o <strong>Tribunal</strong> deveria limitar-se a constatar a inconstitucionalidade<br />

da omissão e a determinar que o legislador empreendesse as providências requeridas.<br />

Tanto a decisão a ser proferida no processo de controle abstrato da<br />

omissão, quanto a decisão que reconhece a inconstitucionalidade da omissão no<br />

mandado de injunção têm caráter obrigatório ou mandamental. As duas ações<br />

são destinadas a obter uma ordem judicial dirigida a um outro órgão do Estado.<br />

Ter-se-ia aqui um exemplo daquela ação que Goldschmidt houve por bem<br />

denominar Anordnungsklagenrecht (ação mandamental) (GOLDSCHMIDT,<br />

James. Zivilprozessrecht, § 15ª, p. 61; cf. MI 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves,<br />

<strong>RTJ</strong> 133, p. 11(35)).<br />

Essa ação mandamental exige a edição de ato normativo por parte do<br />

Poder Público. O processo de controle da omissão, previsto no art. 103, § 2º, da<br />

Constituição, é abstrato, e, consoante a sua própria natureza, deve a decisão nele<br />

proferida ser dotada de eficácia erga omnes (Cf. MI 107/DF, Rel. Min. Moreira<br />

Alves, <strong>RTJ</strong> 133, p. 11(38-9)).<br />

Segundo a orientação do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, o constituinte pretendeu<br />

conferir aos dois institutos significado processual semelhante, e assegurou<br />

às decisões proferidas nesses processos idênticas conseqüências jurídicas. A<br />

garantia do exercício de direitos prevista no art. 5º, LXXVI, da Constituição,<br />

pertinente ao mandado de injunção, não se diferencia, fundamentalmente,<br />

da garantia destinada a tornar efetiva uma norma constitucional referida no<br />

art. 103, § 2º, da Constituição, concernente ao controle abstrato da omissão (cf.<br />

MI 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves, <strong>RTJ</strong> 133, p. 11(38-9)).<br />

As decisões proferidas nesses processos declaram a mora do órgão legiferante<br />

em cumprir dever constitucional de legislar, compelindo-o a editar<br />

a providência requerida. Dessarte, a diferença fundamental entre o mandado<br />

de injunção e a ação direta de controle da omissão residiria no fato de que, enquanto<br />

o primeiro destina-se à proteção de direitos subjetivos e pressupõe, por<br />

isso, a configuração de um interesse jurídico, o processo de controle abstrato da<br />

omissão, enquanto processo objetivo, pode ser instaurado independentemente<br />

da existência de um interesse jurídico específico (cf. MI 107/DF, Rel. Min.<br />

Moreira Alves, <strong>RTJ</strong> 133, p. 11(38-9)).<br />

O <strong>Tribunal</strong> deixou assente que de sua competência para apreciar a omissão<br />

do legislador, no mandado de injunção, decorria, igualmente, a faculdade de determinar<br />

a suspensão dos processos administrativos ou judiciais e de suspender<br />

determinadas medidas ou atos administrativos. Poder-se-ia assegurar, assim, ao<br />

Impetrante a possibilidade de ser beneficiado pela norma que viesse a ser editada.<br />

A equiparação dos efeitos das decisões proferidas no mandado de injunção<br />

e no controle abstrato da omissão configura um elemento essencial da<br />

construção desenvolvida pelo <strong>Tribunal</strong>. Até porque a simples constatação de<br />

que a decisão proferida nesses processos tem caráter impositivo para os órgãos<br />

legiferantes não legitima, necessariamente, outras conseqüências jurídicas consideradas<br />

pelo acórdão como simples consectário desse caráter obrigatório, tais


24<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

como a obrigação de suspender os processos que tramitam perante autoridades<br />

administrativas ou tribunais. Esses efeitos somente se mostram compreensíveis<br />

em face da suposição de que a decisão proferida no controle abstrato da omissão,<br />

por se tratar de um processo objetivo, deve ser dotada de eficácia erga omnes.<br />

O <strong>Tribunal</strong> parte da idéia de que o constituinte pretendeu atribuir aos processos<br />

de controle da omissão idênticas conseqüências jurídicas. Isso está a indicar<br />

que, segundo seu entendimento, também a decisão proferida no mandado<br />

de injunção é dotada de eficácia erga omnes. Dessa forma, pôde o <strong>Tribunal</strong> fundamentar<br />

a ampliação dos efeitos da decisão proferida no mandado de injunção.<br />

Essa construção permitiu ao <strong>Tribunal</strong> afirmar a imediata aplicação do mandado<br />

de injunção, independentemente da edição das normas processuais específicas.<br />

A natureza jurídica semelhante do mandado de injunção e do mandado de<br />

segurança, enquanto ações destinadas a obrigar os agentes públicos a empreenderem<br />

determinadas providências, autorizava, segundo o <strong>Tribunal</strong>, que, na ausência<br />

de regras processuais próprias, fossem aplicadas aquelas pertinentes ao mandado<br />

de segurança (cf. MI 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves, <strong>RTJ</strong> 133, p. 11(39)).<br />

Em resumo, pode-se afirmar que:<br />

i) os direitos constitucionalmente garantidos apresentam-se como direitos<br />

à expedição de um ato normativo e não podem ser satisfeitos através de eventual<br />

execução direta por parte do <strong>Tribunal</strong>; a decisão judicial que declara a existência<br />

de uma omissão inconstitucional constata, igualmente, a mora do órgão ou<br />

poder legiferante, e o condena a editar a norma requerida;<br />

ii) a omissão inconstitucional tanto pode referir-se a uma omissão total do<br />

legislador quanto a uma omissão parcial;<br />

iii) a decisão proferida no controle abstrato da omissão tem eficácia erga omnes,<br />

e não tem diferença fundamental da decisão prolatada no mandado de injunção;<br />

iv) é possível que o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> determine, na ação de mandado<br />

de injunção, a suspensão de processos administrativos ou judiciais, com<br />

intuito de assegurar ao interessado a possibilidade de ser contemplado pela norma<br />

mais benéfica. Essa faculdade legitima, igualmente, a edição de outras medidas<br />

que garantam a posição do Impetrante até a expedição das normas pelo legislador.<br />

Após esse leading case, todavia, esta Corte passou a promover alterações<br />

significativas no instituto do mandado de injunção, conferindo-lhe, por conseguinte,<br />

conformação mais ampla do que a até então admitida.<br />

No MI 283/DF (DJ de 14-11-91), de relatoria do Ministro Sepúlveda<br />

Pertence, o <strong>Tribunal</strong>, pela primeira vez, estipulou prazo para que fosse colmatada<br />

a lacuna relativa à mora legislativa, sob pena de assegurar ao prejudicado a<br />

satisfação dos direitos negligenciados. Explicita a ementa do acórdão:<br />

Mandado de injunção: mora legislativa na edição da lei necessária ao gozo<br />

do direito à reparação econômica contra a União, outorgado pelo art. 8º, § 3º, do<br />

ADCT: deferimento parcial, com estabelecimento de prazo para a purgação da<br />

mora e, caso subsista a lacuna, facultando o titular do direito obstado a obter, em<br />

juízo, contra a União, sentença líquida de indenização por perdas e danos.


R.T.J. — <strong>207</strong> 25<br />

1. O STF admite – não obstante a natureza mandamental do mandado de<br />

injunção (MI 107-QO) – que, no pedido constitutivo ou condenatório, formulado<br />

pelo impetrante, mas, de atendimento impossível, se contém o pedido, de atendimento<br />

possível, de declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa,<br />

com ciência ao órgão competente para que a supra (cf. MI 168, MI 107 e MI 232).<br />

2. A norma constitucional invocada (ADCT, art. 8º, § 3º – “Aos cidadãos que<br />

foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional específica, em decorrência<br />

das Portarias Reservados do Ministério da Aeronáutica nº S-50-GM5, de<br />

19 de junho de 1964, e nº S-285-GM5, será concedida reparação de natureza econômica,<br />

na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em<br />

vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição” – vencido<br />

o prazo nela previsto, legitima o beneficiário da reparação mandada conceder a<br />

impetrar mandado de injunção, dada a existência, no caso, de um direito subjetivo<br />

constitucional de exercício obstado pela omissão legislativa denunciada.<br />

3. Se o sujeito passivo do direito constitucional obstado é a entidade estatal<br />

à qual igualmente se deva imputar a mora legislativa que obsta ao seu exercício,<br />

é dado ao Judiciário, ao deferir a injunção, somar, aos seus efeitos mandamentais<br />

típicos, o provimento necessário a acautelar o interessado contra a eventualidade<br />

de não se ultimar o processo legislativo, no prazo razoável que fixar, de modo a<br />

facultar-lhe, quanto possível, a satisfação provisória do seu direito.<br />

4. Premissas, de que resultam, na espécie, o deferimento do mandado de<br />

injunção para:<br />

a) declarar em mora o legislador com relação à ordem de legislar contida no<br />

art. 8º, § 3º, do ADCT, comunicando-o ao Congresso Nacional e à Presidência da<br />

República;<br />

b) assinar o prazo de 45 dias, mais 15 dias para a sanção presidencial, a fim<br />

de que se ultime o processo legislativo da lei reclamada;<br />

c) se ultrapassado o prazo acima, sem que esteja promulgada a lei, reconhecer<br />

ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada,<br />

sentença líquida de condenação à reparação constitucional devida, pelas<br />

perdas e danos que se arbitrem;<br />

d) declarar que, prolatada a condenação, a superveniência de lei não prejudicará<br />

a coisa julgada, que, entretanto, não impedirá o Impetrante de obter os<br />

benefícios da lei posterior, nos pontos em que lhe for mais favorável.<br />

(MI 283/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 14-11-91.)<br />

No MI 232/RJ, da relatoria do Ministro Moreira Alves (DJ de 27-3-92), o<br />

<strong>Tribunal</strong> reconheceu que, passados seis meses sem que o Congresso Nacional<br />

editasse a lei referida no art. 195, § 7º, da Constituição <strong>Federal</strong>, o Requerente<br />

passaria a gozar a imunidade requerida. Consta da ementa desse julgado:<br />

Mandado de injunção. – Legitimidade ativa da Requerente para impetrar<br />

mandado de injunção por falta de regulamentação do disposto no § 7º do art. 195<br />

da Constituição <strong>Federal</strong>. – Ocorrência, no caso, em face do disposto no art. 59 do<br />

ADCT, de mora, por parte do Congresso, na regulamentação daquele preceito constitucional.<br />

Mandado de injunção conhecido, em parte, e, nessa parte, deferido<br />

para declarar-se o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a<br />

fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as providências legislativas que se<br />

impõem para o cumprimento da obrigação de legislar decorrente do art. 195,


26<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

§ 7º, da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo sem que essa obrigação<br />

se cumpra, passar o requerente a gozar da imunidade requerida.<br />

(MI 232/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 27-3-92.)<br />

Ainda com essa mesma orientação, registre-se a ementa do acórdão proferido<br />

no MI 284, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, Relator para o acórdão<br />

Ministro Celso de Mello (DJ de 26-6-92):<br />

Mandado de injunção – Natureza jurídica função processual – ADCT,<br />

art. 8º (portarias reservadas do Ministério da Aeronáutica) – A questão do sigilo<br />

– Mora inconstitucional do Poder Legislativo – Exclusão da União <strong>Federal</strong><br />

da relação processual – Ilegitimidade passiva ad causam – Writ deferido. – O<br />

caráter essencialmente mandamental da ação injuncional – consoante tem proclamado<br />

a jurisprudência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> – impõe que se defina, como<br />

passivamente legitimado ad causam, na relação processual instaurada, o órgão<br />

público inadimplente, em situação de inércia inconstitucional, ao qual é imputável<br />

a omissão causalmente inviabilizadora do exercício de direito, liberdade e prerrogativa<br />

de índole constitucional.<br />

− No caso, ex vi do § 3º do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais<br />

Transitórias, a inatividade inconstitucional é somente atribuível ao Congresso<br />

Nacional, a cuja iniciativa se reservou, com exclusividade, o poder de instaurar o<br />

processo legislativo, reclamado pela norma constitucional transitória.<br />

– Alguns dos muitos abusos cometidos pelo regime de exceção instituído no<br />

Brasil em 1964 traduziram-se, dentre os vários atos de arbítrio puro que o caracterizaram,<br />

na concepção e formulação teórica de um sistema claramente inconvivente<br />

com a prática das liberdades públicas. Esse sistema, fortemente estimulado<br />

pelo “perigoso fascínio do absoluto” (Pe. Joseph Comblin, “A ideologia da segurança<br />

nacional – O Poder Militar na América Latina” p. 225, 3ª ed., 1980; trad. de<br />

A. Veiga Fialho, Civilização Brasileira), ao privilegiar e cultivar o sigilo, transformando-o<br />

em “práxis” governamental institucionalizada, frontalmente ofendeu o<br />

principio democrático, pois, consoante adverte Norberto Bobbio, em lição magistral<br />

sobre o tema (“O futuro da democracia”, 1986, Paz e Terra), não há, nos modelos<br />

políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério.<br />

O novo estatuto político brasileiro – que rejeita o poder que oculta e não tolera<br />

o poder que se oculta – consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais<br />

como valor constitucionalmente assegurado, disciplinando-o, com expressa ressalva<br />

para as situações de interesse público, entre os direitos e garantias fundamentais.<br />

A Carta <strong>Federal</strong>, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos<br />

(art. 5º), enunciou preceitos básicos, cuja compreensão é essencial à caracterização<br />

da ordem democrática como um regime do poder visível, ou, na lição expressiva<br />

de Bobbio, como “um modelo ideal do governo público em público”. – O<br />

novo writ constitucional, consagrado pelo art. 5º, LXXI, da Carta <strong>Federal</strong>, não<br />

se destina a constituir direito novo, nem a ensejar ao Poder Judiciário o anômalo<br />

desempenho de funções normativas que lhe são institucionalmente estranhas.<br />

O mandado de injunção não é o sucedâneo constitucional das funções políticojurídicas<br />

atribuídas aos órgãos estatais inadimplentes. A própria excepcionalidade<br />

desse novo instrumento jurídico impõe ao Judiciário o dever de estrita observância<br />

do princípio constitucional da divisão funcional do Poder.<br />

– Reconhecido o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional –<br />

único destinatário do comando para satisfazer, no caso, a prestação legislativa


R.T.J. — <strong>207</strong> 27<br />

reclamada – e considerando que, embora previamente cientificado no MI 283,<br />

Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, absteve-se de adimplir a obrigação que lhe<br />

foi constitucionalmente imposta, torna-se prescindível nova comunicação à instituição<br />

parlamentar, assegurando-se aos Impetrantes, desde logo, a possibilidade de<br />

ajuizarem, imediatamente, nos termos do direito comum ou ordinário, a ação de<br />

reparação de natureza econômica instituída em seu favor pelo preceito transitório.<br />

(MI 284, Rel. Min. Marco Aurelio, Rel. p/ o ac. Ministro Celso de Mello<br />

DJ de 26-6-92.)<br />

Percebe-se que, sem assumir compromisso com o exercício de uma típica<br />

função legislativa, o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> afastou-se da orientação inicialmente<br />

perfilhada, no que diz respeito ao mandado de injunção.<br />

As decisões proferidas no MI 283 (Relator: Sepúlveda Pertence), no<br />

MI 232 (Relator: Moreira Alves) e no MI 284 (Relator: Celso de Mello) sinalizam<br />

uma nova compreensão do instituto e a admissão de uma solução “normativa”<br />

para a decisão judicial.<br />

Assim, no caso relativo à omissão legislativa quanto aos critérios de indenização<br />

devida aos anistiados (art. 8º do ADCT), o <strong>Tribunal</strong> entendeu que, em<br />

face da omissão, os eventuais afetados poderiam dirigir-se diretamente ao juiz<br />

competente que haveria de fixar o montante na forma do direito comum (cf.,<br />

nesse sentido, MI 562/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 20-6-03; e MI 543/<br />

DF, Rel. Min. Octavio Gallotiti, DJ de 24-5-02). Em outro precedente relevante,<br />

considerou-se que a falta de lei não impedia que a entidade beneficente gozasse<br />

da imunidade constitucional expressamente reconhecida (cf. MI 679, Rel. Min.<br />

Celso de Mello, DJ de 17-12-02).<br />

As decisões referidas indicam que o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> aceitou a<br />

possibilidade de uma regulação provisória pelo próprio Judiciário, uma espécie<br />

de sentença aditiva, se se utilizar a denominação do direito italiano.<br />

B) O mandado de injunção e o direito de greve na jurisprudência do STF<br />

Na espécie, discute-se o direito de greve de servidores públicos civis.<br />

Nesse particular, deve-se observar que, diferentemente das relativizações<br />

realizadas quanto ao decidido no MI 107/DF (DJ de 2-8-91), nos casos em que<br />

se apreciaram as possibilidades e condições para o exercício do direito de greve<br />

por servidores públicos civis, esta Corte ficou adstrita tão-somente à declaração<br />

da existência da mora legislativa para a edição de norma reguladora específica.<br />

Como casos exemplificativos desse entendimento, enuncio os seguintes<br />

julgados: MI 20/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, maioria, DJ de 22-11-<br />

96; MI 485/MT, Rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno, maioria, DJ de 23-8-02; e<br />

MI 585/TO, Rel. Min. Ilmar Galvão, Pleno, maioria, DJ de 2-8-02.<br />

Conforme exposto, este <strong>Tribunal</strong>, nas diversas oportunidades em que se<br />

manifestou sobre a matéria, tem reconhecido unicamente a necessidade de se<br />

editar a reclamada legislação.


28<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Nessas ocasiões, entretanto, o Ministro Carlos Velloso destacava a necessidade<br />

de que, em hipóteses como a dos autos, se aplicasse, provisoriamente, aos<br />

servidores públicos a lei de greve relativa aos trabalhadores em geral.<br />

Registre-se, a propósito, trecho de seu voto no MI 631/MS (Rel. Min.<br />

Ilmar Galvão, DJ de 2-8-02):<br />

Assim, Senhor Presidente, passo a fazer aquilo que a Constituição determina<br />

que eu faça, como juiz: elaborar a norma para o caso concreto, a norma que<br />

viabilizará, na forma do disposto no art. 5º, LXXI, da Lei Maior, o exercício do<br />

direito de greve do servidor público.<br />

A norma para o caso concreto será a lei de greve dos trabalhadores, a Lei<br />

7.783, de 28-6-89. É dizer, determino que seja aplicada, no caso concreto, a lei que<br />

dispõe sobre o exercício do direito de greve dos trabalhadores em geral, que define<br />

as atividades essenciais e que regula o atendimento das necessidades inadiáveis<br />

da comunidade.<br />

Sei que na Lei 7.783 está disposto que ela não se aplicará aos servidores públicos.<br />

Todavia, como devo fixar a norma para o caso concreto, penso que devo e<br />

posso estender aos servidores públicos a norma já existente, que dispõe a respeito<br />

do direito de greve.<br />

(MI 631/MS, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 2-8-02.)<br />

Vê-se, assim, que, observados os parâmetros constitucionais quanto à<br />

atuação da Corte como eventual legislador positivo, o Ministro Carlos Velloso<br />

entendia ser o caso de determinar a aplicação aos servidores públicos da lei que<br />

disciplina os movimentos grevistas no âmbito do setor privado.<br />

Assim como na interessante solução sugerida pelo Ministro Velloso, creio<br />

parecer justo fundar uma intervenção mais decisiva desta Corte para o caso da<br />

regulamentação do direito de greve dos servidores públicos (CF, art. 37, VII).<br />

Entretanto, avento essa possibilidade por fundamentos diversos, os quais<br />

passarei a desenvolver em breve exposição sobre o direito de greve no Brasil e<br />

no direito comparado.<br />

C) Direito de greve dos servidores públicos, omissão inconstitucional e<br />

alternativas de superação<br />

O direito de greve dos servidores públicos tem sido objeto de sucessivas<br />

dilações desde 1988. A Emenda Constitucional 19/98 retirou o caráter complementar<br />

da lei regulamentadora, a qual passou a demandar, unicamente, lei<br />

ordinária e específica para a matéria. Não obstante subsistam as resistências, é<br />

bem possível que as partes envolvidas na questão partam de premissas que favoreçam<br />

o estado de omissão ou de inércia legislativa.<br />

A representação de servidores não vê com bons olhos a regulamentação do<br />

tema, porque visa a disciplinar uma seara que hoje está submetida a um tipo de<br />

lei da selva. Os representantes governamentais entendem que a regulamentação<br />

acabaria por criar o direito de greve dos servidores públicos. Essas visões parcialmente<br />

coincidentes têm contribuído para que as greves no âmbito do serviço


R.T.J. — <strong>207</strong> 29<br />

público se realizem sem qualquer controle jurídico, dando ensejo a negociações<br />

heterodoxas, ou a ausências que comprometem a própria prestação do serviço<br />

público, sem qualquer base legal.<br />

Mencionem-se, a propósito, episódios mais recentes relativos à paralisação<br />

dos controladores de vôo do País; ou ainda, no caso da greve dos servidores<br />

do Judiciário do Estado de São Paulo, ou dos peritos do Instituto Nacional de<br />

Seguridade Social (INSS), que trouxeram prejuízos irreparáveis a parcela significativa<br />

da população dependente desses serviços públicos.<br />

A não-regulação do direito de greve acabou por propiciar um quadro de<br />

selvageria com sérias conseqüências para o Estado de Direito. Estou a relembrar<br />

que Estado de Direito é aquele no qual não existem soberanos.<br />

Nesse quadro, não vejo mais como justificar a inércia legislativa e a inoperância<br />

das decisões desta Corte.<br />

Comungo das preocupações quanto à não-assunção pelo <strong>Tribunal</strong> de um<br />

protagonismo legislativo. Entretanto, parece-me que a não-atuação no presente<br />

momento já se configuraria quase como uma espécie de “omissão judicial”.<br />

Assim, tanto quanto no caso da anistia, essa situação parece exigir uma<br />

intervenção mais decisiva desta Corte.<br />

Ademais, assevero que, apesar da persistência da omissão quanto à matéria,<br />

são recorrentes os debates legislativos sobre os requisitos para o exercício<br />

do direito de greve.<br />

A esse respeito, em apêndice ao meu voto, elaborei documento comparativo<br />

da Lei 7.783/89 e o texto substitutivo ao Projeto de Lei 4.497/01 (que<br />

“Dispõe sobre os termos e limites do exercício do direito de greve pelos servidores<br />

públicos”), de autoria da então Deputada <strong>Federal</strong> Rita Camata, para disciplinar<br />

o exercício do direito de greve dos servidores públicos dos Poderes da<br />

União, dos Estados, do Distrito <strong>Federal</strong> e a dos Municípios, previsto no art. 37,<br />

inciso VII, da Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

Na oportunidade de apresentação do referido projeto de lei, o Relator da<br />

matéria, o Deputado <strong>Federal</strong> Isaías Silvestre, realizou uma síntese geral acerca<br />

do processo legislativo de apreciação dessa matéria, verbis:<br />

O Projeto de Lei nº 4.497, de 2001, objetiva disciplinar o exercício do direito<br />

de greve dos servidores públicos, previsto no art. 37, inciso VII, da Constituição<br />

<strong>Federal</strong>.<br />

Conforme relatado em sua justificativa, a proposição tem por base, quando<br />

pertinentes, os dispositivos da Lei nº 7.783, de 1989, que regula o direito de greve<br />

para os trabalhadores em geral, observando, porém, os aspectos próprios do serviço<br />

público, que exigem o estabelecimento de dispositivos específicos.<br />

O art. 1º do projeto prevê que o direito de greve será exercido pelos servidores<br />

públicos nos termos e limites da lei, competindo-lhes decidir sobre a oportunidade<br />

de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.<br />

O art. 2º apresenta os conceitos pertinentes à matéria, entre outros o de<br />

órgão ou entidade pública, assim definido: “órgão da administração direta e


30<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito <strong>Federal</strong> e dos<br />

Municípios, e suas respectivas autarquias e fundações públicas”.<br />

O art. 3º confere às entidades sindicais a prerrogativa de convocar, na forma<br />

de seus estatutos, assembléia geral para deliberar sobre as reivindicações das respectivas<br />

categorias e sobre a deflagração da greve, prevendo ainda os procedimentos<br />

cabíveis no caso de inexistência de entidade sindical representativa dos servidores.<br />

O art. 4º exige, quando da deflagração da greve, a comunicação da data do<br />

seu início pelo menos com 72 horas de antecedência.<br />

Os arts. 5º e 6º fixam os direitos e deveres dos servidores grevistas e da<br />

Administração Pública.<br />

O art. 7º relaciona os serviços considerados essenciais. O art. 8º disciplina a<br />

realização da greve nos órgãos que executem tais serviços, prevendo que, no caso<br />

de inobservância das garantias estabelecidas pela lei, a Administração poderá proceder<br />

à contratação de pessoal por tempo determinado ou de serviços de terceiros.<br />

O art. 9º determina que os dias de greve sejam contados como de efetivo<br />

exercício, inclusive remuneratório, desde que, encerrada a greve, as horas não trabalhadas<br />

sejam repostas de acordo com cronograma estabelecido conjuntamente<br />

pela Administração e pelos servidores.<br />

Os arts. 10 e 11 indicam as condutas consideradas como abuso do direito de<br />

greve, nelas incluindo a recusa à prestação de serviços inadiáveis e a manutenção<br />

da greve após celebração de acordo ou decisão judicial, bem como as sanções<br />

correspondentes.<br />

O art. 12 trata da responsabilidade nas esferas administrativa, civil e penal.<br />

Encontram-se apensadas ao projeto seis proposições, que passaremos a<br />

comentar.<br />

O Projeto de Lei nº 5.662, de 2001, de autoria do Deputado Airton Cascavel,<br />

busca regulamentar o exercício do direito de greve pelos servidores civis, fazendo-o<br />

em termos bastante próximos aos do projeto principal.<br />

O Projeto de Lei nº 6.032, de 2002, foi enviado pelo Poder Executivo com o<br />

mesmo escopo. Difere, no entanto, dos anteriores em alguns aspectos, tais como: determina<br />

a obrigatoriedade de manutenção de percentual mínimo de 50% de servidores<br />

em atividade, podendo o Poder Público postular liminarmente a fixação de percentual<br />

superior; prevê que a “ameaça concreta de deflagração de greve autoriza o Poder<br />

Público a ingressar em juízo postulando a declaração de ilegalidade do movimento,<br />

inclusive liminarmente”; e introduz regras processuais específicas sobre a matéria.<br />

O Projeto de Lei nº 6.141, de 2002, da Deputada Iara Bernardi, também<br />

apresenta dispositivos semelhantes aos da proposição principal, inovando, contudo,<br />

em alguns pontos, como: obrigatoriedade de instalação de processo de<br />

negociação, sob pena de crime de responsabilidade da autoridade pública responsável,<br />

no prazo de dez dias após a apresentação da pauta de reivindicações dos<br />

servidores, podendo o Poder Judiciário fixar multa diária pelo descumprimento<br />

dessa obrigação; previsão de instituição de um Comitê de Negociação, no âmbito<br />

dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em cada esfera político-administrativa;<br />

e autorização para que uma Comissão de Intermediação e Arbitragem,<br />

composta por representantes da sociedade civil, possa auxiliar na obtenção de<br />

uma solução para o conflito, podendo, por consenso entre as partes, arbitrar as<br />

cláusulas aplicáveis a ambas.<br />

O Projeto de Lei nº 6.668, de 2002, da Deputada Elcione Barbalho, tal<br />

como os demais, estabelece direitos e obrigações para os servidores grevistas<br />

e para a Administração, cabendo destacar, entre seus aspectos particulares, a


R.T.J. — <strong>207</strong> 31<br />

possibilidade de composição dos conflitos por meio de arbitragem, cabendo às<br />

partes, em comum acordo, a escolha do árbitro. O projeto também se distingue em<br />

relação ao campo de aplicação de suas normas, que se destinam aos servidores da<br />

administração pública federal.<br />

O Projeto de Lei nº 6.775, de 2002, oriundo da Comissão de Legislação<br />

Participativa, busca regulamentar o direito constitucional de greve dos servidores<br />

públicos civis com algumas disposições semelhantes às da proposição principal,<br />

cabendo destacar, entre os dispositivos particulares que apresenta, os seguintes:<br />

previsão de que a Justiça do Trabalho, por iniciativa de qualquer das partes ou do<br />

Ministério Público do Trabalho, decida sobre a procedência das reivindicações<br />

dos servidores; e obrigatoriedade de constituição, no âmbito de cada Poder, nas<br />

três esferas de governo, de uma comissão permanente de assuntos sindicais e associativos,<br />

com a finalidade de intermediar as relações entre as entidades sindicais<br />

e a Administração Pública.<br />

O Projeto de Lei n.º 1.950, de 2003, do Deputado Eduardo Paes, pretende<br />

disciplinar a matéria no âmbito da administração pública federal. Além de disposições<br />

similares às da proposição principal e das demais apensadas, o projeto estabelece<br />

que, frustrada a negociação, é facultada a cessação coletiva do trabalho,<br />

e que o Judiciário, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público<br />

<strong>Federal</strong>, decidirá sobre a procedência, total ou parcial, das reivindicações.<br />

No prazo regimental, foram apresentadas três emendas ao PL nº 4.497/01,<br />

pelo Deputado Francisco Rodrigues, com os seguintes objetivos: acrescentar às<br />

atividades consideradas essenciais os serviços que visam possibilitar o atendimento<br />

direto das atribuições legais das Forças Armadas; atribuir competência à<br />

Justiça do Trabalho para decidir sobre a procedência das reivindicações dos servidores<br />

grevistas; e permitir à Administração a cobrança judicial de indenização<br />

por prejuízos derivados do abuso do direito de greve, motivado por decisão de<br />

entidade sindical.<br />

Segundo informações obtidas na página oficial da Câmara dos Deputados<br />

(www.camara.gov.br), o Projeto de Lei 4.497/01 encontra-se na Mesa Diretora<br />

da Câmara dos Deputados, na pendência de apreciação de pedido de desarquivamento<br />

da proposição formulado pelo Presidente da Comissão de Legislação<br />

Participativa, o Deputado <strong>Federal</strong> Eduardo Amorim, em 13 de março de 2007.<br />

Nesse contexto, é de se concluir que não se pode considerar simplesmente<br />

que a satisfação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos civis<br />

deva ficar submetida absoluta e exclusivamente a juízo de oportunidade e conveniência<br />

do Poder Legislativo.<br />

Estamos diante de uma situação jurídica que, desde a promulgação da<br />

Carta <strong>Federal</strong> de 1988 (ou seja, há mais de 18 anos), remanesce sem qualquer alteração.<br />

Isto é, mesmo com as modificações implementadas pela Emenda 19/98<br />

quanto à exigência de lei ordinária específica, o direito de greve dos servidores<br />

públicos ainda não recebeu o tratamento legislativo minimamente satisfatório<br />

para garantir o exercício dessa prerrogativa em consonância com imperativos<br />

constitucionais.<br />

Por essa razão, não estou a defender aqui a assunção do papel de legislador<br />

positivo pelo <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.


32<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Pelo contrário, enfatizo tão-somente que, tendo em vista as imperiosas<br />

balizas constitucionais que demandam a concretização do direito de greve a todos<br />

os trabalhadores, este <strong>Tribunal</strong> não pode se abster de reconhecer que, assim<br />

como se estabelece o controle judicial sobre a atividade do legislador, é possível<br />

atuar também nos casos de inatividade ou omissão do Legislativo.<br />

Uma boa síntese dessa questão no direito comparado é trazida por Rui<br />

Medeiros:<br />

Qualquer referência ao Direito Comparado neste domínio não pode perder<br />

de vista que as diferentes concepções defendidas, mesmo quando apresentadas<br />

como solução para um problema identificado sob o mesmo nomen iuris, têm,<br />

por vezes, subjacentes diferentes modos de delimitação do próprio fenômeno em<br />

apreciação. Seja como for, feita a advertência, é possível verificar que os direitos<br />

italiano, alemão e austríaco apresentam três modos diferentes de solucionar<br />

o problema das sanções aplicáveis às leis que conferem direitos em violação do<br />

princípio da igualdade. As especificidades não residem, propriamente, na resposta<br />

à questão da admissibilidade, com carácter mais ou menos excepcional, das decisões<br />

modificativas, pois, em qualquer dos países, não se exclui liminarmente<br />

uma tal solução. O mesmo se passa, aliás, em Espanha, em França e nos Estados<br />

Unidos. As divergências situam-se a outro nível.<br />

[Esclarece Rui Medeiros que] A diferença entre a lição alemã e o ensinamento<br />

italiano prende-se, antes de mais, com a delimitação dos casos em que são<br />

constitucionalmente admissíveis as decisões modificativas. Na verdade, além de<br />

o Bundesverfassungsgericht, ao contrário da Corte Costituzionale, rejeitar decisões<br />

modificativas quando a discriminação resulta do silêncio da lei, o <strong>Tribunal</strong><br />

Constitucional italiano admite mais facilmente do que o <strong>Tribunal</strong> Constitucional<br />

<strong>Federal</strong> alemão a existência de valores constitucionais que postulem a modificação<br />

da lei. Mesmo um Autor, como Vezio Crisafulli, que não se cansa de sublinhar que a<br />

legislação positiva criada pela Corte Costituzionale é uma legislação a rime obbligate<br />

[isto é, trata-se de atividade legislativa vinculada ao poder de conformação<br />

limitado pelo gizamento constitucional estabelecido para a matéria], alude<br />

ao contraste entre a solução italiana e a solução alemã: o Bundesverfassungsgericht<br />

alemão, perante uma violação do princípio da igualdade resultante de um tratamento<br />

de favor concedido apenas a algumas das pessoas que se encontram num<br />

plano essencialmente igual, lança geralmente mão da simples declaração de incompatibilidade,<br />

pois entende que o poder legislativo dispõe de várias possibilidades<br />

de eliminação do vício e, entre outras opções, tanto pode estender a norma de<br />

favor aos até aí excluídos, como revogá-la para todos; pelo contrário, em situações<br />

deste género, a Corte italiana adopta uma sentença manipulativa, anulando a disposição<br />

nella parte in cui (ainda que implicitamente) esclude do beneficio a categoria<br />

preterida, estendendo assim o tratamento mais favorável.<br />

(MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade, p. 461.)<br />

A propósito do papel das Cortes Constitucionais, anota Rui Medeiros:<br />

A atribuição de uma função positiva ao juiz constitucional harmoniza-se,<br />

desde logo, com a tendência hodierna para a acentuação da importância e da criatividade<br />

da função jurisdicional: as decisões modificativas integram-se, coerentemente,<br />

no movimento de valorização do momento jurisprudencial do direito.<br />

O alargamento dos poderes normativos do <strong>Tribunal</strong> Constitucional constitui,<br />

outrossim, uma resposta à crise das instituições democráticas.


R.T.J. — <strong>207</strong> 33<br />

Enfim, e este terceiro aspecto é particularmente importante, a reivindicação<br />

de um papel positivo para o <strong>Tribunal</strong> Constitucional é um corolário da falência<br />

do Estado Liberal. Se na época liberal bastava cassar a lei, no período do Estado<br />

Social, em que se reconhece que a própria omissão de medidas soberanas pode pôr<br />

em causa o ordenamento constitucional, torna-se necessário a intervenção activa<br />

do <strong>Tribunal</strong> Constitucional. Efectivamente, enquanto para eliminar um limite normativo<br />

(v.g. uma proibição ou um ônus) e restabelecer plenamente uma liberdade,<br />

basta invalidar a norma em causa, o mesmo não se pode dizer quando se trata de<br />

afastar uma omissão legislativa inconstitucional. Neste segundo caso, se seguir o<br />

modelo clássico de justiça constitucional, a capacidade de intervenção do juiz das<br />

leis será muito reduzida. Urge, por isso, criar um sistema de justiça constitucional<br />

adequado ao moderno Estado Social. Numa palavra: “a configuração actual das<br />

constituições não permite qualquer veleidade aos tribunais constitucionais em actuarem<br />

de forma meramente negativa, antes lhes exige uma esforçada actividade<br />

que muitas vezes se pode confundir com um indirizzo político na efectiva concretização<br />

e desenvolvimento do programa constitucional. Daí o falhanço de todas<br />

as teses que pretendiam arrumar os tribunais constitucionais numa atitude meramente<br />

contemplativa perante as tarefas constitucionais” e o esbatimento, claro em<br />

Itália, dos limites à admissibilidade de decisões modificativas.<br />

(MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade, p. 493-494.)<br />

Esclarece ainda Rui Medeiros:<br />

As considerações anteriores apontam no sentido da inadmissibilidade das<br />

decisões modificativas. Mas isso não significa que não possa haver excepções.<br />

Efectivamente, embora parte da doutrina admita que as decisões modificativas<br />

são proferidas no exercício de um poder discricionário do <strong>Tribunal</strong> Constitucional<br />

e se contente em pedir aos juízes constitucionais que usem a sua liberdade de escolha<br />

com parcimônia, numerosos autores esforçam-se por sublinhar que não<br />

está em causa o exercício de uma função substancialmente criativa ex nihil,<br />

verificando-se tão-somente a extração de um quid iuris já presente – de modo<br />

cogente e vinculativo para o próprio legislador – no ordenamento. Nesta perspectiva,<br />

o órgão de controlo, ao modificar a lei, não actua como se fosse legislador,<br />

já que “não possui aquele grau de liberdade de opção para definir o escopo legal<br />

que é atributo do legislador”. “O quid iuris adiectum, ainda que não explicitado<br />

formalmente na disposição ou no texto (verba legis), está já presente, e in modo<br />

obbligante, no próprio sistema”.<br />

[Destaca Rui Medeiros que] Dois critérios são normalmente trazidos à<br />

colação para fundamentar este entendimento: o critério da vontade hipotética do<br />

legislador e o critério da solução constitucionalmente obrigatória. O campo de<br />

aplicação das decisões modificativas restringe-se, nesta perspectiva, aos domínios<br />

em que a liberdade de conformação do legislador se reduz quase ao zero ou<br />

em que se pode afirmar que o legislador, caso tivesse previsto a inconstitucionalidade,<br />

teria alargado o âmbito de aplicação da lei. É certo que numerosos autores<br />

se socorrem ainda de um princípio geral de tratamento mais favorável. Mas, uma<br />

vez que um tal princípio se funda em normas ou princípios constitucionais (v.g. no<br />

princípio do Estado Social, no princípio da igualdade, na proibição de retrocesso<br />

social), o apelo ao princípio geral de tratamento mais favorável constitui no fundo<br />

uma simples modalidade do segundo critério referido.<br />

(MEDEIROS, Rui. A decisão de Inconstitucionalidade, p. 501).


34<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Por fim, Rui Medeiros assevera que:<br />

– É freqüente a aceitação das decisões modificativas nos casos em que o<br />

<strong>Tribunal</strong> completa um regime basicamente escolhido pelo legislador e de um<br />

modo que em princípio o legislador não desdenharia. Diz-se, para o efeito, que<br />

não há, aí, substituição da vontade ou da opção do legislador por outras substancialmente<br />

diversas. (P. 502.)<br />

– A admissibilidade das decisões modificativas impõe-se segundo outro critério,<br />

quando a modificação da lei operada pelo <strong>Tribunal</strong> Constitucional incorpora<br />

unicamente uma “solução constitucionalmente obrigatória”, pois nestes casos, o<br />

<strong>Tribunal</strong> Constitucional não exerce manifestamente uma função substancialmente<br />

criativa ex nihil.<br />

(MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade, cit., p. 504.).<br />

Especialmente no que concerne à aceitação das sentenças aditivas ou modificativas,<br />

esclarece Rui Medeiros que elas são em geral aceitas quando integram<br />

ou completam um regime previamente adotado pelo legislador ou ainda<br />

quando a solução adotada pelo <strong>Tribunal</strong> incorpora “solução constitucionalmente<br />

obrigatória” (MEDEIROS, Rui, A decisão de inconstitucionalidade, cit., p. 504).<br />

A disciplina do direito de greve para os trabalhadores em geral no que concerne<br />

às denominadas “atividades essenciais” é especificamente delineada nos<br />

arts. 9º a 11 da Lei 7.783/89.<br />

O art. 9º desse diploma normativo dispõe que o sindicato ou comissão de<br />

negociação deve manter um número de empregados em atividade para que seja<br />

garantida a manutenção dos serviços que, se paralisados, podem acarretar prejuízo<br />

irreparável. Para isso, deve haver acordo entre o sindicato ou comissão de negociação<br />

e a entidade patronal ou o empregador. Se não se chegar a esse acordo,<br />

o empregador pode contratar diretamente esses serviços, enquanto a greve durar.<br />

O art. 10 da Lei Geral de Greve, por sua vez, elenca atividades e serviços<br />

que devem ser considerados como essenciais, verbis:<br />

I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia<br />

elétrica, gás e combustíveis;<br />

II – assistência médica e hospitalar;<br />

III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;<br />

IV – funerários;<br />

V – transporte coletivo;<br />

VI – captação e tratamento de esgoto e lixo;<br />

VII – telecomunicações;<br />

VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e<br />

materiais nucleares;<br />

IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais;<br />

X – controle de tráfego aéreo;<br />

XI – compensação bancária.<br />

O art. 11 da referida lei dispõe sobre a obrigatoriedade de se garantir,<br />

durante a greve, os serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades


R.T.J. — <strong>207</strong> 35<br />

inadiáveis da comunidade. Tal obrigação se dirige tanto aos sindicatos quanto aos<br />

empregadores e trabalhadores. O parágrafo único desse artigo estipula o conceito<br />

da expressão “necessidades inadiáveis” como “aquelas que, não atendidas, coloquem<br />

em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”.<br />

O art. 12 da Lei 7.783/89, por sua vez, dispõe que, frustrada a obrigação<br />

prevista no artigo anterior, cabe ao poder público assegurar a prestação dos serviços<br />

indispensáveis.<br />

No caso de aplicação dessa legislação geral ao caso específico do direito<br />

de greve dos servidores públicos, antes de tudo, afigura-se inegável o conflito<br />

existente entre as necessidades mínimas de legislação para o exercício do direito<br />

de greve dos servidores públicos (CF, art. 9º, caput c/c art. 37, VII), de um lado,<br />

e o direito a serviços públicos adequados e prestados de forma contínua (CF,<br />

art. 9º, § 1º), de outro. Evidentemente, não se outorga ao legislador qualquer<br />

poder discricionário quanto à edição ou não da lei disciplinadora do direito de<br />

greve. O legislador poderá adotar um modelo mais ou menos rígido, mais ou menos<br />

restritivo do direito de greve no âmbito do serviço público, mas não poderá<br />

deixar de reconhecer o direito previamente definido na Constituição.<br />

Identifica-se, pois, aqui a necessidade de uma solução obrigatória da<br />

perspectiva constitucional, uma vez que ao legislador não é dado escolher se<br />

concede ou não o direito de greve, pode tão-somente dispor sobre a adequada<br />

configuração da sua disciplina.<br />

A partir da experiência do direito alemão sobre a declaração de inconstitucionalidade<br />

sem pronúncia da nulidade, tendo em vista especialmente as omissões<br />

legislativas parciais, e das sentenças aditivas no direito italiano, denota-se<br />

que se está, no caso do direito de greve dos servidores, diante de hipótese em<br />

que a omissão constitucional reclama uma solução diferenciada.<br />

De resto, uma sistêmica conduta omissiva do Legislativo pode e deve ser<br />

submetida à apreciação do Judiciário (e por ele deve ser censurada) de forma<br />

a garantir, minimamente, direitos constitucionais reconhecidos (CF, art. 5º,<br />

XXXV). Trata-se de uma garantia de proteção judicial efetiva que não pode ser<br />

negligenciada na vivência democrática de um Estado de Direito (CF, art. 1º).<br />

Essa consideração traz repercussões acerca do papel institucional a ser desempenhado<br />

por esta Corte no processo de fiscalização de constitucionalidade<br />

das omissões legislativas. A esse respeito, Joaquín Brage Camazano esclarece<br />

as dificuldades normativas que se impõem para a realização de direitos fundamentais<br />

e propõe uma superação da formulação kelseniana segundo a qual a<br />

função da Corte Constitucional deveria se limitar à de um “legislador negativo”.<br />

Segundo Camazano:<br />

La raíz esencialmente pragmática de estas modalidades atípicas de sentencias<br />

de la constitucionalidad hace suponer que su uso es prácticamente inevitable,<br />

con una u otra denominación y con unas u otras particularidades, por cualquier<br />

órgano de la constitucionalidad consolidado que goce de una amplia jurisdicción,<br />

en especial si no seguimos condicionados inercialmente por la majestuosa, pero


36<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

hoy ampliamente superada, concepción de Kelsen del TC como una suerte de “legislador<br />

negativo”. Si alguna vez los tribunales constitucionales fueron legisladores<br />

negativos, sea como sea, hoy es obvio que ya no lo son; y justamente el rico<br />

“arsenal” sentenciador de que disponen para fiscalizar la constitucionalidad de<br />

la Ley, más allá del planteamiento demasiado simple “constitucionalidad/inconstitucionalidad”,<br />

es un elemento más, y de importancia, que viene a poner de relieve<br />

hasta qué punto es así. Y es que, como Fernández Segado destaca, “la praxis<br />

de los tribunales constitucionales no ha hecho sino avanzar en esta dirección” de<br />

la superación de la idea de los mismos como legisladores negativos, “certificando<br />

[así] la quiebra del modelo kelseniano del legislador negativo.”<br />

(CAMAZANO, Joaquín Brage. Interpretación Constitucional, declaraciones<br />

de inconstitucionalidad y arsenal sentenciador (un sucinto inventario<br />

de algunas sentencias “atípica”).)<br />

Sobre a necessidade de decisões adequadas para esse estado de inconstitucionalidade<br />

omissiva, afiguram-se pertinentes as lições de Augusto Martin de<br />

La Vega na seguinte passagem de sua obra:<br />

Partiendo de que cada sistema de justicia constitucional tiende a configurarse<br />

como un modelo particular en función de sus relaciones con el ordenamiento<br />

constitucional en el que opera, es difícil entender la proliferación de las<br />

sentencias manipulativas sin tener en cuenta la combinación de tres factores determinantes<br />

en el caso italiano: la existencia de una Constituición con una fuerte<br />

carga programática y ‘avocada’ a un desarrollo progresivo, la continuidad básica<br />

de un ordenamiento legal con fuertes resquicios no sólo protoliberales sino<br />

incluso autoritarios, y la simultánea ineficacia del Parlamento para dar una resposta<br />

en el tiempo socialmente requerido tanto a las demandas de actuación de<br />

la Constituición, como a la necesaria adecuación del preexistente ordenamiento<br />

legal al orden constitucional.<br />

(LA VEGA, Augusto Martín. La sentencia constitucional en Italia, p.<br />

229-230.)<br />

A meu ver, tais condicionamentos político-institucionais permitem uma<br />

aproximação ao caso brasileiro da omissão legislativa quanto ao direito de greve<br />

dos servidores públicos.<br />

O que se propõe, portanto, é uma mudança de perspectiva quanto às<br />

possibilidades jurisdicionais de controle de constitucionalidade das omissões<br />

legislativas.<br />

É certo, igualmente, que a solução alvitrada por essa posição não desborda<br />

do critério da vontade hipotética do legislador, uma vez que se cuida de adotar,<br />

provisoriamente, para o âmbito da greve no serviço público, as regras aplicáveis<br />

às greves no âmbito privado.<br />

D) Conclusão<br />

Em síntese, considerada a omissão legislativa alegada na espécie, voto,<br />

preliminarmente, pelo conhecimento do mandado de injunção.


R.T.J. — <strong>207</strong> 37<br />

No mérito, acolho a pretensão tão-somente no sentido de que se aplique<br />

a Lei 7.783/89 enquanto a omissão não for devidamente regulamentada por lei<br />

específica para os servidores públicos.<br />

Nesse particular, ressalto ainda que, em razão dos imperativos da continuidade<br />

dos serviços públicos, não estou a afastar que, de acordo com as peculia<br />

ri da des de cada caso concreto e mediante solicitação de órgão competente,<br />

seja facultado ao juízo competente impor a observância a regime de greve mais<br />

severo em razão de tratar-se de “serviços ou atividades essenciais”, nos termos<br />

dos já mencionados arts. 9º a 11 da Lei 7.783/89.<br />

Creio que essa complementação na parte dispositiva de meu voto é indispensável<br />

porque, na linha do raciocínio desenvolvido, não se pode deixar de<br />

cogitar dos riscos decorrentes das possibilidades de que a regulação dos<br />

serviços públicos que tenham características afins a esses “serviços ou atividades<br />

essenciais” seja menos severa que a disciplina dispensada aos serviços<br />

privados ditos “essenciais”.<br />

Isto é, mesmo provisoriamente, há de se considerar, ao menos, idêntica<br />

conformação legislativa quanto ao atendimento das necessidades inadiáveis da<br />

comunidade que, se não atendidas, coloquem “em perigo iminente a sobrevivência,<br />

a saúde ou a segurança da população” (Lei 7.783/89, parágrafo único, art. 11).<br />

Nessa extensão do acolhimento, porém, creio serem necessárias outras<br />

considerações com relação à recente decisão tomada por esta Corte no julgamento<br />

da medida liminar na ADI 3.395/DF, Rel. Min. Cezar Peluso. Eis o teor<br />

da ementa do julgado:<br />

Ementa: inconstitucionalidade. Ação direta. Competência. Justiça do<br />

Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o poder público e seus servidores<br />

estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação de trabalho.<br />

Conceito estrito desta relação. Feitos da competência da Justiça comum.<br />

Interpretação do art. 114, inciso I, da CF, introduzido pela EC 45/04. Precedentes.<br />

Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no art. 114, I, da<br />

Constituição da República não abrange as causas instauradas entre o poder público<br />

e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária.<br />

(ADI 3.395/DF, Pleno, maioria, Rel. Min. Cezar Peluso, vencido o Min.<br />

Marco Aurélio, DJ de 10-11-06.)<br />

Assim, sob pena de injustificada e inadmissível negativa de prestação<br />

jurisdicional nos âmbitos federal, estadual e municipal, é necessário que, na<br />

decisão deste MI, fixemos os parâmetros institucionais e constitucionais de definição<br />

de competência, provisória e ampliativa, para a apreciação de dissídios de<br />

greve instaurados entre o poder público e os servidores com vínculo estatutário.<br />

Nesse particular, assim como argumentei com relação à Lei Geral de<br />

Greve, creio ser necessário e adequado que fixemos balizas procedimentais mínimas<br />

para a apreciação e julgamento dessas demandas coletivas.<br />

A esse respeito, no plano procedimental, vislumbro que é recomendável a<br />

aplicação da Lei 7.701/88 (que cuida da especialização das turmas dos tribunais do


38<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

trabalho em processos coletivos), no que tange à competência para apreciar e julgar<br />

eventuais conflitos judiciais referentes à greve de servidores públicos que sejam<br />

suscitados até o momento de colmatação legislativa da lacuna ora declarada.<br />

Ao desenvolver mecanismos para a apreciação dessa proposta constitucional<br />

para a omissão legislativa, creio não ser possível argumentar pela impossibilidade<br />

de se proceder a uma interpretação ampliativa do texto constitucional nesta<br />

seara, pois é certo que, antes de se cogitar de uma interpretação restritiva ou<br />

ampliativa da Constituição, é dever do intérprete verificar se, mediante fórmulas<br />

pretensamente alternativas, não se está a violar a própria decisão fundamental do<br />

constituinte. No caso em questão, estou convencido de que não se está a afrontar<br />

qualquer opção constituinte, mas, muito pelo contrário, se está a engendrar esforços<br />

em busca de uma maior efetividade da Constituição como um todo.<br />

Relembro a afirmação de Pertence, no voto proferido no Inq 687-QO/SP,<br />

Relator o Ministro Sydney Sanches, DJ de 9-11-01, ocasião em que se discutia<br />

a competência desta Corte no contexto da prerrogativa de foro por exercício<br />

de função, verbis: “Se nossa função é realizar a Constituição e nela a largueza<br />

do campo do foro por prerrogativa de função mal permite caracterizá-lo como<br />

excepcional, nem cabe restringi-lo nem cabe negar-lhe a expansão sistemática<br />

necessária a dar efetividade às inspirações da Lei Fundamental”.<br />

Sobre essa questão também nos ensina Canotilho:<br />

A força normativa da Constituição é incompatível com a existência de<br />

competências não escritas salvo nos casos de a própria Constituição autorizar<br />

o legislador a alargar o leque de competências normativo-constitucionalmente<br />

especificado. No plano metódico, deve também afastar-se a invocação de “poderes<br />

implícitos”, de “poderes resultantes” ou de “poderes inerentes” como formas<br />

autônomas de competência. É admissível, porém, uma complementação de<br />

competências constitucionais através do manejo de instrumentos metódicos de<br />

interpretação (sobretudo de interpretação sistemática ou teleológica). Por esta<br />

via, chegar-se-á a duas hipóteses de competência complementares implícitas: (1)<br />

competências implícitas complementares, enquadráveis no programa normativoconstitucional<br />

de uma competência explícita e justificáveis porque não se trata<br />

tanto de alargar competências mas de aprofundar competências (ex.: quem tem<br />

competência para tomar uma decisão deve, em princípio, ter competência para a<br />

preparação e formação de decisão); (2) competências implícitas complementares,<br />

necessárias para preencher lacunas constitucionais patentes através da leitura sistemática<br />

e analógica de preceitos constitucionais.<br />

(CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.<br />

5. ed. Coimbra: Almedina. p. 543.)<br />

Nesse contexto, conforme já tive oportunidade de sustentar algumas vezes,<br />

não há como, em Constituição tão detalhada como a nossa, deixar de fazer uma<br />

interpretação compreensiva do texto constitucional. Principalmente levando em<br />

consideração a questão ora sob análise (exercício do direito de greve por servidores<br />

públicos), resulta impossível não empreender esse tipo de compreensão.<br />

Vê-se, pois, que o sistema constitucional não repudia a idéia de competências<br />

implícitas complementares, desde que necessárias para colmatar lacunas


R.T.J. — <strong>207</strong> 39<br />

constitucionais evidentes. Por isso, considero viável a possibilidade de aplicação<br />

das regras de competência insculpidas na Lei 7.701/88 para garantir uma prestação<br />

jurisdicional efetiva na área de conflitos paredistas instaurados entre o poder<br />

público e os servidores públicos estatutários (CF, arts. 5º, XXXV, e 93, IX).<br />

Diante dessa conjuntura, é imprescindível que este Plenário densifique as<br />

situações provisórias de competência constitucional para a apreciação desses<br />

dissídios no contexto nacional, regional, estadual e municipal.<br />

Assim, nas condições acima especificadas, se a paralisação for de âmbito<br />

nacional, ou abranger mais de uma região da Justiça <strong>Federal</strong>, ou ainda, abranger<br />

mais de uma unidade da federação, entendo que a competência para o dissídio<br />

de greve será do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça (por aplicação analógica do art. 2º,<br />

I, a, da Lei 7.701/88).<br />

Ainda no âmbito federal, se a controvérsia estiver adstrita a uma única<br />

região da Justiça <strong>Federal</strong>, a competência será dos Tribunais Regionais Federais<br />

(aplicação analógica do art. 6º da Lei 7.701/88).<br />

Para o caso da jurisdição no contexto estadual ou municipal, se a controvérsia<br />

estiver adstrita a uma unidade da federação, a competência será do respectivo<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça (também, por aplicação analógica, do art. 6º da Lei 7.701/88).<br />

Ou seja, nesse último caso, as greves de âmbito local ou municipal serão<br />

dirimidas pelo respectivo <strong>Tribunal</strong> de Justiça ou <strong>Tribunal</strong> Regional <strong>Federal</strong> com<br />

jurisdição sobre o local da paralisação, conforme se trate de greve de servidores<br />

municipais, estaduais ou federais.<br />

Revela-se importante, nesse particular, ressaltar que a par da competência<br />

para o dissídio de greve em si – no qual se discute a abusividade, ou não, da<br />

greve – também os referidos tribunais, nos seus respectivos âmbitos, serão competentes<br />

para decidir acerca do mérito do pagamento, ou não, dos dias de paralisação<br />

em consonância com a excepcionalidade com a qual esse juízo se reveste.<br />

Nesse particular, nos termos do art. 7º da Lei 7.783/89, a deflagração da<br />

greve, em princípio, corresponde à suspensão do contrato de trabalho. Na suspensão<br />

do contrato de trabalho não há falar propriamente em prestação de serviços,<br />

nem tampouco no pagamento de salários. Como regra geral, portanto, os<br />

salários dos dias de paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em que a<br />

greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento ou por outras<br />

situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão<br />

do contrato de trabalho.<br />

Os tribunais mencionados também serão competentes para apreciar e julgar<br />

medidas cautelares eventualmente incidentes relacionadas ao exercício do<br />

direito de greve dos servidores públicos civis, tais como:<br />

i) aquelas nas quais se postule a preservação do objeto da querela judicial,<br />

qual seja, o percentual mínimo de servidores públicos que deve continuar trabalhando<br />

durante o movimento paredista, ou mesmo a proibição de qualquer tipo<br />

de paralisação;


40<br />

Lei 7.783/89<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

ii) os interditos possessórios para a desocupação de dependências dos órgãos<br />

públicos eventualmente tomados por grevistas; e<br />

iii) demais medidas cautelares que apresentem conexão direta com o dissídio<br />

coletivo de greve.<br />

Em última instância, a adequação e a necessidade da definição dessas questões<br />

de organização e de procedimento dizem respeito à fixação de competência<br />

constitucional de modo a assegurar, a um só tempo, a possibilidade de exercício<br />

do direito constitucional de greve dos servidores públicos e, sobretudo, os limites<br />

a esse exercício no contexto de continuidade na prestação dos serviços públicos.<br />

Ao adotar essa medida, este <strong>Tribunal</strong> estaria a assegurar o direito de greve<br />

constitucionalmente garantido no art. 37, VII, da Constituição <strong>Federal</strong>, sem desconsiderar<br />

a garantia da continuidade de prestação de serviços públicos – um<br />

elemento fundamental para a preservação do interesse público em áreas que são<br />

extremamente demandadas para o benefício da sociedade brasileira.<br />

Em razão da evolução jurisprudencial sobre o tema da interpretação da<br />

omissão legislativa do direito de greve dos servidores públicos civis e em respeito<br />

aos ditames de segurança jurídica, entendo ser válida a fixação do prazo de<br />

60 (sessenta) dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria.<br />

Diante do exposto, voto no sentido de que o presente mandado de injunção<br />

seja conhecido e, no mérito, deferido para, nos termos acima especificados, determinar<br />

a aplicação das Leis 7.701/88 e 7.783/89 aos conflitos e às ações judiciais<br />

que envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis.<br />

É como voto.<br />

Apêndice I<br />

Comparativo entre a Lei de Greve dos servidores em geral (Lei<br />

7.783/89) e o substitutivo ao Projeto de Lei, acerca da regulamentação do<br />

direito de greve dos servidores públicos, 4.497/01<br />

Dispõe sobre o exercício do direito<br />

de greve, define as atividades essenciais,<br />

regula o atendimento das necessidades<br />

inadiáveis da comunidade, e<br />

dá outras providências.<br />

O Presidente da República, faço saber<br />

que o Congresso Nacional decreta e<br />

eu sanciono a seguinte Lei:<br />

Art. 1º É assegurado o direito de<br />

greve, competindo aos trabalhadores<br />

Substitutivo ao<br />

Projeto de Lei 4.497/01<br />

Dispõe sobre os termos e limites do<br />

exercício do direito de greve pelos servidores<br />

públicos.<br />

O Congresso Nacional decreta:<br />

Art. 1º O direito de greve será exercido<br />

pelos servidores públicos nos termos e<br />

limites estabelecidos por esta lei, competindo-lhes<br />

decidir sobre a oportunidade de<br />

exercê-lo e sobre os interesses que devam<br />

por meio dele defender.


Lei 7.783/89<br />

decidir sobre a oportunidade de exercêlo<br />

e sobre os interesses que devam por<br />

meio dele defender.<br />

Parágrafo único. O direito de greve<br />

será exercido na forma estabelecida nesta<br />

Lei.<br />

Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se<br />

legítimo exercício do direito de<br />

greve a suspensão coletiva, temporária<br />

e pacífica, total ou parcial, de prestação<br />

pessoal de serviços a empregador.<br />

Art. 3º Frustrada a negociação ou verificada<br />

a impossibilidade de recursos<br />

via arbitral, é facultada a cessação coletiva<br />

do trabalho.<br />

Parágrafo único. A entidade patronal<br />

correspondente ou os empregadores diretamente<br />

interessados serão notificados,<br />

com antecedência mínima de 48 (quarenta<br />

e oito) horas, da paralisação.<br />

Art. 4º Caberá à entidade sindical<br />

correspondente convocar, na forma do<br />

seu estatuto, assembléia geral que definirá<br />

as reivindicações da categoria e<br />

deliberará sobre a paralisação coletiva da<br />

prestação de serviços.<br />

§ 1º O estatuto da entidade sindical<br />

deverá prever as formalidades de convocação<br />

e o quorum para a deliberação,<br />

tanto da deflagração quanto da cessação<br />

da greve.<br />

§ 2º Na falta de entidade sindical, a<br />

assembléia geral dos trabalhadores interessados<br />

deliberará para os fins previstos<br />

no “caput”, constituindo comissão de<br />

negociação.<br />

Art. 5º A entidade sindical ou comissão<br />

especialmente eleita representará os<br />

interesses dos trabalhadores nas negociações<br />

ou na Justiça do Trabalho.<br />

Art. 6º São assegurados aos grevistas,<br />

dentre outros direitos:<br />

R.T.J. — <strong>207</strong> 41<br />

Substitutivo ao<br />

Projeto de Lei 4.497/01<br />

Art. 2º Para os fins desta lei considera-se:<br />

I – Administração: órgão da administração<br />

direta de qualquer dos Poderes da<br />

União, dos Estados, do Distrito <strong>Federal</strong><br />

e dos Municípios, bem como respectivas<br />

autarquias e fundações públicas;<br />

II – servidor: pessoa legalmente investida<br />

em cargo público;<br />

III – legítimo exercício do direito de<br />

greve: suspensão coletiva, temporária e<br />

pacífica, total ou parcial, da prestação de<br />

serviços públicos.<br />

Art. 3º Caberá à entidade sindical dos<br />

servidores convocar, na forma de seu<br />

estatuto, assembléia geral para deliberar<br />

sobre as reivindicações da categoria e sobre<br />

a deflagração e a cessação da greve .<br />

§ 1º O estatuto da entidade sindical<br />

deverá prever as formalidades para convocação<br />

da assembléia geral e o quorum<br />

específico exigido para deliberação<br />

quanto à greve.<br />

§ 2º Se inexistir entidade sindical<br />

representativa dos servidores públicos,<br />

assembléia geral convocada com pelo<br />

menos 24 (vinte e quatro) horas de antecedência,<br />

desde que conte com a presença<br />

de pelo menos 50% (cinqüenta por<br />

cento) dos integrantes da categoria, poderá<br />

deliberar sobre a greve por maioria<br />

absoluta dos presentes, devendo, obrigatoriamente,<br />

caso a greve seja aprovada,<br />

constituir comissão de negociação.<br />

§ 3º A entidade sindical ou a comissão<br />

de negociação a que se refere o § 2º<br />

representará os interesses dos servidores<br />

em greve nas negociações com a Administração<br />

e, caso seja necessário, junto<br />

ao Poder Judiciário.<br />

Art. 4º Apresentada a pauta de reivindicações<br />

nos termos do art. 3º, a Administração<br />

adotará os seguintes procedimentos:<br />

I – instalará processo de negociação;<br />

II – no prazo de 30 (trinta) dias contados<br />

do recebimento das reivindicações,


42<br />

Lei 7.783/89<br />

I – o emprego de meios pacíficos tendentes<br />

a persuadir ou aliciar os trabalhadores<br />

a aderirem à greve;<br />

II – a arrecadação de fundos e a livre<br />

divulgação do movimento.<br />

§ 1º Em nenhuma hipótese, os meios<br />

adotados por empregados e empregadores<br />

poderão violar ou constranger os<br />

direitos e garantias fundamentais de outrem.<br />

§ 2º É vedado às empresas adotar<br />

meios para constranger o empregado ao<br />

comparecimento ao trabalho, bem como<br />

capazes de frustrar a divulgação do movimento.<br />

§ 3º As manifestações e atos de persuasão<br />

utilizados pelos grevistas não poderão<br />

impedir o acesso ao trabalho nem<br />

causar ameaça ou dano à propriedade ou<br />

pessoa.<br />

Art. 7º Observadas as condições previstas<br />

nesta Lei, a participação em greve<br />

suspende o contrato de trabalho, devendo<br />

as relações obrigacionais, durante o<br />

período, ser regidas pelo acordo, convenção,<br />

laudo arbitral ou decisão da Justiça<br />

do Trabalho.<br />

Parágrafo único. É vedada a rescisão<br />

de contrato de trabalho durante a greve,<br />

bem como a contratação de trabalhadores<br />

substitutos, exceto na ocorrência das<br />

hipóteses previstas nos arts. 9º e 14.<br />

Art. 8º A Justiça do Trabalho, por<br />

iniciativa de qualquer das partes ou do<br />

Ministério Público do Trabalho, decidirá<br />

sobre a procedência, total ou parcial, ou<br />

improcedência das reivindicações, cumprindo<br />

ao <strong>Tribunal</strong> publicar, de imediato,<br />

o competente acórdão.<br />

Art. 9º Durante a greve, o sindicato<br />

ou a comissão de negociação, mediante<br />

acordo com a entidade patronal ou diretamente<br />

com o empregador, manterá em<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Substitutivo ao<br />

Projeto de Lei 4.497/01<br />

deverá manifestar-se, acolhendo-as,<br />

apresentando proposta conciliatória ou<br />

fundamentando a impossibilidade de seu<br />

atendimento.<br />

Art. 5º Transcorrido o prazo previsto<br />

no inciso II do art. 4º e tendo a assembléia<br />

geral deliberado pela deflagração<br />

da greve, caberá à entidade sindical ou<br />

à comissão de negociação comunicar tal<br />

fato à Administração, com antecedência<br />

mínima de 72 (setenta e duas) horas do<br />

início da greve.<br />

Art. 6º São assegurados aos servidores<br />

em greve, sem prejuízo de outros<br />

direitos:<br />

I – a livre divulgação do movimento<br />

grevista entre os servidores;<br />

II – a persuasão e o aliciamento dos<br />

servidores visando sua adesão à greve,<br />

mediante o emprego de meios pacíficos;<br />

III – a arrecadação de fundos para o<br />

movimento grevista;<br />

IV – a prestação de esclarecimentos<br />

à população sobre os motivos e objetivos<br />

da greve.<br />

§ 1º Em nenhuma hipótese, o legítimo<br />

exercício do direito de greve poderá<br />

servir de justificativa ou atenuante para<br />

quaisquer ações de servidores ou da<br />

Administração que constituam violação,<br />

ameaça ou constrangimento ao exercício<br />

dos direitos e garantias fundamentais.<br />

§ 2º É vedado à Administração, sob<br />

pena de responsabilidade das autoridades,<br />

por qualquer forma constranger<br />

servidor a comparecer ao trabalho, bem<br />

como procurar frustrar o exercício dos<br />

direitos previstos neste artigo.<br />

Art. 7º Durante o período de greve<br />

são vedados, nos órgãos ou entidades públicas<br />

cujas atividades estejam interrompidas<br />

ou prejudicadas, os atos de:<br />

I – demissão de servidor, exceto nos<br />

casos previstos no art. 12 ou quando se<br />

tratar de demissão fundada em fatos não<br />

relacionados à paralisação;


Lei 7.783/89<br />

atividade equipes de empregados com o<br />

propósito de assegurar os serviços cuja<br />

paralisação resultem em prejuízo irreparável,<br />

pela deterioração irreversível<br />

de bens, máquinas e equipamentos, bem<br />

como a manutenção daqueles essenciais<br />

à retomada das atividades da empresa<br />

quando da cessação do movimento.<br />

Parágrafo único. Não havendo acordo,<br />

é assegurado ao empregador, enquanto<br />

perdurar a greve, o direito de contratar<br />

diretamente os serviços necessários a<br />

que se refere este artigo.<br />

Art. 10. São considerados serviços ou<br />

atividades essenciais:<br />

I – tratamento e abastecimento de<br />

água; produção e distribuição de energia<br />

elétrica, gás e combustíveis;<br />

II – assistência médica e hospitalar;<br />

III – distribuição e comercialização<br />

de medicamentos e alimentos;<br />

IV – funerários;<br />

V – transporte coletivo;<br />

VI – captação e tratamento de esgoto<br />

e lixo;<br />

VII – telecomunicações;<br />

VIII – guarda, uso e controle de substâncias<br />

radioativas, equipamentos e materiais<br />

nucleares;<br />

IX – processamento de dados ligados<br />

a serviços essenciais;<br />

X – controle de tráfego aéreo;<br />

XI – compensação bancária.<br />

Art. 11. Nos serviços ou atividades<br />

essenciais, os sindicatos, os empregadores<br />

e os trabalhadores ficam obrigados,<br />

de comum acordo, a garantir, durante a<br />

greve, a prestação dos serviços indispensáveis<br />

ao atendimento das necessidades<br />

inadiáveis da comunidade.<br />

R.T.J. — <strong>207</strong> 43<br />

Substitutivo ao<br />

Projeto de Lei 4.497/01<br />

II – exoneração de servidor, exceto<br />

em se tratando de cargos em comissão de<br />

livre provimento e exoneração, ou, sendo<br />

cargo efetivo, se a pedido do servidor;<br />

III – nomeação de novos servidores<br />

para exercício de cargo efetivo;<br />

IV – contratação por tempo determinado<br />

prevista no art. 37, IX – da Constituição<br />

<strong>Federal</strong>;<br />

V – contratação de terceiros para a<br />

execução de serviços prestados usualmente<br />

por servidor.<br />

§ 1º As vedações constantes nos incisos<br />

IV e V não se aplicam aos casos<br />

previstos no § 2º do art. 9º.<br />

§ 2º A inobservância do disposto neste<br />

artigo implicará a nulidade do ato respectivo<br />

e a responsabilização da autoridade<br />

que o praticou ou determinou.<br />

Art. 8º São considerados serviços ou<br />

atividades essenciais, além daqueles especificados<br />

na lei de que trata o § 1º do<br />

art. 9º da Constituição <strong>Federal</strong>:<br />

I – a representação diplomática do<br />

país no exterior e a recepção a representantes<br />

de governos estrangeiros ou<br />

de organismos internacionais, em visita<br />

oficial ao país;<br />

II – o exercício de poder de polícia;<br />

III – os serviços de carceragem e vigilância<br />

de presos e de segurança dos estabelecimentos<br />

do sistema penitenciário;<br />

IV – os serviços de assistência à saúde<br />

e previdência;<br />

V – os serviços do Poder Judiciário<br />

diretamente vinculados ao exercício de<br />

suas funções;<br />

VI – os serviços que visam possibilitar<br />

o atendimento direto das atribuições<br />

legais das Forças Armadas.<br />

Art. 9º Durante a greve em órgãos e<br />

entidades públicas que executem serviços<br />

ou atividades essenciais, os servidores,<br />

sob a coordenação de entidade sindical<br />

ou da comissão de negociação a que<br />

se refere o § 2º do art. 3º, ficam obrigados


44<br />

Lei 7.783/89<br />

Parágrafo único. São necessidades<br />

inadiáveis, da comunidade aquelas que,<br />

não atendidas, coloquem em perigo iminente<br />

a sobrevivência, a saúde ou a segurança<br />

da população.<br />

Art. 12. No caso de inobservância do<br />

disposto no artigo anterior, o Poder Público<br />

assegurará a prestação dos serviços<br />

indispensáveis.<br />

Art. 13. Na greve, em serviços ou atividades<br />

essenciais, ficam as entidades<br />

sindicais ou os trabalhadores, conforme<br />

o caso, obrigados a comunicar a decisão<br />

aos empregadores e aos usuários com antecedência<br />

mínima de 72 (setenta e duas)<br />

horas da paralisação.<br />

Art. 14. Constitui abuso do direito de<br />

greve a inobservância das normas contidas<br />

na presente Lei, bem como a manutenção<br />

da paralisação após a celebração<br />

de acordo, convenção ou decisão da Justiça<br />

do Trabalho.<br />

Parágrafo único. Na vigência de acordo,<br />

convenção ou sentença normativa<br />

não constitui abuso do exercício do direito<br />

de greve a paralisação que:<br />

I – tenha por objetivo exigir o cumprimento<br />

de cláusula ou condição;<br />

II – seja motivada pela superveniência<br />

de fatos novo ou acontecimento imprevisto<br />

que modifique substancialmente<br />

a relação de trabalho.<br />

Art. 15. A responsabilidade pelos atos<br />

praticados, ilícitos ou crimes cometidos,<br />

no curso da greve, será apurada, conforme<br />

o caso, segundo a legislação trabalhista,<br />

civil ou penal.<br />

Parágrafo único. Deverá o Ministério<br />

Público, de ofício, requisitar a abertura<br />

do competente inquérito e oferecer denúncia<br />

quando houver indício da prática<br />

de delito.<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Substitutivo ao<br />

Projeto de Lei 4.497/01<br />

a garantir a prestação dos serviços indispensáveis<br />

ao atendimento das necessidades<br />

inadiáveis de interesse público.<br />

§ 1º São necessidades inadiáveis de interesse<br />

público aquelas que, se não atendidas,<br />

coloquem em risco iminente a segurança<br />

do Estado, a sobrevivência, a saúde<br />

ou a segurança da população, o exercício<br />

dos direitos e garantias fundamentais e a<br />

preservação do patrimônio público.<br />

§ 2º No caso de inobservância do disposto<br />

neste artigo pelos servidores, fica a<br />

Administração autorizada a proceder à:<br />

I – contratação de pessoal por tempo<br />

determinado, prevista no art. 37, IX, da<br />

Constituição <strong>Federal</strong>;<br />

II – contratação de serviços de terceiros<br />

para a execução de serviços prestados<br />

usualmente por servidor, admitida a<br />

dispensa de licitação;<br />

§ 3º Os contratos previstos no § 2º<br />

restringir-se-ão à efetiva prestação dos<br />

serviços a que se refere o caput e serão<br />

rescindidos em prazo não superior a 15<br />

(quinze) dias após o encerramento da<br />

greve.<br />

Art. 10. Os dias de greve serão contados<br />

como de efetivo exercício para todos<br />

os efeitos, inclusive remuneratórios, desde<br />

que, após o encerramento da greve,<br />

sejam repostas as horas não trabalhadas,<br />

de acordo com cronograma estabelecido<br />

pela Administração, com a participação<br />

da entidade sindical ou da comissão<br />

de negociação a que se refere o § 2º do<br />

art. 3º.<br />

Art. 11. Constitui abuso do direito de<br />

greve:<br />

I – a paralisação que não atenda às<br />

formalidades para convocação da assembléia<br />

geral dos servidores e o quorum<br />

específico para deliberação;<br />

II – a paralisação de serviços sem a<br />

devida comunicação à Administração,<br />

com a antecedência mínima prevista no<br />

art. 5º;


Lei 7.783/89<br />

Art. 16. Para os fins previstos no<br />

art. 37, inciso VII, da Constituição, lei<br />

complementar definirá os termos e os<br />

limites em que o direito de greve poderá<br />

ser exercido.<br />

Art. 17. Fica vedada a paralisação das<br />

atividades, por iniciativa do empregador,<br />

com o objetivo de frustrar negociação ou<br />

dificultar o atendimento de reivindicações<br />

dos respectivos empregados (lockout).<br />

Parágrafo único. A prática referida<br />

no caput assegura aos trabalhadores o<br />

direito à percepção dos salários durante<br />

o período de paralisação.<br />

Art. 18. Ficam revogados a Lei nº<br />

4.330, de 1º de junho de 1964, o Decreto-<br />

Lei nº 1.632, de 4 de agosto de 1978, e<br />

demais disposições em contrário.<br />

Art. 19. Esta Lei entra em vigor na<br />

data de sua publicação.<br />

Brasília, 28 de junho de 1989; 168º da<br />

Independência e 101º da República.<br />

José Sarney<br />

Oscar Dias Corrêa<br />

Dorothea Werneck<br />

R.T.J. — <strong>207</strong> 45<br />

Substitutivo ao<br />

Projeto de Lei 4.497/01<br />

III – a recusa à prestação dos serviços<br />

indispensáveis ao atendimento das necessidades<br />

de interesse público previstas<br />

no art. 9º;<br />

IV – a manutenção da greve após a<br />

celebração de acordo ou decisão judicial<br />

sobre a legalidade das reivindicações<br />

que a tenham motivado.<br />

Art. 12. O abuso do direito de greve,<br />

devidamente apurado em processo administrativo,<br />

assegurada ao acusado ampla<br />

defesa, acarretará as penalidades de:<br />

I – suspensão de até 90 (noventa) dias,<br />

que poderá, a critério da Administração,<br />

ser convertida em multa, na base de<br />

30%, por dia, da remuneração, ficando o<br />

servidor, neste caso, obrigado a permanecer<br />

no trabalho;<br />

II – demissão, em caso de reincidência.<br />

Parágrafo único. A penalidade de suspensão<br />

terá seu registro cancelado, sem<br />

qualquer efeito retroativo, decorridos 3<br />

(três) anos de efetivo exercício, se o servidor,<br />

durante esse período, não incorrer<br />

em nova infração disciplinar.<br />

Art. 13. A responsabilidade pelos atos<br />

praticados durante a greve será apurada,<br />

no que couber, nas esfera administrativa,<br />

civil e penal.<br />

§ 1º As sanções administrativas, civis<br />

e penais poderão cumular-se, sendo independentes<br />

entre si.<br />

§ 2º A responsabilidade administrativa<br />

do servidor será afastada no caso de<br />

absolvição criminal que negue a existência<br />

do fato ou sua autoria.<br />

Art. 14. Esta lei entra em vigor na data<br />

de sua publicação.


46<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Lei 7.783/89 Projeto de Lei 6.032/02<br />

Dispõe sobre o exercício do direito<br />

de greve, define as atividades essenciais,<br />

regula o atendimento das necessidades<br />

inadiáveis da comunidade, e<br />

dá outras providências.<br />

O Presidente da República, faço saber<br />

que o Congresso Nacional decreta e<br />

eu sanciono a seguinte Lei:<br />

Art. 1º É assegurado o direito de greve,<br />

competindo aos trabalhadores decidir<br />

sobre a oportunidade de exercê-lo e<br />

sobre os interesses que devam por meio<br />

dele defender.<br />

Parágrafo único. O direito de greve<br />

será exercido na forma estabelecida nesta<br />

Lei.<br />

Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se<br />

legítimo exercício do direito de<br />

greve a suspensão coletiva, temporária<br />

e pacífica, total ou parcial, de prestação<br />

pessoal de serviços a empregador.<br />

Art. 3º Frustrada a negociação ou verificada<br />

a impossibilidade de recursos<br />

via arbitral, é facultada a cessação coletiva<br />

do trabalho.<br />

Parágrafo único. A entidade patronal<br />

correspondente ou os empregadores diretamente<br />

interessados serão notificados,<br />

com antecedência mínima de 48 (quarenta<br />

e oito) horas, da paralisação.<br />

Art. 4º Caberá à entidade sindical<br />

correspondente convocar, na forma do<br />

seu estatuto, assembléia geral que definirá<br />

as reivindicações da categoria e<br />

deliberará sobre a paralisação coletiva da<br />

prestação de serviços.<br />

§ 1º O estatuto da entidade sindical<br />

deverá prever as formalidades de<br />

Apêndice II<br />

Comparativo entre a Lei de Greve dos servidores em geral (Lei<br />

7.783/89) e o Projeto de Lei, acerca da regulamentação do direito de greve<br />

dos servidores públicos, 6.032/2002<br />

Disciplina o exercício do direito de<br />

greve dos servidores públicos dos Poderes<br />

da União, dos Estados, do Distrito<br />

<strong>Federal</strong> a dos Municípios, previsto no<br />

art. 37, inciso VII da Constituição <strong>Federal</strong><br />

e dá outras providências. (Apensese<br />

ao PL 4.497/01)<br />

O Congresso Nacional decreta:<br />

Art. 1º Esta lei disciplina o exercício<br />

do direito de greve dos servidores públicos<br />

da Administração Pública direta,<br />

autárquica ou fundacional, de qualquer<br />

dos Poderes da União, dos Estados, do<br />

Distrito <strong>Federal</strong> e dos Municípios, e estabelece<br />

os termos e os limites para o seu<br />

exercício.<br />

Art. 2º Considera-se exercício regular<br />

do direito de greve a suspensão coletiva,<br />

temporária e pacífica de serviço ou<br />

atividade estatal dos Poderes da União,<br />

dos Estados, do Distrito <strong>Federal</strong> e dos<br />

Municípios.<br />

Art. 3º Será suspenso de ofício, pela<br />

autoridade competente, o pagamento da<br />

remuneração do servidor em greve, relativamente<br />

aos dias não trabalhados.<br />

§ 1º Declarada a legalidade da greve,<br />

será restabelecido o pagamento da<br />

remuneração, com efeitos retroativos à<br />

data de sua suspensão, ficando o servidor<br />

obrigado a repor os dias não trabalhados,<br />

mediante jornada diária acrescida<br />

de duas horas.<br />

§ 2º Declarada a ilegalidade da greve,<br />

é vedada a reposição do pagamento dos<br />

dias paralisados.


R.T.J. — <strong>207</strong> 47<br />

Lei 7.783/89 Projeto de Lei 6.032/02<br />

convocação e o quorum para a deliberação,<br />

tanto da deflagração quanto da<br />

cessação da greve.<br />

§ 2º Na falta de entidade sindical, a<br />

assembléia geral dos trabalhadores interessados<br />

deliberará para os fins previstos<br />

no caput, constituindo comissão de<br />

negociação.<br />

Art. 5º A entidade sindical ou comissão<br />

especialmente eleita representará os<br />

interesses dos trabalhadores nas negociações<br />

ou na Justiça do Trabalho.<br />

Art. 6º São assegurados aos grevistas,<br />

dentre outros direitos:<br />

I – o emprego de meios pacíficos tendentes<br />

a persuadir ou aliciar os trabalhadores<br />

a aderirem à greve;<br />

II – a arrecadação de fundos e a livre<br />

divulgação do movimento.<br />

§ 1º Em nenhuma hipótese, os meios<br />

adotados por empregados e empregadores<br />

poderão violar ou constranger os<br />

direitos e garantias fundamentais de<br />

outrem.<br />

§ 2º É vedado às empresas adotar<br />

meios para constranger o empregado ao<br />

comparecimento ao trabalho, bem como<br />

capazes de frustrar a divulgação do<br />

movimento.<br />

§ 3º As manifestações e atos de persuasão<br />

utilizados pelos grevistas não poderão<br />

impedir o acesso ao trabalho nem<br />

causar ameaça ou dano à propriedade ou<br />

pessoa.<br />

Art. 7º Observadas as condições previstas<br />

nesta Lei, a participação em greve<br />

suspende o contrato de trabalho, devendo<br />

as relações obrigacionais, durante o<br />

período, ser regidas pelo acordo, convenção,<br />

laudo arbitral ou decisão da Justiça<br />

do Trabalho.<br />

Parágrafo único. É vedada a rescisão<br />

de contrato de trabalho durante a greve,<br />

Art. 4º Cabe à entidade representativa<br />

dos servidores públicos convocar<br />

assembléia geral específica para deliberar<br />

sobre suas reivindicações perante o<br />

poder público.<br />

Parágrafo único. Inexistindo entidade<br />

representativa dos servidores públicos,<br />

estes se farão representar por comissão<br />

de liderança do movimento grevista que,<br />

para os fins desta lei, terá capacidade<br />

processual.<br />

Art. 5º As decisões da assembléia geral<br />

somente poderão ser tomadas com a<br />

presença mínima comprovada de dois<br />

terços do total dos servidores da categoria,<br />

considerando-se aprovadas se obtiverem<br />

a maioria absoluta dos votos dos<br />

membros presentes.<br />

Art. 6º As deliberações aprovadas em<br />

assembléia geral, com indicativo de greve,<br />

serão notificadas ao poder público<br />

para que se manifeste no prazo de trinta<br />

dias, acolhendo as reivindicações, apresentando<br />

proposta conciliatória ou fundamentando<br />

a impossibilidade de seu<br />

atendimento.<br />

§ 1º A omissão do Poder Público ou<br />

a frustração da tentativa conciliatória no<br />

prazo previsto neste artigo permitirá aos<br />

servidores decidir pela paralisação dos<br />

serviços, em assembléia geral específica.<br />

§ 2º Decidindo a assembléia geral pela<br />

paralisação de serviço ou atividade<br />

pública, caberá à entidade representativa<br />

dos servidores comunicar tal fato ao poder<br />

público, com antecedência mínima<br />

de dez dias.<br />

§ 3º No prazo estabelecido no § 2º<br />

deste artigo, a entidade representativa<br />

deverá informar à comunidade sobre as<br />

reivindicações apresentadas ao Poder<br />

Público.


48<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Lei 7.783/89 Projeto de Lei 6.032/02<br />

bem como a contratação de trabalhadores<br />

substitutos, exceto na ocorrência das<br />

hipóteses previstas nos arts. 9º e 14.<br />

Art. 8º A Justiça do Trabalho, por<br />

iniciativa de qualquer das partes ou do<br />

Ministério Público do Trabalho, decidirá<br />

sobre a procedência, total ou parcial, ou<br />

improcedência das reivindicações, cumprindo<br />

ao <strong>Tribunal</strong> publicar, de imediato,<br />

o competente acórdão.<br />

Art. 9º Durante a greve, o sindicato<br />

ou a comissão de negociação, mediante<br />

acordo com a entidade patronal ou diretamente<br />

com o empregador, manterá em<br />

atividade equipes de empregados com o<br />

propósito de assegurar os serviços cuja<br />

paralisação resultem em prejuízo irreparável,<br />

pela deterioração irreversível<br />

de bens, máquinas e equipamentos, bem<br />

como a manutenção daqueles essenciais<br />

à retomada das atividades da empresa<br />

quando da cessação do movimento.<br />

Parágrafo único. Não havendo acordo,<br />

é assegurado ao empregador, enquanto<br />

perdurar a greve, o direito de<br />

contratar diretamente os serviços necessários<br />

a que se refere este artigo.<br />

Art. 10 São considerados serviços ou<br />

atividades essenciais:<br />

I – tratamento e abastecimento de<br />

água; produção e distribuição de energia<br />

elétrica, gás e combustíveis;<br />

II – assistência médica e hospitalar;<br />

III – distribuição e comercialização<br />

de medicamentos e alimentos;<br />

IV – funerários;<br />

V – transporte coletivo;<br />

VI – captação e tratamento de esgoto<br />

e lixo;<br />

VII – telecomunicações;<br />

VIII – guarda, uso e controle de substâncias<br />

radioativas, equipamentos e materiais<br />

nucleares;<br />

Art. 7º Durante a greve deverá ser<br />

mantido percentual mínimo de cinqüenta<br />

por cento de servidores em atividade, de<br />

forma a garantir a continuidade dos serviços<br />

ou das atividades públicas.<br />

Art. 8º São assegurados aos servidores<br />

em greve:<br />

I – a livre divulgação do movimento<br />

grevista; e<br />

II – atos de convencimento dos servidores<br />

para adesão à greve, fora do local<br />

de serviço, e mediante o emprego de<br />

meios pacíficos.<br />

Parágrafo único. As manifestações e<br />

atos de convencimento utilizados pelos<br />

servidores em greve não poderão impedir<br />

o regular funcionamento do serviço<br />

ou da atividade pública, a liberdade de<br />

locomoção, o acesso ao trabalho, aos logradouros<br />

e prédios públicos, nem causar<br />

ameaça ou dano à pessoa ou ao patrimônio<br />

público ou privado.<br />

Art. 9º A ameaça concreta de deflagração<br />

de greve autoriza o poder público<br />

a ingressar em juízo postulando a declaração<br />

de ilegalidade do movimento,<br />

inclusivo liminarmente.<br />

§ 1º Sob pena de indeferimento, a petição<br />

inicial da ação a que se refere o caput<br />

será obrigatoriamente instruída com<br />

os documentos necessários ao pronto<br />

julgamento da causa, requisito também<br />

exigido da contestação, sendo vedada<br />

dilação probatória a pedido das partes.<br />

§ 2º As manifestações do Ministério<br />

Público serão proferidas no prazo improrrogável<br />

de dez dias.<br />

§ 3º O poder público poderá postular<br />

liminarmente a fixação de percentual de<br />

servidores em atividade, superior ao definido<br />

no art. 7º, quando, por sua natureza,<br />

a atividade assim o exigir.


R.T.J. — <strong>207</strong> 49<br />

Lei 7.783/89 Projeto de Lei 6.032/02<br />

IX – processamento de dados ligados<br />

a serviços essenciais;<br />

X – controle de tráfego aéreo;<br />

XI – compensação bancária.<br />

Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais,<br />

os sindicatos, os empregadores e<br />

os trabalhadores ficam obrigados, de comum<br />

acordo, a garantir, durante a greve,<br />

a prestação dos serviços indispensáveis<br />

ao atendimento das necessidades inadiáveis<br />

da comunidade.<br />

Parágrafo único. São necessidades<br />

inadiáveis, da comunidade aquelas que,<br />

não atendidas, coloquem em perigo iminente<br />

a sobrevivência, a saúde ou a segurança<br />

da população.<br />

Art. 12. No caso de inobservância do<br />

disposto no artigo anterior, o poder público<br />

assegurará a prestação dos serviços<br />

indispensáveis.<br />

Art. 13. Na greve, em serviços ou atividades<br />

essenciais, ficam as entidades<br />

sindicais ou os trabalhadores, conforme<br />

o caso, obrigados a comunicar a decisão<br />

aos empregadores e aos usuários com antecedência<br />

mínima de 72 (setenta e duas)<br />

horas da paralisação.<br />

Art. 14. Constitui abuso do direito de<br />

greve a inobservância das normas contidas<br />

na presente Lei, bem como a manutenção<br />

da paralisação após a celebração<br />

de acordo, convenção ou decisão da Justiça<br />

do Trabalho.<br />

Parágrafo único. Na vigência de acordo,<br />

convenção ou sentença normativa<br />

não constitui abuso do exercício do direito<br />

de greve a paralisação que:<br />

I – tenha por objetivo exigir o cumprimento<br />

de cláusula ou condição;<br />

II – seja motivada pela superveniência<br />

de fatos novo ou acontecimento imprevisto<br />

que modifique substancialmente<br />

a relação de trabalho.<br />

§ 4º Da decisão que julgar o pedido de<br />

liminar caberá agravo de instrumento, a<br />

ser julgado na sessão seguinte à sua interposição,<br />

independentemente da concessão<br />

de efeito suspensivo ao recurso.<br />

§ 5º Da decisão que julgar o agravo de<br />

que trata o § 4º caberá pedido de suspensão<br />

ao Presidente do <strong>Tribunal</strong> competente<br />

para julgar eventual recurso especial<br />

ou extraordinário, ainda que pendente<br />

de juízo de admissibilidade no tribunal<br />

de origem.<br />

§ 6º Da decisão que indeferir o pedido<br />

de que trata o § 5º caberá agravo no prazo<br />

de cinco dias, a ser julgado na sessão<br />

seguinte à sua interposição.<br />

§ 7º O processo prosseguirá até decisão<br />

final sobre a legalidade ou ilegalidade<br />

da greve, independentemente<br />

do encerramento do movimento de<br />

paralisação.<br />

§ 8º Os processos referidos nesta lei<br />

terão prioridade sobre todos os atos judiciais,<br />

salvo habeas-corpus e mandado<br />

de segurança.<br />

Art. 10. A participação em greve,<br />

após declarada sua ilegalidade, produzirá<br />

os efeitos de falta não justificado,<br />

a partir da data de início do respectivo<br />

movimento grevista.<br />

Art. 11. Enquanto não declarada ilegal<br />

é vedada a demissão de servidor, exceto<br />

na hipótese de conclusão de processo<br />

administrativo disciplinar que tenha<br />

por objeto fato não relacionado com a<br />

participação na greve.<br />

Art. 12. Em caso de manutenção da<br />

greve após a declaração de ilegalidade<br />

do movimento, a Justiça imporá à entidade<br />

representativa dos servidores<br />

pena cominatória em valor não superior<br />

a R$50.000,00 (cinqüenta mil reais)


50<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Lei 7.783/89 Projeto de Lei 6.032/02<br />

Art. 15. A responsabilidade pelos atos<br />

praticados, ilícitos ou crimes cometidos,<br />

no curso da greve, será apurada, conforme<br />

o caso, segundo a legislação trabalhista,<br />

civil ou penal.<br />

Parágrafo único. Deverá o Ministério<br />

Público, de ofício, requisitar a abertura<br />

do competente inquérito e oferecer denúncia<br />

quando houver indício da prática<br />

de delito.<br />

Art. 16. Para os fins previstos no<br />

art. 37, inciso VII, da Constituição, lei<br />

complementar definirá os termos e os<br />

limites em que o direito de greve poderá<br />

ser exercido.<br />

Art. 17. Fica vedada a paralisação das<br />

atividades, por iniciativa do empregador,<br />

com o objetivo de frustrar negociação<br />

ou dificultar o atendimento de reivindicações<br />

dos respectivos empregados<br />

(lockout).<br />

Parágrafo único. A prática referida<br />

no caput assegura aos trabalhadores o<br />

direito à percepção dos salários durante<br />

o período de paralisação.<br />

Art. 18. Ficam revogados a Lei nº<br />

4.330, de 1º de junho de 1964, o Decreto-<br />

Lei nº 1.632, de 4 de agosto de 1978, e<br />

demais disposições em contrário.<br />

Art. 19. Esta Lei entra em vigor na<br />

data de sua publicação.<br />

Brasília, 28 de junho de 1989; 168º da<br />

Independência e 101º da República.<br />

José Sarney<br />

Oscar Dias Corrêa<br />

Dorothea Werneck<br />

por dia de paralisação, até a cessação<br />

completa do movimento.<br />

Art. 13. Será declarada ilegal a greve<br />

deflagrada em desacordo com o disposto<br />

nesta lei.<br />

Art. 14. O art. 132 da Lei nº 8.112, de<br />

11 de dezembro de 1990, passa a vigorar<br />

acrescido do seguinte inciso XIV:<br />

“XIV prática, durante a greve, de<br />

qualquer ato que viole os direitos e garantias<br />

fundamentais de outrem, impedindo<br />

o acesso ao trabalho, perturbando<br />

o regular funcionamento do serviço ou<br />

atividade pública ou causando ameaça ou<br />

dano a propriedade ou a pessoa”. (NR).<br />

Art. 15. Esta lei entra em vigor na data<br />

de sua publicação.


R.T.J. — <strong>207</strong> 51<br />

VOTO<br />

(Vista)<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, tenho plena<br />

consciência de que estamos num momento histórico extremamente importante.<br />

Estamos redesenhando esse importantíssimo instituto, o mandado de injunção. Em<br />

boa hora esse <strong>Tribunal</strong> dará um passo à frente no sentido de permitir maior concreção,<br />

maior eficácia a esse instituto, mas peço vênia aos colegas para pedir vista.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

MI 670/ES — Relator: Ministro Maurício Corrêa. Impetrante: Sindicato<br />

dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo – SINDPOL<br />

(Advogados: Homero Junger Mafra e outro). Impetrado: Congresso Nacional.<br />

Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes, justificadamente,<br />

nos termos do § 1º do art. 1º da Resolução 278, de 15 de dezembro<br />

de 2003. Presidência do Ministro Maurício Corrêa. Plenário, 28-4-04.<br />

Decisão: Após o voto do Ministro Gilmar Mendes, que conhecia do mandado<br />

de injunção e dava solução à omissão legislativa, nos termos de seu voto,<br />

pediu vista dos autos o Ministro Ricardo Lewandowski. Não participa da votação<br />

o Ministro Eros Grau por suceder ao Ministro Maurício Corrêa, Relator do<br />

presente feito. Presidência da Ministra Ellen Gracie.<br />

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros<br />

Sepúlveda Pertence, Celso do Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar<br />

Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ricardo Lewandowski.<br />

Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.<br />

Brasília, 7 de junho de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.<br />

VOTO<br />

(Vista)<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de mandado de injunção,<br />

com pedido de medida liminar, impetrado por Sindicato dos Servidores<br />

Policiais Civis do Espírito Santo (SINDIPOL), contra omissão do Congresso<br />

Nacional, consistente na ausência de regulamentação do direito de greve dos<br />

servidores públicos, previsto no art. 37, VII, da Constituição de 1988.<br />

O Impetrante narra, em suma, que deflagrou movimento grevista na<br />

Polícia Civil capixaba, após infrutíferas negociações com o Governo do Estado.<br />

Diz, ainda, que, instado por este, “o MM Juiz da Vara dos Feitos da Fazenda<br />

Pública Estadual, Dr. Eraldo Gomes de Azevedo, deferiu tutela antecipada em<br />

ação ordinária (...), impedindo o exercício do direito constitucional de greve por<br />

parte dos associados do impetrante” (grifo no original – fl. 5).<br />

Destaca-se da referida decisão o seguinte trecho:


52<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

(...) diante do exposto, defiro, em parte, o pedido e determino a intimação<br />

do Sindipol, na pessoa do seu representante legal, de que a tutela antecipada deferida<br />

nos autos do presente processo, que proibiu o movimento paredista, ainda se<br />

encontra em vigor, sendo ilegítimo qualquer movimento grevista que porventura<br />

pretendam deflagrar e que a não obediência à ordem judicial emanada redundará,<br />

além da pena criminal correspondente, no corte do ponto de servidores, bem<br />

como na multa pecuniária diária a incidir sobre os dias parados que mantenho em<br />

R$ 10.000,00 (dez mil reais).<br />

(Grifos no original – fls. 5-6.)<br />

Argumenta, mais, que, “após o advento da Emenda Constitucional 19/98,<br />

passando a condicionar o exercício do direito de greve à edição de lei específica<br />

e não mais a lei complementar, caso claro da Lei de Greve – específica, pugna-se<br />

como razoável a aplicação desta Lei ao caso concreto, analogamente, sem que se<br />

fira suscetibilidades, e impere o primado da legalidade” (fl. 14).<br />

Requer o Impetrante, ao final, “seja o presente mandado de injunção julgado<br />

procedente, garantindo-se o exercício do direito de greve dos impetrantes<br />

com base na Lei <strong>Federal</strong> nº 7783/89, enquanto este direito não for regulamentado<br />

pelo Congresso Nacional; assim como sejam definitivamente banidos do<br />

mundo jurídico os efeitos da decisão proferida pelo Juízo Singular no Processo<br />

nº 024.010.028.918, anulando-se, definitivamente este processo, posto ferir de<br />

morte direito consagrado na Constituição <strong>Federal</strong>” (fl. 15).<br />

O pedido de medida liminar foi indeferido à fl. 69.<br />

O Presidente do Congresso Nacional, em suas informações, sustentou, em<br />

síntese, ter o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> firmado o entendimento “no sentido de<br />

que a finalidade a ser alcançada pela via da injunção resume-se à declaração,<br />

pelo Poder Judiciário, da ocorrência de omissão constitucional, a ser comunicada<br />

ao órgão legislativo inadimplente, para que promova a integração normativa<br />

do dispositivo constitucional nela objetivado” (fl. 76).<br />

Aduz, ainda, a inexistência da alegada omissão por parte do Poder Le gisla<br />

tivo, tendo em vista os inúmeras projetos de lei sobre o tema em tramitação no<br />

Congresso Nacional (fl. 78).<br />

A Procuradoria-Geral da República opinou pelo deferimento parcial do<br />

pedido para que seja declarada a mora do Poder Legislativo, nos termos da jurisprudência<br />

da Corte sobre a matéria (fls. 81-83).<br />

Em petição de fls. 86-90, o Impetrante informou a publicação da Lei estadual<br />

7.311/02, que regulamentou o direito de greve por parte dos servidores<br />

públicos estaduais, insistindo na procedência do presente mandado de injunção<br />

para garantir o exercício do direito de greve aos policiais civis com base na<br />

Lei federal 7.783/89, ou no mencionado diploma local, enquanto o Congresso<br />

Nacional não estabelecer normas gerais sobre a matéria.<br />

Na sessão plenária de 15-5-03, o Relator, Ministro Maurício Corrêa, conheceu<br />

em parte da impetração e, nessa parte, concedeu a ordem, para certificar<br />

a mora do Congresso Nacional.


R.T.J. — <strong>207</strong> 53<br />

Na sessão de 7-6-06, o Ministro Gilmar Mendes, em voto-vista, conheceu<br />

do writ e acolheu a pretensão “tão-somente no sentido de que se aplique a Lei<br />

7.783/89 enquanto a omissão não seja devidamente regulamentada por Lei específica<br />

para os servidores públicos”.<br />

Pedi vista dos autos para melhor refletir sobre a delicada questão, a qual<br />

passo a examinar em meu voto, que ora trago à apreciação do Plenário desta Casa.<br />

Preliminarmente, sublinho a especial relevância do pleito sob exame,<br />

porquanto, neste julgamento, encontra-se em causa precisamente a própria conformação<br />

que o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> emprestará a este inovador remédio<br />

constitucional.<br />

Não resta dúvida, a meu ver, de que é chegada a hora desta Corte avançar<br />

no sentido de conferir maior efetividade ao mandado de injunção, dando concreção<br />

a um dos mais importantes instrumentos de defesa dos direitos fundamentais<br />

concebidos pelo constituinte originário.<br />

E essa é visivelmente a tendência do STF, cuja jurisprudência acerca do<br />

instituto vem evoluindo de forma firme e progressiva, como, aliás, demonstram<br />

os votos dos eminentes Ministros que me antecederam no julgamento deste<br />

mandado de injunção.<br />

É bem verdade que, no passado, ainda no início dessa evolução jurisprudencial,<br />

os limites assinalados pelo <strong>Supremo</strong> à decisão judicial em mandado<br />

de injunção foram objeto de críticas por parte de alguns doutrinadores, que os<br />

consideravam excessivamente angustos. 2 Mas esses limites, sobre os quais me<br />

permito tecer algumas reflexões, foram sendo paulatinamente ampliados (vejase,<br />

a propósito, acórdãos proferidos nos MI 107-QO, Rel. Min. Moreira Alves;<br />

MI 168, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; MI 232, Rel. Min. Moreira Alves; MI 235,<br />

Rel. Min. Moreira Alves; MI 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; MI 284, Rel.<br />

Min. Marco Aurélio; e MI 384, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, entre outros).<br />

No que se refere aos efeitos da decisão em mandado de injunção, ponto<br />

que considero nodal neste julgamento, é possível identificar-se três correntes de<br />

pensamento. 3 Para a primeira delas, a decisão nessa espécie de ação seria meramente<br />

declaratória, ou seja, teria como escopo tão-somente declarar a inconstitucionalidade<br />

da omissão legislativa e dar ciência dela ao órgão competente para<br />

as providências cabíveis.<br />

Tal concepção, defendida por adeptos de uma visão mais ortodoxa do<br />

princípio da separação dos poderes, e já contemplada em julgado desta Corte, 4<br />

2<br />

Por exemplo, SARAIVA, Paulo Lopo. O mandado de garantia social no direito constitucional<br />

luso-brasileiro. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, Rio de Janeiro, ano XXXII, n. 79, p. 138.<br />

3<br />

Considerações sobre as três correntes de pensamento em mandado de injunção e seus principais<br />

efeitos podem ser encontradas em: PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Mandado de injunção.<br />

São Paulo: Atlas, 1999. p. 80-116; e PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões<br />

legislativas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 134-182.<br />

4<br />

MI 107-QO, Rel. Min. Moreira Alves.


54<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

tem sido considerada ineficaz, por frustrar a expectativa do Impetrante de lograr<br />

uma tutela efetiva do direito cujo exercício é obstado pela ausência de norma<br />

regulamentadora.<br />

A segunda corrente, por sua vez, admite a remoção, pelo Judiciário, do referido<br />

obstáculo, viabilizando o exercício do direito no caso concreto. Ultrapassa,<br />

assim, a apontada fragilidade da solução aventada pela primeira corrente, uma<br />

vez que supera a inefetividade da decisão judicial ao conferir-lhe uma natureza<br />

condenatória. Dentre os autores que defendem essa concepção, pode-se mencionar<br />

Celso Agrícola Barbi, 5 Flávia Piovesan 6 e José Afonso da Silva. 7<br />

A terceira corrente, por fim, entende competir ao Judiciário elaborar a<br />

norma faltante para disciplinar a matéria pendente de regulamentação, suprindo,<br />

desse modo, a omissão do legislador. A decisão judicial ostentará, então,<br />

caráter constitutivo, podendo ser adotada com validade erga omnes ou limitada<br />

à situação concreta. É a posição de José Ignácio Botelho de Mesquita, encampada<br />

pelo Ministro Eros Grau em seu voto no MI 712, bem como pelo Ministro<br />

Gilmar Mendes, para solucionar este caso.<br />

Especificamente quanto à matéria de fundo deste mandado de injunção,<br />

verifico que de há muito vem sendo preconizada nesta Corte a aplicação da Lei<br />

7.783/89, que regula o direito de greve no setor privado, aos servidores públicos,<br />

tendo sido essa tese acolhida por alguns Ministros. Destaco, a propósito, o voto<br />

do Ministro Marco Aurélio, no MI 20, cujo julgamento ocorreu em 19-5-94, o<br />

qual propôs fosse a referida Lei aplicada aos servidores públicos desde que feitas<br />

as necessárias adaptações.<br />

No mesmo julgamento, em abono dessa tese, o Ministro Carlos Velloso<br />

consignou o seguinte:<br />

Sei que na Lei 7.783 está disposto que ela não se aplicará aos servidores públicos.<br />

Todavia, como devo fixar a norma para o caso concreto, penso que devo e<br />

posso estender aos servidores públicos a norma já existente, que dispõe a respeito<br />

do direito de greve.<br />

Essa posição minoritária prosseguiu sendo defendida nos MI 438, Relator<br />

o Ministro Néri da Silveira, MI 631, Relator o Ministro Ilmar Galvão, e MI 485,<br />

Relator o Ministro Maurício Corrêa. Dentre os debates que a solução suscitou,<br />

merece destaque a reflexão proposta pelo Ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento<br />

do MI 438, sendo Relator o Ministro Néri da Silveira:<br />

Senhor Presidente, no MI 20, julgado em 19 de maio último, votei vencido,<br />

não conhecendo do pedido, por entender que a norma do art. 37, inciso VII, é,<br />

5<br />

BARBI, Celso Agrícola. Mandado de injunção. In: FIGUEIREDO TEIXEIRA, Sálvio.<br />

(Coord.). Mandados de Segurança e de Injunção. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 387-396.<br />

6<br />

PIOVESAN, Flávia. Op. cit, loc. cit.<br />

7<br />

SILVA, José Afonso. Comentário contextual à Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.<br />

p. 166-167.


R.T.J. — <strong>207</strong> 55<br />

na terminologia divulgada pela conhecida monografia de José Afonso da Silva,<br />

chamada norma de eficácia contida, limitável pelo legislador, mas enquanto não<br />

editada a lei, de eficácia imediata.<br />

Não vou, sequer, ao ponto que chega o eminente Ministro Carlos Velloso<br />

porque, na medida em que o <strong>Tribunal</strong> conhece do mandado de injunção, ele declara,<br />

mediante o recurso à analogia, ou a outros processos de integração, que não<br />

há norma viabilizadora do direito constitucional pleiteado.<br />

Parece-me, na minha perspectiva, impossível, para quem conhece do mandado<br />

de injunção, depois, adotar uma norma de lei vigente, porque essa norma se aplicaria,<br />

ainda que por analogia, e obstaria o conhecimento do pedido de injunção.<br />

Não posso, partindo dos pressupostos estabelecidos do MI 107, uma vez<br />

superada a barreira do conhecimento, dizer que existe uma norma que seria aplicável<br />

à hipótese, ainda que por analogia.<br />

A solução proposta pelo Ministro Gilmar Mendes, no caso sob análise,<br />

como visto, filia-se, exatamente, à terceira corrente de pensamento, nos termos<br />

da sistematização do tema desenvolvida pela doutrina brasileira, afinando-se<br />

com os votos minoritários mencionados. Sua adoção sustenta-se, essencialmente,<br />

na preocupação em conceder-se plena efetividade às normas constitucionais<br />

e na aceitação de um modelo de separação de poderes mitigado.<br />

Ora, a efetividade das normas constitucionais, em especial a “operatividade<br />

dos direitos fundamentais”, nas palavras de Ricardo Luis Lorenzetti, Presidente<br />

da Corte Suprema da Argentina, 8 não sem razão, representa tema caro aos constitucionalistas<br />

estrangeiros e nacionais. Estes, de um modo geral, reconhecem que<br />

o mandado de injunção pode e deve consubstanciar instrumento de realização do<br />

princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos e garantias<br />

fundamentais, abrigado no art. 5º, § 1º, da Carta Magna.<br />

Para que isso ocorra, não há dúvida, é preciso superar uma visão estática, tradicional,<br />

do princípio da separação dos poderes, reconhecendo-se que as funções<br />

que a Constituição atribui a cada um deles, na complexa dinâmica governamental<br />

do Estado contemporâneo, podem ser desempenhadas de forma compartilhada, 9<br />

sem que isso implique a superação da tese original de Montesquieu.<br />

Não vou tão longe, porém, a ponto de ultrapassar a finalidade do mandado<br />

de injunção – que é, nas palavras de José Afonso da Silva, a de “realizar concretamente<br />

em favor do impetrante o direito, liberdade ou prerrogativa sempre que<br />

a norma regulamentadora torne inviável seu exercício” – 10 , avançando sobre a<br />

própria razão de ser do Poder Legislativo, ao qual compete expedir normas de<br />

caráter geral e abstrato para regular determinadas situações ocorrentes na realidade<br />

fenomênica.<br />

8<br />

LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria de la decisión judicial. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni,<br />

2006. p. 118-119.<br />

9<br />

ALAS, Leopoldo Tolívar. Derecho Administrativo y Poder Judicial. Madrid: Editorial Tecnos,<br />

1996. p. 14.<br />

10<br />

Op. cit., p. 166.


56<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Em outras palavras, não me parece possível, data venia, ao Poder<br />

Judiciário, a pretexto de viabilizar o exercício de direito fundamental por parte<br />

de determinada pessoa ou grupo de pessoas, no âmbito do mandado de injunção,<br />

expedir regulamentos para disciplinar, em tese, tal ou qual situação, ou adotar<br />

diploma normativo vigente aplicável à situação diversa.<br />

Por isso, entendo, com o devido respeito, que não se mostra factível o emprego<br />

da Lei 7.783/89 para autorizar-se o exercício do direito de greve por parte<br />

dos servidores do Poder Judiciário do Estado do Pará, inclusive fazendo tabula<br />

rasa de disposição legal nela contida que expressamente veda tal hipótese.<br />

Ademais, ao emprestar-se eficácia erga omnes à tal decisão, como se pretende,<br />

penso que esta Suprema Corte estaria intrometendo-se, de forma indevida, na<br />

esfera de competência que a Carta Magna reserva com exclusividade aos representantes<br />

da soberania popular, eleitos pelo sufrágio universal, direto e secreto.<br />

É que, como sustentou o Ministro Sepúlveda Pertence, em assim procedendo,<br />

o STF estaria recorrendo a uma analogia, que o levaria, inevitavelmente,<br />

a uma aporia de dífícil, senão impossível, transposição.<br />

Com efeito, a analogia foi definida por Norberto Bobbio como o “procedimento<br />

pelo qual se atribui a um caso não-regulamentado a mesma disciplina<br />

que a um caso regulamentado semelhante” 11 . O referido autor considerou-a o<br />

mais típico e importante dos procedimentos hermenêuticos, por meio do qual se<br />

verifica “a tendência de cada ordenamento jurídico a expandir-se além dos casos<br />

expressamente regulamentados”. 12 Assenta ele, contudo, que esse método, para<br />

que seja validamente empregado, pressupõe que haja, entre as duas hipóteses,<br />

uma semelhança relevante. 13<br />

Concessa venia, não vejo, no caso presente, semelhança relevante entre<br />

a greve na esfera pública e a greve no âmbito privado que autorize o recurso à<br />

analogia. Embora ambas as situações refiram-se ao fenômeno social “greve”,<br />

consistente na paralisação das atividades de determinado setor laboral em face<br />

de reivindicações não atendidas, as distinções que as separam são maiores do<br />

que os pontos comuns que as aproximam, a começar pelo regime jurídico diferenciado<br />

ao qual estão submetidos os seus protagonistas.<br />

As particularidades que distinguem os dois movimentos paredistas não<br />

deixaram de ser consideradas pelo constituinte originário, que lhes conferiu tratamento<br />

diverso no texto magno, com destaque para a ampla discricionariedade<br />

que, desde logo, emprestou aos trabalhadores do setor privado para decidirem<br />

sobre a oportunidade de exercer o direito de greve e os interesses que devam<br />

por meio dele defender (art. 9º, caput, da CF).<br />

De fato, não me parece difícil imaginar que as conseqüências e implicações<br />

para a sociedade de uma greve de servidores públicos são distintas daquelas<br />

11<br />

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Brasília: Editora Universidade de<br />

Brasília, 1997, p. 150.<br />

12<br />

Idem, ibidem.<br />

13<br />

Op. cit., p. 152, grifo meu.


R.T.J. — <strong>207</strong> 57<br />

produzidas por uma paralisação de empregados na área privada. Mesmo no âmbito<br />

exclusivamente público, diferentes greves apresentam características variadas,<br />

que podem e devem ensejar tratamento diferenciado.<br />

Parece inquestionável que uma greve de professores do ensino fundamental,<br />

por exemplo, não deve ter o mesmo tratamento que o dispensado à uma<br />

greve de controladores de vôo ou de profissionais da saúde pública. Cada uma<br />

dessas paralisações requer regulamentação que atenda às suas especificidades<br />

e, ao mesmo tempo, resguarde os interesses da coletividade. Essa é exatamente<br />

a dificuldade que o Congresso Nacional vem enfrentando para disciplinar o direito<br />

de greve na esfera pública.<br />

Não vejo, permito-me repetir, semelhança relevante entre a greve dos trabalhadores<br />

do setor privado e a greve dos servidores públicos. Com efeito, não<br />

reconheço, data venia, identidade jurídica entre os dois fenômenos que autorize<br />

a aplicação da Lei 7.783/89 ao serviço público.<br />

Servindo-me, novamente, dos ensinamentos de Bobbio, entendo que o raciocínio<br />

por analogia, no Direito, somente é lícito se as duas situações, a regulamentada<br />

e a não-regulamentada, tenham em comum a mesma ratio legis. 14 Não<br />

vislumbrando, porém, conforme assentei, essa circunstância no caso concreto,<br />

afasto a possibilidade de empregar tal procedimento lógico para solucioná-lo.<br />

Embora comungue da preocupação de que é preciso dar efetividade às<br />

normas constitucionais, sobretudo àquelas que consubstanciam direitos fundamentais,<br />

estou convencido de que o Judiciário não pode ocupar o lugar do Poder<br />

ao qual o constituinte, intérprete primeiro da vontade soberana do povo, outorgou<br />

a sublime função de legislar.<br />

Tomo de empréstimo, a esse respeito, as ponderações de Maria Helena<br />

Diniz, quando afirma que “ao Poder Judiciário está reservada a grande responsabilidade<br />

de adequar o direito, quando houver omissão normativa ou quando<br />

a sua eficácia apresentar sintomas de inadaptabilidade em relação à realidade<br />

fático-social e aos valores positivos, mantendo-o vivo”, ressaltando, no entanto,<br />

que “desta afirmação não se infere que o juiz tenha uma liberdade onímoda”. 15<br />

É que, como bem assentou a citada autora:<br />

O legislador, ao criar uma norma jurídica geral, generaliza estabelecendo<br />

um tipo legal que, em decorrência disso, está separado da realidade imediata da<br />

vida que lhe deu origem, abarcando, tão-somente, o seu aspecto geral, concentrando-se<br />

em seus traços essenciais ou fundamentais, ao passo que o magistrado,<br />

ao sentenciar, não generaliza, mas cria uma norma jurídica individual, incidente e<br />

com validade sobre um dado caso concreto. 16<br />

São essas as razões que me levam a afastar a aplicação da Lei de Greve<br />

dos trabalhadores em geral às paralisações dos servidores públicos, sobre-<br />

14<br />

Op. cit., p. 154.<br />

15<br />

DINIZ, Maria Helena. As lacunas no Direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 286.<br />

16 Op. cit., p. 291.


58<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

tudo porque penso que a solução ideal para o caso sob análise deve passar<br />

pela autolimitação do Judiciário no que concerne às esferas de atuação dos<br />

demais poderes, sem que este abdique da transcendental competência que a<br />

Constituição lhe confere de dar concreção aos direitos e garantias fundamentais,<br />

qualquer que seja a natureza da norma que os abrigue quanto à respectiva<br />

eficácia.<br />

Em face do exposto, pelo meu voto, conheço do mandado de injunção,<br />

concedendo a ordem em parte para garantir o exercício do direito de greve aos<br />

Policiais Civis do Estado do Espírito Santo, assegurada por estes a prestação dos<br />

serviços inadiáveis, devendo o Governo do Estado abster-se de adotar medidas<br />

que inviabilizem ou limitem esse direito, tais como o corte do ponto dos servidores<br />

ou a imposição de multa pecuniária diária.<br />

VOTO<br />

(Aditamento)<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, permito-me<br />

fazer um pequeno parêntese: ontem fui procurado, publicamente, no Salão<br />

Branco desta Casa, por líderes sindicais do setor público e por dirigentes de uma<br />

importante confederação sindical que manifestaram a preocupação de adotar-se<br />

essa lei de greve do setor privado para o setor público. E ressaltou-se não só a<br />

diferença entre ambos os fenômenos, mas dizendo que – menciono isso também<br />

para reflexão dos eminentes Pares – a lei de greve do setor privado pressupõe,<br />

para o seu desencadeamento, o esgotamento das tratativas das negociações.<br />

Ponderaram-me os representantes sindicais que não há, no setor público, os instrumentos<br />

adequados, os canais institucionais para essas tratativas.<br />

Portanto, se adotarmos esta lei de greve do setor privado para o setor público,<br />

a greve ficaria, em tese, inviabilizada. Porque, no primeiro momento de tratativas,<br />

de negociação, por falta absoluta de canais institucionais, ela não se viabilizaria.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator MI 670): Então, neste caso, recomenda-se,<br />

por este tipo de raciocínio, a anomia. Quer dizer, não haver regra<br />

nenhuma.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Peço a V. Exa., por gentileza, para<br />

terminar o meu voto. Mas claro que não; evidentemente que não. Aliás, o ordenamento<br />

jurídico tem horror ao vácuo legislativo. Não existe anomia no ordenamento<br />

jurídico. Essa é uma regra fundamental.<br />

EXPLICAÇÃO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Senhora Presidente, apenas<br />

para rememorar, faço duas pequenas observações.<br />

No meu voto, não há nenhuma referência à analogia. O que lá está exposto<br />

respeita ao exercício, pelo Poder Judiciário, de uma função normativa, não legislativa.<br />

Há uma disposição, contida no meu voto, no sentido de se aplicarem


R.T.J. — <strong>207</strong> 59<br />

algumas das regras da lei ao setor privado. Posteriormente, houve uma evolução,<br />

durante os debates, e acabei por evoluir, no sentido de acompanhar os termos do<br />

voto do Ministro Gilmar Mendes.<br />

Observo, também, em relação ao modelo de separação de Poderes mitigado,<br />

referido pelo Ministro Ricardo Lewandowski, que eu jamais diria tal<br />

coisa, até porque não uso a expressão “separação de Poderes”.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: De fato, refiro-me ao que diz a<br />

doutrina. Vossa Excelência afirmou – lembro-me perfeitamente, e até louvo<br />

o seu cuidado – que aplicaria o modelo de separação de Poderes vigentes na<br />

Constituição – salvo engano, se a memória não me trai.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Trata-se quase de uma “observação<br />

de seminário” – como diria o Ministro Sepúlveda Pertence. No entanto,<br />

deixo registrado que, absolutamente, não adiro à questão do modelo.<br />

Digo, basicamente, que evoluí no meu voto escrito para acompanhar a formulação<br />

do Ministro Gilmar Mendes.<br />

EXPLICAÇÃO<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator do MI 670): Senhora Presidente,<br />

tendo em vista o voto do Ministro Ricardo Lewandowski, repassei a questão da<br />

doutrina do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> em torno desse assunto e também fiz longas<br />

considerações sobre este <strong>Tribunal</strong> e o direito de greve. Permiti-me, também,<br />

alguma incursão de aspecto histórico-sociológico.<br />

Disse eu na ocasião:<br />

O direito de greve dos servidores públicos tem sido objeto de sucessivas dilações<br />

desde 1988. A Emenda Constitucional 19/98 retirou o caráter complementar<br />

da Lei regulamentadora, a qual passou a demandar, unicamente, lei ordinária<br />

e específica para a matéria. Não obstante subsistam as resistências, é bem possível<br />

que as partes envolvidas na questão partam de premissas que favoreçam ao estado<br />

de omissão ou de inércia legislativa.<br />

Por isso, o meu aparte ao voto do Ministro Ricardo Lewandowski. Compreendo<br />

integralmente as razões dessas centrais sindicais. O estado de coisas<br />

hoje vigente – porque não é Estado de Direito – favorece realmente essa situação<br />

de verdadeira anomia.<br />

Na verdade, esse estado, criado a partir da Constituição de 1988, permitiu<br />

que entidades governamentais e sindicais, por motivos diversos, favorecessem<br />

o estado de inércia.<br />

A representação de servidores não vê com bons olhos a regulamentação do<br />

tema, porque visa a disciplinar uma seara que hoje está submetida a um tipo de<br />

lei da selva.


60<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Os exemplos que trouxe naquela assentada já se encontram totalmente superados.<br />

Basta chamar, hoje, a questão da greve dos controladores.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: A bem da verdade, preciso complementar<br />

que as centrais sindicais que me procuraram – creio que todos temos<br />

sobre a bancada o memorial por elas encaminhado –, ao manifestarem sua preocupação<br />

no sentido da aplicação da lei de greve ao setor privado ou público,<br />

enfatizaram exatamente que querem uma disciplina específica para o setor público.<br />

Disseram-me – certamente também aos outros eminentes Ministros – que<br />

negociam nesse momento não só com o Poder Executivo, como também com o<br />

Legislativo. O memorial encaminhado enfatiza que elas querem a regulamentação<br />

da matéria.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator do MI 670): Prossigo a leitura<br />

do meu voto:<br />

Os representantes governamentais entendem que a regulamentação acabaria<br />

por criar o direito de greve dos servidores públicos. [que se entendia, até então,<br />

inexistente] Essas visões parcialmente coincidentes têm contribuído para que as<br />

greves no âmbito do serviço público se realizem sem qualquer controle jurídico,<br />

dando ensejo a negociações heterodoxas, ou a ausências que comprometem a própria<br />

prestação do serviço público, sem qualquer base legal.<br />

Ministro Ricardo Lewandowski, V. Exa., conforme o seu voto, acaba de<br />

proibir o desconto de dias parados, o que, como sabemos, não acontece no âmbito<br />

da atividade privada. Por definição, a greve é uma opção de risco. Neste<br />

caso – permita-me uma ironia –, teremos um quadro de soma de felicidades; é<br />

um acréscimo em termos de férias.<br />

Mencionem-se, a propósito, episódios mais recentes [já desatualizados] relativos<br />

à greve dos servidores do judiciário do Estado de São Paulo e à greve dos<br />

peritos do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) (...)<br />

Tudo absolutamente superado pelo emblemático caso dos Controladores.<br />

A não-regulação do direito de greve acabou por propiciar um quadro de selvageria<br />

com sérias conseqüências para o Estado de Direito. Estou a relembrar que<br />

Estado de Direito é aquele no qual não existem soberanos.<br />

Nesse quadro, não vejo mais como justificar [essa era a minha premissa<br />

básica, agora reforçada diante dos quadros recentes] a inércia legislativa e a inoperância<br />

das decisões desta Corte.<br />

Comungo das preocupações quanto à não assunção pelo <strong>Tribunal</strong> de um<br />

protagonismo legislativo. Entretanto, parece-me que a não atuação no presente<br />

momento já se configuraria quase como uma espécie de “omissão judicial”.<br />

Em outras palavras, estou a dizer o seguinte: não acho que, a priori, a<br />

partir da verificação de uma omissão, deva o <strong>Tribunal</strong> imiscuir-se, na esfera legislativa,<br />

e desde logo produzir normas. Evidentemente, há todo um quadro de<br />

institucionalidade a ser respeitado.


R.T.J. — <strong>207</strong> 61<br />

No entanto, conforme vimos e tive a oportunidade de elencar, são inúmeros<br />

os pronunciamentos desta Corte – citei o MI 20, Ministro Celso de Mello;<br />

MI 485, Ministro Maurício Corrêa; MI 585, Ministro Ilmar Galvão. Todas essas<br />

decisões se limitavam a fazer apelos ao legislador; conforme sabemos, os<br />

apelos caíram no vazio por conta da convergência de visões que levaram a essa<br />

inoperância.<br />

Em apêndice ao meu voto, inclusive, trouxe documento em que há a comparação<br />

da Lei 7.783 com o texto do Projeto de Lei 6.032/02, então em tramitação<br />

– não sei se subsistiu no Congresso ou se restou parado.<br />

Diante dessas considerações e tendo em vista essas premissas específicas,<br />

eu sustentava, na linha também do voto do Ministro Eros Grau, a necessidade<br />

de, neste caso, trilharmos o modelo de uma possível sentença de caráter aditivo,<br />

de modo a adotarmos o modelo mais severo das greves dos serviços de atividades<br />

essenciais. Em um dos casos, estamos a discutir, inclusive, greve de setores<br />

ligados à polícia civil.<br />

Na parte final do meu voto, dizia eu também:<br />

Creio que essa ressalva na parte dispositiva de meu voto é indispensável<br />

porque, na linha do raciocínio desenvolvido, não se pode deixar de cogitar dos<br />

riscos decorrentes das possibilidades de que a regulação dos serviços públicos<br />

que tenham características afins a esses “serviços ou atividades essenciais” seja<br />

menos severa que a disciplina dispensada aos serviços privados ditos “essenciais”.<br />

Por isso, a rigor, embora na jurisprudência do <strong>Tribunal</strong> já tenhamos vários<br />

exemplos dessas sentenças aditivas no âmbito da interpretação conforme, a última<br />

decisão proferida pelo <strong>Tribunal</strong> na questão da cláusula de barreira sinaliza<br />

a adoção dessa técnica de decisão, que eu dizia podermos adotar, neste caso de<br />

mandado de injunção, por já haverem sucessivas advertências, sugestões, recomendações<br />

ao Congresso no sentido de efetivar, concretizar, regular essa matéria<br />

que tende de disciplina desde 1988.<br />

Com todas as cautelas de estilo e com as que eventualmente o próprio órgão<br />

judiciário competente pudesse acrescentar – fiz referência, no meu voto –,<br />

que o órgão judiciário competente poderia fixar critérios mais rigorosos dos que<br />

os previstos na legislação, tendo em vista as situações concretas – de novo vem<br />

à mente, inevitavelmente, o exemplo recente da greve dos controladores –, é que<br />

entendi de sustentar a necessidade de uma revisão da jurisprudência. Não se tratava<br />

de uma revisão in genere de toda e qualquer orientação quanto ao mandado<br />

de injunção, mas especialmente considerando esta situação concreta.<br />

O quadro de anomia – como dizia eu –, na verdade, favorecia, de um lado,<br />

a visão governamental de que não poderia haver greve no serviço público, o que<br />

se tornou, depois, uma quimera. As greves passaram a ocorrer; são, inclusive,<br />

privilegiadas, porque somente aqui há greve com o pagamento de salário – não<br />

se conhece isso no serviço privado.


62<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

A visão das entidades sindicais, eventualmente a dos trabalhadores, é no<br />

sentido de saber que podem fazer greve sem nenhum controle judicial, jurídico.<br />

Portanto, essas entidades se tornam soberanas, o que me parece absolutamente<br />

inaceitável com qualquer premissa do Estado de Direito.<br />

Por isso, entendo ser essa a fórmula adequada, com – claro – as eventuais<br />

adaptações. Estamos aqui a fazer experimentos institucionais para arrostarmos<br />

o difícil problema do mandado de injunção, agora aplicado ao direito de greve<br />

dos servidores públicos.<br />

Daí eu ter dito inclusive que:<br />

Isto é, mesmo provisoriamente, há de se considerar, ao menos, idêntica conformação<br />

legislativa quanto ao não-atendimento das necessidades inadiáveis da<br />

comunidade que, se não atendidas, coloquem “em perigo iminente a sobrevivência,<br />

a saúde ou a segurança da população” (Lei 7.783/89, parágrafo único, art. 11).<br />

Faço essas ponderações, tendo em vista o voto do Ministro Ricardo<br />

Lewandowski.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presidente, se os colegas não se<br />

importam, gostaria de tecer algumas ponderações.<br />

Sou extremamente sensível às considerações feitas pelos Ministros Eros<br />

Grau e Gilmar Mendes e, igualmente, à solução preconizada pelo Ministro<br />

Ricardo Lewandowski. No entanto, sou também excessivamente preocupado<br />

com o que poderíamos qualificar de “processo deliberativo de tomada de decisões<br />

numa democracia saudável”.<br />

O Congresso Nacional tem agendadas, para as duas próximas semanas,<br />

audiências públicas para discutir precisamente esta questão da greve no serviço<br />

público. Não caminhamos para dar um “by pass” no Congresso Nacional, que<br />

é fórum competente para a decisão desta questão? Não estou adiantando o meu<br />

ponto de vista.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: São passados dezoito anos da vigência da<br />

Constituição.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Na realidade, já se passaram quase dezenove<br />

anos desde a promulgação da Constituição de 1988 e, não obstante formalmente<br />

notificado, em 1994 (MI 20/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), de sua<br />

inconstitucional omissão, o Congresso Nacional, mesmo assim, absteve-se de<br />

disciplinar o que determina o inciso VII do art. 37 da Lei Fundamental.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Não desconheço o fato.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Começamos a votar este<br />

tema há vários meses.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator do MI 670): Estamos propondo<br />

apenas uma disciplina provisória até que haja uma deliberação definitiva,<br />

obviamente.


R.T.J. — <strong>207</strong> 63<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Até que o Congresso Nacional saia da inércia.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Claro. É a essência da decisão no mandado<br />

de injunção.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Em razão dessas reflexões, que faço de<br />

maneira apressada, peço vista dos autos.<br />

VOTO<br />

(Antecipação)<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Este, Senhores Ministros – e aqui rememoro<br />

frase do saudoso Ministro LUIZ GALLOTTI –, é um daqueles julgamentos<br />

em que os Ministros desta Corte Suprema, sob o olhar atento da sociedade<br />

brasileira, decidem questão impregnada do mais alto grau de relevo social e jurídico,<br />

porque o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> deve definir, no exame desta causa,<br />

a real natureza jurídica do mandado de injunção, em obséquio à necessidade<br />

de respeito efetivo aos direitos, prerrogativas e liberdades que a Constituição<br />

assegura aos cidadãos desta República, cabendo-lhe, ainda, resolver o delicado<br />

tema pertinente ao exercício do direito de greve no serviço público.<br />

Nesta sessão, tivemos a oportunidade de ouvir votos brilhantes, como<br />

aquele magnificamente proferido, dentre outros, pelo eminente Ministro<br />

GILMAR MENDES.<br />

A greve, como todos sabemos, foi erigida, pela Constituição <strong>Federal</strong> promulgada<br />

em 1988, como direito reconhecido aos servidores públicos civis. O<br />

sistema de direito constitucional positivo conferiu, desse modo, legitimidade<br />

jurídica à greve no seio da Administração Pública, dela apenas excluindo,<br />

por razões de evidente interesse público, os militares das Forças Armadas e os<br />

integrantes das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares, aos<br />

quais se proibiu, terminantemente, o exercício desse direito de ação coletiva<br />

(CF, art. 42, § 5º).<br />

Presentemente, é assegurado o direito de greve – ainda que em condições<br />

diferenciadas – aos trabalhadores em geral (CF, art. 9º) e aos servidores públicos<br />

civis (CF, art. 37, VII).<br />

Cumpre destacar, no contexto em que se desenvolvem as relações coletivas<br />

de trabalho no Brasil, que o preceito constitucional que garantiu o direito de<br />

greve no setor privado da economia já se acha regulamentado pela Lei 7.783/89.<br />

O legislador constituinte brasileiro, seguindo moderna tendência registrada<br />

no plano do direito comparado, buscou positivar mecanismos destinados a<br />

solucionar os conflitos coletivos instaurados entre os agentes estatais e a administração<br />

pública, reconhecendo aos servidores civis – além da possibilidade da sindicalização<br />

(CF, art. 37, VI) – a titularidade do direito de greve (CF, art. 37, VII).<br />

Neste ponto, a Constituição do Brasil incorporou a recomendação constante<br />

da Convenção 151 da OIT (art. 8º), que dispõe sobre a institucionalização


64<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

de meios voltados à composição dos conflitos de natureza coletiva surgidos entre<br />

o Poder Público e os seus servidores.<br />

A importância do direito de greve, contudo, não pode prescindir da<br />

necessária observância dos princípios da supremacia do interesse público e da<br />

continuidade dos serviços desenvolvidos pela administração estatal, especialmente<br />

daquelas atividades que, qualificadas pela nota da essencialidade, não<br />

podem sofrer, em hipótese alguma, qualquer tipo de interrupção.<br />

É por essa razão que documentos de caráter internacional – como o<br />

Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 8º, “c”<br />

e “d”) – advertem que as leis concernentes ao exercício do direito de greve, especialmente<br />

quando exercido no âmbito da administração pública, podem<br />

e devem estipular restrições ou limitações “no interesse da segurança nacional<br />

ou da ordem pública, ou para proteção dos direitos e liberdades de outrem”.<br />

Não obstante restrições doutrinárias que censuram a utilização oficial,<br />

por autoridades do Estado laico, de manifestações confessionais, entendo ser<br />

adequado invocar, no caso – porque de pronunciamento religioso não se trata –,<br />

o magistério que, em tema de índole eminentemente social, expendeu o próprio<br />

Romano Pontífice na Encíclica “Laborem Exercens” (“Sobre o Trabalho<br />

Humano”, p. 49, item n. 20, 1981, Loyola), publicada em 1981, em celebração<br />

à promulgação, em 1891, pelo Papa Leão XIII, da Encíclica “Rerum Novarum”.<br />

Após severa advertência de que as exigências sindicais “não podem transformar-se<br />

numa espécie de egoísmo de grupo ou de classe”, salientou-se, nesse<br />

documento pontifício, que a atividade desenvolvida pelas entidades representativas<br />

dos prestadores de serviços deve ser entendida “como uma prudente<br />

solicitude pelo bem comum”, valendo rememorar, ainda, que se procedeu, em<br />

referida Carta Encíclica, a uma grave reflexão em torno dos limites que devem<br />

condicionar, no plano social, o exercício legítimo do direito de greve:<br />

Ao agirem em prol dos justos direitos dos seus membros, os sindicatos<br />

lançam mão também do método da “greve”, ou seja, da suspensão do trabalho,<br />

como de uma espécie de ‘ultimatum’ dirigido aos órgãos competentes e, sobretudo,<br />

aos dadores de trabalho. É um modo de proceder que a doutrina social<br />

católica reconhece como legítimo, observadas as devidas condições e nos justos<br />

limites. Em relação a isto os trabalhadores deveriam ter assegurado o direito<br />

à greve, sem terem de sofrer sanções penais pessoais por nela participarem.<br />

Admitindo que se trata de um meio legítimo, deve simultaneamente relevar-se<br />

que a greve continua a ser, num certo sentido, um meio extremo. Não se pode<br />

abusar dele; e não se pode abusar dele especialmente para fazer o jogo da política.<br />

Além disso, não se pode esquecer nunca que, quando se trata de serviços<br />

essenciais para a vida da sociedade, estes devem ficar sempre assegurados, inclusive,<br />

se isso for necessário, mediante apropriadas medidas legais. O abuso da<br />

greve pode conduzir à paralisação da vida socioeconômica; ora, isto é contrário<br />

às exigências do bem comum da sociedade, o qual também corresponde à natureza,<br />

entendida retamente, do mesmo trabalho.<br />

(Grifei.)


R.T.J. — <strong>207</strong> 65<br />

Cabe observar, de outro lado, neste ponto, Senhores Ministros, que, no<br />

plano do direito comparado, como sabemos, delineiam-se pelo menos quatro<br />

modelos normativos concernentes ao exercício do direito de greve no serviço<br />

público, que assim podem ser caracterizados:<br />

(1) Reconhecimento do direito de greve ao servidor público em condições<br />

diferenciadas daquelas estabelecidas para os trabalhadores em geral;<br />

(2) Reconhecimento do direito de greve ao servidor público em condições<br />

idênticas às fixadas para os trabalhadores em geral;<br />

(3) Reconhecimento tácito em favor dos servidores públicos do direito de<br />

greve; e<br />

(4) Vedação total do exercício do direito de greve no serviço público.<br />

O eminente jurista ARION SAYÃO ROMITA (“Regime Jurídico dos<br />

Servidores Públicos Civis - Aspectos Trabalhistas e Previdenciários”, p.<br />

64/65, 1993, LTr), ao analisar o “status quaestionis” no plano do direito comparado,<br />

observa:<br />

O exame da legislação vigente em diferentes países permite identificar<br />

quatro grupos: 1º – países que reconhecem expressamente o direito de greve dos<br />

servidores públicos; 2º – países que não estabelecem diferença alguma entre as<br />

greves do setor público e as dos demais setores da economia; 3º – países cuja legislação<br />

não contém disposições relativas à licitude ou ilicitude dos movimentos<br />

grevistas de servidores públicos, 4º – países que proíbem expressamente a greve<br />

dos servidores públicos.<br />

No primeiro grupo, alistam-se os países que consideram legal a greve<br />

quando o conflito não é resolvido mediante consultas, negociações ou qualquer<br />

outro procedimento existente. Esta é a situação de Alto Volta, Benin, Canadá,<br />

Costa do Marfim, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Guiné, Madagascar,<br />

México, Níger, Noruega, Portugal, Senegal, Suécia, Zaire. O reconhecimento<br />

do direito de greve se aplica, em princípio, aos funcionários em geral, mas há<br />

certas categorias de servidores aos quais se nega o exercício do direito. Há também<br />

restrições fundadas no tipo de conflitos, como por exemplo: na Noruega só é<br />

permitida a greve em caso de conflito de interesses; na Suécia, só é autorizada a<br />

greve que tiver origem em questões que possam constituir objeto de negociação.<br />

No segundo grupo situam-se os países que reconhecem o direito de greve<br />

de modo geral, embora sujeito a restrições em certos casos, e não existem disposições<br />

especiais que neguem esse direito aos servidores públicos. É o que se passa<br />

nos seguintes países: Camarões, Gana, Itália, Malásia, Malta, Maurício, Nigéria,<br />

Serra Leoa, Singapura e Sri Lanka.<br />

O terceiro grupo é composto por países cuja legislação silencia quanto à<br />

legalidade ou ilegalidade do movimento grevista, o que suscita diferentes interpretações.<br />

No Tchad, em Israel e no Reino Unido, há reconhecimento tácito do<br />

direito de greve. Em contrapartida, a inexistência de disposições legislativas pode<br />

ser interpretada como proibição tácita da greve na função pública. É o que ocorre<br />

na Alemanha, quanto aos Beamte (os Angestellte e Arbeiter gozam do direito de<br />

greve), no Irã, no Paquistão, na Argélia e no Gabão. O mesmo podia dizer-se dos<br />

países socialistas antes das transformações operadas em 1989 e 1990, quando a<br />

greve passou a ser expressamente autorizada por lei em diversos desses países.


66<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

No quarto grupo enfileiram-se os países que expressamente negam aos funcionários<br />

públicos o direito de greve. Em certos países, como Quênia, Trinidad e<br />

Tobago, Uganda, as proibições se referem aos serviços essenciais. Em outros, há<br />

proibição legal especificamente estabelecida para a greve no serviço público.<br />

É o sistema vigente nos seguintes países: Austrália, Bolívia, Colômbia, Costa<br />

Rica, Chile, Estados Unidos, Filipinas, Guatemala, Honduras, Japão, Coveite,<br />

Líbano, Holanda (ferroviários e altos funcionários públicos), Ruanda, Síria, Suíça,<br />

Tailândia, Trinidad e Tobago, Venezuela. A proibição assume características de<br />

grande rigidez em países latinoamericanos, que a incluem no texto constitucional,<br />

como é o caso de Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, Guatemala,<br />

Honduras, Panamá e Venezuela e era também o caso do Brasil antes de 1988.<br />

Certos países não podem ser classificados em qualquer desses grupos,<br />

porque não sendo a matéria prevista por lei, o problema da greve dos servidores<br />

públicos continua sendo uma questão bastante controvertida, com opiniões<br />

doutrinárias divergentes e decisões judiciais conflitantes. Esta é a situação da<br />

Áustria, Bélgica, Dinamarca, Holanda, Uruguai.<br />

(Grifei.)<br />

Decorridos quase 19 (dezenove) anos da promulgação da vigente Carta<br />

Política, ainda não se registrou – no que concerne à norma inscrita no art. 37,<br />

VII, da Constituição – a necessária intervenção concretizadora do Congresso<br />

Nacional, que se absteve de editar, até o presente momento, o ato legislativo<br />

essencial ao desenvolvimento da plena eficácia jurídica do preceito constitucional<br />

em questão, não obstante esta Suprema Corte, em 19-5-94 (há quase 13<br />

anos, portanto), ao julgar o MI 20/DF, de que fui Relator, houvesse reconhecido<br />

o estado de mora (inconstitucional) do Poder Legislativo da União, que<br />

ainda subsiste, porque não editada, até agora, a lei disciplinadora do exercício<br />

do direito de greve no serviço público.<br />

Registra-se, portanto, quase decorrido o período de uma geração, clara<br />

situação positivadora de omissão abusiva no adimplemento da prestação legislativa<br />

imposta, pela Constituição da República, à União <strong>Federal</strong>.<br />

Na realidade, o retardamento abusivo na regulamentação legislativa do<br />

texto constitucional qualifica-se – presente o contexto temporal em causa –<br />

como requisito autorizador do ajuizamento da ação de mandado de injunção,<br />

pois, sem que se configurasse esse estado de mora legislativa – caracterizado<br />

pela superação excessiva de prazo razoável –, não haveria como reconhecerse<br />

ocorrente, na espécie, o próprio interesse de agir em sede injuncional, como<br />

esta Suprema Corte tem advertido (<strong>RTJ</strong> 158/375, Rel. p/ o acórdão Min.<br />

SEPÚLVEDA PERTENCE) em sucessivas decisões:<br />

MANDADO DE INJUNÇÃO. (...). PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS<br />

DO MANDADO DE INJUNÇÃO (<strong>RTJ</strong> 131/963 – <strong>RTJ</strong> 186/20-21). DIREITO SUB-<br />

JETIVO À LEGISLAÇÃO/DEVER ESTATAL DE LEGISLAR (<strong>RTJ</strong> 183/818-819).<br />

NECESSIDADE DE OCORRÊNCIA DE MORA LEGISLATIVA (<strong>RTJ</strong> 180/442).<br />

CRITÉRIO DE CONFIGURAÇÃO DO ESTADO DE INÉRCIA LEGIFERANTE:<br />

SUPERAÇÃO EXCESSIVA DE PRAZO RAZOÁVEL (<strong>RTJ</strong> 158/375). (...).<br />

(MI 715/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, “in” Informativo/STF 378,<br />

de 2005.)


R.T.J. — <strong>207</strong> 67<br />

O caso em exame, como precedentemente acentuado, revela – considerada<br />

a superação irrazoável do lapso temporal já decorrido – um retardamento<br />

abusivo do dever estatal de legislar sobre a espécie ora em análise.<br />

Essa omissão inconstitucional da União <strong>Federal</strong>, derivada do inaceitável<br />

inadimplemento do seu dever de emanar regramentos normativos – encargo<br />

jurídico que foi imposto ao Congresso Nacional pela própria Constituição da<br />

República – encontra, neste “writ” injuncional, um poderoso fator de neutralização<br />

da inércia legiferante e da abstenção normatizadora do Estado.<br />

O mandado de injunção, desse modo, deve traduzir significativa reação<br />

jurisdicional, fundada e autorizada pelo texto da Carta Política que, nesse<br />

“writ” processual, forjou o instrumento destinado a impedir o desprestígio da<br />

própria Constituição, consideradas as graves conseqüências que decorrem do<br />

desrespeito ao texto da Lei Fundamental, seja por ação do Estado, seja, como<br />

no caso, por omissão – e prolongada inércia – do Poder Público.<br />

Não obstante atribuísse, ao mandado de injunção, desde o meu ingresso<br />

neste <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong>, a relevantíssima função instrumental de superar,<br />

concretamente, os efeitos lesivos decorrentes da inércia estatal – posição que<br />

expressamente assumi, nesta Suprema Corte, no MI 164/SP, de que fui<br />

Relator (DJU de 24-10-89) –, devo reconhecer que a jurisprudência firmada<br />

na matéria pelo Pleno do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> orientou-se, de modo claramente<br />

restritivo, em sentido diverso.<br />

A jurisprudência que se formou no <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, a partir<br />

do julgamento do MI 107/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES (<strong>RTJ</strong> 133/11),<br />

fixou-se no sentido de proclamar que a finalidade, a ser alcançada pela via do<br />

mandado de injunção, resume-se à mera declaração, pelo Poder Judiciário,<br />

da ocorrência de omissão inconstitucional, a ser meramente comunicada ao<br />

órgão estatal inadimplente, para que este promova a integração normativa<br />

do dispositivo constitucional invocado como fundamento do direito titularizado<br />

pelo impetrante do “writ”.<br />

Esse entendimento restritivo não mais pode prevalecer, sob pena de se<br />

esterilizar a importantíssima função político-jurídica para a qual foi concebido,<br />

pelo constituinte, o mandado de injunção, que deve ser visto e qualificado<br />

como instrumento de concretização das cláusulas constitucionais frustradas, em<br />

sua eficácia, pela inaceitável omissão do Congresso Nacional, impedindo-se,<br />

desse modo, que se degrade a Constituição à inadmissível condição subalterna<br />

de um estatuto subordinado à vontade ordinária do legislador comum.<br />

Cabe verificar, portanto, neste ponto, se se revela admissível, ou não, na<br />

espécie em exame, o remédio constitucional do mandado de injunção.<br />

Como se sabe, o “writ” injuncional tem por função processual específica<br />

viabilizar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas diretamente outorgados<br />

pela própria Constituição da República, em ordem a impedir que<br />

a inércia do legislador comum frustre a eficácia de situações subjetivas de vantagem<br />

reconhecidas pelo texto constitucional.


68<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Na verdade, o mandado de injunção busca neutralizar as conseqüências<br />

lesivas decorrentes da ausência de regulamentação normativa de preceitos<br />

constitucionais revestidos de eficácia limitada, cuja incidência – necessária ao<br />

exercício efetivo de determinados direitos neles diretamente fundados – depende,<br />

essencialmente, da intervenção concretizadora do legislador.<br />

É preciso ter presente, pois, que o direito à legislação só pode ser invocado<br />

pelo interessado, quando também existir – simultaneamente imposta<br />

pelo próprio texto constitucional – a previsão do dever estatal de emanar<br />

normas legais. Isso significa, portanto, que o direito individual à atividade legislativa<br />

do Estado apenas se evidenciará naquelas estritas hipóteses em que o<br />

desempenho da função de legislar refletir, por efeito de exclusiva determinação<br />

constitucional, uma obrigação jurídica indeclinável imposta ao poder público,<br />

consoante adverte o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (MI 633/<br />

DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).<br />

Desse modo, e para que possa atuar a norma pertinente ao instituto do<br />

mandado de injunção, revela-se essencial que se estabeleça, tal como sucede na<br />

espécie, a necessária correlação entre a imposição constitucional de legislar,<br />

de um lado, e o conseqüente reconhecimento do direito público subjetivo à<br />

legislação, de outro, de tal forma que, presente a obrigação jurídico-constitucional<br />

de emanar provimentos legislativos, tornar-se-á possível não só imputar<br />

comportamento moroso ao Estado (como já ocorreu, no caso, quando do<br />

julgamento do MI 20/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), mas, o que é muito<br />

mais importante ainda, pleitear, junto ao Poder Judiciário, que este dê expressão<br />

concreta, que confira efetividade e que faça atuar a cláusula constitucional<br />

tornada inoperante por um incompreensível estado de inércia governamental.<br />

O exame dos elementos constantes deste processo evidencia que existe,<br />

na espécie em análise, o necessário nexo de causalidade entre o direito subjetivo<br />

à legislação, invocado pela parte impetrante, e o dever da União <strong>Federal</strong><br />

de editar a lei especial a que alude o art. 37, VII, da Carta da República, em<br />

contexto que torna plenamente admissível a utilização do “writ” injuncional.<br />

A hipótese versada nos presentes autos refere-se a uma típica situação<br />

de desrespeito à Constituição da República, por inércia normativa<br />

unicamente imputável ao Congresso Nacional (e, também, ao Presidente da<br />

República), eis que – decorridos quase dezenove (19) anos da promulgação da<br />

Carta Política – esta, no que concerne ao art. 37, VII, ainda não foi regulamentada,<br />

frustrando-se, desse modo, mediante arbitrária omissão, o exercício,<br />

pelos servidores públicos civis, do direito de greve.<br />

Na análise da estrutura constitucional do mandado de injunção, impõe-se<br />

reconhecer que um dos pressupostos essenciais de sua admissibilidade<br />

consiste, precisamente, na “falta de norma regulamentadora”, cuja inexistência<br />

atua como causa impeditiva do gozo e da prática de determinadas prerrogativas<br />

asseguradas pela Carta Política.


R.T.J. — <strong>207</strong> 69<br />

Essa situação de lacuna técnica – “ou seja, da ausência de uma norma<br />

imprescindível para que outra produza efeitos jurídicos” (MARIA HELENA<br />

DINIZ, “Norma Constitucional e seus Efeitos”, p. 38, 1989, Saraiva; HANS<br />

KELSEN, “Teoria Pura do Direito”, vol. 2/111-112, 1962, Coimbra) – constitui<br />

requisito condicionante da própria impetrabilidade do mandado de injunção.<br />

A ausência da legislação reclamada pelo texto constitucional efetivamente<br />

inviabiliza o exercício, pelos servidores públicos civis, do seu direito de<br />

exercer a greve no serviço público.<br />

O dever jurídico de editar a lei em questão revela-se imputável, no caso,<br />

ao Congresso Nacional e ao Presidente da República, destinatários específicos<br />

da imposição legiferante inscrita no art. 37, VII, da Lei Fundamental, por<br />

efeito do que dispõem o art. 48 e o art. 61, § 1º, II, “c”, da Constituição.<br />

A análise da presente ação de mandado de injunção, Senhores Ministros,<br />

impõe necessárias reflexões em torno do relevantíssimo problema suscitado<br />

pela omissão do Estado, decorrente da inércia de suas instituições, quanto à<br />

concretização das imposições legiferantes fundadas em cláusulas constitucionais<br />

mandatórias, tal como sucede no caso ora em exame, consideradas as<br />

próprias observações feitas pelo eminente Ministro GILMAR MENDES.<br />

O Plenário do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, consciente dos gravíssimos<br />

efeitos jurídicos, políticos e sociais que derivam do desrespeito estatal à<br />

Constituição da República, quaisquer que possam ser as modalidades de comportamentos<br />

inconstitucionais em que haja incidido o poder público, teve o<br />

ensejo – quando do julgamento da ADI 1.458-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE<br />

MELLO – de censurar o gesto daqueles, que, por ação ou, como no caso, por<br />

omissão, transgridem a supremacia do estatuto constitucional:<br />

DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO – MODALIDADES DE COMPOR-<br />

TAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO.<br />

– O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal<br />

quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade<br />

pode derivar de um comportamento ativo do poder público, que age ou edita<br />

normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os<br />

preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que<br />

importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação.<br />

– Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta<br />

dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e<br />

exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que<br />

a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional.<br />

Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão,<br />

que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial,<br />

quando é insuficiente a medida efetivada pelo poder público.<br />

(<strong>RTJ</strong> 162/877-879, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)<br />

Vê-se, pois, que, na tipologia das situações inconstitucionais, inclui-se,<br />

também, aquela que deriva do descumprimento, por inércia estatal, de norma


70<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

impositiva de determinado comportamento atribuído ao poder público pela<br />

própria Constituição.<br />

Cumpre ter presente, bem por isso, a advertência de JORGE MIRANDA<br />

(“Manual de Direito Constitucional”, tomo II/406 e 409, 2ª ed., 1988, Coimbra<br />

Editora), que, ao versar o tema, observa:<br />

Por omissão entende-se a falta de medidas legislativas necessárias, falta<br />

esta que pode ser total ou parcial. A violação da Constituição, na verdade, provém<br />

umas vezes da completa inércia do legislador e outras vezes da sua deficiente<br />

actividade, competindo ao órgão de fiscalização pronunciar-se sobre a<br />

adequação da norma legal à norma constitucional.<br />

(...)<br />

A inconstitucionalidade por omissão não surge apenas por carência de<br />

medidas legislativas, surge também por deficiência delas.<br />

(Grifei.)<br />

A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão,<br />

a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento<br />

revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante<br />

inércia, o poder público também desrespeita a Constituição, também ofende<br />

direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência)<br />

de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios<br />

da Lei Fundamental.<br />

É por essa razão que J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA<br />

(“Fundamentos da Constituição”, p. 46, item n. 2.3.4, 1991, Coimbra Editora),<br />

analisando a força normativa da Constituição – e assinalando que a eficácia<br />

preponderante e subordinante de suas cláusulas impede o reconhecimento de<br />

situações inconstitucionais –, acentuam, na perspectiva da inquestionável preeminência<br />

normativa da Carta Política, que:<br />

(...) tanto se viola a Lei fundamental quando as acções estaduais não estão<br />

em conformidade com as suas normas e princípios, como quando os preceitos constitucionais<br />

não são “actuados”, dinamizados ou concretizados pelos órgãos que<br />

constitucionalmente estão vinculados a fornecerem-lhes operatividade prática.<br />

A Constituição impõe-se normativamente, não só quando há uma acção inconstitucional<br />

(fazer o que ela proíbe), mas também quando existe uma omissão<br />

inconstitucional (não fazer o que ela impõe que seja feito).<br />

(Grifei.)<br />

As situações configuradoras de omissão inconstitucional – ainda que se<br />

cuide de omissão parcial, derivada da insuficiente concretização, pelo poder<br />

público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política –<br />

refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do<br />

Estado qualifica-se, perigosamente, como um dos processos informais de mudança<br />

da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do magistério<br />

doutrinário (ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, “Processos Informais<br />

de Mudança da Constituição”, p. 230/232, item n. 5, 1986, Max Limonad):


R.T.J. — <strong>207</strong> 71<br />

A inércia caracteriza-se pela não aplicação intencional, provisória mas<br />

prolongada, das disposições constitucionais pelos poderes incumbidos de lhes<br />

dar cumprimento e execução.<br />

Configura inegável processo de mudança constitucional; embora não<br />

altere a letra constitucional, altera-lhe o alcance, na medida em que paralisa a<br />

aplicação constitucional. Tal paralisação, não desejada ou prevista pelo constituinte,<br />

é de ser tida como inconstitucional.<br />

Afeta, também, o sentido da Constituição.<br />

Destinada esta à aplicação efetiva, qualquer obstáculo que se lhe anteponha<br />

desvirtua sua finalidade, resultando numa inconstitucionalidade (...). Por<br />

outro lado, indiretamente, a inércia dá causa à ocorrência de outros processos<br />

de mutação constitucional. O distanciamento, no tempo, entre a elaboração<br />

constitucional e a sua efetiva aplicação, sofre, inexoravelmente, a influência das<br />

transformações sociais diuturnas e constantes, de tal sorte que, após uma prolongada<br />

dilatação na aplicação do texto, é provável que esta, quando se efetivar, dê<br />

à Constituição sentido e significado diversos daqueles acolhidos no momento da<br />

formação da norma fundamental.<br />

Como modalidade de mutação constitucional, a inércia é processo pernicioso,<br />

que acarreta conseqüências desastrosas à vida constitucional dos Estados.<br />

De um lado, porque, ao contrário dos demais processos de mutação constitucional,<br />

raramente busca adaptar a Constituição à realidade. Na maioria das<br />

vezes, serve como instrumento exatamente para evitar tal adaptação.<br />

De outro lado, porque a inércia arrasta consigo a descrença na<br />

Constituição.<br />

(Grifei.)<br />

Desse modo, e ante a irrecusável supremacia da Carta Política, revela-se<br />

essencial impedir o desprestígio da própria Constituição, seja por ação, seja<br />

por omissão dos órgãos, instituições e autoridades da República.<br />

Cabe referir, no ponto, em face de sua inquestionável atualidade, o autorizado<br />

magistério de PONTES DE MIRANDA (“Comentários à Constituição<br />

de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969”, tomo I/15-16, 2ª ed., 1970, RT), cuja<br />

lição contém grave advertência, que, por ninguém, pode ser ignorada:<br />

Nada mais perigoso do que fazer-se Constituição sem o propósito de cumpri-la.<br />

Ou de só se cumprir nos princípios de que se precisa, ou se entende devam<br />

ser cumpridos – o que é pior (...). No momento, sob a Constituição que, bem ou<br />

mal, está feita, o que nos incumbe, a nós, dirigentes, juízes e intérpretes, é cumpri-la.<br />

Só assim saberemos a que serviu e a que não serviu, nem serve. Se a nada<br />

serviu em alguns pontos, que se emende, se reveja. Se em algum ponto a nada<br />

serve – que se corte nesse pedaço inútil. Se a algum bem público desserve, que<br />

pronto se elimine. Mas, sem na cumprir, nada saberemos. Nada sabendo, nada<br />

poderemos fazer que mereça crédito. Não a cumprir é estrangulá-la ao nascer.<br />

(Grifei.)<br />

É preciso proclamar que as Constituições consubstanciam ordens normativas<br />

cuja eficácia, autoridade e valor não podem ser afetados ou inibidos<br />

pela voluntária inação ou por ação insuficiente das instituições estatais. Não<br />

se pode tolerar que os órgãos do poder público, descumprindo, por inércia e


72<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

omissão, o dever de emanação normativa que lhes foi imposto, infrinjam, com<br />

esse comportamento negativo, a própria autoridade da Constituição e afetem,<br />

em conseqüência, o conteúdo eficacial dos preceitos que compõem a estrutura<br />

normativa da Lei Maior.<br />

A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável<br />

gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso<br />

mesmo, comportamento que deve ser evitado, pois nada mais nocivo, perigoso<br />

e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir<br />

integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de<br />

torná-la aplicável somente nos pontos que se revelarem convenientes aos desígnios<br />

dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos.<br />

O grande publicista do Império, JOSÉ ANTÔNIO PIMENTA BUENO,<br />

Marquês de São Vicente – que compôs a primeira turma acadêmica que se<br />

graduou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (São Paulo), minha<br />

“alma mater” – teve, já no século XIX, a exata percepção da gravidade<br />

e das conseqüências lesivas, derivadas do gesto infiel do poder público que<br />

transgride, por omissão ou por insatisfatória concretização de seu dever político-jurídico,<br />

os encargos de que se tornou depositário, por efeito de expressa<br />

determinação constitucional.<br />

PIMENTA BUENO, em obra clássica de nossa literatura constitucional,<br />

publicada em 1857 (“Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição<br />

do Império”, p. 45, reedição do Ministério da Justiça, 1958), ao cuidar do tema<br />

referente ao desenvolvimento da Constituição e à realização dos compromissos<br />

nela estabelecidos, assim se pronunciou:<br />

Convém, e é justo contar sempre com a razão pública, desenvolver o sistema<br />

constitucional, não parar na inação, promover a confecção das leis, das instituições,<br />

dos melhoramentos necessários (...), isto é, deduzir as conseqüências lógicas<br />

das promessas constitucionais, para que não permaneçam só em letras mortas.<br />

(Grifei.)<br />

Também ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ (“Processos Informais<br />

de Mudança da Constituição”, p. 217/218, 1986, Max Limonad), em<br />

precisa análise dos graves efeitos decorrentes da inércia do Estado, no plano<br />

constitucional, adverte:<br />

A Constituição, obra de um Poder mais alto, solenemente promulgada,<br />

destina-se a ser efetivamente observada, cumprida e aplicada (...). E, com efeito,<br />

se se aceita a Constituição como obra de compromisso posta pelos constituintes<br />

no exercício do Poder Constituinte Originário, que lhes é conferido pelo povo, é<br />

de se esperar que a Constituição escrita seja aplicada plenamente, em especial<br />

pelos detentores dos poderes constituídos – Legislativo, Executivo e Judiciário –<br />

que, em regra, são titulados, pelo Constituinte, guardiães da Constituição.<br />

(Grifei.)<br />

Perfilha o mesmo entendimento, de repulsa à “inatividade consciente<br />

na aplicação da Constituição” (Anna Cândida da Cunha Ferraz, op. loc. cit.), o


R.T.J. — <strong>207</strong> 73<br />

ilustre Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA, para quem não basta “ter uma<br />

Constituição promulgada e formalmente vigente; impende atuá-la, completando-lhe<br />

a eficácia, para que seja totalmente cumprida” (“Aplicabilidade das<br />

Normas Constitucionais”, p. 226, item n. 4, 3ª ed., 1998, Malheiros – Grifei).<br />

O comportamento negativo dos poderes constituídos – que deixam de<br />

editar normas regulamentadoras do texto constitucional, previstas, em cláusula<br />

mandatória, na própria Constituição – torna inviável, numa típica e perversa<br />

relação de causa e efeito, o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas assegurados,<br />

às pessoas, pelo estatuto fundamental.<br />

O desprestígio da Constituição – por inércia de órgãos meramente<br />

constituídos – representa um dos mais graves aspectos da patologia constitucional,<br />

pois reflete inaceitável desprezo, por parte das instituições governamentais,<br />

da autoridade suprema da Lei Fundamental do Estado.<br />

Essa constatação, feita por KARL LOEWENSTEIN (“Teoria de la<br />

Constitución”, p. 222, 1983, Ariel, Barcelona), coloca em pauta o fenômeno<br />

da erosão da consciência constitucional, motivado pela instauração, no âmbito<br />

do Estado, de um preocupante processo de desvalorização funcional da<br />

Constituição escrita, como já ressaltado, por esta Suprema Corte, em diversos<br />

julgamentos (ADI 1.484/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), como resulta<br />

da seguinte decisão, consubstanciada em acórdão assim ementado:<br />

A TRANSGRESSÃO DA ORDEM CONSTITUCIONAL PODE CON-<br />

SUMAR-SE MEDIANTE AÇÃO (VIOLAÇÃO POSITIVA) OU MEDIANTE<br />

OMISSÃO (VIOLAÇÃO NEGATIVA).<br />

– O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal<br />

quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade<br />

pode derivar de um comportamento ativo do poder público, seja quando este<br />

vem a fazer o que o estatuto constitucional não lhe permite, seja, ainda, quando<br />

vem a editar normas em desacordo, formal ou material, com o que dispõe a<br />

Constituição. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva),<br />

gera a inconstitucionalidade por ação.<br />

– Se o Estado, no entanto, deixar de adotar as medidas necessárias à realização<br />

concreta dos preceitos da Constituição, abstendo-se, em conseqüência, de<br />

cumprir o dever de prestação que a própria Carta Política lhe impôs, incidirá em<br />

violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará<br />

a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total (quando é nenhuma<br />

a providência adotada) ou parcial (quando é insuficiente a medida efetivada<br />

pelo poder público). Entendimento prevalecente na jurisprudência do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>: <strong>RTJ</strong> 162/877-879, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Pleno).<br />

– A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor<br />

extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento<br />

revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante<br />

inércia, o poder público também desrespeita a Constituição, também ofende<br />

direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência)<br />

de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios<br />

da Lei Fundamental.


74<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

DESCUMPRIMENTO DE IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL LEGIFE-<br />

RANTE E DESVALORIZAÇÃO FUNCIONAL DA CONSTITUIÇÃO ESCRITA.<br />

– O poder público – quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente,<br />

o dever de legislar, imposto em cláusula constitucional, de caráter mandatório<br />

– infringe, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei<br />

Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da<br />

erosão da consciência constitucional (ADI 1.484/DF, Rel. Min. CELSO DE<br />

MELLO).<br />

– A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável<br />

gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso<br />

mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo,<br />

perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazêla<br />

cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno<br />

de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados<br />

à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses<br />

maiores dos cidadãos.<br />

DIREITO SUBJETIVO À LEGISLAÇÃO E DEVER CONSTITUCIO-<br />

NAL DE LEGISLAR: A NECESSÁRIA EXISTÊNCIA DO PERTINENTE<br />

NEXO DE CAUSALIDADE.<br />

– O direito à legislação só pode ser invocado pelo interessado, quando<br />

também existir – simultaneamente imposta pelo próprio texto constitucional – a<br />

previsão do dever estatal de emanar normas legais. Isso significa que o direito<br />

individual à atividade legislativa do Estado apenas se evidenciará naquelas estritas<br />

hipóteses em que o desempenho da função de legislar refletir, por efeito<br />

de exclusiva determinação constitucional, uma obrigação jurídica indeclinável<br />

imposta ao Poder Público.<br />

Para que possa atuar a norma pertinente ao instituto do mandado de injunção,<br />

revela-se essencial que se estabeleça a necessária correlação entre a imposição<br />

constitucional de legislar, de um lado, e o conseqüente reconhecimento<br />

do direito público subjetivo à legislação, de outro, de tal forma que, ausente<br />

a obrigação jurídico-constitucional de emanar provimentos legislativos, não<br />

se tornará possível imputar comportamento moroso ao Estado, nem pretender<br />

acesso legítimo à via injuncional. Precedentes. (...).<br />

(<strong>RTJ</strong> 183/818-819, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno.)<br />

Em suma, Senhores Ministros, as considerações que venho de fazer somente<br />

podem levar-me ao reconhecimento de que não mais se pode tolerar,<br />

sob pena de fraudar-se a vontade da Constituição, esse estado de continuada,<br />

inaceitável, irrazoável e abusiva inércia da União <strong>Federal</strong>, cuja omissão, além<br />

de lesiva ao direito dos servidores públicos civis – a quem se vem negando, arbitrariamente,<br />

o exercício do direito de greve, já assegurado pelo texto constitucional<br />

–, traduz um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade,<br />

pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República.<br />

Daí a importância da solução preconizada pelo eminente Ministro<br />

GILMAR MENDES (MI 670/ES), cuja abordagem do tema ora em exame<br />

não só restitui ao mandado de injunção a sua real destinação constitucional,<br />

mas, em posição absolutamente coerente com essa visão, dá eficácia concretizadora<br />

ao direito de greve em favor dos servidores públicos civis.


R.T.J. — <strong>207</strong> 75<br />

Por tais razões, peço vênia para acompanhar os doutos votos dos eminentes<br />

Ministros GILMAR MENDES (MI 670/ES) e EROS GRAU (MI 712/<br />

PA), em ordem a viabilizar, desde logo, nos termos e com as ressalvas e temperamentos<br />

preconizados por Suas Excelências, o exercício, pelos servidores<br />

públicos civis, do direito de greve, até que seja colmatada, pelo Congresso<br />

Nacional, a lacuna normativa decorrente da inconstitucional falta de edição da<br />

lei especial a que se refere o inciso VII do art. 37 da Constituição da República.<br />

É o meu voto.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, manifesto que<br />

dizer algo mais, depois do voto que acaba de pronunciar o Ministro Celso de<br />

Mello, seria, além de imprudente, vergonhoso.<br />

Por circunstâncias pessoais conhecidas, no entanto, não gostaria de ficar<br />

omisso neste caso.<br />

Pretendia rabiscar pobres anotações para o meu voto ouvindo o de todos<br />

os colegas, entre eles o do Ministro Joaquim Barbosa. Mas não tenho certeza, a<br />

essa altura, se terei oportunidade de ouvi-lo desta cadeira.<br />

Deixo apenas assinalado que não recuo das objeções que pus, desde o<br />

“leading case” do MI 107, ao que hoje o Ministro Gilmar Mendes chamava um<br />

“protagonismo legislativo do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>” a utilizar-se, a mancheias,<br />

do mandado de injunção para substituir-se ao Congresso. Muitas vezes<br />

a demora do processo legislativo não é um problema de inércia, não é um problema<br />

de falta de vontade de legislar; é a impossibilidade política de chegar-se a<br />

uma fórmula aceita. E isso é do jogo democrático. E isso é, sobretudo, a grande<br />

virtude do processo legislativo democrático.<br />

Mas – ainda há pouco recordava o Ministro Celso de Mello ao rever os<br />

anais da Casa – há inércia e inércia.<br />

E esta é uma inércia, a meu ver, abusiva e geradora – demonstraram os<br />

Ministros Eros Grau e Gilmar Mendes – de uma anomia de relevo gritante: a disciplina<br />

do direito de greve, quando determinada pela Constituição, é um exemplo<br />

típico de um mandado de legislar que não pode ser abusivamente protraído.<br />

Como anotei no voto vencido que proferi no MI 20 – quando pela primeira<br />

vez se discutiu a questão no <strong>Tribunal</strong> – historicamente a greve nunca esperou<br />

pela lei para realizar-se. E isso é o que temos assistido.<br />

Algumas vezes, o papel do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong>, se não é de protagonismo<br />

legislativo, é, no entanto, de acicatar aos poderes políticos para o dever de dar<br />

efetividade à Constituição.<br />

Não prossigo. Nada teria a dizer à notável conferência com que acaba de<br />

nos brindar o eminente Ministro Celso de Mello, a propósito. Recordo apenas<br />

como foi importante para a disciplina de um instrumento fundamental da investigação<br />

criminal moderna uma decisão do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> que pareceu


76<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

aterrorizar a Nação, num primeiro momento, a de dizer que, enquanto não houvesse<br />

lei, toda escuta telefônica constituiria prova ilegítima, prova ilícita. Não<br />

foram necessários mais que dois ou três meses para que o Congresso Nacional<br />

editasse a lei reguladora.<br />

Não desconheço riscos de rejeição na aplicação com temperamentos da<br />

Lei 7.783 à greve dos servidores públicos. É da maior seriedade a ponderação<br />

trazida pela Central Única dos Trabalhadores e outras numerosas entidades: a<br />

inexistência, nas questões salariais relativas aos servidores públicos de mecanismos<br />

institucionais de negociação coletiva.<br />

Mas, ou nos conformamos com essa inércia que, digo, é abusiva – o que<br />

seria demitirmo-nos da guarda da Constituição que nos foi confiada – ou, a<br />

meu ver, a solução propugnada por ambos os relatores – Ministros Eros Grau e<br />

Gilmar Mendes – me convencem que ela, no momento, é a mais razoável.<br />

Para não adotá-la – pelas razões que expôs com muita ponderação –, o<br />

eminente Ministro Ricardo Lewandowski acabou por chegar a uma solução<br />

mais radical: reconhecer o direito à paralisação, proibindo o desconto de dias<br />

parados, o que é risco inerente ao mecanismo da greve, o qual normalmente há<br />

de resolver-se mediante negociação que existirá – não tenhamos dúvida –, haja<br />

ou não mecanismos formais para tanto. Porque o risco da suspensão do pagamento<br />

pelos dias de greve será um instrumento necessário à ponderação de interesses<br />

em choque a fim chegar-se ao fim da paralisação.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator MI 670): Ministro, peço a V.<br />

Exa. fazer um aparte para lembrar que, nesse mesmo diapasão, foi a decisão do<br />

<strong>Tribunal</strong>, no MI 283, a questão da anistia, o primeiro caso da relatoria de V. Exa.<br />

E outro, da relatoria do Ministro Celso de Mello. Depois, veio a legislação, mas o<br />

<strong>Tribunal</strong> assegurou a aplicação do art. 8º do ADCT naqueles termos propostos.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Perfeito.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Gostaria também de fazer um breve<br />

esclarecimento no sentido de que, realmente, eu garanto o serviço de greve,<br />

desde que assegurada, por parte dos grevistas, a prestação dos serviços essenciais.<br />

Há um condicionamento aí que, de certa maneira, limita o amplo exercício<br />

do direito de greve.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Claro, V. Exa. sabe que, quanto à<br />

continuidade do serviço público, não há dúvida de que seu voto se casa com as<br />

nossas preocupações.<br />

Mas, Senhora Presidente, renovando escusas ao Ministro Joaquim Barbosa,<br />

também me somo ao voto dos eminentes Ministros Eros Grau e Gilmar Mendes.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, a Constituição, em tema<br />

de direitos e liberdades constitucionais, se desejou pleno-operante, isto é, investiu<br />

no chamado Princípio da Máxima Eficácia das Normas dela própria,


R.T.J. — <strong>207</strong> 77<br />

Constituição. É o que se infere da interpretação conjugada de dois dispositivos<br />

emblemáticos da Carta de 1988. O primeiro é o § 1º do art. 5º, segundo o qual:<br />

Art. 5º (...)<br />

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação<br />

imediata.<br />

Aliás, esse dispositivo foi inspirado no art. 18, n. 1, da Constituição<br />

Portuguesa de 1976.<br />

O segundo dispositivo é o mandado de injunção – justamente ele, o mandado<br />

de injunção –, no art. 5º, inciso LXXI, assim redigido:<br />

Art. 5º (...)<br />

LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora<br />

torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais<br />

e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;<br />

Quero dizer o seguinte: ou a Constituição é aplicada por conter um dispositivo<br />

específico para um determinado direito ou liberdade, ou por merecimento<br />

do mandado de injunção; ou a Constituição é plenamente eficaz à face de um<br />

dispositivo para tanto aparelhado, apetrechado, ou, se for o caso de ausência<br />

de norma regulamentadora de que dependa o efetivo gozo de um direito ou<br />

liberdade constitucional, faz-se uso do mandado de injunção. Os dois dispositivos<br />

hão de ser interpretados casadamente e não solteiramente, pois cumprem<br />

a mesma função de tornar a Constituição plenamente eficaz nesse tema fundamental<br />

dos direitos e liberdades constitucionais, e têm uma característica<br />

comum: um e outro são redigidos de modo clarissimamente ultrapassante do<br />

próprio conjunto normativo de que fazem parte, ou seja, têm a característica da<br />

ultra-aplicabilidade topográfica ou capitular; extravasam os diques do capítulo<br />

de que fazem parte para alcançar todo e qualquer direito constitucionalmente<br />

assegurado e não apenas, como à primeira vista parece, um direito figurante do<br />

capítulo intitulado “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos.”<br />

Nesse contexto, secundando o que disse o Ministro Celso de Mello no seu<br />

antológico voto, o mandado de injunção, seja o individual, seja o coletivo, é uma<br />

ação constitucional, mas uma ação que se inscreve no sistema de freios e contrapesos<br />

para favorecer, justamente, o Poder Judiciário. O mandado de injunção<br />

é um mecanismo extremamente prestigiador do Poder Judiciário, habilitando<br />

este Poder a, heterodoxamente embora, atuar ali nos flancos, ali no espaço vago<br />

deixado intencionalmente pelo Poder Legislativo. Por isso, diante desse vácuo<br />

legislativo, dessa inércia legislativa, o Poder Judiciário fica autorizado a produzir<br />

uma norma individual, ou seja, uma sentença, uma decisão naquela linha<br />

Kelseniana: toda decisão judicial é uma norma, não geral, não impessoal, não<br />

abstrata, mas individual, particular e concreta.<br />

Com isso, o Poder Judiciário não estará legislando, absolutamente, não<br />

estará decidindo erga omnes; estará se debruçando sobre direitos que lhe são<br />

postulados em concreto e decidindo para o caso concreto, atento às especificidades<br />

dele e renunciando a qualquer tentativa de incursão pelos domínios


78<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

da transcendência dos fundamentos ou dos motivos determinantes da decisão.<br />

Nesse particular, penso que o Ministro Ricardo Lewandowski também cravou,<br />

fincou o seu voto nessa perspectiva da validade da decisão não erga omnes, mas<br />

exatamente para o caso em concreto. E, no particular, não vi nenhuma diferença<br />

entre os votos proferidos pelo Ministro Ricardo Lewandowski e aqueles que trazem<br />

a prestigiosa assinatura dos Ministros Eros Grau e Gilmar Mendes.<br />

Nesse caso, ao prestigiar, sobremodo, o Poder Judiciário, a Constituição<br />

também dá uma resposta dura – como deve ser – à inércia, à inação do Poder<br />

Legislativo. Uma inação grave porque opera de modo a paralisar a Constituição<br />

naquilo em que a Constituição se deseja mais dinâmica: propiciar o efetivo<br />

gozo dos direitos e liberdades constitucionais, ou seja, uma inação do Poder<br />

Constituído que termina por paralisar a vontade objetiva do poder constituinte,<br />

o que é absolutamente inadmissível. Ou seja, o Poder Constituído a esterilizar,<br />

por inapetência legislativa, o Poder Constituinte, numa matéria emblemática,<br />

numa matéria decisiva, de primeiríssima grandeza e estatura constitucional, que<br />

é esse domínio dos direitos e liberdades fundamentais.<br />

Concluo dizendo que essas palavras, mal alinhavadas, por certo, já as<br />

proferi em conteúdo e substância em 1999, ao prefaciar o livro “Mandado de<br />

Injunção”, do Professor Carlos Augusto Alcântara Machado – um belo livro,<br />

uma bela monografia. Eu disse o seguinte:<br />

Em verdade, o presente livro resgata a grandiosidade operacional do mandado<br />

de injunção, instituto pelo qual a Magna Carta de Outubro colocou um providencial<br />

contraponto na inércia do Estado quanto à produção de norma regulamentadora de<br />

que dependa o efetivo gozo “dos direitos e liberdades constitucionais (...)<br />

(...) o Texto Magno de 1988 assim saiu de uma era constritiva de direitos<br />

subjetivos para uma era construtiva e não quis ficar na retórica: disse, em alto e<br />

bom som, que certas situações jurídicas ativas de berço constitucional teriam no<br />

Poder Judiciário a garantia de sua efetividade, via mandado de injunção, caso o<br />

Estado optasse pelo cruzar de braços quanto à edição daquelas normas gerais que<br />

se fizessem necessárias à viabilização do pleno exercício daquelas situações.<br />

Assim prescrevendo, a nossa Lei Maior veio a positivar uma das mais importantes<br />

regras de hermenêutica:” – hoje eu diria que a mais importante das<br />

regras de hermenêutica – “a regra de que a Constituição deve ter o máximo de<br />

eficácia por si mesma.” – essa é a regra das regras e a hermenêutica das hermenêuticas:<br />

a Constituição deve ter o máximo de eficácia por si mesma – “Com o mérito<br />

suplementar de não confundir o exercício da função jurisdicional com a legislativa,<br />

pois o novo writ não significa jamais usurpação de competência legiferante.<br />

O Judiciário apenas resolve uma questão inter partes (não erga omnes, como é<br />

próprio da lei em sentido material) e por nenhuma forma inibe a verdadeira autoridade<br />

legiferante de vir a ocupar o espaço normativo até então deixado in albis.<br />

É ainda falar: o espaço de normatividade abstrata que é próprio de um poder não<br />

jurisdicional permanece à espera desse poder não jurisdicional, a despeito do provimento<br />

judicial do mandamus no caso concreto.”<br />

Então, Senhor Presidente, como sabemos que somente cabe a propositura,<br />

a impetração do mandado de injunção diante de uma norma constitucional de


R.T.J. — <strong>207</strong> 79<br />

eficácia limitada, não faz sentido que a decisão judicial também seja de eficácia<br />

limitada. Ora, a uma norma constitucional de eficácia limitada há de se seguir<br />

uma decisão judicial de eficácia plena, senão a Constituição estaria lavrando na<br />

inocuidade absoluta em tema tão fundamental.<br />

Com a devida vênia, acompanho V. Exa.<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, creio que, depois de<br />

tudo o que foi dito aqui, há muito pouco a ser acrescentado. Antes, ressalto o<br />

voto brilhantíssimo do Ministro Celso de Mello; não o relerei, ainda que sejam<br />

poucas páginas, mas saliento a minha estima por todas as suas idéias.<br />

Queria chamar a atenção para duas situações: primeiro, creio que, no<br />

mandado de injunção, está superado o entendimento de que se precisa dar<br />

efetividade à Constituição. Nesse sentido, perguntaria ao Ministro Ricardo<br />

Lewandowski se o seu voto está, exatamente, no sentido de dotar de efetividade.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Sem dúvida nenhuma. Penso que<br />

conferi um avanço...<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Chamo a atenção por causa de uma observação<br />

feita pelo Ministro Sepúlveda Pertence, de que a análise de V. Exa. poderia<br />

deixar um espaço de menor cuidado normativo, ou de maior empenho, no sentido<br />

de dar um direito sem limites. Isso foi posto aqui e eu gostaria de saber se V. Exa.<br />

dissente em relação à efetividade da prestação jurisdicional, neste caso, para que<br />

se garanta o direito de greve, porém com limites, como foi posto, de uma forma<br />

muito específica, nos votos dos Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Sem dúvida. Penso que propiciei<br />

um avanço com relação à jurisprudência mais tradicional da Casa que, conforme<br />

disse, se vinha se alterando e progredindo. Num primeiro momento, simplesmente<br />

declarava-se a mora do Congresso Nacional. Há uma corrente intermediária<br />

a qual me filio, que dá concreção ao direito pleiteado, no caso concreto,<br />

estabelecendo os contornos para o seu exercício. E há a terceira, que é aquela<br />

que regula o caso concreto, adotando normas abstratas, até com efeito erga omnes,<br />

corrente essa a qual não me associo, exatamente porque entendi, com todo o<br />

respeito, que, em trilhando esse caminho, estaríamos, num certo sentido, avançando<br />

sobre as competências do Poder Legislativo, o que me parece vedado.<br />

Efetivamente, eminente Ministra Cármen Lúcia, dou concreção, no caso<br />

vertente, ao direito de greve e estabeleço os limites, quais sejam: os grevistas<br />

são obrigados a prestar os serviços essenciais à comunidade.<br />

Fiquei preocupado porque, num dos casos, há uma decisão judicial estabelecendo<br />

uma multa pecuniária diária, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais),<br />

para a hipótese de paralisação. Evidentemente, é o obstáculo ao direito de greve<br />

que a Constituição garante e que precisa ser removido.


80<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Confirmo o que V. Exa. me pergunta, e de certa maneira antecipa, no sentido<br />

de que dou concreção ao direito de greve, mas estabeleço limitações.<br />

A diferença entre os votos que me precederam e o meu está em que os<br />

eminentes Ministros Eros Grau, Relator, e Gilmar Mendes, adotando a Lei de<br />

Greve para o setor público, talvez estejam delimitando o direito, no caso concreto,<br />

com mais minúcias do que eu. Eu simplesmente o garanto, até porque é<br />

difícil dizer, no caso dos servidores do Judiciário do Pará, quais são os serviços<br />

essenciais. Só as autoridades que os supervisionam dirão: se vão trabalhar nos<br />

habeas corpus, nos mandados de segurança, em matéria de réus presos, etc.; e,<br />

na polícia, se haverá plantão ou não, se a carceragem funcionará ou não, etc. Não<br />

sei se podemos entrar nesses detalhes. Meu voto foi justamente nesse sentido.<br />

Não ficou bem claro, no meu entendimento, se os votos que me precederam<br />

dão efeito erga omnes à decisão ou não. Realmente, nesse sentido não concordo.<br />

E creio que entre o meu voto e os que me precederam talvez a diferença<br />

seja apenas uma questão de grau, de minúcias na regulamentação.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Posso esclarecer em relação<br />

ao MI 712. Não entendi, e isso não vem ao caso, porque verifico que, afinal<br />

de contas, V. Exa. não divergiu e votou no mesmo sentido básico dos votos do<br />

Ministro Gilmar e do meu.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Delimitamos o direito de greve,<br />

talvez, com mais ou menos minúcias.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Fiz uma observação, em<br />

obiter dictum, pelo menos da experiência doutrinária – é claro que os casos concretos<br />

poderão iluminar eventuais decisões, especialmente tendo em vista serviços<br />

essenciais ou não-essenciais –, a respeito da possibilidade, exatamente em<br />

serviços públicos, de tê-los como não-essenciais se olharmos a lista constante<br />

nas hipóteses do art. 10 da Lei 7.783.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: V. Exa. me permite? Exatamente nessa linha,<br />

acho que o <strong>Tribunal</strong> deve se propor a questão. Se vamos regular concretamente<br />

o exercício do direito de greve, nestes mandados de injunção, ditando a regra<br />

do caso, que fiquem claras as condições do exercício desse direito. Creio que o<br />

<strong>Tribunal</strong> deveria dizer se a greve do serviço público permite, ou não – e aí a pertinência<br />

da minha observação à manifestação de V. Exa. –, a distinção entre serviço<br />

essencial e não-essencial, ou se deve considerar que todo o serviço público é essencial<br />

e, portanto, jamais poderá ser ininterruptamente suspenso por força de greve.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Se V. Exa. me permitir, é<br />

o caso da aplicação do princípio da continuidade do serviço público. Isso está<br />

posto muito claramente em meu voto.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O <strong>Tribunal</strong> deve deixar bem explicitadas<br />

as condições de exercício do direito de greve. Entre elas, preocupam-me duas:<br />

primeiro, a de que não se permite essa distinção em relação ao serviço público,<br />

porque não se pode imaginar serviço público que não seja essencial.


R.T.J. — <strong>207</strong> 81<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Ou, pelo menos, não é essencial para o<br />

efeito de uma paralisação total, porque a característica do serviço público é a<br />

continuidade.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não é possível imaginar situação em que o<br />

serviço público possa, de forma absoluta, estar ininterruptamente paralisado ou<br />

suspenso.<br />

A segunda condição – essa já não tem pertinência com a observação de V.<br />

Exa., mas, de qualquer modo, a avanço, porque, quando votar, quero manifestarme<br />

com clareza – é a respeito do não-pagamento dos dias de greve.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Esse é o único ponto de divergência que<br />

conseguimos observar.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): É o único ponto de divergência<br />

do voto do Ministro Ricardo Lewandowski.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Em relação a isso, já deixei<br />

inicialmente posto, em meu voto, que adoto a lei e deixo claro, a meu ver, que as<br />

regras básicas seriam as dos arts. 10 e 11 da Lei de Greve, as quais, na verdade,<br />

consagram a idéia da essencialidade dos serviços.<br />

Se nós olharmos a lista – inclusive o Ministro Celso lembrava há pouco<br />

o tão multicitado caso dos controladores, constante do inciso X, do controle<br />

de tráfego aéreo, da Lei 7.783 –, também estão todos os outros: tratamento de<br />

abastecimento de água; assistência médica, hospitalar; distribuição e comercialização<br />

de medicamentos e alimentos; serviços funerários; transporte coletivo;<br />

captação e tratamento de esgoto e lixo; telecomunicações; guarda, uso e<br />

controle de substâncias radioativas; etc. Todos esses, na verdade, são serviços<br />

públicos que, por definição, não podem comportar interrupção e podem ser<br />

ameaçados de descontinuidade.<br />

Em relação ao aspecto suscitado pelo Ministro Lewandowski, no meu<br />

voto, referindo-me quanto ao aspecto da eficácia erga omnes, ressaltei que, a<br />

rigor, os casos de omissão inconstitucional, quando resolvidos – isso é pacífico<br />

numa parte da doutrina em Direito Comparado, pelo menos quando imaginamos<br />

esse tipo de regra geral –, acabam por ser decididos, na verdade, com eficácia<br />

erga omnes, seja no âmbito da ação direta por omissão, seja no âmbito do<br />

próprio mandado de injunção. Estamos aqui a dizer, neste mandado de injunção,<br />

que isso vai se aplicar aos demais casos. Tanto que não vamos, espero, nos pronunciar<br />

sobre outros casos idênticos; não ficaremos a fazer regulações específicas,<br />

porque essa decisão valerá, a meu ver, como eficácia erga omnes. No caso,<br />

na verdade, a chamada “proteção subjetiva” se transmuda também num tipo de<br />

proteção objetiva. Pelo menos foi essa a posição por mim assumida.<br />

Inicialmente, apontei, inclusive, divergência com o voto do Ministro Eros<br />

Grau, porque estaremos a emitir um tipo de juízo. Assim, o <strong>Tribunal</strong> decidiu,<br />

por exemplo, no caso dos mandados de injunção aqui referidos, sobre a anistia.<br />

Na verdade, não se esperava que o <strong>Tribunal</strong> ficasse todo dia a emitir juízo a


82<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

respeito, tanto que reconheceu que aquelas regras seriam balizadas agora pelo<br />

direito comum. Qualquer cidadão que se encontrasse na situação prevista no<br />

art. 8º do ADCT poderia buscar a proteção judicial efetiva, segundo as regras<br />

do direito comum. Parece-me que não estamos a inovar, tendo em vista a peculiaridade<br />

da proteção dada em sede de omissão.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, se V. Exa. me<br />

permite, faço duas observações.<br />

Em primeiro lugar, parti do pressuposto de que, no mandado de injunção,<br />

a decisão é caso a caso. Por isso me causa certa espécie conferir efeito erga<br />

omnes a uma decisão que tomamos caso a caso. Conforme aludi no meu voto,<br />

entendo que uma greve de professores primários apresenta diferenças enormes<br />

em relação à greve de controladores de voo.<br />

Quero também aproveitar o ensejo para esclarecer a questão do pagamento<br />

dos dias parados.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Se V. Exa. me permite uma<br />

interrupção, essas questões, na prática generalizada, são resolvidas no âmbito<br />

da Justiça do Trabalho. Quer dizer, na sede do dissídio de greve, essa matéria é<br />

resolvida. Não se espera, cada vez que se coloque uma pretensão de greve, que<br />

o tema seja novamente alçado a esta Corte. Pelo menos assim não é desejável.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Para o caso do servidor público estatutário,<br />

estabelecemos que não cabe o dissídio coletivo (ADI 492, Velloso,<br />

<strong>RTJ</strong> 145/68).<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Exato. Ficou estabelecido que ele não vai<br />

à Justiça do Trabalho.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Sim, mas haverá o dissídio<br />

de greve.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas isso não está previsto.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): O dissídio de greve será o juí -<br />

zo competente para aferir a decisão sobre a greve.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: O grevista, seja ele do setor privado<br />

ou público, é hipossuficiente. No caso do servidor público, o que ele recebe são<br />

verbas de caráter alimentar. Se, no caso concreto, removo o obstáculo para que<br />

ele possa realizar o direito que, em tese, a Constituição lhe confere, mas não<br />

lhe garanto o pagamento dos dias parados para que ele continue a exercer esse<br />

direito, eu neutralizo esse direito. Dou com uma mão e tiro com a outra. Se<br />

depois a greve for considerada abusiva; se for, inclusive, levada a efeito apenas<br />

no que toca aos serviços essenciais, essas verbas, que porventura tenham sido<br />

pagas indevidamente, serão descontadas, como sói acontecer normalmente no<br />

serviço público.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, apresentei a questão<br />

apenas para acentuar dois pontos.


R.T.J. — <strong>207</strong> 83<br />

Primeiro, o <strong>Tribunal</strong> está, segundo me parece por todos os votos manifestados<br />

até o momento, em perfeita consonância no sentido de que o mandado de<br />

injunção há de ter eficácia plena no sentido de, para usar os termos expressos da<br />

Constituição: “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma<br />

regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais”,<br />

dotar de viabilidade ao direito posto como um daqueles protegidos por<br />

essa garantia. Estamos todos de acordo quanto a isso.<br />

Também estamos de acordo no sentido de que o limbo normativo, estabelecido<br />

nessas cinco legislaturas subseqüentes à Constituição, constitui o que<br />

chamo de abuso do poder de não legislar.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O que exige, como pretendi deixar<br />

claro na ressalva inicial do meu voto, um juízo de ponderação na situação concreta,<br />

para decidir da abusividade da omissão legislativa.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Exatamente. Por isso chamo a atenção para<br />

as cinco legislaturas subseqüentes à promulgação da Constituição.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Continuo a temer que – sobretudo ante<br />

a solução constitucional de praticamente monopolizar a competência para o mandado<br />

de injunção que importa no <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> – tenhamos, em certos<br />

casos, de nos transformar na revivescência da Junta de Conciliação e Julgamento.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Na verdade, creio que todos<br />

os votos aqui proferidos – o Ministro Celso de Mello foi o que mais se estendeu<br />

a respeito – partiram da premissa de esse caso específico configurar uma situação<br />

singular.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Começa a facilitar por se tratar do direito<br />

coletivo de uma categoria determinada.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Era uma situação peculiar em<br />

que havia uma recalcitrância histórica. Não se trata de o <strong>Tribunal</strong> romper com a<br />

doutrina de “self-restraint”.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Até porque o <strong>Tribunal</strong> já colocou em mora<br />

o Congresso em outros mandados de injunção.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A meu juízo, isso ficaria sujeito a uma<br />

precondição de relevância, ou repercussão geral – mais atualizada.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Por essa razão, fiz questão de chamar a<br />

atenção para a circunstância de estarmos na quinta legislatura subseqüente<br />

à promulgação da Constituição, que garante esse direito. Há treze anos, o<br />

<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> pronunciou-se e pôs em mora o Congresso Nacional.<br />

Exatamente para o caso concreto, como o do mandado de injunção, penso<br />

que se configura fraude à Constituição a não-legislação, de tal forma a se negar<br />

eficácia ao que entrou em vigor para produzir efeitos no mundo jurídico.<br />

Farei juntar o meu voto com observações, inclusive, referentes ao histórico<br />

deste caso.


84<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Concluo para conhecer do mandado de injunção e conceder a ordem, nos<br />

termos do voto do Ministro Eros Grau. Apenas chamo a atenção para a circunstância<br />

de que eu não caracterizaria – conforme ressaltou o Ministro Carlos<br />

Britto – no sentido de dar efeito erga omnes, nem de tangenciar essa matéria.<br />

Creio que o mandado de injunção tem natureza integrativa, ou seja, de integrar<br />

o ordenamento para o caso concreto diante dos Impetrantes.<br />

Nesse sentido é o meu voto.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, antes de manifestar meu<br />

voto, peço escusas ao eminente Relator, e também a V. Exa., cujo voto, de certo<br />

modo, integrou os termos do dispositivo do mandado de injunção, para perguntar:<br />

quais seriam especificamente os dispositivos da Lei 7.783 aplicados a este<br />

caso como condições do exercício do direito de greve?<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator MI 712): Em primeiro lugar, ficou muito<br />

claro no meu voto que não se fala em serviço essencial; todo serviço público é<br />

atividade que não pode ser interrompida.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Então excluímos, desde logo, o disposto nos<br />

arts. 10 e 11 da lei.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Direi a V. Exa. exatamente<br />

o proposto originariamente no meu voto: a aplicação do disposto no art. 3º e<br />

parágrafo único; art. 4º; parágrafo único do art. 7º; art. 9º e art. 14. Na verdade,<br />

todos os outros preceitos não cabem na situação de greve no serviço público.<br />

No meu voto ficou muito clara a distinção: a greve no setor privado é disputa<br />

por lucro do patrão, por mais-valia; na greve no serviço público não se disputa<br />

lucro, mas fundo público. Quem se encontra do outro lado não é o patrão,<br />

mas a sociedade.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Minha dúvida é quanto aos dispositivos. Por<br />

que V. Exa. não aplica também o art. 5º, permitindo às entidades sindicais terem<br />

representação perante a Justiça competente?<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Considero razoável;<br />

aliás, até mais que razoável. Eu havia evoluído no sentido de acompanhar o<br />

escopo mais amplo proposto pelo Ministro Gilmar Mendes. Agora, estamos<br />

especificando.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Na verdade, não quis descer<br />

a esse detalhe, tendo em vista exatamente a dificuldade, por todos proposta, do<br />

detalhamento.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Isso não é dificuldade, mas o alcance prático<br />

da nossa decisão.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Assentei a aplicação da<br />

Lei 7.783 e enfatizei especialmente as regras dos arts. 10 e 11, com todas as


R.T.J. — <strong>207</strong> 85<br />

peculiaridades, claro, em relação a situações referentes, por exemplo, à própria<br />

competência da Justiça, coisas que não estamos a definir desde logo.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Ministro Cezar Peluso,<br />

cometi um equívoco, na verdade, a minha proposta é do art. 1º ao 9º, e não dos<br />

arts. 1º e 9º. Então, efetivamente, o art. 5º está incluso.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: V. Exa., então, não aplica os arts. 10, 11, 12<br />

nem o 13.<br />

Nesses termos, profiro meu voto exatamente a partir da premissa que o<br />

voto de V. Exa. adota como condições do exercício do direito, mutatis mutandis,<br />

todas as disposições dos arts. 1º ao 9º e do art. 14.<br />

Mais do que ocioso, seria realmente enfadonho, depois de votos tão brilhantes<br />

e exaustivos, como os proferidos antes do meu, fazer agora qualquer<br />

incursão teórica a respeito das concepções relativas ao mandado de injunção.<br />

No entanto, devo dizer e deixar claro que é tão velho quanto esta Constituição<br />

o meu entendimento de a função do mandado de injunção ser a de tornar<br />

viável o exercício de direito e de liberdade constitucionais, ou de prerrogativas<br />

ligadas à soberania, cidadania e nacionalidade, que não possam ser exercidos<br />

por falta de norma regulamentadora. Ou seja, a mim me parece não se tratar de<br />

instituto destinado a fazer com que uma decisão judicial estimule o Poder Legislativo<br />

a desempenhar a função de legislar.<br />

Por isso, a mim não me importam as razões reais por que se dê omissão do<br />

Legislativo, seja por dificuldades políticas de obtenção de um projeto de comum<br />

acordo, seja por deliberada opção do legislador em não regulamentar, ou seja<br />

por esquecimento. São dados absolutamente irrelevantes, porque não concebo<br />

o mandado de injunção como expediente tendente a estimular o exercício da<br />

competência legislativa.<br />

O mandado de injunção tem, no texto constitucional, a meu sentir, a<br />

função jurídico-processual de garantia de direito subjetivo, de liberdade constitucional,<br />

ou de prerrogativa, no sentido de tornar viável, no caso concreto, o<br />

exercício desse direito, liberdade, ou prerrogativa, independentemente do comportamento<br />

futuro do legislador.<br />

No caso, o mandado de injunção destina-se a assegurar o exercício de direito<br />

que não pode ficar na dependência de demora legislativa. E é, também, meu<br />

velho entendimento que a decisão do mandado de injunção significa edição de<br />

uma regra singular e concreta, isto é, de uma regra para o caso e para as pessoas<br />

vinculadas às relações desse caso.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Os substituídos processuais em cada caso.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Com essas premissas, julgo procedente o<br />

mandado de injunção, para assegurar o exercício do direito de greve, mediante,<br />

porém, as condições legais específicas referidas pelo eminente Ministro Relator,<br />

mediante aplicação analógica.


86<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Não há como deixar de admitir que se trata da formulação de uma regra<br />

singular e concreta, com fundamento mais longínquo no expediente da analogia.<br />

Na verdade, compomos um mandamento concreto a partir da transladação de<br />

normas que regulam relações de direito privado para o campo do direito público.<br />

Deve, desse modo, ficar absolutamente claro que não se está a instituir um<br />

modelo aberto cuja definição fique na dependência da atuação de outros magistrados.<br />

Parece-me que isso frustraria o objetivo do mandado de injunção. Exigir<br />

que, cada vez que se deva exercer o direito de greve, seja preciso recorrer ao<br />

Judiciário para definir ou implementar-lhe outras condições, é inútil, além de<br />

frustrar a oportunidade de exercício.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Ministro Cezar Peluso, não é<br />

disso que se cuida, pelo menos quanto às minhas premissas.<br />

A rigor, conforme sabemos, quando ocorrem todos os incidentes em torno<br />

da greve, em geral há, no chamado dissídio coletivo, o dissídio de greve, aferição<br />

da legalidade ou ilegalidade. Daí, inclusive, a existência das competências<br />

específicas, no caso ou dos Tribunais Regionais do Trabalho ou do próprio TST,<br />

em se tratando de categorias de âmbito nacional.<br />

Obviamente que, a despeito do poder regulatório que eventualmente venhamos<br />

a imprimir a esta decisão, vamos ter certamente a intervenção do Poder<br />

Judiciário.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ela só se transformará na medida provisória<br />

judicial quando se converter em súmula vinculante.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Sim. Então, esse quadro nós<br />

teremos. Certamente haverá uma medida cautelar, e sabemos disso, pedindo que<br />

se determine, por exemplo, o retorno, ou que se observe determinadas regras, e<br />

é disso que se cuida. É inevitável, portanto, a participação de órgãos judiciários,<br />

que não o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, nesse processo.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, quanto a isso, não faço tampouco objeção.<br />

Meu voto também não pré-exclui essa intervenção do Poder Judiciário.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Não se trata de licença para<br />

que se faça.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Preocupa-me, pura e simplesmente, que não<br />

se emita aqui uma decisão cuja eficácia ainda fique dependendo, para exercício<br />

do direito que se pretende assegurar, da implementação, ou, enfim, da formulação<br />

de outras condições.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Não, não se trata de pedir licença<br />

para fazer greve, muito menos autorização judicial.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: E, quanto às condições, eu gostaria de deixar<br />

claras, peremptórias e taxativas estas duas que a mim me parecem fundamentais:<br />

o serviço público não admite a distinção entre serviço essencial e não essencial;<br />

todo serviço público é essencial. De modo que não se aplicam ao caso condições


R.T.J. — <strong>207</strong> 87<br />

análogas às que constam dos arts. 10 e 11 da lei. E que, tampouco no serviço<br />

público, e pelas mesmas razões, ou até por mais fortes razões, não é possível reconhecer<br />

direito ao pagamento dos dias de greve, como relembrou aqui ao meu<br />

lado o Ministro Marco Aurélio, com sua larguíssima experiência, entre outros<br />

campos, no Direito do Trabalho. A própria lei prevê que, com o desencadeamento<br />

da greve, fica suspenso o contrato de trabalho e, por via de conseqüência, suspensos<br />

os direitos e as obrigações que dele se irradiam, entre os quais a de pagar.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu não subscrevo essa parte do voto de V.<br />

Exa., com todas as vênias.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Peço vênia para discordar de V. Exa.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Vamos precisar de um segundo turno de<br />

votação.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Ministro Cezar Peluso, eu apenas<br />

queria um esclarecimento.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Qual é a parte? É a minha primeira parte?<br />

É referência a mim, não?<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Não, a suspensão.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Quer impugnar.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Ministro Cezar Peluso, apenas um<br />

esclarecimento. Se todos os serviços são essenciais, eu gostaria de saber qual<br />

seria o objeto, então, do direito de greve?<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: A mesma objeção que V. Exa. levanta quanto<br />

ao serviço público, vale para o serviço privado. Se o não-pagamento dos dias<br />

de greve fosse impedimento ao exercício de greve, sê-lo-ia tanto para o serviço<br />

público quanto para o serviço privado.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Não é essa a questão, Ministro, é<br />

apenas uma questão teórico-acadêmica.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O que estimula as partes a fazer cessar a<br />

greve é exatamente a não-prestação do serviço.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas se todos os serviços públicos<br />

são essenciais, então, eles não podem ser paralisados.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim, não podem.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Então, não há direito de greve no<br />

serviço público. Fazer o quê, então?<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim, mas o núcleo essencial de cada atividade<br />

há de ser assegurado.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): É o art. 11.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Quer dizer, o núcleo essencial tem de ser<br />

assegurado.


88<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas aí, data venia, não estou<br />

entendendo.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Aí é a garantia do princípio da continuidade,<br />

que o Ministro Eros Grau enfatizou.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): É o art. 11.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim, porque, veja bem V. Exa.: como dizer-se<br />

que determinado serviço público não seria essencial, podendo ficar indefinidamente<br />

paralisado?<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Não, mas, se tudo é essencial...<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim, tudo no serviço público é essencial.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Também acho. Mesmo porque há o<br />

princípio da continuidade do serviço público.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas não é a essencialidade do serviço que vai<br />

impedir o direito de greve, lógico.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Claro que não. É para efeito das garantias da<br />

continuidade. Estão previstos no art. 9º da lei.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): É o art. 11.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas, então, o servidor entra em<br />

greve e continua o serviço, é isso?<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Não, é como se ele fosse do<br />

setor privado e fizesse a greve nos termos da lei.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Só as necessidades inadiáveis. O inadiável é<br />

um plus em relação ao essencial.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Pois é, mas estamos num conjunto<br />

mais abrangente.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Nem tudo que é essencial é inadiável, embora<br />

tudo que seja inadiável é essencial.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: A doutrina faz uma distinção entre<br />

os serviços essenciais e não essenciais.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): É, por isso se precisa de uma<br />

jurisdição.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Mas não há essa distinção<br />

no serviço público. Eu disse isso no meu voto. Não há possibilidade de se superpor<br />

uma coisa a outra.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Acho que isso é fundamental.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Todo e qualquer serviço<br />

público tem de ser mantido no mínimo da sua essencialidade. É isso.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas, então, V. Exa. entende que<br />

existem serviços que não são essenciais. Se tem de ser mantido na sua essencialidade,<br />

admite que há os que não são essenciais.


R.T.J. — <strong>207</strong> 89<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, no núcleo; ser interrompido de forma<br />

absoluta.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): É uma questão de palavra.<br />

Por isso digo que não há semelhança, não há superposição.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Nos mesmos termos em que, para o<br />

setor privado, é essencial, por exemplo, o serviço hospitalar, mas não todo o<br />

serviço hospitalar.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas eu concordo plenamente com isso.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas é isso que eu gostaria ficasse claro.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Quer dizer, que fique claro: não<br />

podemos afirmar aqui que, pela essencialidade dos serviços públicos, não é possível<br />

a paralisação.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Até porque, se não fizermos essa distinção,<br />

toda nossa discussão terá sido inútil. Nós estamos dizendo que se aplique integralmente<br />

a Lei 7.783. Não há diferença nenhuma.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: O Ministro Cezar Peluso trouxe à discussão,<br />

entre tantas outras contribuições, essa de deixar claro que todo serviço público<br />

é essencial. Porém, a Constituição faz uma distinção, e não precisou da lei, ela<br />

mesma fez isso no § 1º do art. 9º, entre essencial e inadiável.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Exatamente.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: E é preciso trabalhar com as duas categorias.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Os votos até agora proferidos trabalham isso?<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Sim, trabalham na medida<br />

em que determinam a aplicação da lei, enfatizando a aplicação dos arts. 10 e 11.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: No meu voto, impeço a paralisação<br />

dos serviços inadiáveis.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Inadiáveis.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: O que é inadiável, para mim, é<br />

muito claro, quer dizer, no âmbito dos servidores do Poder Judiciário: habeas<br />

corpus, mandados de segurança, questões que envolvem de réu preso; também,<br />

na Polícia Civil, há serviços claramente inadiáveis, essenciais e inadiáveis, e há<br />

outros, tais como elaborar boletins de ocorrência e outras coisas que tais, que não<br />

me parecem inadiáveis. Mas, no fundo, realmente, vejo que não estamos aplicando<br />

in totum a lei de greve vigente no setor privado. É contra isso que eu me<br />

insurgia. Estamos pinçando nela determinadas condições para delimitar, no caso<br />

concreto, a greve. E nesse ponto, realmente, em essência, estamos de acordo.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): A própria lei é, por definição,<br />

genérica, tanto que fez a definição: “São considerados serviços ou atividades<br />

essenciais:”. Claro que há até conceitos jurídicos aqui, com a vênia do Ministro<br />

Eros Grau, indeterminados.


90<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É duvidoso, ante o disposto no art. 11,<br />

que a relação seja exaustiva.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Que seja exaustiva, por definição.<br />

Por isso, há uma jurisdição especializada para a discussão.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Por isso mesmo, penso que não devemos ordenar,<br />

na decisão deste mandado de injunção, a aplicação estrita do art. 10, pois<br />

se reconhece que todo serviço público é essencial. E, aí, vamos ver, nos casos<br />

concretos – e isso a Justiça vai decidir quando necessário –, quais aqueles que,<br />

em cada serviço público, é considerado atividade inadiável.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Já que decidimos legislar sobre o assunto,<br />

não seria melhor exaurir?<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ou nós fixamos as condições do exercício do<br />

direito de greve, ou, pura e simplesmente, não emitimos decisão alguma.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Eu concordo com isso.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Claro que não é numerus<br />

clausus, porque obviamente não retira a possibilidade de outros casos estarem<br />

devidamente contemplados. Por isso, disse a jurisdição específica do dissídio.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: De qualquer maneira, a discussão está<br />

mostrando que o <strong>Tribunal</strong> deve ser menos severo quando condenar a mora do<br />

legislador. Legislar é muito difícil.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: É isso que eu ia dizer. Nós estamos, na verdade,<br />

justificando a mora do legislador.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Enfrentando as mesmas dificuldades.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: As dificuldades que o legislador enfrenta<br />

para tentar solucionar essas questões.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: E com desvantagem para nós do Judiciário.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Estamos tentando superar essas dificuldades.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: E uma desvantagem para o Judiciário, Ministro<br />

Cezar Peluso, porque não se pode obrigar o legislador a legislar, mas o Judiciário<br />

é obrigado a julgar. Não podemos tangenciar, temos de dar uma resposta.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O Judiciário tem de, nos termos da Constituição,<br />

assegurar o exercício do direito no caso concreto.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Pronto, exatamente.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Estou de acordo.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): V. Exa. me permite?<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Pois não, com o maior prazer.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): É exatamente o que V. Exa.<br />

disse: em qualquer serviço público, para que haja a greve, a categoria dos grevistas<br />

há que assegurar a continuidade do serviço público.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Essenciais e inadiáveis.


R.T.J. — <strong>207</strong> 91<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Essenciais são todos, Ministro; a questão é<br />

saber só quais os inadiáveis.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: No meu voto, uso a expressão<br />

inadiável.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Estou tentando simplesmente<br />

ajudar. Isso foi afirmado no meu voto e, se não me engano, também no<br />

voto do Ministro Gilmar Mendes. Tanto ele quanto eu fizemos algumas distinções,<br />

uma delas fundamental, entre o existencial e o essencial, para afirmar que<br />

não se aplica o preceito do art. 10, porque, em relação a todo e qualquer serviço<br />

público, a categoria há que prover no sentido de não interrompê-lo.<br />

Então, é exatamente o que V. Exa. disse. Por essa razão, propus que não se<br />

aplicasse o art. 10, porque ele supõe a possibilidade de haver algum serviço que<br />

não seja essencial.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exato, e eu subscrevo integralmente. Estou<br />

inteiramente de acordo. Fico feliz, porque, assim, o meu pensamento até ficou<br />

mais claro.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Os neoliberais farão ressalva à observação<br />

de V. Exa.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: De modo que, nesses termos e com essas precisões,<br />

acompanho integralmente o voto do eminente Relator.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

MI 670/ES — Relator: Ministro Maurício Corrêa. Impetrante: Sindicato<br />

dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo – SINDPOL (Advoga<br />

dos: Homero Junger Mafra e outro). Impetrado: Congresso Nacional.<br />

Decisão: Após o voto do Ministro Relator, que conhecia parcialmente do<br />

mandado de injunção e reconhecia a mora do Congresso Nacional, e dos votos<br />

dos Ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Carlos<br />

Britto, Cármen Lúcia e Cezar Peluso, que conheciam e julgavam procedente<br />

o mandado de injunção, para determinar a aplicação da Lei 7.783, de 28 de<br />

junho de 1989, e do voto do Ministro Ricardo Lewandowski, julgando-a procedente<br />

em parte, nos termos do voto proferido, pediu vista dos autos o Ministro<br />

Joaquim Barbosa. Não participou da votação o Ministro Eros Grau por suceder<br />

ao Ministro Maurício Corrêa. Ausente, ocasionalmente, na segunda parte da<br />

sessão, a Ministra Ellen Gracie (Presidente). Presidência do Ministro Gilmar<br />

Mendes (Vice-Presidente).<br />

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros<br />

Sepúlveda Pertence, Celso do Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar<br />

Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e<br />

Cármen Lúcia. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro<br />

Gurgel Santos.<br />

Brasília, 12 de abril de 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


92<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

VOTO<br />

(Vista)<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presidente, a esta altura do<br />

julgamento acredito que seja desnecessário repisar as considerações históricas<br />

e doutrinárias a respeito do mandado de injunção. Faço especial referência ao<br />

voto do eminente decano, Ministro Celso de Mello, muito elogiado nas sessões<br />

do Plenário de 12-4-07, que ficará nos anais da Corte.<br />

Apenas para contextualizar as considerações que farei em meu voto é<br />

que retomarei pontos fundamentais da discussão que se trava na Corte nesses<br />

MI 670, MI 708 e MI 712.<br />

Os votos nos MI 670, MI 708 e MI 712<br />

O tema sob exame foi trazido ao plenário na sessão de 15-5-03 pelo<br />

Ministro Maurício Corrêa, Relator do MI 670, que votou pela procedência parcial<br />

do mandado, declarando a mora do legislador na regulamentação do art. 37,<br />

VII, da Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

Pediu então vista o Ministro Gilmar Mendes e o julgamento prosseguiu na<br />

sessão de 7-6-06, ocasião em que também o Ministro Eros Grau leu seu voto no<br />

MI 712, de sua relatoria.<br />

Com pequenas diferenças, ambos os Ministros concordaram sobre a solução<br />

a ser dada à questão, incorporando ao conteúdo da decisão da Corte as disposições<br />

aplicáveis da Lei 7.783 para viabilizar o exercício do direito de greve.<br />

Destaca-se, nesse primeiro momento, ao que me pareceu, que a tônica<br />

do voto do Ministro Gilmar Mendes se concentrava na limitação do direito de<br />

greve pelo controle judicial nas instâncias apropriadas, ressaltando a abrangência<br />

geral da decisão do STF em seus efeitos (erga omnes).<br />

O Ministro Eros Grau, por sua vez, destacou e insistiu em que, para efeitos<br />

da aplicação de disposições da Lei 7.783, todo serviço público é essencial, de modo<br />

que não se deve transigir às expensas do princípio da continuidade do serviço.<br />

Nessa oportunidade pediu vista o eminente Ministro Ricardo Lewandowski,<br />

continuando o julgamento em 12-4-07, sessão em que se discutiu o essencial da<br />

posição que parece ter se consolidado no Plenário.<br />

O Ministro Lewandowski, em voto muito detalhado e atento às peculiaridades<br />

do caso, propôs solução similar à dos votos proferidos pelos Ministros<br />

Gilmar Mendes e Eros Grau, mas caracterizado pelas seguintes especificidades:<br />

(i) suspensão dos efeitos da decisão que, no caso, obstava o exercício do direito<br />

de greve; (ii) determinou em detalhe a observância de requisitos mínimos para<br />

a legitimidade da greve; (iii) e se opôs à abrangência geral da decisão da Corte,<br />

restringindo-a ao caso concreto.<br />

Na seqüência, os Ministros Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Carlos<br />

Britto, Carmen Lúcia e Peluso proferiram seus votos, na linha do voto do


R.T.J. — <strong>207</strong> 93<br />

Ministro Gilmar Mendes. Destaca-se, nesse ponto, a referência expressa dos<br />

Ministros Carlos Britto e Carmen Lúcia, sobre a restrição dos efeitos ao caso<br />

concreto. Pedi vista naquela sessão.<br />

Pouco tempo após, na sessão de 24-5-07, o Ministro Gilmar Mendes<br />

trouxe a julgamento o MI 708, reiterando as razões de seu voto no MI 670, acrescentando-lhe<br />

apenas algumas considerações específicas sobre o processamento<br />

do dissídio de greve, referindo-se à possibilidade de as instâncias ordinárias<br />

aplicarem subsidiariamente as disposições da Lei 7.701 (sobre a especialização<br />

de órgãos colegiados na justiça do trabalho). Pediu então vista o Ministro<br />

Ricardo Lewandowski.<br />

Nesse MI 708, continuando o julgamento em 19-9-07, o Ministro Ricardo<br />

Lewandowski continuou na linha que seguia, indicando medidas detalhadas para<br />

o exercício do direito de greve, sessão em que também votaram os Ministros<br />

Menezes Direito, Carmen Lúcia, Celso de Mello e Carlos Britto. Naquela oportunidade,<br />

o Ministro Direito sugeriu a indicação de prazo para que o Congresso<br />

suprisse a omissão, sugestão que foi acolhida pelo Ministro Gilmar Mendes.<br />

Também pedi vista desse feito.<br />

Trago a julgamento em conjunto os MI 670 e MI 708.<br />

Observo, porém, que, após meu pedido de vista no MI 712, neste foi apresentado<br />

pedido de desistência, que foi indeferido na sessão plenária do último dia 15.<br />

Acredito que seja esse o panorama completo da discussão, que tem sido<br />

mais complexa do que registrado nas proclamações parciais.<br />

Pois bem.<br />

Sobre a omissão do Congresso Nacional<br />

Quanto à omissão do Congresso Nacional na regulamentação do direito de<br />

greve do servidor público até o presente momento, provavelmente ela se deu em<br />

razão de dificuldades políticas muito concretas. É ilustrativo dessa dificuldade<br />

o fato de que o próprio Congresso Nacional, em 1998, abandonou a exigência<br />

de lei complementar, que exige maioria qualificada, e optou pela lei ordinária,<br />

aprovada por maioria simples. Não obstante, o impasse persiste.<br />

Creio que o Ministro Sepúlveda Pertence soube sintetizar bem essa preocupação<br />

em seu voto.<br />

Em relação ao próprio STF, acredito que a restrição inicial a que se entendesse<br />

o mandado de injunção com a feição ora proposta também tinha como<br />

ponto de partida as dificuldades, também muito concretas, de a Corte decidir<br />

sobre a integração normativa para o exercício de determinados direitos constitucionalmente<br />

assegurados.<br />

Vê-se que a Corte enfrentou o problema aos poucos, como se tateasse os<br />

limites de sua própria legitimidade nessa zona cinzenta da delicada relação entre<br />

os poderes da União.


94<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Dos precedentes da Corte já bastante citados, extraio não apenas a ampliação<br />

progressiva do escopo do mandado de injunção, mas, principalmente,<br />

o cuidado com que o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> sempre enfrentou o risco de<br />

extrapolar seus poderes.<br />

Acredito que, neste caso, o <strong>Tribunal</strong> está mantendo esse cuidado, e compartilho<br />

das preocupações dos colegas. Adianto, assim, que concordo com<br />

muito do que já se disse neste Plenário sobre a questão.<br />

Minha divergência parcial deriva apenas da concepção particular que tenho<br />

a respeito de judicial restraint.<br />

(A) constitucionalidade da norma editada. Não se pode negar que a referência<br />

da Corte à Lei 7.783/89 antecipa, em certa medida, o juízo sobre a constitucionalidade<br />

da legislação vindoura pertinente à regulamentação do direito de<br />

greve do servidor público.<br />

Explico: ao admitir a aplicabilidade da referida lei às greves no serviço público,<br />

o tribunal indicará que se o Congresso Nacional assim o desejar, poderá,<br />

por exemplo, editar lei muito simples, determinando a aplicação da Lei 7.783/89.<br />

Tenho ressalvas sobre a constitucionalidade desse entendimento, porque<br />

a própria Constituição afirma a diferença essencial entre as greves no serviço<br />

público e as greves no setor privado.<br />

Se não bastasse a disciplina do art. 37, VII, da Constituição, restaria toda a<br />

extensa e minudente regulação constitucional sobre o funcionamento do serviço<br />

público, que, como bem destacado no voto do eminente Ministro Eros Grau, tem<br />

natureza própria.<br />

Assim, a referência desta Corte à Lei 7.783/89 induz, indiretamente, a sugerir<br />

e mesmo a pautar o trabalho do Congresso Nacional. Noutras palavras, a<br />

força de uma decisão dessa natureza, ainda que apenas potencialmente, pode ter<br />

o efeito de restringir as opções do legislador.<br />

(B) Redução do campo possível de regulamentação pelo Poder Le gisla<br />

ti vo. Assim, constatada a mora legislativa, creio que se deve preservar ao máximo<br />

a liberdade da atividade futura do legislador, que, por sua vez, obviamente<br />

deve obediência à Constituição.<br />

(C) Referência constitucional para a solução do impasse. Ao editar<br />

norma nova, e determinar qual é o direito aplicável ao caso, o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong> necessariamente expedirá decisão de cunho mandamental. Nesse caso,<br />

persistirá aberta a via da reclamação, por exemplo, para que se assegure que as<br />

instâncias próprias respeitem essa decisão. O resultado disso é que, num momento<br />

o STF definirá a aplicabilidade da Lei 7.783. Agora, já se propõe também<br />

a aplicação da Lei 7.701, e tudo isso sem que se defina, no dispositivo da decisão,<br />

as normas aplicáveis ao caso concreto.<br />

E, por mais que nas sessões anteriores se tenha afirmado que a questão<br />

será relegada aos tribunais inferiores, o que acontecerá na prática é que a<br />

Corte será chamada paulatinamente a corrigir distorções, e por mais que queira


R.T.J. — <strong>207</strong> 95<br />

delegar, o espírito de responsabilidade que o STF sempre demonstrou o obrigará<br />

ao contrário, isto é, a trazer para si mais responsabilidades do que as que realmente<br />

deveria assumir.<br />

Tenho em mente uma preocupação muito específica: o risco de o STF<br />

suprir excepcionalmente a omissão legislativa, e essa disciplina excepcional<br />

tornar-se a regra. Nessa hipótese, decisões seqüenciais se tornarão rotina.<br />

Quanto aos efeitos da decisão que será tomada nesta assentada, comungo<br />

das preocupações externadas pelo eminente Ministro Lewandowski, sobre a impossibilidade<br />

de se conferir efeitos erga omnes. Isto sem ignorar, por outro lado,<br />

a preocupação sobre a repetição de feitos semelhantes.<br />

(D) Direito de greve e interesse legítimo sob a Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

O que contraponho à corrente já dominante neste caso é que a aplicação da Lei<br />

7.783 causará a avaliação da legitimidade das atuais e futuras greves no setor<br />

público pela perspectiva procedimental e negocial, apenas. A Lei 7.783 tem por<br />

premissa fundamental a proteção de um direito social dos empregados frente<br />

ao poder econômico do empregador e estipula as regras para que esse desnível<br />

seja corrigido de modo a possibilitar a negociação – e essas circunstâncias estão<br />

também muito bem demonstradas no voto do eminente Ministro Eros Grau.<br />

No caso do serviço público, não basta que a greve tenha sido deflagrada<br />

conforme as formalidades mínimas, o que se exige no setor privado – ela deve<br />

ter também compromisso com a Constituição.<br />

Também não basta que se viabilize a negociação, bastante ampla no setor<br />

privado – é necessário que o próprio objeto da negociação seja compatível com<br />

a Constituição.<br />

O que proponho, é que o mandado de injunção não seja configurado como<br />

mecanismo do desespero, para suprir o que o Congresso não faz, perpetuando e<br />

dando suporte à patológica omissão legislativa. O que sugiro é que o mandado<br />

de injunção seja apenas um instrumento para legitimar a abertura, nas instâncias<br />

apropriadas, de um debate constitucional amplo, apenas retirando as amarras<br />

da noção de eficácia contida do direito.<br />

Explico: na situação das greves do setor público, o temor dos servidores<br />

é de que o estatuto jurídico que lhes é aplicável seja aplicado estritamente, impedindo<br />

a greve com o corte de ponto, por exemplo. Para esse efeito, entendo<br />

que é essa a legislação que deve ser ordinariamente aplicável nesses casos. Se o<br />

servidor falta ao trabalho, excetuadas as ausências admitidas em lei, faltou com<br />

sua obrigação e, por via de conseqüências, deverá sofrer as sanções cabíveis.<br />

Neste caso, o que o mandado de injunção deve viabilizar, única e exclusivamente,<br />

é que os servidores organizados em movimento grevista demonstrem<br />

à exaustão, perante as instâncias apropriadas, que exercem direito garantido e<br />

limitado pela Constituição, estritamente nos termos desta.<br />

A forma que escolherem para a greve, seja lá qual for, será julgada à luz do<br />

texto constitucional como um todo. Não poderá ser violenta, não poderá tolher<br />

a liberdade alheia.


96<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Cito alguns exemplos ilustrativos do que seriam as repercussões concretas<br />

desse entendimento.<br />

Primeiro em relação às repercussões externas do movimento grevista, na<br />

continuidade dos serviços:<br />

A) Numa greve de servidores do Judiciário, por exemplo, deverão demonstrar<br />

os servidores que em nenhum momento a greve resultará em interrupção da<br />

garantia do habeas corpus (art. 5º, LXVIII).<br />

B) Em repartições administrativas, em nenhum momento poderá ser negada certidão<br />

a pretexto de interrupção dos serviços em decorrência de greve (art. 5º, XXXIII).<br />

C) Numa greve do setor de saúde, em nenhum momento essa manifestação<br />

poderá resultar em comprometimento do direito de todos à vida (art. 5º, caput).<br />

Admito como conseqüência dessa orientação a possibilidade de virem a ser inviáveis,<br />

por exemplo, greves que resultem em paralisação ou redução, no funcionamento<br />

dos serviços públicos de saúde em locais em que nem o seu regular e pleno<br />

funcionamento atenda ao mínimo exigido para se assegurar o direito à vida.<br />

D) As greves no setor público não poderão sequer impedir ou interromper<br />

os processos eleitorais.<br />

É preciso também atentar, por exemplo, para o fato de que greves de servidores<br />

da área da educação devem ser consentâneas com disposições específicas<br />

da Constituição sobre a matéria, como o art. 208 da CF, que estipula as conseqüências<br />

da ineficiência administrativa em matéria educacional:<br />

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.<br />

§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua<br />

oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.<br />

Essas questões não me parecem suficientemente resolvidas pela aplicação<br />

pura e simples, por similitude, das disposições da Lei 7.783/89, e na dúvida,<br />

deve-se preferir a centralidade do texto constitucional, bastante rico na definição<br />

de responsabilidades.<br />

Daí a preocupação com a afirmação de um direito isolado de greve, com<br />

base na Constituição, sem se colocar em relevo, e com o destaque devido, os<br />

deveres inseparáveis desse direito.<br />

Em relação à própria relação funcional entre o servidor e o Estado, parece-me<br />

fundamental também que se defina a legitimidade da greve em função<br />

da margem de negociação possível. Há no mundo modelos dessa espécie,<br />

como indicado no voto do eminente Ministro Celso de Mello. E entendo que<br />

na Constituição <strong>Federal</strong> temos indícios concretos de que esse modelo também<br />

seja exigido aqui. Para tanto, basta mencionar as normas relativas à execução da<br />

despesa pública e à responsabilidade fiscal.<br />

Como admitir um movimento de greve quando se sabe de plano que a<br />

pauta reivindicatória é impossível, e que a administração não terá como resultado<br />

conceder determinado aumento sem ofender o disposto no art. 169 da<br />

Constituição <strong>Federal</strong>? Ou ainda, mesmo com lei autorizadora, sem ofender<br />

normas constitucionais e legais que impõem mínimo de despesas com saúde e


R.T.J. — <strong>207</strong> 97<br />

educação? E por outro lado, como recusar legitimidade a uma greve que reivindique<br />

a aplicação desses mínimos constitucionais?<br />

São questões que estão a merecer maior reflexão.<br />

Assim, acredito que a tarefa desta Corte nestes mandados de injunção<br />

deve ser mais simples. A meu sentir, a Corte deve apenas declarar que a<br />

questão se resolve agora sob a lógica do ônus de demonstração de conformidade<br />

constitucional do interesse pleiteado, e da forma de seu pleito.<br />

É bem verdade que poderá surgir um certo grau de conflituosidade,<br />

decorrente da complexidade da própria Constituição e das situações de fato.<br />

Tenho ainda algumas considerações a fazer sobre problemas específicos<br />

adicionais, observados a partir do que se debateu neste plenário:<br />

Sobre a competência das instâncias inferiores<br />

Concordo integralmente com o entendimento do Ministro Gilmar Mendes<br />

sobre a definição da competência das instâncias apropriadas para decidir sobre<br />

o dissídio de greve. Nesse ponto, nada tenho a acrescentar.<br />

Sobre o efeito erga omnes<br />

Mas tenho reservas sobre a natureza objetiva que se quer conferir ao mandado<br />

de injunção. Nesse sentido, ponho-me de acordo com as restrições manifestadas<br />

pelos Ministros Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia, por exemplo.<br />

Mas não se pode negar que os feitos se repetirão. Nos termos em que se forma a<br />

maioria, o resultado prático de negar-se o efeito erga omnes é que a Corte repetirá<br />

o julgamento, apenas para afirmar em diversas oportunidades o mesmo que<br />

afirmou nessas últimas sessões. Mas, por outro lado, essa constatação prática<br />

não me parece suficiente para alterar a natureza do mandado de injunção, que<br />

é via vinculada ao interesse. Talvez fosse o caso, para resolver uma parte desse<br />

problema de repetição de feitos, já que não há dúvidas sobre a omissão legislativa,<br />

de editar-se uma súmula vinculante sobre a matéria, do seguinte teor:<br />

Ofende o direito constitucional de greve dos servidores públicos decisão<br />

judicial que julgue ilegal a grave e que tenha por único fundamento a inexistência<br />

de lei específica a que se refere o art. 37, VII, da Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

Sobre a fixação de prazo para que o Congresso Nacional supra a omissão<br />

Essa sugestão surgiu na sessão de 19-9-07. Entendo que esse tipo de prazo só<br />

tem utilidade para casos como o da indenização prevista no art. 8º do ADCT. Aqui<br />

já se reconheceu a mora, e julgou-se desnecessário vincular o exercício do direito<br />

de greve ao decurso de prazo fixado pela Corte. E se não for para vincular o exercício<br />

do direito ao decurso de prazo, é desnecessária sua fixação, que sequer efeito<br />

pedagógico terá, pois sua inobservância pelo Congresso não terá qualquer efeito.


98<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Sobre a decisão judicial já prolatada no caso<br />

Observo que o Ministro Lewandowski suscitou a necessidade de se afastar<br />

a decisão judicial que obsta o exercício do direito de greve. Porém, considerando<br />

o delineamento desse direito, tal como indicam os votos proferidos e o meu próprio,<br />

não há como se negar que as autoridades judiciárias em questão declaram<br />

a ilegalidade das greves de forma legítima. Entendo que essas decisões deverão<br />

ser impugnadas pelas vias próprias, como bem destacou o Ministro Marco<br />

Aurélio. Ademais, a partir da fixação do entendimento pelo STF é que essas<br />

questões passarão a ser decididas de forma adequada. No caso dos autos, o que<br />

se vê é que não temos elementos para, desde logo, suspender essas decisões.<br />

Assim, acompanhando o voto do eminente Ministro Ricardo Lewandowski,<br />

inclusive no que diz respeito às 16 (dezesseis) exigências que S. Exa. estipula como<br />

condições para o exercício do direito de greve no serviço público, eu conheço e<br />

defiro em parte, e em termos específicos, o presente mandado de injunção, para:<br />

(i) declarar a mora do Poder Legislativo da União na regulamentação do<br />

direito de greve previsto no art. 37, VII, da Constituição <strong>Federal</strong>;<br />

(ii) determinar que se observem as restrições constitucionais decorrentes<br />

da natureza especialíssima do vínculo que une o servidor à administração pública,<br />

tal como indiquei no meu voto;<br />

(iii) restringir os efeitos desta decisão ao caso concreto.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Valho-me do voto que proferi no MI 721-7/<br />

DF, julgado em 30 de agosto de 2007, quando o Plenário conferiu, pela primeira<br />

vez, a esse instrumental a concretude maior prevista na Constituição <strong>Federal</strong>:<br />

A existência de disposições constitucionais dependentes de regulamentação<br />

levou o constituinte de 1988, em passo dos mais salutares, a prever, no art. 5º da<br />

Carta <strong>Federal</strong>, o mandado de injunção, fazendo-o mediante preceito a sinalizar a<br />

eficácia da impetração, tendo em conta o exercício dos direitos e liberdades constitucionais<br />

e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania:<br />

LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de<br />

norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades<br />

constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e<br />

à cidadania.<br />

Tratando-se de ato omissivo de autoridade ou órgão submetidos à jurisdição<br />

do <strong>Supremo</strong>, a este cabe processar e julgar originariamente o mandado de injunção.<br />

É o que decorre do teor da alínea q do inciso I do artigo 102 da Constituição <strong>Federal</strong>:<br />

Art. 102. Compete ao <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, precipuamente, a guarda<br />

da Constituição, cabendo-lhe:<br />

I – processar e julgar, originariamente:<br />

(...)<br />

q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora<br />

for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional,<br />

da Câmara dos Deputados, do Senado <strong>Federal</strong>, das Mesas de uma dessas


R.T.J. — <strong>207</strong> 99<br />

Casas Legislativas, do <strong>Tribunal</strong> de Contas da União, de um dos Tribunais<br />

Superiores, ou do próprio <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>;<br />

(...)<br />

A natureza da citada ação constitucional – mandado de injunção –, procedente<br />

a causa de pedir versada na inicial, leva o pronunciamento a ganhar contornos<br />

mandamentais, a ganhar eficácia maior, a ponto de viabilizar, consideradas as<br />

balizas subjetivas da impetração, o exercício do direito, da liberdade constitucional<br />

ou das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Eis que<br />

surgiu, no cenário normativo-constitucional, o instrumento capaz de revelar a lei<br />

fundamental como de concretude maior, abandonada visão simplesmente lírica.<br />

E acrescentei:<br />

Assento, por isso, a adequação, da medida intentada. Passados mais de<br />

quinze anos da vigência da Carta, permanece-se com o direito latente, sem terse<br />

base para o exercício. Cumpre, então, acolher o pedido formulado, pacífica<br />

a situação da Impetrante. Cabe ao <strong>Supremo</strong>, porque autorizado pela Carta da<br />

República a fazê-lo, estabelecer para o caso concreto e de forma temporária, até a<br />

vinda da lei complementar prevista, as balizas do exercício do direito assegurado<br />

constitucionalmente.<br />

Assim está autorizado pela norma do art. 5º, inciso LXXI, da Constituição<br />

<strong>Federal</strong>:<br />

LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de<br />

norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades<br />

constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e<br />

à cidadania;<br />

O instrumental previsto na Lei Maior, em decorrência de reclamações, consideradas<br />

as Constituições anteriores, nas quais direitos dependentes de regulamentação<br />

não eram passíveis de ser acionados, tem natureza mandamental e não<br />

simplesmente declaratória, no sentido da inércia legislativa. Revela-se próprio, ao<br />

processo subjetivo e não ao objetivo, descabendo confundi-lo com ação direta de<br />

inconstitucionalidade por omissão, cujo rol de legitimados é estrito e está na Carta<br />

da República. Aliás, há de se conjugar o inciso LXXI do art. 5º da Constituição<br />

<strong>Federal</strong> com o § 1º do citado artigo, a dispor que as normas definidoras dos direitos<br />

e garantias fundamentais constantes da Constituição têm aplicação imediata.<br />

Iniludivelmente, buscou-se, com a inserção do mandado de injunção no cenário<br />

jurídico-constitucional, tornar concreta, tornar viva a Lei Maior, presentes direitos,<br />

liberdades e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.<br />

Não se há de confundir a atuação no julgamento do mandado de injunção com<br />

atividade do Legislativo. Em síntese, ao agir, o Judiciário não lança, na ordem jurídica,<br />

preceito abstrato. Não, o que se tem, em termos de prestação jurisdicional, é<br />

a viabilização, no caso concreto, do exercício do direito, do exercício da liberdade<br />

constitucional, das prerrogativas ligadas a nacionalidade, soberania e cidadania. O<br />

pronunciamento judicial faz lei entre as partes, como qualquer pronunciamento em<br />

processo subjetivo, ficando, até mesmo, sujeito a uma condição resolutiva, ou seja,<br />

ao suprimento da lacuna regulamentadora por quem de direito, Poder Legislativo.<br />

É tempo de se refletir sobre a timidez inicial do <strong>Supremo</strong> quanto ao alcance<br />

do mandado de injunção, ao excesso de zelo, tendo em vista a separação e harmonia<br />

entre os Poderes. É tempo de se perceber a frustração gerada pela postura<br />

inicial, transformando o mandado de injunção em ação simplesmente declaratória


100<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

do ato omissivo, resultando em algo que não interessa, em si, no tocante à prestação<br />

jurisdicional, tal como consta no inciso LXXI do art. 5º da Constituição<br />

<strong>Federal</strong>, ao cidadão. Impetra-se este mandado de injunção não para lograr-se<br />

simples certidão da omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a<br />

liberdades constitucionais, a prerrogativas inerentes a nacionalidade, à soberania<br />

e à cidadania. Busca-se o Judiciário na crença de lograr a supremacia da Lei<br />

Fundamental, a prestação jurisdicional que afaste as nefastas conseqüências da<br />

inércia do legislador. Conclamo, por isso, o <strong>Supremo</strong>, na composição atual, a rever<br />

a óptica inicialmente formalizada, entendendo que, mesmo assim, ficará aquém da<br />

atuação dos tribunais do trabalho, no que, nos dissídios coletivos, a eles a Carta<br />

reserva, até mesmo, a atuação legiferante, desde que, consoante prevê o § 2º do<br />

art. 114 da Constituição <strong>Federal</strong>, sejam respeitadas as disposições mínimas legais<br />

de proteção ao trabalho. Está-se diante de situação concreta em que o Diploma<br />

Maior recepciona, mesmo assim de forma mitigada, em se tratando apenas do<br />

caso vertente, a separação dos Poderes que nos vem de Montesquieu. Tenha-se<br />

presente a frustração gerada pelo alcance emprestado pelo <strong>Supremo</strong> ao mandado<br />

de injunção. Embora sejam tantos os preceitos da Constituição de 1988, apesar de<br />

passados dezesseis anos, ainda na dependência de regulamentação, mesmo assim<br />

não se chegou à casa do milhar na impetração dos mandados de injunção.<br />

O caso referido envolvia a aposentadoria especial prevista no art. 40, § 4º,<br />

da Constituição <strong>Federal</strong>, ou seja, a decorrente de atividades exercidas exclusivamente<br />

sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física,<br />

definidas em lei complementar até hoje não editada.<br />

O <strong>Supremo</strong> procedeu à entrega da prestação jurisdicional de forma completa,<br />

determinando – conteúdo mandamental do pronunciamento – a observância<br />

supletiva, quanto à Impetrante – servidora pública –, do disposto no art. 57<br />

da Lei 8.213/91:<br />

Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência<br />

exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais<br />

que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou<br />

25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.<br />

§ 1º A aposentadoria especial, observado o disposto no art. 33 desta<br />

Lei, consistirá numa renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do<br />

salário-de-benefício.<br />

A decisão foi tomada à unanimidade de votos.<br />

Nestes mandados de injunção, há o envolvimento de fenômeno irrefreável,<br />

porque natural – considerados os que prestam serviços –, da greve no setor público,<br />

da paralisação dos serviços como derradeira estratégia visando alcançar<br />

certas condições de trabalho.<br />

Em voto proferido na ADI 492-1/DF, no início da década de noventa,<br />

ressaltei:<br />

Um novo panorama constitucional surgiu com a Carta de 1988, considerada<br />

a relação de forças no embate administração pública – servidores, a ponto de viabilizar<br />

profícua dialética. Compreendeu-se a valia da atuação coletiva e, assim, foram


R.T.J. — <strong>207</strong> 101<br />

previstos dois direitos indispensáveis à verificação desta última – o da sindicalização<br />

dos servidores e o de greve. A retrógrada visão de que o agrupamento sindical<br />

colocava em risco o bem comum visado pelo Estado fez-se substituir pelo reconhecimento<br />

de um direito que, desde muito cedo, desde a revolução industrial, mostrouse<br />

salutar, contribuindo sobremaneira para a correção de desigualdades. No inciso<br />

VI do art. 37 previu-se o direito à associação sindical e constata-se que a justificativa<br />

socialmente aceitável para a existência das entidades sindicais está, justamente, na<br />

defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em<br />

questões judiciais ou administrativas – inciso II do art. 8º. O frágil diálogo servidor,<br />

individualmente considerado, e a administração pública cedeu lugar a outro em que<br />

os mais fracos envolvidos na relação jurídica atuam em conjunto e, por isso, passam<br />

a dispor de tom de voz mais audível. Por sua vez, o Estado conta hoje com interlocutor<br />

autorizado. Ainda como elemento viabilizador de uma maior atenção por parte<br />

do Estado, fixou-se, no inciso VII do citado artigo, o direito à greve, ou seja, de coletivamente<br />

demonstrar-se insatisfação com as circunstâncias reinantes por meio da<br />

paralisação dos serviços. Tal direito giza de forma mais nítida o abandono das idéias<br />

pretéritas e é elemento revelador de postura democrática.<br />

Pois bem, que valia terão os aludidos direitos se, a um só tempo, conclui-se<br />

que todos podem negociar menos o majestático Estado?<br />

Articulam os receosos do diálogo, aliás preconizado nas Convenções 151 e<br />

154 da OIT, formalizadas em 1978 e 1991, com o fato de o Estado estar jungido,<br />

na outorga de direitos e vantagens, a previsão legal – art. 169 da Constituição<br />

<strong>Federal</strong>. O enfoque não fulmina a salutar negociação, no que visa ao afastamento<br />

de um possível conflito coletivo de trabalho. A uma, porque a origem da regra do<br />

art. 169 não está em paternalismo notado em rodadas de negociação coletiva com<br />

os servidores, mas nas distorções que outrora correram à conta de inescrupulosos<br />

administradores que, ao tratar com a coisa pública, faziam-no sem apego a princípios<br />

elementares, apadrinhando aqueles mais chegados e em relação aos quais<br />

buscavam, por isto ou por aquilo, agradar. A duas, porquanto a negociação coletiva<br />

tem abrangência que extrapola a simples concessão de direitos, e exclui a de benesses.<br />

Pode mostrar-se como meio hábil até mesmo ao encaminhamento de projeto de<br />

lei contendo as condições de trabalho almejadas, como ocorreu, aliás, no período<br />

anterior ao próprio envio ao Congresso Nacional do projeto que deu origem à Lei<br />

8.112/90. Portanto, ainda que se diga que nem mesmo no campo coletivo, no qual<br />

pouca influência têm os interesses individuais, o Estado não pode transigir objetivando<br />

modificar as condições reinantes, tornando-se titular de direitos e detentor<br />

de obrigações, isto em face às peias do art. 169, impossível é deixar de admitir que<br />

a negociação coletiva pode visar ao afastamento do impasse, do conflito seguido de<br />

greve, mediante a iniciativa, exclusiva do Executivo, de encaminhar projeto objetivando<br />

a transformação em lei do que acordado na mesa de negociações. A três, de<br />

vez que do Estado devem ser cobrados atos responsáveis, descabendo a adoção de<br />

medidas como se merecedor fosse de tutela extravagante e obstaculizadora de um<br />

entendimento em alto nível. A quatro, porquanto nem mesmo o Estado, do qual é<br />

esperado procedimento exemplar, pode prescindir desse instrumento viabilizador<br />

da paz social que é a negociação coletiva, no que, para a busca do entendimento<br />

global, geralmente coloca em plano secundário interesses isolados e momentâneos.<br />

O que se mostra paradoxal é a existência de norma constitucional expressa<br />

prevendo a sindicalização e, mais do que isto, o direito à greve, para, a seguir,<br />

em interpretação de preceito constitucional diverso, dizer-se que o Estado está


102<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

protegido pela couraça da proibição de dialogar, ainda que objetivando o envio<br />

de projeto ao Legislativo, para que este, na voz abalizada dos representantes dos<br />

Estados – os Senadores – e do povo – os Deputados – diga da procedência do que<br />

reivindicado e negociado, não só considerados os interesses coletivos dos servidores,<br />

como também os da sociedade como um todo.<br />

Entrementes, aponta-se que na referência à aplicabilidade aos servidores<br />

de direitos pertinentes aos trabalhadores urbanos e rurais não se fez alusão ao<br />

inciso do art. 7º da Carta que versa sobre o reconhecimento aos acordos e convenções<br />

coletivos – o de número XXVI. Realmente, deu-se o silêncio. Todavia, há de<br />

se indagar: o legislador ordinário está impossibilitado de avançar no campo social<br />

e prever outros direitos além dos assegurados constitucionalmente? Em feliz<br />

imagem, é dado dizer, como já o fizeram alguns doutrinadores, que em termos de<br />

direitos sociais não se tem no ápice da pirâmide das normas jurídicas a de nível<br />

constitucional, mas aquela mais favorável ao trabalhador e mostra-se descabido<br />

dizer que os servidores públicos não o são. Por sinal, a própria Lei 8.112 contém a<br />

outorga de direitos que não estão sequer no rol do art. 7º da Constituição <strong>Federal</strong><br />

e para exemplificar cito a licença para tratamento da própria saúde por até dois<br />

anos e o prêmio por assiduidade. Se de um lado podemos ter como inviabilizada a<br />

formalização de convenção coletiva de trabalho, visto que a ordem jurídica exclui<br />

a formação de sindicatos de pessoas jurídicas – União, Estados e Municípios – de<br />

outro não se pode deixar de reconhecer que estes últimos podem firmar acordos<br />

coletivos, a menos que se queira alijar, no campo interpretativo, preceitos da<br />

própria Carta, tomando-os, também, por inconstitucionais. É que, na remissão<br />

contida no § 2º do art. 39 supramencionado, há indicação de dois incisos do art. 7º<br />

que versam justamente sobre o instrumento que é o acordo coletivo. Refiro-me<br />

aos incisos VI e XIII. O primeiro, após dispor sobre a irredutibilidade salarial,<br />

afasta-a desde que em convenção ou acordo coletivo as partes ajustem a respeito.<br />

O segundo indica como via idônea à adoção quer do regime de compensação de<br />

horário, quer o de redução de jornada, o acordo coletivo.<br />

Ora, difícil é conceber não só o enfoque limitativo da remissão, como também<br />

a feitura de acordo coletivo que somente beneficie o Estado, a menos que se tenha o<br />

sindicato da categoria profissional dos servidores como integrado por “pelegos”, vocábulo<br />

outrora consagrado para designar aqueles que atuavam como dirigentes sindicais<br />

sem independência, ou seja, presos à autoridade do Ministério do Trabalho.<br />

Frise-se, por oportuno, que, no tocante ao inciso VI, a remissão contida no<br />

§ 2º somente se justifica quanto à parte final, já que, em relação à regra básica nele<br />

contida, ter-se-ia a superposição, pois o inciso XV do art. 37 da Carta dispõe especificamente<br />

sobre a irredutibilidade de vencimentos.<br />

A forma viável de o Estado chegar à redução dos salários, à compensação<br />

da jornada ou à redução desta é, como está na Lei Máxima – incisos VI e XIII<br />

do art. 7º, aplicável aos servidores por remissão inserta no § 2º do art. 39 – negociando<br />

– e, como é óbvio, a negociação não é via de mão única, sob pena de<br />

revelar-se unilateral e, portanto, uma verdadeira imposição.<br />

Peço vênia ao nobre Relator para dele divergir. Entendo que a negociação<br />

coletiva está assegurada pela própria Constituição <strong>Federal</strong>, quer implicitamente, ao<br />

prever o direito à sindicalização e à greve, quer por meio de remissão expressa – incisos<br />

VI e VII do art. 7º, no que dispõem que os salários e a jornada de trabalho podem<br />

ser reduzidos, desde que isto ocorra mediante acordo coletivo – § 2º do art. 39.<br />

De qualquer maneira, dentre as interpretações possíveis, deve ser agasalhada<br />

a que conduza à compatibilidade do texto com a Carta. Impossível é


R.T.J. — <strong>207</strong> 103<br />

concluir pela inconstitucionalidade de um preceito de lei mediante presunção<br />

discrepante da normalidade, sendo que do administrador somente pode esperar-se<br />

procedimento harmônico com os princípios que norteiam os atos da administração<br />

pública. Frente às limitações constitucionais, as negociações com os servidores<br />

certamente não terão a amplitude daquelas ligadas ao setor privado, mas daí<br />

excluí-las é olvidar o próprio texto constitucional além de retroagir-se a fase em<br />

relação à qual não se deve guardar saudade.<br />

Segui discorrendo acerca dos dissídios individuais e coletivos, bem como<br />

sobre a competência da Justiça do Trabalho, hoje reforçada pela Emenda<br />

Constitucional 45/04.<br />

Continuo transcrevendo o voto – que não lerei, não precisam se assustar –<br />

para efeito de documentação:<br />

Do direito ao ajuizamento de dissídios individuais e coletivos perante a<br />

Justiça do Trabalho<br />

Até 5 de outubro de 1988, à Justiça do Trabalho competia conciliar e julgar<br />

dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e, mediante lei,<br />

outras controvérsias oriundas da relação de trabalho, sendo que o poder normativo<br />

a ela atribuído estava vinculado à especificação de hipóteses mediante lei –<br />

art. 142 da Carta de 1969.<br />

Por sua vez, dispunha o art. 110 da Constituição <strong>Federal</strong> de 1969 competir<br />

aos juízes federais, com recurso para o então <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> de Recursos, julgar<br />

litígios decorrentes das relações de trabalho dos servidores com a União, inclusive<br />

as autarquias e as empresas públicas federais. Na época, em relação aos servidores,<br />

descabia cogitar do exercício do poder normativo por órgão do Judiciário,<br />

já que inexistente o direito à sindicalização. O deslocamento da competência da<br />

Justiça do Trabalho para a Justiça <strong>Federal</strong> decorreu da Emenda Constitucional 1,<br />

de 1969, de autoria da Junta Militar e, portanto, data de uma época de luminosidade<br />

democrática duvidosa.<br />

Com a Carta de 1988, introduziu-se sensível modificação. Em primeiro lugar,<br />

abandonou-se a referência a dissídios individuais e coletivos entre empregados<br />

e empregadores, substituindo-se o vocábulo empregados por trabalhadores, gênero<br />

do qual aqueles – empregados – são espécies. Com isto, afastou-se a vinculação de<br />

outrora, no que limitava a atuação da Justiça do Trabalho às controvérsias resultantes<br />

do contrato individual de trabalho, a menos que a lei a estendesse a outras<br />

controvérsias. Em segundo lugar, com a cláusula “(...) abrangidos os entes de direito<br />

público externo e da administração pública direta e indireta, dos Municípios,<br />

do Distrito <strong>Federal</strong>, dos Estados e da União (...)” inserida no corpo permanente da<br />

Constituição e, sem que se fizesse repetir norma semelhante à do art. 110 da Lei<br />

Básica anterior, estabeleceu-se a competência do Judiciário Trabalhista para as<br />

controvérsias individuais e coletivas que viessem a envolver as citadas pessoas de<br />

direito público e os respectivos servidores, pouco importando o regime jurídico<br />

único que viesse a ser adotado. Em terceiro lugar, previu-se, como salientado no<br />

item anterior, o direito dos servidores públicos à sindicalização e à greve.<br />

Analiso primeiramente o ataque direcionado pelo Requerente desta ação<br />

direta de inconstitucionalidade à referência contida no art. 240, letra e, da Lei<br />

8.112/90, ao direito dos servidores públicos ao ajuizamento de dissídios coletivos.<br />

O dispositivo repete a norma da primeira parte do art. 114 da Carta, na qual, após a


104<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

alusão aos dissídios individuais e coletivos a envolver trabalhadores e empregadores,<br />

visualizando-se a possibilidade de o regime único não ser o da Consolidação<br />

das Leis do Trabalho e, portanto, de não se poder enquadrar o Estado como empregador<br />

tal como definido nesta última, dispôs-se mediante preceito específico,<br />

tornando-se estreme de dúvidas a competência da Justiça do Trabalho para julgar<br />

os citados dissídios, ainda que propostos contra pessoas jurídicas de direito público<br />

interno. Desprezando-se a referência aos empregadores, aludiu-se aos entes de direito<br />

público como abrangidos pela norma, ou seja, como sujeitos nas relações mantidas<br />

com os servidores, inegavelmente compreendidos no gênero “trabalhadores”.<br />

Ainda que pudesse pesar alguma dúvida sobre o alcance do dispositivo, a<br />

Lei 8.112/90 tem enquadramento na parte final do artigo, ou seja, na previsão de<br />

que o legislador ordinário pode incluir, no âmbito de competência da Justiça do<br />

Trabalho, outras controvérsias oriundas da relação de trabalho, o que, sob a inspiração<br />

de idêntica regra da Carta anterior, já havia ocorrido em relação aos avulsos<br />

e aos pequenos empreiteiros.<br />

Também não procede a articulada impropriedade do exercício do poder<br />

normativo quanto a entes de direito público. A norma do art. 169 da Constituição<br />

<strong>Federal</strong> está dirigida de modo a obstaculizar a atuação direta do administrador,<br />

não sendo aplicável ao próprio Estado no que, mediante a ação do Judiciário, é<br />

chamado a dirimir um conflito de interesses. Portanto, sofre ela temperamento por<br />

preceito da própria Carta, valendo notar, relativamente ao orçamento, que nesta<br />

restou prevista a abertura de crédito suplementar ou especial. De qualquer modo,<br />

o ajuizamento do dissídio coletivo não visa apenas ao aumento do que percebido<br />

pela prestação dos serviços, mas múltiplos aspectos relativos à forma pela qual<br />

esta ocorre. Cabe ainda ter presente que o poder normativo assegurado com exclusividade,<br />

na órbita do Judiciário, à Justiça do Trabalho, não é absoluto e sofre as<br />

limitações decorrentes de normas constitucionais, sendo certo que o inciso IX do<br />

art. 49 revela caber ao Congresso Nacional zelar pela preservação da respectiva<br />

atividade precípua – legislativa – isto em face da atribuição normativa dos outros<br />

Poderes, ou seja, do Executivo e do Judiciário.<br />

O que não transparece crível é que a Constituição <strong>Federal</strong> encerre preceitos<br />

conflitantes. A não se admitir a possibilidade de ajuizamento de dissídio coletivo,<br />

quer pelo sindicato dos servidores, quer pela própria União perante a única Justiça<br />

que possui poder para julgá-los – o normativo – estar-se-á esvaziando por completo<br />

a previsão relativa à sindicalização e à greve, ambas inerentes a movimentos<br />

coletivos, e, o que é pior, criando campo propício à perpetuação dos conflitos, sem<br />

que se assegure a uma das partes – à categoria profissional ou à União, ou mesmo<br />

ao Ministério Público – o ingresso no Judiciário objetivando colher prestação jurisdicional<br />

que os dirima.<br />

No campo dos dissídios individuais, às razões supra soma-se outra. A concluir-se<br />

que à Justiça do Trabalho não compete julgar as controvérsias oriundas do<br />

chamado regime único, o preceito do art. 114 da Constituição <strong>Federal</strong> tornar-se-á<br />

de natureza transitória, muito embora compreendido no corpo permanente da<br />

Carta, ficando limitado às demandas ajuizadas após 1988 que digam respeito a<br />

relações jurídicas regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho, ainda que nele<br />

não se tenha mais a alusão a empregados e empregadores. Por sua vez, os conflitos<br />

concernentes à observância da Lei 8.112/90 ficarão fora do crivo do Judiciário,<br />

pois também não podem ser tidos como compreendidos na definição da competência<br />

dos juízes federais, isto tendo em vista a circunstância de o inciso I do art. 109<br />

da Carta conter exclusão explícita não só das causas ligadas à falência, como


R.T.J. — <strong>207</strong> 105<br />

também a acidentes de trabalho e aquelas sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do<br />

Trabalho. Aliás, cabe mesmo indagar a razão de ser da referência às causas sujeitas<br />

à Justiça do Trabalho, porquanto, excluídas aquelas relativas ao regime único e<br />

que, portanto, envolvam servidores e União, não vejo outras que possam ser tidas<br />

como sujeitas à competência da Jurisdição <strong>Federal</strong> civil e especializada, de direito<br />

e de eqüidade, que é a do Trabalho.<br />

Frise-se, por oportuno, que não procede a singular explicação contida<br />

no parecer para a parte final do art. 114 da Constituição <strong>Federal</strong>, no que dispõe<br />

sobre a possibilidade de o legislador ordinário vir a elastecer a competência da<br />

Justiça do Trabalho, o que, aliás, está contido, também, no art. 113. Tratando-se<br />

de preceito tomado de empréstimo de Cartas anteriores, sempre foi interpretado<br />

como viabilizador da inclusão de outras demandas, não consideradas as normas<br />

procedimentais, mas os envolvidos em relação de trabalho. Daí jamais haver sido<br />

argüida a pecha quanto a atos normativos que dispuseram sobre a matéria, como<br />

ocorreu em relação aos avulsos e aos pequenos empreiteiros. Na expressão “controvérsia”<br />

sempre se teve como incluídos os mais diversos procedimentos. Por outro<br />

lado, dizer-se que a Justiça do Trabalho, cujos órgãos vêm sendo aumentados<br />

em grande número para fazer frente à nova carga de processos – foram criadas<br />

quase quatro centenas de novas Juntas, vários Tribunais e aumentados outros, não<br />

tem competência para julgar demandas que envolvam as pessoas jurídicas de direito<br />

público interno é restringir o preceito do art. 114 apenas às controvérsias que<br />

envolvam organismos e Estados estrangeiros é de todo paradoxal.<br />

Inegavelmente, a Constituição de 1988 alargou a competência da Justiça do<br />

Trabalho, aproximando o Estado, quanto ao tratamento jurisdicional, dos demais<br />

tomadores de serviços, o que se harmoniza com os melhores ideais democráticos.<br />

No art. 27, § 10, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias apenas foram<br />

ressalvadas as ações já em andamento na Justiça <strong>Federal</strong>.<br />

É tempo de avançar-se, de experimentar-se novos dias, e concluir-se, a esta<br />

altura, quer pela inconstitucionalidade da negociação coletiva que o Congresso<br />

Nacional em boa hora restabeleceu mediante derrubada de veto, quer dos dispositivos<br />

relativos à competência da Justiça, também <strong>Federal</strong>, do Trabalho, discrepa<br />

da Carta de 1988, tornando inócuos preceitos nela contidos.<br />

Por tudo, peço vênia ao ilustre Relator para julgar improcedente o pedido<br />

formulado nesta ação direta de inconstitucionalidade. Tenho como constitucionais<br />

os dispositivos acatados, ou seja, as alíneas d e e do art. 240 da Lei 8.112/90.<br />

Então, mais confortado, presente a nova óptica do <strong>Supremo</strong> – e sempre é<br />

tempo de abandonar o misoneísmo, a aversão a tudo que é novo, e de evoluir<br />

acompanhando a sempre ilustrada maioria já formada –, fixo as seguintes condições,<br />

temporárias e considerados os envolvidos nos mandados de injunção, para<br />

o exercício do direito constitucional de greve:<br />

Art. 1º É assegurado o direito de greve aos servidores públicos policiais civis<br />

do Estado do Espírito Santo, competindo-lhes decidir sobre a oportunidade de<br />

exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.<br />

Art. 2º Considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva,<br />

temporária, pacífica e parcial de prestação pessoal de serviços ao Estado<br />

do Espírito Santo.<br />

Art. 3º Caberá ao Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito<br />

Santo convocar, na forma do estatuto, assembléia geral que definirá as reivindicações<br />

da categoria e deliberará sobre a paralisação parcial da prestação de serviços.


106<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Art. 4º As deliberações aprovadas em assembléia-geral, com indicativo de<br />

greve, serão notificadas ao poder público para que se manifeste no prazo de trinta<br />

dias, acolhendo as reivindicações, apresentando proposta conciliatória ou fundamentando<br />

a impossibilidade de seu atendimento.<br />

§ 1º Ante a omissão do poder público ou a frustração da tentativa conciliatória<br />

no prazo previsto neste artigo, os servidores decidirão pela paralisação dos<br />

serviços em assembléia-geral específica.<br />

§ 2º Decidindo a assembléia-geral pela paralisação de serviço ou atividade<br />

pública, caberá à entidade representativa comunicar tal fato ao poder público com<br />

antecedência mínima de dez dias.<br />

§ 3º No prazo estabelecido no § 2º deste artigo, a entidade representativa deverá<br />

informar à comunidade sobre as reivindicações apresentadas ao poder público.<br />

Art. 5º A entidade sindical representará os interesses dos trabalhadores nas<br />

negociações ou perante a Justiça do Trabalho.<br />

Art. 6º São assegurados aos grevistas, entre outros direitos:<br />

I – o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os servidores<br />

a aderirem à greve;<br />

II – a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento.<br />

§ 1º Os meios adotados por servidores e poder público não poderão implicar violação<br />

ou constrangimento considerados direitos e garantias fundamentais de outrem.<br />

§ 2º É vedado ao poder público adotar meios capazes de constranger o servidor<br />

ao comparecimento ao trabalho ou de frustrar a divulgação do movimento.<br />

§ 3º As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não<br />

poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade<br />

ou pessoa.<br />

Art. 7º Observadas as condições previstas nesta regulamentação, a participação<br />

em greve não suspende o vínculo existente, devendo as relações obrigacionais,<br />

durante o período, ser regidas por acordo, convenção ou sentença normativa<br />

da Justiça do Trabalho, visando a elidir enriquecimento ilícito.<br />

Parágrafo único. É vedada a demissão de servidor público efetivo durante<br />

a greve, exceto na ocorrência das hipóteses previstas no artigo 10 ou a pedido do<br />

próprio interessado.<br />

Art. 8º O <strong>Tribunal</strong> Regional do Trabalho da 17ª Região, por iniciativa de<br />

qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, decidirá sobre a procedência,<br />

total ou parcial, ou improcedência das reivindicações, cumprindo publicar,<br />

de imediato, o respectivo acórdão.<br />

§ 1º A ameaça concreta de deflagração de greve autoriza o poder público a<br />

ingressar em juízo postulando a declaração de ilegalidade do movimento.<br />

§ 2º Sob pena de indeferimento, a petição inicial da ação a que se refere a cabeça<br />

deste artigo será obrigatoriamente instruída com os documentos necessários<br />

ao pronto julgamento da causa, requisito também exigido quanto à contestação.<br />

§ 3º As manifestações do Ministério Público do Trabalho serão formalizadas<br />

no prazo improrrogável de dez dias.<br />

§ 4º A decisão relativa a pedido de liminar é impugnável mediante agravo,<br />

a ser julgado na sessão seguinte à interposição, independentemente da concessão<br />

de efeito suspensivo ao recurso.<br />

§ 5º Da decisão que julgar o agravo caberá pedido de suspensão ao Pre si den te<br />

do <strong>Tribunal</strong> competente para julgar eventual recurso contra a decisão definitiva.<br />

§ 6º O processo prosseguirá até decisão final sobre a legalidade ou ilegalidade<br />

da greve, independentemente do encerramento do movimento de paralisação.


R.T.J. — <strong>207</strong> 107<br />

§ 7º Os processos referidos neste regulamento terão prioridade sobre todos<br />

os atos judiciais, salvo habeas corpus e mandado de segurança.<br />

§ 8º É vedada, até decisão final sobre a legalidade ou ilegalidade da greve, a<br />

suspensão do pagamento de vencimento dos servidores.<br />

Art. 9º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante<br />

acordo com o poder público, manterá em atividade percentual mínimo de 30% dos<br />

servidores, com o propósito de assegurar a regular continuidade da prestação do<br />

serviço público.<br />

Parágrafo único. O poder público poderá postular a fixação liminar de<br />

percentual de servidores em atividade, superior ao definido, quando, por necessidade<br />

comprovada, for imprescindível para o atendimento de serviços inadiáveis<br />

à comunidade.<br />

Art. 10. Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas<br />

contidas na presente regulamentação, em especial o comprometimento da regular<br />

continuidade na prestação do serviço público, bem como a manutenção da paralisação<br />

após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.<br />

Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa,<br />

não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que:<br />

I – tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição;<br />

II – seja motivada pela superveniência de fato novo ou acontecimento imprevisto<br />

que modifique substancialmente a relação estabelecida.<br />

Art. 11. A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos,<br />

no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista,<br />

administrativa, civil ou penal.<br />

Esclareço que essas condições dizem respeito ao MI 670-9/ES. Nos demais,<br />

assim procedo, com as seguintes peculiaridades:<br />

a) MI 708-0/DF – fica assegurado o direito de greve aos servidores públicos<br />

que trabalhem na área de educação do Município de João Pessoa. Incumbirá<br />

ao Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa a<br />

representação dos servidores. A competência para decidir sobre a procedência,<br />

total ou parcial, ou improcedência das reivindicações, ressalvados eventuais<br />

recursos, caberá ao <strong>Tribunal</strong> Regional do Trabalho da 13ª Região, com sede em<br />

João Pessoa e jurisdição no Estado da Paraíba.<br />

b) MI 712-8/PA – é assegurado o direito de greve aos servidores públicos<br />

do Poder Judiciário do Estado do Pará. Incumbirá ao Sindicato dos<br />

Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará a representação dos servidores.<br />

A competência para decidir sobre a procedência, total ou parcial, ou<br />

improcedência das reivindicações, ressalvados eventuais recursos, caberá ao<br />

<strong>Tribunal</strong> Regional do Trabalho da 8ª Região, com sede em Belém e jurisdição<br />

naquela Unidade da Federação e no Estado do Amapá.<br />

Quanto à fixação de prazo para o Congresso legislar, a interpretação sistemática<br />

da Constituição <strong>Federal</strong> não a autoriza. Nem mesmo no processo objetivo,<br />

na ação direta de inconstitucionalidade por omissão, isso é possível, o que<br />

se dirá em mandado de injunção, a revelar relação subjetiva.<br />

Há de se aguardar a opção político-normativa da Casa competente.<br />

É como voto.


108<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

VOTO<br />

(Aditamento)<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, saliento que não podemos<br />

simplesmente adotar, quanto ao serviço público, as regras que dizem<br />

respeito à prestação de serviço no campo privado.<br />

VOTO<br />

(Aditamento)<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, peço a palavra<br />

apenas para também aderir a esse ponto de vista do eminente Ministro Marco<br />

Aurélio – art. 102, § 3º –, acrescentando o seguinte argumento que me ocorreu:<br />

esta Suprema Corte, em reiteradas decisões, consignou, e continua consignando,<br />

que a iniciativa em matéria de greve, que trata do Regime Jurídico de<br />

servidor público, é do Executivo.<br />

Portanto, data venia, seria inócuo assinalarmos um prazo ao Congresso<br />

Nacional, porque isso feriria até o entendimento nosso no sentido de que a iniciativa<br />

legislativa é do Executivo.<br />

Pesquisei várias ações diretas de inconstitucionalidade. Há uma do eminente<br />

Ministro Moreira Alves, e, há duas ou três semanas, assentamos nesse<br />

sentido a respeito de uma lei estadual oriunda do Legislativo, que tratava de<br />

abono de faltas e reposição de horas. Entendemos que era inconstitucional, do<br />

ponto de vista formal, porque a iniciativa era privativa do Executivo.<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Quando se trata de abono, é diferente,<br />

porque é de iniciativa do Executivo. Não é matéria de greve.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Matéria de greve é outra coisa.<br />

DEBATE<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, parto da Constituição,<br />

mas vislumbro também uma resistência no que o <strong>Supremo</strong> – e aí haveria a quebra<br />

da harmonia entre os Poderes – viesse a determinar uma atividade precípua<br />

de outro Poder, e esse não a cumprisse, principalmente o Legislativo, já que sabemos<br />

que todo diploma decorre, como consignei em voto, de uma opção política<br />

dos representantes dos Estados e do povo, que são os senadores e deputados.<br />

Penso até que é um passo muito largo impor-se ao Congresso prazo para<br />

legislar, quando, antes, não fixávamos, nem mesmo no mandado de injunção, as<br />

condições para o exercício do direito.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Até porque isso apenas se dá, salvo<br />

melhor juízo, com base no art. 103, § 2º, da Constituição, quando se trata de ação<br />

direta de inconstitucionalidade por omissão.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: De qualquer modo, apenas cientificamos.


R.T.J. — <strong>207</strong> 109<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Se V. Exa. fizer uma pesquisa, verá que<br />

sou coerente. Devo ter ficado vencido porque não fixo o prazo. E não o faço<br />

porquanto, se descumprido o prazo, para não haver o descrédito do <strong>Supremo</strong>,<br />

teremos que contar com instrumental próprio à suplantação do ato omissivo.<br />

Se vier uma reclamação pelo descumprimento da decisão, do pronunciamento<br />

do <strong>Supremo</strong>, julgaremos procedente o pedido? Qual será a conseqüência?<br />

Substituiremos os deputados e senadores? Aí está o problema.<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Senhores Ministros, o último<br />

voto é o meu.<br />

A matéria foi, realmente, brilhantemente abordada. Apenas peço vênia aos<br />

colegas que estabeleceram condições específicas, para acompanhar, em toda a sua<br />

extensão, o voto inicialmente proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, no MI 708.<br />

Somo, portanto, o meu voto à corrente majoritária.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

MI 670/ES — Relator: Ministro Maurício Corrêa. Relator para o acórdão:<br />

Ministro Gilmar Mendes. Impetrante: Sindicato dos Servidores Policiais Civis<br />

do Estado do Espírito Santo – SINDPOL (Advogados: Homero Junger Mafra e<br />

outro). Impetrado: Congresso Nacional.<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por maioria, conheceu do mandado de injunção e<br />

propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação da Lei 7.783, de 28<br />

de junho de 1989, no que couber, vencidos, em parte, o Ministro Maurício Corrêa<br />

(Relator), que conhecia apenas para certificar a mora do Congresso Nacional, e<br />

os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que limitavam<br />

a decisão à categoria representada pelo sindicato e estabeleciam condições<br />

específicas para o exercício das paralisações. Votou a Presidente, Ministra<br />

Ellen Gracie. Lavrará o acórdão o Ministro Gilmar Mendes. Não votaram os<br />

Ministros Menezes Direito e Eros Grau por sucederem, respectivamente, aos<br />

Ministros Sepúlveda Pertence e Maurício Corrêa, que proferiram voto anteriomente.<br />

Ausente, justificadamente, a Ministra Cármen Lúcia, com voto proferido<br />

em assentada anterior.<br />

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros<br />

Celso do Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,<br />

Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Menezes Direito. Vice-<br />

Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.<br />

Brasília, 25 de outubro de 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


110<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

EXTRADIÇÃO 1.115 — REPÚBLICA PORTUGUESA<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Requerente: Governo de Portugal — Extraditando: João Belo Caldeira ou<br />

João Belo Vilela Caldeira ou João Caldeira<br />

Extradição. Passiva. Pedido formulado pelo Governo da<br />

República Portuguesa. Ordem de prisão. Mandado de detenção<br />

internacional. Expedição por Procurador da República do<br />

Departamento Central de Investigações e Acção Penal, autorizado<br />

pelo Procurador-Geral da República. Autoridade competente<br />

segundo a lei portuguesa. Não pertinência ao Poder<br />

Judiciário. Irrelevância. Legalidade reconhecida. Pedido deferido.<br />

Inteligência do art. 80, caput, da Lei 6.815/80. Precedentes. Para<br />

fins de extradição, o ordenamento jurídico brasileiro não exige<br />

que a ordem de prisão do extraditando haja sido expedida por autoridade<br />

integrante do Poder Judiciário, senão apenas que tenha<br />

competência para fazê-lo nos termos da lei do Estado requerente.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro<br />

Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />

por unanimidade e nos termos do voto do Relator, deferir o pedido de extradição.<br />

Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie, o Ministro Joaquim<br />

Barbosa e a Ministra Cármen Lúcia.<br />

Brasília, 18 de setembro de 2008 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de pedido de extradição do nacional<br />

português João Belo Caldeira ou João Belo Vilela Caldeira ou João<br />

Caldeira, formalizado pelo Governo de Portugal, com fundamento em Tratado<br />

específico, firmado em 7-5-91 e promulgado pelo Decreto 1.325, de 2-12-94.<br />

O pleito baseia-se em mandado de detenção internacional expedido, em<br />

10-1-08, pelo Procurador da República do Departamento Central de Investigação<br />

e Acção Penal, pela prática dos crimes de tráfico de estupefacientes (arts. 21,<br />

n. 1, e 24º, alínea c, do Decreto-Lei 15/93, de 22-1, com alteração introduzida<br />

pela Lei 45/96, de 3-9).<br />

Mediante o Aviso 219/MJ, de 12 de fevereiro de 2008, o Ministro de<br />

Estado da Justiça juntou aos autos a documentação recebida da Embaixada de<br />

Portugal, por vias diplomáticas, e que instruiu a nota verbal n. 20, verbis:<br />

A Embaixada de Portugal apresenta os seus atenciosos cumprimentos ao<br />

Ministério das Relações Exteriores e tem a honra de junto remeter a documentação


R.T.J. — <strong>207</strong> 111<br />

que constitui o pedido dirigido pelo Governo Português ao Governo Brasileiro<br />

para extradição do cidadão português “João Belo Caldeira”, natural de Benquerenças,<br />

nascido em 17 de Junho de 1948, filho de Manuel Vilela Caldeira e de<br />

Maria da Ressurreição Belo. O referido cidadão português encontra-se preso na<br />

Superintendência da Polícia <strong>Federal</strong> do Estado do Maranhão.<br />

A pessoa reclamada não será extraditada para terceiro Estado, nem detida<br />

para o exercício da acção penal, cumprimento de pena ou outro fim, por factos<br />

diversos daqueles que fundamentam o presente pedido e lhe sejam anteriores ou<br />

contemporâneos.<br />

O presente pedido de extradição é apresentado sob compromisso formal,<br />

por parte do Governo Português, de respeito pelo princípio da reciprocidade.<br />

A embaixada muito agradeceria ao Ministério das Relações Exteriores que<br />

se dignasse encaminhar o referido pedido às competentes autoridades brasileiras.<br />

O Governo Português assume os compromissos formais previstos no<br />

Art. 91 da Lei nº 6.815/80, alterada pela lei nº 6.964/81.<br />

A embaixada de Portugal aproveita a oportunidade para reiterar ao Ministério<br />

das Relações Exteriores os protestos da sua elevada consideração.<br />

(Fl. 4.)<br />

Vieram aos autos cópias dos preceitos penais portugueses aplicáveis ao<br />

caso (fls. 83-112), bem como cópias dos documentos exigidos pelo Estatuto do<br />

Estrangeiro, 1 com indicações sobre o local, a data, a natureza e as circunstâncias<br />

dos fatos delituosos imputados ao Extraditando.<br />

Preenchidos os requisitos previstos no art. 82 da Lei 6.815, de 19 de agosto<br />

de 1980, foi decretada a prisão preventiva do extraditando em 15 de fevereiro<br />

de 2008, expedindo-se, para tanto, o respectivo mandado. Em 18 de fevereiro<br />

p.p., o Extraditando foi preso e encaminhado à Central de Custódia de Presos de<br />

Justiça de Pedrinhas, localizada em São Luís/MA.<br />

O Extraditando foi devidamente interrogado perante a Justiça <strong>Federal</strong> no<br />

Estado do Maranhão (art. 211 do RISTF) 2 , oportunidade em que negou a autoria<br />

dos delitos (fls. 143-145).<br />

Nomeado defensor dativo, para apresentação da defesa escrita (fl. 154),<br />

este se manifestou pela concessão do pedido extradicional, razão pela qual declarei<br />

o ora extraditando indefeso, determinando a imediata remessa dos autos à<br />

Defensoria Pública da União (fls. 191-192).<br />

1<br />

“Art. 80. A extradição será requerida por via diplomática ou, na falta de agente diplomático do<br />

Estado que a requerer, diretamente de Governo a Governo, devendo ser o pedido instruído com<br />

cópia autêntica ou a certidão da sentença condenatória, da de pronúncia ou da que decretar a prisão<br />

preventiva, proferida por juiz ou autoridade competente. Esse documento ou qualquer outro<br />

que se juntar ao pedido conterá indicações precisas sobre o local, data, natureza e circunstâncias<br />

do fato criminoso, identidade do extraditando, e, ainda, cópia dos textos legais sobre o crime, a<br />

pena e sua prescrição.”<br />

2<br />

“Art. 211. É facultado ao Relator delegar o interrogatório do extraditando a juiz do local onde<br />

estiver preso.<br />

Parágrafo único. Para o fim deste artigo, serão os autos remetidos ao juiz delegado, que os devolverá<br />

uma vez apresentada a defesa ou exaurido o prazo.”


112<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Aduz a defesa, em síntese, que “existem fundadas razões para considerar<br />

que o extraditando será sujeito a processo que não ofereça garantias de um procedimento<br />

criminal que respeite as condições internacionais reconhecidas como<br />

indispensáveis à salvaguarda dos Direitos do Homem” (fl. 220).<br />

Requer ainda seja indeferido o pedido de extradição, sob argumento de<br />

que o Governo requerente não teria prestado formal compromisso de efetuar a<br />

detração penal, “computando o tempo de prisão que, no Brasil, foi cumprido por<br />

força da extradição” (fl. 220).<br />

O Ministério Público <strong>Federal</strong> manifestou-se pelo deferimento do pedido<br />

extradicional (fls. 230-235).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. O pedido de extradição passiva<br />

formulado pela República Portuguesa, fundamentado em tratado específico firmado<br />

com a República Federativa do Brasil (Decreto 1.325, de 2 de dezembro<br />

de 1994), e com a observância das ressalvas impostas pela Lei 6.815/80, está em<br />

harmonia com a ordem jurídica brasileira.<br />

O Estado requerente dispõe de competência jurisdicional para processar e<br />

julgar o Extraditando, que é nacional português, natural de Benquerenças, e em<br />

Portugal cometera o ilícito penal por que foi condenado.<br />

É possível atender a pleito extradicional, não apenas naqueles casos onde<br />

já exista sentença condenatória com pena privativa de liberdade, mas também<br />

quando a solicitação tenha por fim julgar o Réu, perante órgão do Poder Ju di ciário<br />

competente, pela prática do crime que lhe é imputado. Nesses termos distingue-se<br />

extradição para fins executórios e instrutórios de ação penal estrangeira.<br />

Presente, outrossim, uma das duas hipóteses que autorizam a concessão<br />

da extradição segundo a Lei 6.815/80, e que é a decretação da prisão do extraditando<br />

por juiz, tribunal ou autoridade competente, no Estado requerente (inciso<br />

II do art. 78).<br />

Observe-se que o mandado de detenção internacional, validamente expedido<br />

no Estado requerente, é subscrito por Procurador da República do<br />

Departamento Central de Investigações e Acção Penal, e devidamente autorizado<br />

pelo Procurador-Geral da República. E não há se falar em ilegalidade,<br />

como pretende a defesa.<br />

É que “o ordenamento positivo brasileiro, no que concerne aos processos<br />

extradicionais, não exige que a ordem de prisão contra o extraditando tenha<br />

emanado, necessariamente, de autoridade estrangeira integrante do Poder<br />

Judiciário. Basta que se cuide de autoridade investida, nos termos da legislação<br />

do próprio Estado requerente, de atribuição para decretar a prisão” (cf. Ext 744,<br />

Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 18-2-00).


Tiro do voto do Relator:<br />

R.T.J. — <strong>207</strong> 113<br />

Não se alegue, de outro lado, que a ordem de prisão expedida contra o ora<br />

extraditando, por haver emanado do Ministério Público búlgaro, em Sofia, não se<br />

revestiria de validade ante o ordenamento constitucional brasileiro, que somente<br />

admite a decretação da prisão mediante ordem judicial.<br />

Devo reconhecer que o pedido de extradição acha-se instruído com a ordem<br />

de prisão emanada de autoridade que, nos termos da legislação do Estado<br />

requerente, dispõe de competência para decretar, naquele País, a privação cautelar<br />

da liberdade individual de pessoas que figurem como indiciadas ou acusadas em<br />

procedimentos de caráter penal-persecutório.<br />

O mandado de prisão em causa foi expedido pelo Ministério Público em<br />

Sofia, com fundamento em norma de competência que atribui, ao representante<br />

dessa Instituição, o poder de ordenar a privação cautelar da liberdade individual<br />

dos supostos autores de ilícitos penais.<br />

O Estatuto do Estrangeiro, ao dispor sobre os documentos que devem obrigatoriamente<br />

instruir o pedido extradicional, refere-se, dentre eles, à cópia da<br />

decisão “que decretar a prisão preventiva, proferida por juiz ou autoridade competente”<br />

(Lei 6.815/80, art. 80, caput).<br />

Constata-se, pois, que o ordenamento positivo brasileiro, no que concerne<br />

aos processos extradicionais, não exige que a ordem de prisão tenha emanado, necessariamente,<br />

de autoridade estrangeira integrante do Poder Judiciário.<br />

Basta que se cuide, como no caso, de autoridade investida, nos termos da<br />

legislação do próprio Estado requerente, de atribuição para decretar a prisão cautelar<br />

do extraditando.<br />

Em tema de direito extradicional, portanto, não se pode impor ao Estado requerente,<br />

na definição da autoridade competente para ordenar a prisão cautelar de<br />

alguém, o modelo jurídico consagrado pelo sistema normativo vigente no Brasil,<br />

que – com a só exceção de algumas hipóteses taxativamente discriminadas em<br />

sede constitucional (CF/88, art. 5º, LXI, in fine, e art. 136, § 3º, I) – atribui, aos<br />

órgãos do Poder Judiciário (e a estes, somente), a prerrogativa extraordinária de<br />

decretarem a privação da liberdade individual.<br />

O pedido de extradição formalizado pelo Governo da República Portuguesa,<br />

ademais, está instruído com os documentos mencionados no art. 80 do<br />

Estatuto do Estrangeiro (fls. 6-112).<br />

2. É também requisito da extradição que o fato motivador do pedido seja<br />

considerado crime assim no Brasil, como no Estado requerente (inciso II do<br />

art. 77 da Lei 6.815/80). Ora, o delito previsto no art. 21, n. 1 e no art. 24, alínea<br />

c, ambos do Decreto-Lei 15/93, ajusta-se ao modelo normativo consolidado<br />

no tipo penal descrito no art. 33, caput, da Lei 11.343/06. Está, pois, caracterizada<br />

a dupla tipicidade, necessária ao deferimento do pleito de extradição.<br />

Mister avaliar se as penas em abstrato são de magnitude tal que autorizem<br />

a extradição.<br />

É que o Tratado incidente prevê que a extradição só será admissível diante<br />

de fatos puníveis “com pena privativa da liberdade de duração máxima superior<br />

a um ano” (art. II, n. 1).


114<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Dúvida não há de que, na legislação penal de ambas as partes, as penas<br />

máximas abstratamente cominadas aos delitos são superiores a um ano de reclusão.<br />

Confira-se a legislação penal portuguesa: “crime de tráfico de estupefacientes,<br />

p. e p. pelos artigos 21º, nº 1 e 24º, alínea co D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro<br />

(na redacção da Lei 45/96 de 3 de Setembro), a que corresponde, em abstracto, a<br />

pena de 5 anos e 4 meses a 16 anos de prisão” (fl. 5).<br />

E não é diferente em relação ao crime correspondente no direito positivo<br />

nacional, cuja pena, em abstrato, prevista para o crime de tráfico ilícito de entorpecentes<br />

é de reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos.<br />

Pelos fatos narrados no pleito extradicional, o delito ter-se-ia consumado<br />

em dezembro de 2007, verbis:<br />

Durante os dias 28 e 29nov07, João Belo Caldeira e a argüida Fernanda<br />

Ramos, realizaram diligências a fim de recolher junto da DHL a documentação<br />

referente ao contentor contendo cocaína, cuja chegada era eminente, a Lisboa.<br />

Efectivamente, a 29nov07, estes dois suspeitos dirigiram-se às instalações<br />

da DHL em Lisboa, tendo o João Belo Caldeira recolhido a documentação expedida<br />

da Venezuela, com destino à empresa “Isidoro Gag”, a qual se encontrava no<br />

interior de um envelope amarelo.<br />

O contentor importado, com o nº HLXU 6767157, contendo carga declarada<br />

de polvo congelado, cujo desalfandegamento foi providenciado nos termos<br />

supra descritos, exportado da Venezuela com destino a Portugal e à referida firma<br />

“Isidoro Gago”, veio a ser descarregado no porto de Lisboa no dia 22dez07.<br />

Nessa mesma data procedeu-se à abertura do mesmo e, após busca efectuada<br />

à carga, foi detectado produto suspeito de ser estupefaciente, o qual sujeito<br />

a exame preliminar pelo Laboratório de Policia Cientifica acusou a presença<br />

de Cocaína. Foi o seu conteúdo apreendido e esta diligência validada pela autoridade<br />

judiciária competente, apurando-se que, pelo menos 200 caixas, continham<br />

Cocaína no seu interior, com o peso bruto estimado de cerca de 5.000<br />

quilogramas.<br />

(Fl. 11.)<br />

Perante a legislação da República Portuguesa, a prescrição dá-se em 15<br />

anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo<br />

for superior dez anos (art. 118, n. 1, alínea a do Código Penal Português), o<br />

que se aplica ao crime de tráfico de estupefacientes. Tal delito, como dito, teria<br />

ocorrido em dezembro de 2007 (fl. 11).<br />

Já nos termos do inciso I do art. 109 do Código Penal pátrio, o prazo da<br />

prescrição da pretensão punitiva, contado do dia da consumação do delito, é de<br />

20 anos. Daí, não se ter operado essa causa de extinção de punibilidade, seja em<br />

face da legislação portuguesa, seja da brasileira.<br />

3. Requer, por fim, a defesa seja o pedido julgado improcedente, haja vista<br />

que o Estado Requerente não teria formalizado o compromisso de efetuar a detração<br />

penal.<br />

Não lhe assiste razão.


R.T.J. — <strong>207</strong> 115<br />

É que a Nota Verbal 20/08 (fl. 4), expressamente, dispõe: “O Governo<br />

Português assume os compromissos formais previstos no Artigo 91, da Lei nº<br />

6.815, alterada pela Lei nº 6.964/81” 3 , dentre os quais o de computar o tempo de<br />

prisão que, no Brasil, foi imposta ao ora Extraditando por força do pedido extradicional<br />

(inciso II).<br />

4. Observados, portanto, os requisitos legais enumerados no Estatuto do<br />

Estrangeiro e em face do Tratado de Extradição firmado entre o Governo da<br />

República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil, ressalvado<br />

o disposto no inciso II do art. 91 da Lei 6.815/80, defiro a extradição do nacional<br />

português João Belo Caldeira ou João Belo Vilela Caldeira ou João Caldeira.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

Ext 1.115/República Portuguesa — Relator: Ministro Cezar Peluso. Requerente:<br />

Governo de Portugal. Extraditando: João Belo Caldeira ou João Belo<br />

Vilela Caldeira ou João Caldeira (Advogado dativo: Richardson Wagner Silva<br />

Leite) (Advogada: Defensoria Pública da União).<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por unanimidade e nos termos do voto do Relator,<br />

deferiu o pedido de extradição. Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen<br />

Gracie, o Ministro Joaquim Barbosa e a Ministra Cármen Lúcia. Presidiu o julgamento<br />

o Ministro Gilmar Mendes.<br />

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros<br />

Celso de Mello, Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto, Ricardo<br />

Lewandowski, Eros Grau e Menezes Direito. Procurador-Geral da República,<br />

Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.<br />

Brasília, 18 de setembro de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.<br />

3<br />

“Art. 91. Não será efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma o compromisso:<br />

II – de computar o tempo de prisão que, no Brasil, foi imposta por força da extradição.”


116<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.351 — DF<br />

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio<br />

Requerentes: Partido Comunista do Brasil – PC do B e outros e Partido<br />

Democrático Trabalhista – PDT — Requeridos: Presidente da República e<br />

Congresso Nacional — Interessado: Partido Popular Socialista<br />

Partido político – Funcionamento parlamentar – Propaganda<br />

partidária gratuita – Fundo partidário. Surge conflitante<br />

com a Constituição <strong>Federal</strong> lei que, em face da gradação de votos<br />

obtidos por partido político, afasta o funcionamento parlamentar<br />

e reduz, substancialmente, o tempo de propaganda partidária<br />

gratuita e a participação no rateio do Fundo Partidário.<br />

Normatização – Inconstitucionalidade – Vácuo. Ante a declaração<br />

de inconstitucionalidade de leis, incumbe atentar para<br />

a inconveniência do vácuo normativo, projetando-se, no tempo,<br />

a vigência de preceito transitório, isso visando a aguardar nova<br />

atuação das Casas do Congresso Nacional.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen<br />

Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade, julgar procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade<br />

dos seguintes dispositivos da Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995: art. 13;<br />

a expressão “obedecendo aos seguintes critérios”, contida na cabeça do art. 41;<br />

incisos I e II do mesmo art. 41; art. 48; a expressão “que atenda ao disposto no<br />

art. 13”, contida na cabeça do art. 49, com redução de texto; cabeça dos arts. 56<br />

e 57, com interpretação que elimina de tais dispositivos as limitações temporais<br />

neles constantes, até que sobrevenha disposição legislativa a respeito; e a<br />

expressão “no art. 13”, constante no inciso II do art. 57. Também por unanimidade,<br />

em julgar improcedente a ação no que se refere ao inciso II do art. 56. Votou<br />

a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Ausente, justificadamente, o Ministro<br />

Joaquim Barbosa.<br />

Brasília, 7 de dezembro de 2006 — Marco Aurélio, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Inicialmente, consigno que o relatório e o vo-<br />

to referem-se à ADI 1.351-3/DF e à ADI 1.354-8/DF, estando esta apensa àquela.<br />

No julgamento da medida cautelar na segunda ação, o Ministro Maurício<br />

Corrêa formalizou o relatório de fls. 115 a 120, o qual adoto parcialmente, contendo<br />

o seguinte teor:


R.T.J. — <strong>207</strong> 117<br />

O Sr. Ministro Maurício Corrêa: O Partido Social Cristão (PSC) ajuíza a<br />

presente ação direta de inconstitucionalidade do art. 13, bem como das expressões<br />

que fazem remissões, contidas no inciso II do art. 41 do caput dos arts. 48 e 49 e<br />

ainda no inciso II do art. 57, todos da Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995, que<br />

“dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os arts. 17 e 14, § 3º, inciso V, da<br />

Constituição <strong>Federal</strong>”.<br />

(...)<br />

Eis o teor do primeiro dos dispositivos impugnados:<br />

“Art. 13. Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas<br />

Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em<br />

cada eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo,<br />

cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos,<br />

distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois<br />

por cento do total de cada um deles.”<br />

O Autor entende que esse dispositivo é incompatível com o art. 5º, caput e<br />

seu inciso XXXVI, da Carta Magna, assim fundamentado:<br />

“O art. 17, da Constituição <strong>Federal</strong>, consagra a liberdade para a criação<br />

dos partidos políticos. O seu § 1º, assegura-lhes autonomia para definir<br />

sua estrutura interna, organização e funcionamento, entre outras atribuições.<br />

Em nenhum momento a Letra Constitucional estabelece partidos de<br />

1ª e 2ª categorias. Ao contrário, determina em seu art. 5º, que todos são<br />

iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Portanto, quando<br />

o legislador infra-constitucional cria normas díspares para iguais perante a<br />

lei, ele fere frontalmente a Lei Maior, com a agravante de ser em benefício<br />

próprio e de seus partidos políticos, com manifesto desrespeito às minorias<br />

e flagrante intenção de se eternizarem no poder.<br />

O registro definitivo dos partidos políticos perante o Colendo <strong>Tribunal</strong><br />

Superior Eleitoral, coloca-os em igualdade de condições perante a lei,<br />

assegurando-lhes o direito adquirido através de ato jurídico perfeito, com a<br />

obtenção de seu registro definitivo na Justiça Eleitoral.”<br />

A impugnação a determinadas expressões insertas no inciso II do<br />

art. 41, nos arts. 48 e 49 e no inciso II do art. 57 da Lei nº 9.096/95, é conseqüência<br />

da inquinada inconstitucionalidade do art. 13, a saber:<br />

a) a expressão “que tenham preenchido as condições do art. 13”, contida<br />

no inciso II do art. 41, que tem a seguinte redação:<br />

“Art. 41. O <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral, dentro de cinco dias,<br />

a contar da data do depósito a que se refere o § 1º do artigo anterior,<br />

fará a respectiva distribuição aos órgãos nacionais dos partidos, obedecendo<br />

aos seguintes critérios:<br />

I – (omissis)<br />

II – noventa e nove por cento do total do Fundo Partidário serão<br />

distribuídos aos partidos que tenham preenchido as condições do<br />

art. 13, na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a<br />

Câmara dos Deputados.”<br />

b) a expressão “que não atenda ao disposto no art. 13”, constante da<br />

seguinte redação do caput do art. 48:<br />

“Art. 48. O partido registrado no <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral,<br />

que não atenda ao disposto no art. 13, tem assegurada a realização de


118<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

um programa em cadeia nacional, em cada semestre, com a duração<br />

de dois minutos.”<br />

c) a expressão “que atenda ao disposto no art. 13”, incluída na redação<br />

do caput do art. 49:<br />

“Art. 49. O Partido que atenda ao disposto no art. 13 tem<br />

assegurado:<br />

I – (omissis)<br />

II – (omissis)<br />

d) a expressão “que cumpram o disposto no art. 13 ou no inciso anterior”,<br />

contida no inciso II do art. 57, assim disposto:<br />

“Art. 57. No período entre o início da próxima Legislatura e<br />

a proclamação dos resultados da segunda eleição geral subseqüente<br />

para a Câmara dos Deputados, será observado o seguinte:<br />

I – (omissis)<br />

II – vinte e nove por cento do Fundo Partidário será destacado<br />

para distribuição, aos Partidos que cumpram o disposto no art. 13 ou<br />

no inciso anterior, na proporção dos votos obtidos na última eleição<br />

geral para a Câmara dos Deputados.”<br />

Coube-me a distribuição do presente feito por ser o relator da ADI nº 1.351-<br />

3, proposta por outros oito partidos políticos, que também ataca o art. 13, partes do<br />

inciso II do art. 41, do art. 48, e do art. 49 e do inciso II do art. 57, da mesma Lei<br />

ora impugnada. [Os processos foram apensados no despacho de fl. 14].<br />

Solicitadas as informações, prestou-as o Senhor Presidente da República,<br />

louvando-se na manifestação da Advocacia-Geral da União, que, ao sustentar a<br />

inexistência de incompatibilidade do citado art. 13 com a liberdade de criação dos<br />

partidos contida no art. 17 da Constituição, acrescenta:<br />

“10. E não se diga que a verificação do caráter nacional, no art. 13,<br />

era desnecessária porque já teria sido feita de acordo com o § 1º do art. 7º<br />

da mesma lei. Não. Embora ambos os artigos tenham a mesma finalidade,<br />

a verificação se dá em momentos diferentes. A comprovação prevista no<br />

art. 7º, § 1º, se faz necessária para que o partido possa registrar-se no <strong>Tribunal</strong><br />

Superior Eleitoral. Mas, para cumprir o mandamento constitucional há de o<br />

partido comprovar que é nacional no ato de registrar seus estatutos e continua<br />

nacional ao longo de sua existência. A exigência do art. 13 serve precisamente<br />

a isso. É verificação periódica e automática do cumprimento do dispositivo<br />

constitucional. Portanto, não apenas ele é pleno de constitucionalidade como<br />

ainda exerce papel verificador da observância de preceito constitucional.<br />

11. Uma das razões de insurgência do requerente contra o art. 13 consiste<br />

em que, na sua visão, a norma estaria em confronto com o caput do<br />

art. 17, que dispõe sobre a liberdade de criação dos partidos. Equivoca-se<br />

o PSC. A norma só versa, propriamente, sobre o funcionamento parlamentar.<br />

Só indiretamente, com propiciar a verificação do ‘caráter nacional’ do<br />

partido, evidencia a incidência do inc. I do art. 17 da Constituição que, esse<br />

sim, limita a criação de partidos que não tenham âmbito nacional. Portanto,<br />

a vedação de criação de mini-partidos não está no art. 13 da lei, mas no<br />

art. 17, I, da Constituição.<br />

12. Entende ainda o requerente, que as disposições impugnadas ferem<br />

o § 1º do art. 17 da Lei Magna. É outro equívoco. Esse dispositivo constitucional<br />

assegura ‘aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura<br />

interna, organização e funcionamento’. Ora, nenhuma das normas tidas por


R.T.J. — <strong>207</strong> 119<br />

inconstitucionais sequer de leve toca nessas matérias. A alegação é, pois,<br />

destituída de qualquer fundamento.<br />

13. A igualdade de todos perante a lei – outra das increpações do PSC<br />

contra as normas assinaladas – supõe, necessariamente, certas igualdades de<br />

fato. Não vá o pequeno partido, com apoio nessa garantia constitucional, pretender<br />

dispor, por exemplo, do mesmo tempo diante dos meios de comunicação<br />

de massa que os grandes partidos. E, assim, podem multiplicar-se aos milhares<br />

os exemplos de desigualdades que não atentam contra a Carta Magna.”<br />

Por sua vez, o Congresso Nacional também prestou as informações que lhe<br />

foram solicitadas, argüindo a constitucionalidade dos dispositivos impugnados<br />

e acostando documentação relativa à tramitação do respectivo projeto de lei nas<br />

duas Casas do Legislativo (fls. 32/113).<br />

Naquela assentada, o <strong>Tribunal</strong>, por unanimidade, indeferiu o pedido de<br />

medida cautelar.<br />

O Advogado-Geral da União manifestou-se, à fl. 147 à 153 da ADI 1.354-8/<br />

DF, pela improcedência do pedido. Aponta que, do exame dos dispositivos atacados,<br />

depreende-se que a análise da constitucionalidade restringe-se ao art. 13 da<br />

Lei 9.096/95, tendo em conta a referência a este nas demais normas impugnadas.<br />

Busca demonstrar que a não-inclusão da matéria na Constituição de 1988, embora<br />

contida nas Cartas anteriores, não veda o legislador ordinário a adotá-la novamente<br />

sob a égide da ordem atual. A limitação aos partidos políticos estaria em<br />

consonância com a adequação da lei ordinária para disciplinar o “caráter nacional”<br />

previsto no inciso I do art. 17 do texto constitucional. O legislador apenas fixou<br />

critérios para evitar a criação e a atuação de partidos excessivamente pequenos,<br />

não dotados de expressiva representatividade. Refuta o argumento segundo o qual<br />

o caráter nacional está totalmente conceituado pelo § 1º do art. 7º da mesma lei,<br />

asseverando aludir cada dispositivo a um momento distinto de verificação de regularidade,<br />

sendo este a do registro e a do art. 13, de natureza periódica. Menciona a<br />

doutrina sobre o tema e o que decidido no julgamento da medida cautelar.<br />

Vieram-me, então, os processos em razão de o Relator ter ascendido à<br />

Presidência do <strong>Tribunal</strong>, conforme peça de fl. 154.<br />

O Procurador-Geral da República, no parecer de fls. 158 a 160 – da ação de<br />

n. 1.354-8/DF –, também consigna resumir-se a questão ao exame da constitucionalidade<br />

do art. 13. Ante a óptica externada, a organização dos partidos políticos,<br />

apesar de livre, não é limitada, tendo em vista o requisito do “caráter nacional”<br />

contido no inciso I do art. 17 da Carta <strong>Federal</strong>. Afirma caber a determinação<br />

deste conceito à lei ordinária. Esta, restringindo a atuação parlamentar, guarda<br />

relação lógica com o fundamento constitucional. Considera observado o princípio<br />

da isonomia, levando em conta atribuírem as normas questionadas tempo nos<br />

meios de comunicação de massa e valor no rateio do fundo partidário conforme<br />

a proporção do partido. A discriminação de forma diversa seria inconstitucional.<br />

Cita a doutrina autorizada e pugna pela improcedência do pedido.<br />

Na ADI 1.351-3/DF, cuja inicial não encerrou pedido de suspensão de preceitos,<br />

mas implicou pleito de abrangência maior, são impugnados os arts. 13,


120<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

56, inciso II – todo ele – e 57 – na integralidade – e ainda as expressões “(...) que<br />

tenham preenchido as condições do art. 13 (...)”, do inciso II do art. 41, e “(...)<br />

que atenda ao disposto no art. 13 (...)”, do art. 49, também da Lei 9.096, de 19 de<br />

setembro de 1995.<br />

Relativamente ao inciso II do art. 56, prevendo que “a Mesa Diretora da<br />

Câmara dos Deputados disporá sobre o funcionamento da representação partidária<br />

conferida, nesse período, ao partido que possua representação eleita ou<br />

filiada em número inferior ao disposto no inciso anterior”, a razão de ser está na<br />

restrição decorrente do art. 13, logo, a glosa a este último o alcança.<br />

O art. 57 tem o seguinte teor:<br />

Art. 57. No período entre o início da próxima Legislatura e a proclamação<br />

dos resultados da segunda eleição geral subseqüente para a Câmara dos<br />

Deputados, será observado o seguinte:<br />

I – direito a funcionamento parlamentar ao partido com registro definitivo<br />

de seus estatutos no <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral até a data da publicação<br />

desta Lei que, a partir de sua fundação tenha concorrido ou venha a<br />

concorrer às eleições gerais para a Câmara dos Deputados, elegendo representante<br />

em duas eleições consecutivas:<br />

a) na Câmara dos Deputados, toda vez que eleger representante<br />

em, no mínimo, cinco Estados e obtiver um por cento dos votos apurados<br />

no País, não computados os brancos e os nulos;<br />

b) nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores,<br />

toda vez que, atendida a exigência do inciso anterior, eleger representante<br />

para a respectiva Casa e obtiver um total de um por cento<br />

dos votos apurados na Circunscrição, não computados os brancos e<br />

os nulos;<br />

II – vinte e nove por cento do Fundo Partidário será destacado para<br />

distribuição, aos Partidos que cumpram o disposto no art. 13 ou no inciso<br />

anterior, na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a<br />

Câmara dos Deputados;<br />

III – é assegurada, aos Partidos a que se refere o inciso I, observadas,<br />

no que couber, as disposições do Título IV:<br />

a) a realização de um programa, em cadeia nacional, com duração<br />

de dez minutos por semestre;<br />

b) a utilização do tempo total de vinte minutos por semestre<br />

em inserções de trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais<br />

e de igual tempo nas emissoras dos Estados onde hajam atendido ao<br />

disposto no inciso I, b.<br />

Ante as peculiaridades apresentadas, o Advogado-Geral da União, à fl. 231 à<br />

239 da ADI 1.351-3/DF, defende que o princípio da plenitude partidária resguarda<br />

somente a existência de partidos autênticos, assim entendidos aqueles que se amparam<br />

em parcela razoável da população, e não numa individualidade forte, capaz<br />

de obter a adesão de apenas alguns seguidores. Diz não versar o art. 13 sob análise<br />

a liberdade de criação de partidos, mas o funcionamento parlamentar, apenas<br />

evidenciando, indiretamente, a incidência do inciso I do art. 17 da Constituição da<br />

República. Logo, o óbice à criação de partidos pequenos estaria neste dispositivo


R.T.J. — <strong>207</strong> 121<br />

constitucional, não no questionado. Aduz, alfim, inexistir ofensa ao princípio da<br />

igualdade, tendo em conta justamente o tratamento desigual dispensado aos partidos<br />

relevantes e pequenos, limitando a atuação destes últimos.<br />

O Procurador-Geral da República, às fls. 241 e 242 da segunda ação,<br />

pronuncia-se contrariamente ao pleito dos requerentes, ratificando os termos da<br />

manifestação exarada na primeira, mediante a oferta de cópia do parecer.<br />

Na ADI 1.351-3/DF, neguei seguimento, nas fls. 227 e 258, aos pedidos<br />

formulados na inicial quanto aos Requerentes Partido Liberal (PL), Partido<br />

Social Democrático (PSD), Partido Popular Socialista (PPS) e Partido dos<br />

Trabalhadores (PT), ante o não-atendimento à regularização processual referente<br />

aos instrumentos de mandato com finalidade específica para a propositura<br />

de ação direta.<br />

Às fls. 284 e 285, também da Ação 1.351-3/DF, acolhi o pleito de intervenção,<br />

no processo, do Partido Popular Socialista (PPS), condicionando a admissão<br />

do Partido Verde (PV), do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e do Partido<br />

Socialismo e Liberdade (PSOL) ao saneamento da representação processual,<br />

sendo que só este último atendeu à determinação (fl. 291).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Compõem a relação processual,<br />

na ADI 1.351-3/DF, o Partido Comunista do Brasil (PC do B), o Partido<br />

Democrático Trabalhista (PDT), o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o Partido<br />

Verde (PV), e, na ADI 1.354-8/DF, o Partido Social Cristão (PSC), havendo sido<br />

admitidos naquela como terceiros o Partido Popular Socialista (PPS) e o Partido<br />

Socialismo e Liberdade (PSOL). Friso que não está em mesa para julgamento a<br />

ADI 2.677-1/DF, ajuizada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), pelo Partido<br />

Popular Socialista (PPS) e pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT).<br />

A discussão básica estampada nos processos em apreciação diz respeito à<br />

harmonia ou não do art. 13 da Lei dos Partidos Políticos – Lei 9.096, de 19 de<br />

setembro de 1995 – com a Constituição <strong>Federal</strong>. Os demais dispositivos atacados,<br />

consideradas expressões a remeterem ao citado artigo – nos incisos II do art. 41 e<br />

II do art. 56, na cabeça dos arts. 48 e 49 e na cabeça e incisos do art. 57 –, são alcançados<br />

pelo critério da conseqüência, por arrastamento. Eis o preceito em jogo:<br />

Art. 13. Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas<br />

para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para<br />

a Câmara dos Deputados, obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos<br />

apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um<br />

terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles.<br />

Vê-se que o art. 13 em questão, relativamente ao funcionamento parlamentar<br />

nas Casas Legislativas, prevê que o partido político deve preencher dois<br />

requisitos. O primeiro deles refere-se à quantidade dos votos válidos atinentes


122<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

às cadeiras da Câmara dos Deputados. Então, há de se ter o mínimo de cinco<br />

por cento da totalidade dos votos apurados, não computados os brancos e os<br />

nulos. Atendida essa condição, surge novo obstáculo a ser ultrapassado. É preciso<br />

que os cinco por cento dos votos estejam distribuídos em nove Unidades da<br />

Federação, exigida ainda a quantidade mínima de dois por cento em cada uma<br />

delas. Eis, então, os pressupostos para que o partido político, em verdadeira corrida<br />

de obstáculos, alcance o funcionamento parlamentar:<br />

a) obtenção de cinco por cento dos votos válidos para a Câmara dos<br />

Deputados, considerada a votação em todo o território nacional, afastados os<br />

brancos e os nulos;<br />

b) distribuição desse percentual mínimo, em pelo menos um terço dos<br />

Estados brasileiros;<br />

c) conquista, em cada um dos nove Estados, da percentagem mínima de<br />

dois por cento.<br />

A exigência, além de estar ligada ao funcionamento parlamentar, repercute,<br />

ainda, no fundo partidário e no tempo disponível para a propaganda partidária.<br />

Sob o ângulo econômico-financeiro, ante o disposto no art. 41 do diploma<br />

analisado, a divisão do fundo, no tocante aos partidos que lograram votação<br />

mínima e aos demais, há de se fazer mediante equações extremadas:<br />

a) noventa e nove por cento do fundo partidário devem ser rateados entre<br />

os partidos que atenderam às condições previstas no art. 13 em comento;<br />

b) a percentagem ínfima de um por cento será distribuída entre todos os<br />

partidos que tenham estatutos registrados no <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral.<br />

Vale dizer: os partidos que atendam ao disposto no citado art. 13 participam<br />

do rateio de cem por cento do fundo partidário, enquanto os que não atinjam<br />

os patamares versados concorrem em partes iguais e juntamente com os<br />

primeiros – friso –, à divisão do valor resultante do percentual de um por cento<br />

do fundo partidário.<br />

A outra restrição corre à conta do denominado programa partidário.<br />

Conforme estabelece o art. 48 da Lei 9.096/95, aos partidos que não preencheram<br />

os requisitos do art. 13 reservar-se-á, em cada semestre, espaço de dois minutos<br />

para a propaganda eleitoral, limitado à cadeia nacional. Já os demais partidos,<br />

aqueles que conseguiram cumprir as exigências do art. 13, poderão realizar um<br />

programa em rede nacional e outro em rede estadual, em cada semestre, com<br />

duração dez vezes maior, ou seja, de vinte minutos cada qual, gozando ainda<br />

do direito a inserções de trinta segundos ou um minuto, em âmbito nacional e<br />

estadual, perfazendo, por semestre, quarenta minutos – art. 49 da Lei 9.096/95.<br />

Tem-se a plena procedência do que apontado como extremos quer sob o<br />

ângulo do funcionamento parlamentar, excluído no que não alcançados os patamares<br />

do art. 13, quer quanto à participação no fundo partidário, praticamente<br />

neutralizada em face das percentagens de noventa e nove por cento e de um por<br />

cento para rateio geral, quer em relação à propaganda partidária, tendo certos


R.T.J. — <strong>207</strong> 123<br />

partidos o direito de veiculá-la apenas em cadeia nacional e por dois minutos<br />

em cada semestre, dispondo outros, para tanto, em rede nacional e estadual, de<br />

tempo dez vezes maior, além de contarem com as inserções a totalizarem, por<br />

semestre, também nos dois âmbitos, quarenta minutos em cada qual.<br />

Explicando melhor, ante a qualificação dos partidos considerados os votos<br />

obtidos – o que resulta em dualidade toda imprópria – em majoritários e<br />

minoritários, cabe aos primeiros – assim entendidos os de votação a atender ao<br />

disposto na lei –, para difundir o programa partidário, transmitir mensagens<br />

aos filiados sobre a execução do programa partidário, dos eventos com este<br />

relacionados e das atividades congressuais do partido e divulgar a respectiva<br />

posição quanto a temas político-comunitários, vinte minutos corridos em cada<br />

semestre, para transmissões em cadeia nacional e estadual, e quarenta minutos<br />

semestrais, com inserções de trinta segundos ou um minuto nas redes nacional<br />

e estadual. Os partidos minoritários, para as mesmas finalidades, têm direito a<br />

somente dois minutos por semestre e apenas em cadeia nacional, não contando<br />

com tempo algum para inserções.<br />

As regras de repercussão avassaladora quanto à sobrevivência e ao crescimento<br />

dos partidos políticos tiveram a eficácia projetada no tempo, presentes os<br />

arts. 56 e 57 das Disposições Finais e Transitórias da Lei 9.096/95 e a mitigação<br />

das exigências previstas, também minimizadas as conseqüências. Em outras palavras,<br />

a plena eficácia dos artigos atacados nestas ações far-se-á a partir da legislatura<br />

que terá início em 2007, consideradas as eleições gerais ocorridas neste ano.<br />

São vinte e nove os partidos registrados no <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral, a<br />

saber: Partido Republicano Brasileiro (PRB), n. 10; Partido Progressista (PP),<br />

n. 11; Partido Democrático Trabalhista (PDT), n. 12; Partido dos Trabalhadores<br />

(PT), n. 13; Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), n. 14; Partido do Movimento<br />

Democrático Brasileiro (PMDB), n. 15; Partido Socialista dos Trabalhadores<br />

Unificado (PSTU), n. 16; Partido Social Liberal (PSL), n. 17; Partido Trabalhista<br />

Nacional (PTN), n. 19; Partido Social Cristão (PSC), n. 20; Partido Comunista<br />

Brasileiro (PCB), n. 21; Partido Liberal (PL), n. 22; Partido Popular Socialista<br />

(PPS), n. 23; Partido da Frente Liberal (PFL), n. 25; Partido dos Aposentados da<br />

Nação (PAN), n. 26; Partido Social Democrata Cristão (PSDC), n. 27; Partido<br />

Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), n. 28; Partido da Causa Operária<br />

(PCO), n. 29; Partido Humanista da Solidariedade (PHS), n. 31; Partido da<br />

Mobilização Nacional (PMN), n. 33; Partido Trabalhista Cristão (PTC), n. 36;<br />

Partido Socialista Brasileiro (PSB), n. 40; Partido Verde (PV), n. 43; Partido<br />

Republicano Progressista (PRP), n. 44; Partido da Social Democracia Brasileira<br />

(PSDB), n. 45; Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), n. 50; Partido de<br />

Reedificação da Ordem Nacional (PRONA), n. 56; Partido Comunista do Brasil<br />

(PC do B), n. 65, e, por fim, Partido Trabalhista do Brasil (PT do B), n. 70. Sem<br />

normas e fatos não há julgamento. Pois bem, qual foi o desempenho desses partidos,<br />

considerada a votação para preenchimento das cadeiras da Câmara dos<br />

Deputados, nas eleições últimas? Dos vinte e nove partidos existentes, apenas<br />

sete alcançaram e suplantaram o patamar de cinco por cento dos votos para a


124<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Câmara dos Deputados em todo o território nacional, distribuídos de tal forma a<br />

perfazer pelo menos dois por cento em cada qual de nove Estados. Ante a ordem<br />

de classificação, se é que desta podemos cogitar, eis os partidos que lograram<br />

atender aos ditames legais:<br />

a) Partido dos Trabalhadores (PT), com 14,94% dos votos, totalizando<br />

treze milhões, novecentos e oitenta e nove mil, oitocentos e cinqüenta e nove<br />

votos, cobrindo, presente a percentagem mínima de dois por cento, todas as unidades<br />

da Federação, elegendo 83 deputados federais;<br />

b) Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), com 14,51%<br />

dos votos, totalizando treze milhões, quinhentos e oitenta mil, quinhentos e dezessete<br />

votos, abrangendo, com relação ao patamar de dois por cento, todos os<br />

Estados, elegendo 89 deputados federais;<br />

c) Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), com 13,76% dos votos,<br />

totalizando doze milhões, oitocentos e oitenta e três mil, cento e quarenta e sete<br />

votos, não alcançando a percentagem de dois por cento no Rio Grande do Norte<br />

e no Amazonas, elegendo 66 deputados federais;<br />

d) Partido da Frente Liberal (PFL), com 10,88% dos votos, totalizando dez<br />

milhões, cento e oitenta e dois mil, trezentos e oito votos, deixando de atingir a<br />

percentagem de dois por cento no Ceará, no Espírito Santo, em Rondônia e no<br />

Acre, elegendo 65 deputados federais;<br />

e) Partido Progressista (PP), com 7,11% dos votos, totalizando seis milhões,<br />

seiscentos e sessenta mil, novecentos e cinqüenta e um votos, não chegando<br />

à percentagem de dois por cento apenas no Distrito <strong>Federal</strong>, elegendo 41<br />

deputados federais;<br />

f) Partido Socialista Brasileiro (PSB), com 6,21% dos votos, totalizando<br />

cinco milhões, oitocentos e treze mil, quatrocentos e noventa e quatro votos, não<br />

obtendo o patamar de dois por cento em Goiás, no Pará, no Paraná e em Mato<br />

Grosso do Sul, elegendo 27 deputados federais;<br />

g) Partido Democrático Trabalhista (PDT), que, passando rente à trave, logrou<br />

5,19% dos votos no País, totalizando quatro milhões, oitocentos e sessenta<br />

e dois mil e setenta e quatro votos, deixando de alcançar a percentagem mínima<br />

de dois por cento em Goiás, no Rio Grande do Norte, em Mato Grosso, no<br />

Distrito <strong>Federal</strong>, no Amazonas e em Sergipe, elegendo 24 deputados federais;<br />

Em síntese, a prevalecer, sob o ângulo da constitucionalidade, o disposto<br />

no art. 13 da Lei 9.096/95, somente esses partidos terão funcionamento parlamentar,<br />

participarão do rateio de cem por cento do saldo do fundo partidário,<br />

gozarão, em cada semestre e em cadeias nacional e estadual, de espaço de vinte<br />

minutos para a propaganda eleitoral e desfrutarão de inserções, por semestre<br />

e também em redes nacional e estadual, de trinta segundos ou um minuto, totalizando<br />

oitenta minutos no ano. Os demais ficarão à míngua, vale dizer, não<br />

contarão com o funcionamento parlamentar, dividirão, com todos os demais<br />

partidos registrados junto ao <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral, a percentagem de um


R.T.J. — <strong>207</strong> 125<br />

por cento do fundo partidário e, no tocante à propaganda partidária, terão, por<br />

semestre, apenas dois minutos restritos à cadeia nacional.<br />

Eis a quantidade de votos obtidos por esses partidos:<br />

a) Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com 4,72% dos votos, alcançando<br />

quatro milhões, quatrocentos e dezesseis mil, quinhentos e sessenta e seis votos,<br />

deixando de atingir o patamar de dois por cento em nove Estados – Mato<br />

Grosso, Santa Catarina, Bahia, Paraíba, Amapá, Rio Grande do Norte, Mato<br />

Grosso do Sul, Tocantins e Acre, elegendo 22 deputados;<br />

b) Partido Liberal (PL), com 4,35 % dos votos, alcançando quatro milhões,<br />

setenta e quatro mil, trezentos e noventa e três votos, não logrando a percentagem<br />

de dois por cento em cinco Estados – Maranhão, Rio Grande do Sul, Piauí,<br />

Mato Grosso do Sul e Tocantins, elegendo 23 deputados;<br />

c) Partido Popular Socialista (PPS), com 3,99% dos votos, iguais a três<br />

milhões, setecentos e quarenta mil e cinco votos, não conseguindo os dois por<br />

cento em onze Estados – Pará, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Sergipe,<br />

Tocantins, Amazonas, Goiás, Ceará, Maranhão, Rio Grande do Norte e Piauí,<br />

elegendo 22 deputados;<br />

d) Partido Verde (PV), com 3,65 % dos votos, significando três milhões,<br />

quatrocentos e vinte e um mil e sete votos, alcançando a meta de dois por cento<br />

apenas em oito Estados – Minas Gerais, São Paulo, Maranhão, Rondônia,<br />

Roraima, Rio de Janeiro, Alagoas e Paraná, elegendo 13 deputados;<br />

e) Partido Comunista do Brasil (PC do B), com 2,12% dos votos, significando<br />

um milhão, novecentos e oitenta e dois mil, trezentos e vinte e três votos,<br />

obtendo os dois por cento apenas em nove Estados – Acre, Amazonas, Piauí,<br />

Rio Grande do Sul, Ceará, Maranhão, Amapá, Bahia e Pernambuco, elegendo<br />

13 deputados;<br />

f) Partido Social Cristão (PSC), com 1,86% dos votos, percentagem a revelar<br />

um milhão, setecentos e quarenta e cinco mil, cento e trinta e dois votos,<br />

ultrapassando os dois por cento em sete Estados – Sergipe, Rio de Janeiro, Pará,<br />

Espírito Santo, Amapá, São Paulo e Maranhão, elegendo 9 deputados;<br />

g) Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), com 1,23% dos votos, a revelar<br />

um milhão, cento e quarenta e nove mil, seiscentos e dezenove votos, tendo<br />

alcançado os dois por cento em quatro Estados – Rio Grande do Sul, Rio de<br />

Janeiro, Ceará e Distrito <strong>Federal</strong>, elegendo 3 deputados;<br />

h) Partido da Reedificação da Ordem Nacional (PRONA), com 0,97% dos<br />

votos, ou seja, novecentos e seis mil, trezentos e quarenta e sete votos, ultrapassando<br />

a meta de dois por cento em cinco Estados – Amazonas, Distrito <strong>Federal</strong>,<br />

Rio de Janeiro, São Paulo e Alagoas, elegendo 2 deputados;<br />

i) Partido da Mobilização Nacional (PMN), com 0,94% dos votos, logrando<br />

oitocentos e setenta e cinco mil, seiscentos e dezesseis votos, chegando<br />

aos dois por cento em quatro Estados – Rio Grande do Norte, Acre, Alagoas e<br />

Amazonas, elegendo 3 deputados;


126<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

j) Partido Trabalhista Cristão (PTC), com 0,86% dos votos, isto é, oitocentos<br />

e quatro mil, duzentos e vinte e seis votos, alcançando os dois por cento nos<br />

Estados de Roraima e São Paulo, elegendo 3 deputados;<br />

l) Partido Humanista da Solidariedade (PHS), com 0,46% dos votos, ou<br />

seja, quatrocentos e trinta e cinco mil e dezenove votos, não logrando os dois<br />

por cento em nenhum dos Estados, elegendo 2 deputados;<br />

m) Partido Social Democrata Cristão (PSDC), com 0,38% dos votos, logrando<br />

trezentos e cinqüenta e cinco mil e vinte e um votos, não obtendo os dois por cento<br />

em nenhum dos Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado;<br />

n) Partido Trabalhista do Brasil (PT do B), com 0,32% dos votos, alcançando,<br />

assim, trezentos e dois mil, quinhentos e vinte votos, conseguindo os<br />

dois por cento somente no Estado do Rio de Janeiro, elegendo 1 deputado;<br />

o) Partido dos Aposentados da Nação (PAN), com 0,32% dos votos, perfazendo<br />

trezentos e um mil, duzentos e sessenta e seis votos, ultrapassando os dois<br />

por cento no Estado do Maranhão, elegendo 1 deputado;<br />

p) Partido Republicano Brasileiro (PRB), com 0,25 % dos votos, tendo com<br />

isso duzentos e trinta e dois mil e novecentos e setenta e sete votos, não logrando<br />

os dois por cento em nenhum dos Estados, elegendo 1 deputado;<br />

q) Partido Republicano Progressista (PRP), com 0,25 % dos votos, logrando<br />

duzentos e trinta e um mil, cento e sessenta e um votos, não obtendo dois por<br />

cento em nenhum Estado, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado;<br />

r) Partido Social Liberal (PSL), com 0,20% dos votos, alcançando cento e<br />

oitenta e sete mil, trezentos e quarenta votos, não logrando dois por cento em<br />

nenhum dos Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado;<br />

s) Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), com 0,18% dos votos, isto<br />

é, cento e setenta mil, quatrocentos e trinta e seis votos, não chegando aos dois por<br />

cento em nenhum dos Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado;<br />

t) Partido Trabalhista Nacional (PTN), com 0,16% dos votos, ou seja, cento<br />

e cinqüenta e um mil, duzentos e noventa e dois votos, conseguindo dois por<br />

cento em dois Estados: Rondônia e Roraima, não elegendo, ante o quociente<br />

eleitoral, deputado;<br />

u) Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), com 0,11% dos votos,<br />

significando cem mil, quinhentos e setenta e quatro votos, não logrando dois por<br />

cento em nenhum dos Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado;<br />

v) Partido Comunista Brasileiro (PCB), com 0,05 % dos votos, percentual<br />

igual a quarenta e três mil, setecentos e dezenove votos, não obtendo dois por<br />

cento em nenhum dos Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado;<br />

x) Partido da Causa Operária (PCO), com 0,03% do total, significando vinte<br />

e seis mil e novecentos e quarenta e nove votos, não logrando dois por cento em<br />

nenhum dos Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado;<br />

O registro desses dados servirá ao exame da razoabilidade das exigências legais.


R.T.J. — <strong>207</strong> 127<br />

Sob o aspecto constitucional, somente a Carta outorgada de 1967 versou a<br />

matéria alusiva à cláusula de barreira. Fê-lo não quanto ao funcionamento parlamentar<br />

em si, a existência de partido cerceado no tocante a prerrogativas normalmente<br />

existentes, mas relativamente à extinção. O art. 149 da Constituição<br />

<strong>Federal</strong> de 1967, ao dispor sobre a organização, o funcionamento e a extinção dos<br />

partidos políticos, além de remeter a lei federal, assentou como princípio a necessidade<br />

de as agremiações haverem obtido, na última eleição geral para a Câmara<br />

dos Deputados, dez por cento do eleitorado – atualmente cinco –, distribuídos<br />

pelo menos em sete Estados – e não em nove como agora – com um mínimo de<br />

sete por cento – hoje dois – em cada um deles. Eis o preceito regedor da matéria:<br />

Art. 149. A organização, o funcionamento e a extinção dos Partidos Políticos<br />

serão regulados em lei federal, observados os seguintes princípios:<br />

I – (...)<br />

(...)<br />

VII – exigência de dez por cento do eleitorado que haja votado na última eleição<br />

geral para a Câmara dos Deputados, distribuídos em dois terços dos Estados,<br />

com o mínimo de sete por cento em cada um deles, bem assim dez por cento de<br />

Deputados, em, pelo menos, um terço dos Estados, e dez por cento de Senadores;<br />

(...)<br />

A Emenda Constitucional 1, de 17 de outubro de 1969, também dispôs<br />

sobre o tema, flexibilizando a exigência anterior. Esta a disciplina verificada:<br />

Art. 152. A organização, o funcionamento e a extinção dos partidos políticos<br />

serão regulados em lei federal observados os seguintes princípios:<br />

I – (...)<br />

(...)<br />

VII – exigência de cinco por cento do eleitorado que haja votado na última<br />

eleição geral para a Câmara dos Deputados, distribuídos, pelo menos, em sete<br />

Estados, com o mínimo de sete por cento em cada um deles; e<br />

(...)<br />

A Emenda Constitucional 11, de 13 de outubro de 1978, ao dar nova redação<br />

ao art. 152 mencionado, modificou a previsão:<br />

Art. 152. A organização e o funcionamento dos partidos políticos, de acordo<br />

com o disposto neste artigo, serão regulados em lei federal.<br />

§ 1º (...)<br />

(...)<br />

§ 2º (...)<br />

(...)<br />

II – apoio, expresso em votos, de 5 % (cinco por cento) do eleitorado que haja<br />

votado na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, distribuídos, pelo<br />

menos, por nove Estados, com o mínimo de 3% (três por cento) em cada um deles;<br />

(...)<br />

Com a promulgação da Emenda Constitucional 25, de 15 de maio de 1985,<br />

houve nova alteração do art. 152 em análise. O § 1º do citado artigo ganhou a<br />

seguinte redação:


128<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

§ 1º Não terá direito a representação no Senado <strong>Federal</strong> e na Câmara dos<br />

Deputados o partido que não obtiver o apoio, expresso em votos, de 3% (três por<br />

cento) do eleitorado, apurados em eleição geral para a Câmara dos Deputados e<br />

distribuídos em, pelo menos, 5 (cinco) Estados com o mínimo de 2% (dois por<br />

cento) do eleitorado de cada um deles.<br />

Então, é dado concluir que, sob a regência da Carta de 1967, tanto na redação<br />

primitiva, quanto nas resultantes das Emendas Constitucionais 1/69 e 11/78,<br />

as exigências ligadas à representatividade de partido político alcançaram, com<br />

gradação maior, constitucional, a própria organização, funcionamento e extinção<br />

das agremiações. Com a Emenda Constitucional 25/85, dispôs-se de forma<br />

precisa quanto às conseqüências de não ter o partido atingido os patamares fixados,<br />

versando o novo § 2º do aludido art. 152 sobre a conseqüência de não ser<br />

alcançada a votação exigida, considerados os mandatos políticos:<br />

§ 2º Os eleitos por Partidos que não obtiverem os percentuais exigidos pelo<br />

parágrafo anterior terão seus mandatos preservados, desde que optem, no prazo de<br />

60 (sessenta dias), por qualquer dos Partidos remanescentes.<br />

O § 3º do mesmo dispositivo cuidou da problemática da criação, fusão, incorporação,<br />

extinção e fiscalização financeira dos partidos políticos, remetendo<br />

a lei federal, guardados, é certo, os princípios constitucionais.<br />

Conclui-se, portanto, que, anteriormente, a matéria tinha disciplina cons -<br />

titucional.<br />

Sob o ângulo da votação obtida, a própria Carta dispunha não só sobre<br />

a representação nas Casas Legislativas como também sobre a vida ou a morte<br />

civil do partido político.<br />

O que aconteceu, considerados os novos ares constitucionais, os benfazejos<br />

ares democráticos, ao menos assim se quer e se proclama a todos os ventos, consagrados<br />

na Lei Fundamental de 1988? O art. 1º revela como um dos fundamentos<br />

da própria República o pluralismo político – inciso V. Já o parágrafo único do<br />

citado artigo estabelece que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio<br />

de representantes eleitos ou diretamente, nos termos do Diploma Maior. Este, ao<br />

fixar as condições de elegibilidade, menciona a necessária filiação partidária, ou<br />

seja, não existe a possibilidade de o cidadão, sem respaldo de partido político,<br />

lograr mandato eletivo, presente o sufrágio universal, o voto direto e secreto.<br />

O Capítulo V de Título compreendido em parte básica da Constituição <strong>Federal</strong><br />

– o II, porque trata dos direitos e garantias fundamentais – encerra como<br />

medula a liberdade dos partidos políticos, predicado inafastável quanto a essas<br />

pessoas jurídicas de direito privado. Pedagogicamente consigna a liberdade na<br />

criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, revelando a necessidade<br />

de se resguardar a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo<br />

e os direitos fundamentais da pessoa humana. Vê-se o relevo maior<br />

atribuído à multiplicidade política. Relembrem: como fundamento da República,<br />

versou-se o pluralismo político e, quanto aos partidos políticos, previu-se a livre


R.T.J. — <strong>207</strong> 129<br />

criação, fazendo-se referência, de maneira clara, ao pluripartidarismo. Tratouse<br />

do caráter nacional das entidades para, a seguir, dispor-se que os partidos<br />

adquirem personalidade jurídica na forma da lei civil, devendo ter os estatutos<br />

registrados no <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral. O que se contém no art. 17 da Carta<br />

<strong>Federal</strong> diz respeito a todo e qualquer partido político legitimamente constituído,<br />

não encerrando a norma maior a possibilidade de haver partidos de primeira e<br />

segunda classes, partidos de sonhos inimagináveis em termos de fortalecimento<br />

e partidos fadados a morrer de inanição, quer sob o ângulo da atividade concreta<br />

no Parlamento, sem a qual é injustificável a existência jurídica, quer da necessária<br />

difusão do perfil junto ao eleitorado em geral, dado indispensável ao desenvolvimento<br />

relativo à adesão quando do sufrágio, quer visando, via fundo partidário,<br />

a recursos para fazer frente à impiedosa vida econômico-financeira. Em síntese,<br />

tudo quanto venha à balha em conflito com os ditames maiores, os constitucionais,<br />

há de merecer a excomunhão maior, o rechaço por aqueles comprometidos<br />

com a ordem constitucional, com a busca do aprimoramento cultural. Transcrevo,<br />

para efeito de documentação, a íntegra do citado artigo:<br />

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos,<br />

resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo,<br />

os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:<br />

I – caráter nacional;<br />

II – proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo<br />

estrangeiros ou de subordinação a estes;<br />

III – prestação de contas à Justiça Eleitoral;<br />

IV – funcionamento parlamentar de acordo com a lei.<br />

§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura<br />

interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e<br />

o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as<br />

candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus<br />

estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.<br />

§ 2º Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma<br />

da lei civil, registrarão seus estatutos no <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral.<br />

§ 3º Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso<br />

gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei.<br />

§ 4º É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar.<br />

Ainda sob o ângulo do pluripartidarismo, da representatividade dos diversos<br />

segmentos nacionais, é dado perceber a ênfase atribuída pela Carta <strong>Federal</strong><br />

às minorias. No tocante às comissões permanentes e temporárias da Câmara dos<br />

Deputados e do Senado <strong>Federal</strong>, o § 1º do art. 58 do Diploma Maior assegura<br />

sem distinguir, considerada a votação obtida, o número de eleitos, a representação<br />

proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam<br />

da respectiva Casa. Aliás, na cabeça do artigo, há a remessa aos regimentos<br />

internos do Congresso bem como das duas Casas, e versa o preceito algo compreendido<br />

no gênero funcionamento parlamentar, disciplina em sintonia com a<br />

independência dos Poderes. No processo legislativo, no aperfeiçoamento da lei<br />

em sentido formal e material, nesse ato complexo, atua, ao término da linha, o


130<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Executivo, sancionando ou vetando o que aprovado pelas Casas Legislativas.<br />

Fica no ar: existentes partidos com deputados eleitos, é dado a Poder diverso – o<br />

Executivo – compor e balizar o funcionamento interno, embora de forma conjunta<br />

com Senado e Câmara? Di-lo que não o jurista e ex-Ministro Célio Borja.<br />

Endosso a óptica por S. Exa. externada. Da mesma forma que ao Judiciário<br />

cumpre reger órgãos internos – art. 96, inciso I, alínea a, da Constituição<br />

<strong>Federal</strong> – via regimento interno, tem-se, preservado o sistema como único,<br />

idêntico enfoque quanto à vida interna de cada Casa Legislativa – arts. 51, incisos<br />

III e IV, 52, incisos XII e XIII, e 58 da Carta da República. Vale repetir o<br />

que consignado pelo parecista em peça elaborada a pedido da Mesa da Câmara<br />

dos Deputados, considerada transcrição contida em memorial:<br />

Da independência do órgão colegiado do Poder Legislativo e da inviolabilidade<br />

dos seus membros, no exercício do mandato, resulta a impossibilidade de<br />

lhes regular a conduta parlamentar por lei formal, dado que assim facultar-se-ia<br />

a intromissão de outra Casa e do Presidente da República em assunto entregue à<br />

autonomia de cada uma das Câmaras.<br />

(...)<br />

As bancadas são instituições de direito parlamentar exclusivamente. Constituem-se,<br />

nos corpos legislativos, pela reunião dos representantes que se identificam<br />

pela unidade de propósito e pela uniformidade da atuação. Agrupam-se sob<br />

a liderança que designam.<br />

Sim, presentes deputados necessariamente vinculados a certo partido, cuja<br />

existência civil e registro no <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral sejam incontestáveis, a<br />

eles são aplicáveis, em termos de atividade parlamentar, as normas constantes<br />

do Regimento Interno. Fora isso é menosprezar a independência funcional da<br />

Casa Legislativa.<br />

Estabelece o § 3º do mesmo art. 58 que a criação de comissão parlamentar<br />

de inquérito se faz mediante requerimento de um terço dos membros da Câmara<br />

dos Deputados ou do Senado <strong>Federal</strong> ou, se comissão mista, de ambas as Casas.<br />

A Constituição <strong>Federal</strong> atribui ainda legitimidade aos partidos políticos para provocarem<br />

a jurisdição constitucional concentrada, sendo suficiente, contar, para<br />

tanto, com um único representante em qualquer das Casas do Congresso. Em<br />

última análise, as previsões constitucionais encerram a neutralização da ditadura<br />

da maioria, afastando do cenário nacional óptica hegemônica e, portanto, totalitária.<br />

Concretizam, em termos de garantias, o pluralismo político tão inerente<br />

ao sistema proporcional, sendo com elas incompatível regramento estritamente<br />

legal a resultar em condições de exercício e gozo a partir da gradação dos votos<br />

obtidos. Aliás, surge incongruente admitir que partido sem funcionamento parlamentar<br />

seja, a um só tempo, legitimado para a propositura das ações direta de<br />

inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade, não tendo atuação<br />

na Casa Legislativa, mas agindo via credenciamento popular no âmbito do Judiciário,<br />

tudo acontecendo – repito – sem que existente a restrição constitucional.<br />

Vê-se que a Lei Básica de 1988 não manteve a vinculação surgida com a<br />

Constituição de 1967, para o desenvolvimento da atividade política pelo partido,


R.T.J. — <strong>207</strong> 131<br />

aos votos obtidos em determinado certame. Nem se diga que o inciso IV do<br />

art. 17 remete o funcionamento parlamentar à disciplina mediante lei, podendo<br />

esta última dispor sobre algo de fundamental relevância, ou seja, sobre a criação<br />

de partidos políticos de primeira e segunda categorias, considerado o desempenho<br />

nas urnas. A previsão quanto à competência do legislador ordinário<br />

para tratar do funcionamento parlamentar há de ser tomada sem esvaziar-se os<br />

princípios constitucionais, destacando-se com real importância o revelador do<br />

pluripartidarismo. Vale dizer que se deixaram à disciplina legal os parâmetros<br />

do funcionamento parlamentar sem, no entanto, viabilizar que norma estritamente<br />

legal determinasse a vida soberba de alguns partidos políticos e a morte<br />

humilhante de outros. Verificada a existência jurídica do partido, a participação<br />

em certas eleições, o êxito quanto a mandatos políticos em disputa, não há como<br />

afastar do cenário a vontade dos cidadãos que elegeram candidatos, que vieram<br />

a preencher cadeiras em Casas Legislativas, desvinculando-os, em quase um<br />

passe de funesta mágica, do próprio partido que respaldou a candidatura. Surge<br />

incongruente assentar a necessidade de o candidato ter, em um primeiro passo, o<br />

aval de certo partido e, a seguir eleito, olvidar a agremiação na vida parlamentar.<br />

O casamento não é passível desse divórcio.<br />

Aliás, para aqueles preocupados com a proliferação dos partidos políticos,<br />

há de levar-se em conta que o enxugamento do rol é automático, presente<br />

a vontade do povo, de quem emana o poder. Se o partido político não eleger representante,<br />

é óbvio que não se poderá cogitar de funcionamento parlamentar.<br />

Considerada a ordem natural das coisas, cuja força é insuplantável, a conveniente<br />

representatividade dos partidos políticos no parlamento fica jungida tão-somente<br />

ao êxito verificado nas urnas, entendendo como tanto haver sido atingido o quociente<br />

eleitoral, elegendo candidatos, pouco importando o número destes. Só<br />

assim ter-se-á como atendido o fundamento da República, ou seja, o pluralismo<br />

político, valendo notar que o verdadeiro equilíbrio decorre do somatório de forças<br />

que revelem a visão dos diversos segmentos que perfazem a sociedade. Em<br />

síntese, não elegendo candidato, o partido fica automaticamente fora do contexto<br />

parlamentar. Estão enquadrados nessa situação, porquanto não alcançaram o<br />

coeficiente eleitoral, os seguintes partidos: Partido Socialista dos Trabalhadores<br />

Unificado (PSTU), Partido Social Liberal (PSL), Partido Trabalhista Nacional<br />

(PTN), Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido Social Democrata Cristão<br />

(PSDC), Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), Partido da Causa<br />

Operária (PCO) e Partido Republicano Progressista (PRP).<br />

Resumindo, surge com extravagância maior interpretar-se os preceitos<br />

constitucionais a ponto de esvaziar-se o pluripartidarismo, cerceando, por meio<br />

de atos que se mostram pobres em razoabilidade e exorbitantes em concepção<br />

de forças, a atuação deste ou daquele partido político.<br />

Tenham presente que a necessidade do trato constitucional da matéria, conforme<br />

a tradição, conforme a assegurada liberdade de criação dos partidos, foi<br />

percebida quando dos trabalhos de revisão da Carta de 1988. O então Relator da<br />

revisão, Deputado Nelson Jobim, apresentou, em 1994, substitutivo ao Parecer<br />

36. Neste ressaltou que a chamada “cláusula de barreira” não teria sido tratada


132<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

na Constituição, aspecto que vinha dando margem a “perplexidades interpretativas<br />

por parte do legislador”. O substitutivo acrescentava, ao § 2º do art. 17<br />

da Constituição <strong>Federal</strong>, relativizando-o, a necessidade de o partido político<br />

comprovar o apoiamento de eleitores exigido em lei. Acrescentava os § 5º e § 6º<br />

ao citado artigo e revogava o inciso IV nele contido, a versar sobre a remessa, à<br />

lei, do funcionamento parlamentar. Eis o teor dos preceitos que, caso aprovada a<br />

emenda constitucional de revisão, estariam hoje em vigor, afastando a celeuma<br />

que deu margem a este julgamento pelo <strong>Supremo</strong>, guarda maior da Constituição:<br />

§ 5º Somente terá direito a representação na Câmara dos Deputados o partido<br />

que obtiver o apoio mínimo de cinco por cento dos votos válidos, excluídos<br />

os brancos e os nulos, apurados em eleição geral e distribuídos em pelo menos um<br />

terço dos Estados, atingindo dois por cento em cada um deles.<br />

§ 6º Somente o partido que cumprir o disposto no parágrafo anterior poderá<br />

registrar candidato a Presidente da República.<br />

O substitutivo data de 1994. Não houve o consenso indispensável à aprovação<br />

da emenda em que pesem aos parâmetros flexibilizados, para alterar-se a<br />

Carta da República, previstos no art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais<br />

Transitórias – voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional em<br />

sessão unicameral. Pois bem, após histórico e disciplina a revelarem a necessidade<br />

do trato da matéria com envergadura maior – constitucional –, o legislador<br />

comum veio a aprovar o texto do que seria o § 5º do art. 17 da Constituição<br />

<strong>Federal</strong>, olvidando a natureza rígida desse diploma. A Carta acabou alterada<br />

mediante lei ordinária! Transportou-se – sem o advérbio “somente”, é certo –,<br />

para o estatuto dos partidos políticos aprovado no ano seguinte, as regras submetidas<br />

ao Congresso Nacional e rejeitadas para inserção no Documento Maior<br />

da República. Não houve sequer alteração quanto às percentagens. Está-se a ver<br />

que o disposto no art. 13 da Lei 9.096/95 veio a mitigar o que garantido aos partidos<br />

políticos pela Constituição <strong>Federal</strong>, asfixiando-os sobremaneira, a ponto<br />

de alijá-los do campo político, com isso ferindo de morte, sob o ângulo políticoideológico,<br />

certos segmentos, certa parcela de brasileiros. E tudo ocorreu a partir<br />

da óptica da sempre ilustrada maioria.<br />

Sob o ângulo da razoabilidade, distancia-se do instituto diploma legal que,<br />

apesar da liberdade de criação de partidos políticos prevista na Constituição<br />

<strong>Federal</strong>, admite a existência respectiva e, em passo seguinte, inviabiliza o crescimento<br />

em termos de representação. A exigência de cinco por cento dos votos<br />

válidos para a Câmara dos Deputados implica, considerados os dados da última<br />

eleição, a necessidade de o partido haver alcançado quatro milhões, seiscentos e<br />

oitenta e um mil, duzentos e noventa e três votos em um universo de noventa e<br />

três milhões, seiscentos e vinte e cinco mil, oitocentos e cinqüenta e oito votos.<br />

Aliás, assentada, em relação a todos os partidos hoje registrados no <strong>Tribunal</strong><br />

Superior Eleitoral, a necessidade de alcançar cinco por cento dos votos, ter-se-ia<br />

que contar não com cem por cento correspondentes à totalidade dos sufrágios,<br />

mas com cento e quarenta e cinco por cento!


R.T.J. — <strong>207</strong> 133<br />

Ainda no tocante à razoabilidade, mostra-se imprópria a existência de<br />

partidos políticos com deputados eleitos e sem o desempenho parlamentar cabível,<br />

cumprindo ter presente que, a persistirem partidos e parlamentares a eles<br />

integrados, haverá, em termos de funcionamento parlamentar, o esvaziamento<br />

da atuação das minorias.<br />

A cláusula constitucional a remeter o funcionamento parlamentar, as balizas<br />

deste, a preceito legal – o que, no entendimento do Ministro Célio Borja, constante<br />

de parecer, leva à disciplina mediante regimento interno – não pode ser tomada<br />

a ponto de admitir-se que a lei inviabilize, por completo, o dito funcionamento,<br />

acabando com as bancadas dos partidos minoritários e impedindo os respectivos<br />

deputados de comporem a Mesa Diretiva e as comissões, em flagrante contrariedade<br />

à disposição do § 1º do art. 58 da Constituição <strong>Federal</strong>, no que sinaliza, em<br />

bom vernáculo, a necessidade de ambas – Mesa e comissões – serem integradas,<br />

se houver possibilidade física, de forma proporcional, pelos partidos e blocos parlamentares<br />

existentes na Casa, vale dizer, que tenham deputados eleitos.<br />

Nos dias de hoje, tem-se exemplo marcante da extravagância da disciplina<br />

legal. O histórico e fidedigno Partido Comunista do Brasil logrou obter 2,12% da<br />

totalidade dos votos para a Câmara dos Deputados, significando esta percentagem<br />

substancial votação – um milhão, novecentos e oitenta e dois mil, trezentos<br />

e vinte e três votos em noventa e três milhões, seiscentos e vinte e cinco mil, oitocentos<br />

e cinqüenta e oito votos –, perfazendo a percentagem de dois por cento<br />

dos votos em nove Estados – Acre, Amazonas, Piauí, Rio Grande do Sul, Ceará,<br />

Maranhão, Bahia, Pernambuco e Amapá – e elegendo 13 deputados. Conta hoje<br />

com integrante a presidir a Câmara dos Deputados – o Deputado Aldo Rebelo.<br />

Pois bem, ante a incidência do art. 13, na próxima legislatura, de duas, uma: ou o<br />

Deputado Aldo Rebelo migra para outro partido, em condenável polivalência político–ideológica,<br />

ou terá que desistir de concorrer à reeleição, esta última admitida<br />

pelo <strong>Supremo</strong> desde que se trate de nova legislatura – muito embora o § 4º do<br />

art. 57 da Carta contenha cláusula vedando “a recondução para o mesmo cargo<br />

na eleição imediatamente subseqüente”. Mais ainda: o atual Vice-Presidente da<br />

República, José Alencar, é do Partido Republicano Brasileiro (PRB). Foi reeleito.<br />

O Partido não veio a atender às exigências legais nas últimas eleições, elegendo 1<br />

deputado. Contará com integrante Vice-Presidente da República, mas com deputado<br />

órfão, sem endosso partidário, na Câmara dos Deputados.<br />

Quanto ao rateio do fundo partidário, a circunstância de ter-se a divisão<br />

inicial considerados os percentuais de noventa e nove por cento e de um por<br />

cento, concorrendo ao primeiro os partidos ditos, sob o ângulo da representação,<br />

majoritários – com aumento da fatia de cada qual – e, à percentagem ínfima de<br />

um por cento, todos os 29 partidos registrados no <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral,<br />

haverá situações concretas em que a redução de valor a ser recebido alcançará<br />

percentagem superior a noventa e nove por cento.<br />

Levem em conta a situação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que<br />

elegeu 22 deputados e obteve quatro milhões, quatrocentos e dezesseis mil, quinhentos<br />

e sessenta e seis votos, o que, a toda evidência, não é pouco em termos


134<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

de representatividade. Considerada a eleição de 2002, teve jus, em 2006, à cota<br />

de seis milhões, setecentos e quarenta e seis mil, cento e vinte e cinco reais,<br />

sessenta e quatro centavos. Com a nova disciplina, repetido em 2007 o valor<br />

arrecadado em 2006 para o Fundo Partidário, o PTB ficará com a quota de quarenta<br />

mil, seiscentos e quarenta e seis reais e setenta centavos, verificada assim<br />

diminuição de 99,40%. O mesmo se diga em relação ao Partido Liberal (PL),<br />

cujos votos chegaram a quatro milhões, setenta e quatro mil, trezentos e noventa<br />

e três, elegendo 23 deputados. Ante a eleição de 2002 e considerado o Fundo<br />

Partidário relativo a 2006, alcançou seis milhões, setecentos e oito mil, noventa<br />

e três reais e treze centavos. Incidentes as novas regras e mantida a arrecadação<br />

de 2006 relativamente a 2007, caberá a ele quarenta mil, seiscentos e quarenta e<br />

seis reais e setenta centavos, ocorrendo decréscimo de 99,39%. Enquanto isso,<br />

todos os sete partidos que lograram atender às exigências legais, com cinco por<br />

cento dos votos nacionais distribuídos em nove Estados, obtendo em cada qual<br />

dois por cento dos votos, terão majoração, a saber: Partido Progressista (PP),<br />

de 0,54%; Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), de 17,08%; Partido<br />

do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), de 34,29%; Partido da Frente<br />

Liberal (PFL), de 1,59%; Partido dos Trabalhadores (PT), de 12,68%; Partido<br />

Socialista Brasileiro (PSB), de 43,53%; e Partido Democrático Trabalhista<br />

(PDT) de 25,25 %. Ocorrendo alteração positiva e sendo alcançados valores que<br />

vão de 8.408.598,08 a 24.158.085,91. Não é aceitável, sob o ângulo da razoabilidade,<br />

tal equação, dividindo entre sete partidos o grande bolo de 99% do que vier<br />

a ser arrecadado para o Fundo Partidário e os vinte e nove partidos registrados<br />

no <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral, inclusive esses sete, um por cento. O mesmo enfoque<br />

é dado verificar em termos de horário reservado à propaganda partidária.<br />

Os sete partidos que conseguiram atender aos requisitos legais terão, por semestre,<br />

cada qual, vinte minutos em rede nacional e vinte minutos em rede estadual<br />

bem como inserções nas duas cadeias, a totalizarem, em relação a cada uma, por<br />

semestre, quarenta minutos. Já os vinte e dois partidos de representação menor,<br />

aquém das rigorosas exigências legais, terão, cada qual, dois minutos por semestre<br />

e unicamente em rede nacional, não contando com o tempo para inserções.<br />

Esta Corte é chamada a pronunciar-se sobre a matéria a partir da Constituição<br />

<strong>Federal</strong>. Descabe empunhar a bandeira leiga da condenação dos chamados<br />

partidos de aluguel, o preconceito, mesmo porque não se pode ter como a revelálos<br />

partidos, para exemplificar, como o Partido Popular Socialista (PPS), o Partido<br />

Comunista do Brasil (PC do B), o Partido Verde (PV) e o Partido Socialismo<br />

e Liberdade (PSOL), sendo que este último, aliás, é condenado a não subsistir<br />

sem que tenha experimentado espaço de tempo indispensável a lograr grau de<br />

acatamento maior frente ao eleitorado. Se, impossibilitado de figurar junto à Casa<br />

para a qual elegeu deputados, tendo substancialmente mitigada a participação<br />

no fundo partidário e no horário de propaganda eleitoral, não deixará jamais a<br />

situação embrionária, própria ao surgimento de uma nova sigla. Permanecerá,<br />

se tanto, em plano secundário, inviabilizado o acesso eficaz a eleitores, o que<br />

somente ocorre em virtude da atuação parlamentar e da divulgação de metas<br />

partidárias. A dose é cavalar, implicando a potencialização do objeto visado


R.T.J. — <strong>207</strong> 135<br />

em detrimento de princípios constitucionais. Possíveis circunstâncias reinantes,<br />

possíveis desvios de finalidade hão de ser combatidos de forma razoável, sem a<br />

colocação em segundo plano de valores inerentes à democracia, a um Estado Democrático<br />

de Direito. Levem em conta ainda que o funcionamento parlamentar<br />

não o é apenas nas Assembléias e Câmaras, alcançando o Senado da República e<br />

neste os seguintes partidos, da ala excluída, elegeram nas últimas eleições senadores<br />

– sem contar aqueles que se encontram em meio ao mandato: Partido Trabalhista<br />

Brasileiro (PTB), 3 senadores; Partido Comunista do Brasil (PC do B),<br />

1 senador; Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), 1 senador; Partido<br />

Popular Socialista (PPS), 1 senador; e Partido Liberal (PL), 1 senador.<br />

Indaga-se: ter-se-á dois pesos e duas medidas com funcionamento parlamentar<br />

no Senado e ausência nas demais Casas Legislativas? Se positiva a resposta,<br />

o sistema estará capenga, distinguindo-se onde o legislador não distinguiu.<br />

Que fique ressaltado, em verdadeira profissão de fé, em verdadeiro alerta<br />

a desavisados, encontrar-se subjacente a toda esta discussão o ponto nevrálgico<br />

concernente à proteção dos direitos individuais e das minorias, que não se<br />

contrapõe aos princípios que regem o governo da maioria – cuja finalidade é o<br />

alcance do bem-estar público, a partir da vontade da maioria, desde que respeitados<br />

os direitos dos setores minoritários, não se constituindo, de forma alguma,<br />

em via de opressão destes últimos.<br />

No Estado Democrático de Direito, a nenhuma maioria, organizada em<br />

torno de qualquer ideário ou finalidade – por mais louvável que se mostre –, é<br />

dado tirar ou restringir os direitos e liberdades fundamentais dos grupos minoritários<br />

dentre os quais estão a liberdade de se expressar, de se organizar, de<br />

denunciar, de discordar e de se fazer representar nas decisões que influem nos<br />

destinos da sociedade como um todo, enfim, de participar plenamente da vida<br />

pública, inclusive fiscalizando os atos determinados pela maioria. Ao reverso,<br />

dos governos democráticos espera-se que resguardem as prerrogativas e a identidade<br />

própria daqueles que, até numericamente em desvantagem, porventura<br />

requeiram mais da força do Estado como anteparo para que lhe esteja preservada<br />

a identidade cultural ou, no limite, para que continue existindo.<br />

Aliás, a diversidade deve ser entendida não como ameaça, mas como fator<br />

de crescimento, como vantagem adicional para qualquer comunidade que tende<br />

a enriquecer-se com essas diferenças. O desafio do Estado moderno, de organização<br />

das mais complexas, não é elidir as minorias, mas reconhecê-las e, assim<br />

o fazendo, viabilizar meios para assegurar-lhes os direitos constitucionais. Para<br />

tanto, entre outros procedimentos, há de fomentar diuturnamente o aprendizado<br />

da tolerância como valor maior, de modo a possibilitar a convivência harmônica<br />

entre desiguais. Nesse aspecto, é importante sublinhar, o Brasil se afigura como<br />

exemplo para o mundo.<br />

Democracia que não legitima esse convívio não merece tal status, pois, na<br />

verdade, revela a face despótica da inflexibilidade, da intransigência, atributos<br />

que, normalmente afetos a regimes autoritários, acabam conduzindo à escravidão<br />

da minoria pela maioria.


136<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Alfim, no Estado Democrático de Direito, paradoxal é não admitir e não<br />

acolher a desigualdade, o direito de ser diferente, de não formar com a maioria.<br />

Mais: o Estado Democrático de Direito constitui-se, em si mesmo – e, sob certo<br />

ponto de vista, principalmente –, instrumento de defesa das minorias. Esse foi<br />

o entendimento adotado, levando o <strong>Supremo</strong> a garantir a criação de Comissão<br />

Parlamentar de Inquérito pela vontade de um terço – e não da maioria – dos parlamentares,<br />

no julgamento do MS 24.831-9/DF, relatado pelo Ministro Celso de<br />

Mello e cujo acórdão foi publicado no Diário da Justiça de 4 de agosto de 2006.<br />

É de repetir até a exaustão, se preciso for: Democracia não é a ditadura<br />

da maioria! De tão óbvio, pode haver o risco de passar despercebido o fato de<br />

não subsistir o regime democrático sem a manutenção das minorias, sem a garantia<br />

da existência destas, preservados os direitos fundamentais assegurados<br />

constitucionalmente.<br />

Então, encerro este voto, no julgamento conjunto das Ações 1.351-3/DF e<br />

1.354-8/DF, acolhendo os pedidos formulados – exceto quanto ao inciso II do<br />

art. 56 – e, com isso, declarando a inconstitucionalidade na Lei 9.096/95:<br />

a) do art. 13;<br />

b) da expressão “obedecendo aos seguintes critérios”, na cabeça do art. 41,<br />

e dos incisos I e II do mesmo preceito;<br />

c) do art. 48;<br />

d) da expressão “que atenda ao disposto no artigo 13”, no art. 49;<br />

e) da expressão “no artigo 13” do inciso II do art. 57.<br />

É o voto.<br />

VOTO<br />

(Aditamento)<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhora Presidente, reputo este<br />

julgamento histórico, tendo em conta o próprio Estado Democrático de Direito,<br />

a transferência de poder pelo povo a mandatários, a transferência de poder pelo<br />

povo a representantes. Por isso – não sou de me estender muito em votos –, peço<br />

a paciência dos colegas e também da assistência para o que tenho a assinalar e<br />

deixar registrado nos anais do <strong>Supremo</strong>.<br />

DEBATE<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, tenho uma preocupação,<br />

porque o art. 48 estabelece que:<br />

Art. 48. O partido registrado no <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral que não atenda<br />

ao disposto no art. 13 tem assegurada a realização de um programa em cadeia nacional,<br />

em cada semestre, com a duração de dois minutos.


R.T.J. — <strong>207</strong> 137<br />

Essa questão já foi amplamente discutida pelos requerentes e, agora, no<br />

voto do Relator. Salvo engano, está-se declarando a expressão “que não atenda<br />

ao disposto no art. 13”, não é Ministro Marco Aurélio?<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): De início, das expressões “que<br />

não atenda ao disposto no art. 13” e “com a duração de dois minutos”.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Se V. Exa. vai eliminar esses dois<br />

minutos, então fica o dispositivo todo; fica sem sentido; pois iria conceder mais<br />

dois minutos a todos os partidos.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: E fica pior, prejudica, não ajuda.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Estou falando do art. 48 da Lei 9.096.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Sim: “(...) que não atenda ao disposto no<br />

artigo (...) em cada semestre, com a duração de dois minutos”.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A única dúvida que poderíamos<br />

ter, sob o ângulo da extensão, diz respeito à vinculação ao pedido formulado, ao<br />

objeto da própria ação direta de inconstitucionalidade, porque a impugnação se<br />

fez nesse sentido. Concordo com o Ministro Sepúlveda Pertence no que S. Exa.<br />

afirma que, retiradas as expressões “que não atenda ao disposto no art. 13” e<br />

também “com a duração de dois minutos”, o artigo perde conteúdo.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Realmente, aí, o dispositivo é inconstitucional<br />

por arrastamento. Ele perde o sentido.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Se for o pensamento do Colegiado,<br />

adiro à declaração, na totalidade, da pecha de inconstitucional do art. 48.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: O art. 57, III.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Não, o art. 57 só tem dois incisos.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Ministro Gilmar Mendes, na<br />

ADI 1.354-8/DF, esse dispositivo foi atacado, o inciso II.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Isso é quanto ao fundo, mas a minha observação<br />

é quanto ao tempo de TV. A minha pergunta é: assente a inconstitucionalidade<br />

do art. 48 – para ficar ainda na questão da distribuição do tempo de TV –,<br />

não se deveria manter, quer dizer, deixar explicita a aplicação do art. 57, III?<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Art. 57, III?<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Precisaríamos retocar – e, talvez,<br />

atuássemos como legisladores positivos – a cabeça do artigo, porque o que nele<br />

previsto o foi para viger por período determinado.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Isso não é um problema de declaração.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Mas pelo menos uma cláusula provisória<br />

até que o Congresso delibere sobre isso.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Há uma saída.


138<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Vai ficar uma lacuna, e ela pode ser preenchida<br />

pelo 57.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Essa é a proposta.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É uma declaração de inconstitucionalidade,<br />

ao mesmo tempo, com um tipo de interpretação conforme.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): E se ataca o artigo como um todo.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: No final, V. Exa., em tese, está tendendo<br />

a propor a preservação da disciplina transitória até que o legislador edite<br />

uma legislação que atenda aos princípios constitucionais.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Há uma forma aceita pelo <strong>Tribunal</strong>,<br />

que é a procedência parcial da pecha de inconstitucionalidade quanto<br />

ao art. 57. Afastaríamos do cenário normativo apenas a limitação constante da<br />

cabeça do dispositivo, porque, nela, o que temos? Um balizamento de vigência:<br />

Art. 57. No período entre o início da próxima Legislatura e a proclamação<br />

dos resultados da segunda eleição geral subseqüente para a Câmara dos<br />

Deputados, será observado o seguinte (...)<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Esse é um dispositivo que, a rigor, já teria<br />

perdido a eficácia. Nós estamos tentando revitalizá-lo, tendo em vista a lacuna<br />

que se vislumbra.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É uma forma de declaração de inconstitucionalidade<br />

evitando cair num vazio normativo.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Houve, ao término do diploma, a<br />

revogação explícita, e não tácita. Se fosse a revogação tácita, ocorreria o restabelecimento<br />

da redação anterior.<br />

VOTO<br />

(Retificação)<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhora Presidente, evoluo para<br />

acolher a ponderação feita pelo Ministro Gilmar Mendes. Assento, então, que,<br />

no tocante ao art. 57, a interpretação é para preencher o que seria o vácuo normativo<br />

mediante o afastamento desses limites, dessas balizas temporais que<br />

estão na cabeça do artigo.<br />

Conseqüência prática: com isso, restabelecemos o que se mostrou de início<br />

norma transitória, até que o legislador venha e atue.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: E que regulou essa situação transitória<br />

durante todo este período: dez anos de vigência da lei.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Então, no art. 57, Ministro<br />

Marco Aurélio, será observado o seguinte: tiramos a baliza temporal.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não é uma declaração de inconstitucionalidade<br />

do art. 57. É declarar inconstitucional o art. 13 e suas repercussões,


R.T.J. — <strong>207</strong> 139<br />

de acordo com o voto do Relator e com outros fundamentos que venham a ser<br />

aventados, mas declarando que, enquanto o legislador não edite norma que<br />

atenda ao princípio do pluralismo, da liberdade de criação de partidos etc., continua<br />

em vigor a disposição transitória do art. 57, para evitar o vazio normativo.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Sem as limitações temporais<br />

que são fixadas no art. 57.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sem as limitações.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Porque, em relação ao fundo partidário,<br />

que é outra questão, tenho a impressão de que a declaração de inconstitucionalidade<br />

parcial resolveu integralmente o problema.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): É só no tocante à expressão contida<br />

no inciso II do art. 57: “que cumpram o disposto no artigo 13”.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Tenham preenchido as condições do art. 13:<br />

II – (...) na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para (...)<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: “(...) que cumpram o disposto no (...)<br />

inciso anterior (...)”.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Esse é o art. 49?<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Evoluo para restringir o voto,<br />

quanto à inconstitucionalidade do art. 57, à expressão contida no inciso II do<br />

art. 57: “o disposto no art. 13”.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: E fica: “que cumpram o disposto”;<br />

tira-se: “no art. 13 ou”, e continua: “no inciso anterior”.<br />

O que se declara inconstitucional é a referência ao art. 13, permanecendo<br />

essa discriminação, que é razoável e não é impugnada.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): No regime anterior, o que tínhamos<br />

em relação ao fundo partidário? Vinte por cento eram rateados em partes<br />

iguais, e os outros oitenta por cento, consoante a representação do partido na<br />

Câmara. Não podemos ter como restabelecido o quadro normativo anterior, porque<br />

houve revogação expressa.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Só uma pergunta: esta era uma cláusula<br />

transitória, o inciso II do art. 57. No contexto atual, o art. 41, com a declaração<br />

pro forma...<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Mas, segundo o ponto de vista<br />

externado, ela deixaria de ser transitória.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Não, ela voltaria a ser transitória.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Vejamos o art. 41:<br />

Art. 41. O <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral, dentro de cinco dias, a contar da data<br />

do depósito a que se refere o § 1º do artigo anterior, fará a respectiva distribuição<br />

aos órgãos nacionais dos partidos, obedecendo aos seguintes critérios.


140<br />

Esta é a regra permanente.<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

I – um por cento do total do Fundo Partidário será destacado para entrega,<br />

em partes iguais, a todos os partidos que tenham seus estatutos registrados no<br />

<strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral.<br />

Portanto, estariam abrangidos todos esses partidos. E:<br />

II – noventa e nove por cento do total do Fundo (...)<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Esse fica sem sentido; sem o art. 13,<br />

que é o fator diferenciador, a totalidade deste artigo fica sem sentido.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Porque, sem o art. 13, não tem base.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Sem o fator do discriminum, teria que sair.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Deveria sair, acompanhando,<br />

por arrastamento do art. 13.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Esse regula uma distinção entre os<br />

que atenderam, os que alcançaram ou não o patamar do art. 13. Ora, declarado<br />

inconstitucional o art. 13, toda essa disciplina do tratamento diferencial entre<br />

os que tenham alcançado e não alcançaram os patamares dele cai por terra; aí<br />

revitaliza-se o art. 57, no que reserva aos partidos de melhor desempenho: vinte<br />

e nove por cento do Fundo.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Porque o art. 13 apresentava o fator de discriminação<br />

que deixou de acontecer.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Até porque o art. 57 deixou de operar no pressuposto<br />

da operacionalidade do art. 13; como o art. 13 já não opera, volta o art. 57.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Muito embora não haja pleito<br />

quanto ao inciso I do art. 41, ele cai por arrastamento.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Não tem sentido também.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Eu acho, porque ele regulamenta o<br />

tratamento diferenciado conforme um critério que estamos a declarar inconstitucional;<br />

logo, não sobra nada dele.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: É. Por arrastamento, nada sobra.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): E a regência fica a do art. 57.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Por interpretação e com apelo ao legislador,<br />

adotamos a fórmula positiva que existe, e vem funcionando, que é a do art. 57.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Que era a fórmula transitória.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Esperemos que o legislador seja<br />

sensível ao apelo do <strong>Supremo</strong>.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Aí, ao invés da reserva de noventa e<br />

nove por cento para os partidos de melhor desempenho, ficam vinte e nove por<br />

cento. E isso, ninguém impugna.


R.T.J. — <strong>207</strong> 141<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Como vigorou por dez anos.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Mesmo porque se observou que,<br />

na 1.354-8/DF, não houve nenhum ataque sob esse ângulo. Ocorreu impugnação<br />

mais abrangente, mais linear, na 1.351-3/DF, o que demonstra que essa norma,<br />

para os partidos em geral, é palatável.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Então, no art. 41, tanto o inciso I<br />

quanto o inciso II declaram-se inconstitucionais? O próprio caput? Mas ele define<br />

um prazo de cinco dias. Acho que isso permanece.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É, Fundo Partidário. “(...) fará a respectiva<br />

distribuição aos órgãos nacionais dos partidos (...)”. O que cai são os critérios.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Permanece o caput.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Mas, do caput, cai a seguinte expressão:<br />

“obedecendo aos seguintes critérios”. O artigo termina aqui: “partidos”.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim. Até “órgãos nacionais dos<br />

partidos”.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A expressão “obedecendo aos<br />

seguintes critérios” é que cai.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: A expressão sucumbe.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: E, por interpretação do <strong>Tribunal</strong>, ressurge<br />

provisoriamente o art. 57.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: É, revitaliza, ressurge. Na verdade, é uma<br />

repristinação.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Até o advento de nova disciplina...<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Aqueles critérios do art. 57.<br />

Muito bem. Quanto ao art. 48 e 49, não há dúvida?<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Aí não temos mais dúvidas.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: E o art. 57 não é objeto da argüição,<br />

salvo naquela referência ao art. 13.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: No art. 57, só a expressão: “no art. 13 ou”.<br />

Só isso que cai.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhora Presidente, apenas para<br />

facilitar depois a redação do acórdão, consigno que retifico o meu voto. Faço-o<br />

para, no tocante ao art. 41, declarar a inconstitucionalidade, na cabeça do artigo,<br />

da expressão “obedecendo aos seguintes critérios”, e também para declarar a inconstitucionalidade<br />

dos dois incisos. Relativamente ao art. 57, inciso II, restrinjo<br />

a declaração de inconstitucionalidade, objetivando tão-somente evitar o vácuo<br />

normativo, à expressão “o disposto no artigo 13”.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não, “o disposto” fica.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Ministro, “o disposto” ficaria, não é?


142<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): No art. 13?<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: “o disposto no art. 13 ou”. Ou V. Exa.<br />

quer manter?<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: “No art. 13 ou”.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): E deixo o “ou” apenas para documentar<br />

que houve corte.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Além disso, Ministro Marco<br />

Aurélio, no caput do art. 57, Vossa Excelência também não elimina a delimitação<br />

temporal?<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Na verdade, estamos fazendo uma interpretação<br />

conforme, autorizando que essa norma seja aplicada provisoriamente.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Isso não é um objeto do dispositivo da<br />

decisão, senão nesse sentido.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não chego a isso justamente para<br />

evitar o vácuo, porque o <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral tem pela frente o problema<br />

da distribuição do fundo já agora em janeiro.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Aí o TSE tem que regular isso. Ele<br />

rearrumará esse problema, com base no art. 57.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não precisaríamos sequer de um<br />

novo programa nos computadores, porque já vínhamos observando isso.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O art. 13 nunca se aplicou porque não<br />

estava eficaz.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Como ficou o art. 49? Suprime-se a expressão<br />

“que atenda ao disposto no art. 13”?<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sim, só a expressão “que atenda ao disposto<br />

no art.13”.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Creio que suprime tudo, porque o artigo<br />

também regula a situação de uma categoria de partidos, que estamos declarando<br />

inconstitucionais.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É tudo também por conta da cláusula.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): O art. 49 na íntegra.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: A razão de ser do art. 49 era a vigência do<br />

art. 13. Então, o pressuposto lógico cai também.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Relativamente ao que se contém<br />

no art. 49, considerado o critério do arrastamento, porque não há pedido abrangente,<br />

também declaro a inconstitucionalidade total.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Tanto quanto o art. 48?<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Em relação ao art. 56, inciso II,<br />

vejamos se há algum ajuste a fazer.


R.T.J. — <strong>207</strong> 143<br />

Não se atacou o art. 56.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Havia uma redução do tempo.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O art. 56 não está sendo atacado.<br />

Então, ele também tem que entrar nessa declaração interpretativa.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Por causa do prazo.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Em que sentido, Ministro<br />

Sepúlveda Pertence?<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: No sentido de que continua aplicável,<br />

em termos, não só o art. 56 como o art. 57.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Pelo vínculo funcional com o art. 13.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): O inciso I do art. 56, que não<br />

foi atacado, limita o funcionamento parlamentar, exigindo que o partido tenha<br />

eleito deputados.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Estabelece: “três representantes de diferentes<br />

Estados”. Essa diferenciação gradativa não foi atacada. Ela permanece.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Então permanece o art. 56 apenas<br />

sem a limitação temporal.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Permanece o programa, em cadeia<br />

nacional, com dez minutos de duração.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): E deixamos o inciso II. Julgamos<br />

improcedente quanto ao inciso II, para que a Câmara, então...<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Porque era objeto da argüição de inconstitucionalidade.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Inciso II de qual artigo?<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Inciso II do art. 56.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas o art. 56 não foi atacado.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): O inciso II do art. 56 foi atacado.<br />

E o mais interessante é que, se o fulminássemos, não teríamos a disciplina<br />

quanto ao inciso I.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mantém-se o inciso I e elimina-se o<br />

inciso II...<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Esse é o problema. Creio que temos<br />

de deixar o inciso II.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Temos que deixar o art. 56.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Só com essa interpretação<br />

conforme.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Retifico, no particular, o voto para<br />

julgar improcedente o pedido quanto ao inciso II do art. 56.


144<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não há referência ao art. 13. É essa a<br />

distinção. Mantém a legislação e isso deve corresponder às resoluções do TSE<br />

nesse período de vacância.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Nesse período, agora, ajustando a essa decisão<br />

as resoluções do TSE.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Realmente ele não altera, porque estamos<br />

tirando as referências ao art. 13. Essa nunca foi aplicada pelo TSE, até<br />

agora, porque, até aqui, se aplicaram as disposições transitórias.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Vejo uma impropriedade no<br />

ataque formalizado. Surge o problema: o inciso I do art. 56, a rigor, limita o<br />

funcionamento parlamentar porquanto a norma exige, para que ocorra esse funcionamento<br />

parlamentar, a eleição, pelo partido, no mínimo, de três representantes,<br />

considerados diferentes Estados e, portanto, três Estados.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Veja V. Exa. que, se atendermos a<br />

impugnação e subtrairmos o inciso II, só terão funcionamento parlamentar os<br />

partidos do inciso I.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A minha preocupação não é essa.<br />

A premissa de meu voto se mostrou como sendo a impossibilidade de cercear o<br />

funcionamento parlamentar relativamente a partido que logrou eleger candidato.<br />

Aqui a exigência é maior, porque, em meu voto, contento-me com a eleição de<br />

um único deputado, e aqui se exigem três e que não podem ter sido eleitos no<br />

mesmo Estado. Não posso ir além do pedido.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O problema é a subtração do inciso II.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Quanto ao inciso II, julgo improcedente<br />

o pedido e paro aqui. Não o adentro mais.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Dispensada a exigência fixada no inciso I,<br />

a, do art. 57.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas isso não entra.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não posso, porque não há o pedido.<br />

E aqui não seria por arrastamento. Devemos aguardar.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Estabelece o inciso I do art. 56:<br />

I – fica assegurado o direito ao funcionamento parlamentar na Câmara dos<br />

Deputados ao partido que tenha elegido e mantenha filiados, no mínimo, três representantes<br />

de diferentes Estados;<br />

Fica a questão da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. Se a Mesa, ao<br />

regular isso, infringir os princípios constitucionais em que está fundamentado,<br />

o voto de Vossa Excelência será outro problema.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Julgo improcedente, portanto, o<br />

pedido formulado quanto ao inciso II do art. 56, tout court.<br />

Não vou adiante.


R.T.J. — <strong>207</strong> 145<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, já me havia manifestado<br />

inicialmente no sentido da concordância com o voto do eminente Ministro Relator.<br />

Gostaria apenas de destacar dois aspectos que me parecem decisivos – e<br />

vou fazer juntada de voto. Na verdade, a discussão que se colocou aqui é a possibilidade,<br />

ou não, de se estabelecer o que se tem chamado entre nós, num certo<br />

eufemismo, de “cláusula de barreira” ou “cláusula de desempenho”.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: No caso, mais propriamente cláusula<br />

de desempenho. Não mata: deixa morrer.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Essa disposição encontrou base no Texto<br />

Constitucional, no próprio art. 17, que tratou do funcionamento parlamentar nos<br />

termos da lei. Isso fica evidente e, a partir daí, também o legislador tirou outras<br />

conseqüências no que concerne aos programas de televisão e ao acesso ao fundo<br />

partidário, reduzindo, significativamente, esse acesso para os tais partidos que<br />

não lograrem preencher ou satisfazer essa cláusula de barreira.<br />

Como sabemos, essa fórmula tem paradigmas no Direito Comparado. No<br />

Direito alemão, consagra-se que o partido político que não obtiver 5 % (cinco<br />

por cento) dos votos, na votação proporcional, não obterá mandato algum, ou,<br />

pelo menos, três mandatos diretos, também na eleição, portanto, para o chamado<br />

“primeiro voto”. E, nesse caso, despreza-se a votação dada ao partido.<br />

Todavia, nunca se atribuiu conseqüência no que concerne àquilo que chamamos<br />

de “igualdade de oportunidades” ou “igualdade de chances”. A legislação<br />

até tentou estabelecer um limite de 2,5 % (dois e meio por cento) dos votos, para<br />

fazer aquilo que, no modelo alemão, é o financiamento público das campanhas.<br />

Mas a Corte Constitucional entendeu que essa cláusula era, sim, violadora do<br />

princípio da igualdade de oportunidades, porque impedia que o partido político<br />

com uma pequena expressão conseguisse um melhor desempenho, exatamente<br />

porque ele não teria nem acesso à televisão, muito menos acesso aos recursos<br />

públicos. Daí a legislação ter fixado esse percentual em 0,5 % dos votos para o<br />

pagamento dessa indenização pelo desempenho dos partidos nas eleições.<br />

Tenho para mim que, entre nós, tivesse o legislador encontrado uma fórmula<br />

para fixar de fato uma cláusula de barreira semelhante, ainda que em patamares<br />

inferiores, talvez não estivéssemos tendo essa discussão. Acredito que<br />

se trataria de uma fórmula constitucional. É possível, sim, ao legislador – não<br />

precisaria elevar a questão para o patamar da legislação constitucional – estabelecer<br />

uma cláusula de barreira.<br />

De certa forma, o modelo proporcional já dá ensejo a alguma limitação<br />

quando estabelece o quociente eleitoral, a distribuição dos mandatos pela<br />

sobra – cláusula específica dizendo que só aquele que consegue o quociente<br />

eleitoral obtém a disputa dos mandatos pelos restos ou sobras –; portanto, já há<br />

cláusula semelhante na regulação, na concretização do modelo proporcional.<br />

Então, parece-me que isso é possível de se fazer entre nós.


146<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Todavia, a via eleita pelo legislador parece extremamente delicada, como<br />

já demonstrado no voto do Relator, por duas razões. A primeira razão é que se<br />

compromete o chamado funcionamento parlamentar in totum, uma violação<br />

claríssima do próprio princípio da proporcionalidade. Não se deixou qualquer<br />

espaço, não se fez qualquer mitigação, mas, simplesmente, negou-se o funcionamento<br />

parlamentar das instituições ou agremiações partidárias que, como vimos,<br />

obtiveram um expressivo cabedal de votos. Portanto, aqui, há um sacrifício<br />

radical da minoria. Isso realmente parece comprometer o próprio art. 17.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Com eleição de duas dezenas de<br />

deputados.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Realmente, a fórmula, ainda que compartilhemos<br />

do pensamento político, da teleologia quanto à necessidade de<br />

governabilidade – esse é um dos pensamentos, um “leitmotiv”, desse tipo de<br />

fórmula –, é evidente que aqui há um comprometimento da própria cláusula<br />

democrática. Não tenho, portanto, nenhuma dúvida quanto à inconstitucionalidade<br />

dessa chamada cláusula de barreira à brasileira.<br />

Outro dado que realmente preocupa é a questão da igualdade de oportunidade<br />

e o seu reflexo, tanto no que diz respeito ao fundo partidário como no<br />

que concerne ao modelo da distribuição do horário de TV e Rádio – questão já<br />

antiga, o Ministro Sepúlveda Pertence e eu discutíamos isso na Procuradoria-<br />

Geral da República nos anos 86/87, consagrando e deixando claro que, embora<br />

não explicitado no nosso ordenamento constitucional, na verdade, essa cláusula<br />

integra, sim, o nosso sistema jurídico-constitucional-partidário. Inclusive, a<br />

partir daquela decisão do TSE, a própria legislação passou a albergar um espaço<br />

maior para as minorias partidárias, porque reconhecer a autonomia e liberdade<br />

partidária e não permitir acesso ao fundo, e não permitir acesso ao Rádio e a<br />

Televisão, é fazer algo...<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O que essa lei fez foi garantir um outro<br />

direito: o direito de acesso ao que o professor Marcelo Cerqueira chama de<br />

“corredor da morte”.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É verdade, porque ao garantir 1% do fundo<br />

partidário para essas agremiações e dois minutos para divulgação dos seus<br />

programas, na verdade, o modelo acabou por comprometer aqui o princípio da<br />

igualdade de chances ou da igualdade de oportunidades, que entendo presente<br />

na legislação brasileira.<br />

É claro, como também já disse o Relator, que as preocupações do legislador<br />

são legítimas. O nosso sistema proporcional, consagrado a partir de 1932, vem<br />

dando sinais de alguma exaustão. A crise política que aí está bem o demonstra.<br />

E acredito que nós aqui estamos inclusive desafiados a repensar esse modelo a<br />

partir da própria jurisprudência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> – e vou um pouco<br />

além da questão posta neste voto, neste caso: talvez estejamos desafiados a<br />

pensar inclusive sobre a conseqüência da mudança de legenda por aqueles que<br />

obtiveram o mandato no sistema proporcional. É um segredo de carochinha que


R.T.J. — <strong>207</strong> 147<br />

todos dependem da legenda para obter o mandato. E depois começa esse festival<br />

de trocas já anunciadas. Uma clara violação à vontade do eleitor.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): V. Exa. me permite?<br />

No voto, pelo menos sinalizo, quando me refiro que o casamento não admite<br />

divórcio, a fidelidade, que, para mim, é fidelidade a propósitos.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É verdade. É preciso, portanto, pensar isso,<br />

tendo em vista esta institucionalidade complexa dos partidos políticos. Já vimos<br />

aqui que os partidos políticos são esses entes ambivalentes, um pouco ente público,<br />

um pouco ente privado, um pouco ente da própria sociedade, fazendo essa<br />

mediação entre o eleitor e o poder. É preciso pensar isso com seriedade. Se olharmos,<br />

então, essa questão nessa perspectiva, tenho a impressão de que vai chegar<br />

o momento e talvez, ainda nessa legislatura, devêssemos rever aquela jurisprudência<br />

do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> que consagrou o entendimento segundo o<br />

qual a infidelidade partidária não teria repercussão sobre o mandato exercido.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): De quando é essa jurisprudência,<br />

Ministro Gilmar Mendes?<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É de 1991, MS 20.297.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O Ministro Paulo Brossard, com a elegância<br />

que o caracteriza, defendeu com imensa bravura e eloqüência a perda do<br />

mandato do parlamentar que abandonasse o partido. Agora, isso é difícil de se<br />

conciliar com uma legislação como a nossa, que admite, por outro lado, a coligação<br />

nas eleições proporcionais.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Aí o mandato seria imperativo.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não quanto a mandato imperativo.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Veja bem. A perda do mandato de um<br />

deputado eleito por determinada coligação traria ao exercício do mandato não<br />

necessariamente um filiado àquele partido do qual se afastou, mas um aliado,<br />

que pode ser de um partido absolutamente diverso, como é da nossa experiência.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): V. Exa. me permite?<br />

Creio que não prejudica o instituto da fidelidade. Por que não prejudica?<br />

Porque a coligação é para a reunião de forças, mas, posteriormente, a distribuição<br />

das cadeiras se faz segundo a sigla dos candidatos.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, mas a suplência, não. Para a ordem<br />

de suplência permanece a da coligação.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Mas sendo a suplência um acessório,<br />

segue a sorte do principal. Se, em relação ao principal, há vinculação a<br />

predominar a sigla, evidentemente, quanto à suplência, também se deve observar<br />

o mesmo critério.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O Ministro Eros Grau está inquieto<br />

com o “seminário”.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Acho que nós estamos saindo do assunto.


148<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Estamos, sim.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Estamos saindo conscientemente, neste<br />

caso, por conta da discussão que se coloca. Qual foi o móvel dessa legislação?<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Mesmo porque se avizinha – e<br />

vamos ver se agora ela vem – uma reforma política.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: E encerro, Senhora Presidente, dizendo o<br />

seguinte:<br />

Se consideramos a exigência da filiação partidária como condição de elegibilidade<br />

e a participação do voto de legenda na eleição do candidato, tendo em<br />

vista o modelo eleitoral proporcional adotado para as eleições parlamentares,<br />

essa orientação que admite não haver reflexo no mandato quanto à opção por<br />

uma nova agremiação partidária afigura-se amplamente questionável. Assim,<br />

ressalvadas as situações específicas decorrentes de ruptura de compromissos<br />

programáticos por parte da agremiação ou outra situação de igual significado, a<br />

meu ver, o abandono de legenda deveria dar ensejo à perda de mandato.<br />

Na verdade, embora haja participação especial do candidato na obtenção<br />

de votos com o objetivo de posicionar-se na lista dos eleitos, tem-se que a eleição<br />

proporcional se realiza em razão da votação atribuída à legenda. Como se sabe,<br />

com raras exceções, a maioria dos reeleitos sequer logra obter o quociente eleitoral,<br />

dependendo a sua eleição dos votos obtidos pela agremiação. Nas atuais eleições,<br />

tivemos a notícia nos jornais de que apenas trinta e quatro parlamentares<br />

lograram autonomamente preencher o quociente eleitoral com a votação obtida.<br />

Nessa perspectiva, não parece fazer qualquer sentido do prisma jurídico e<br />

político que o eventual eleito possa simplesmente desvencilhar-se dos vínculos<br />

partidários originalmente estabelecidos, carregando um mandato obtido em um<br />

sistema no qual se destaca o voto atribuído à agremiação partidária a que está<br />

afiliado para outra legenda. Essa é uma obiter dictum, apenas tendo em vista o<br />

móvel que determinou essa cláusula do art. 13.<br />

Mas, tal como já observado – e vou fazer a juntada do voto –, acompanho<br />

o voto do eminente Relator, saudando o magnífico voto por ele proferido.<br />

VOTO<br />

(Aditamento)<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, trago também<br />

um voto escrito relativamente alentado, mas como terei de me retirar, peço vênia<br />

para fazer um breve resumo.<br />

Em linhas gerais, concordo com o que foi dito pelo Relator. O meu voto<br />

segue na linha dos argumentos do eminente Ministro Marco Aurélio e também<br />

do eminente Ministro Gilmar Mendes.<br />

No meu voto faço uma resenha histórica da cláusula de barreira, de exclusão<br />

ou de desempenho, dizendo que ela surgiu na Alemanha no pós-guerra. Foi


R.T.J. — <strong>207</strong> 149<br />

adotada pela primeira vez, ou melhor, tentou-se adotar essa cláusula no Brasil<br />

nos anos 50 por meio de legislação infraconstitucional. Mas, antes que entrasse<br />

efetivamente em vigor, ela foi revogada. Somente a partir do regime autoritário,<br />

como aqui foi bem lembrado, na Constituição de 67, depois na Emenda<br />

Constitucional de 69 e, mais tarde, em outras emendas constitucionais, inclusive<br />

na Emenda Constitucional 25, editada antes ainda da Constituição de 1988, mas<br />

dentro de um quadro eminentemente bipartidário, é que essa cláusula passou a<br />

ter status constitucional.<br />

Quando veio a Constituição de 1988, restabeleceu-se a cláusula de barreira,<br />

mas, em contrapartida, previu-se, com todas as letras, no art. 17 da Carta<br />

Magna, a mais ampla e irrestrita liberdade de organização dos partidos políticos,<br />

de um lado. E, de outro, nesse mesmo art. 17, consagrou-se, como um dos valores<br />

fundamentais da organização partidária, o pluripartidarismo. Agora, nota-se, a<br />

matéria é tratada no plano infraconstitucional, quer dizer, no art. 13 da Lei 9.096.<br />

Em meu voto, teço algumas considerações – antes de ingressar no aspecto<br />

efetivamente constitucional – de natureza político-institucional. Digo que a criação<br />

pura e simples de uma cláusula de barreira sem que se desenvolva reflexões<br />

dentro de um quadro mais amplo, ou seja, sem que se tenha como pano de fundo<br />

a chamada reforma política, notadamente no que diz respeito à fidelidade partidária,<br />

à votação em listas, ao voto distrital puro ou misto, à questão da verticalização,<br />

à quebra da simultaneidade das eleições para os parlamentos estadual<br />

e federal, e ao fim da representação desproporcional dos Estados e do Distrito<br />

<strong>Federal</strong> na Câmara dos Deputados, não levará aos resultados desejados. Se não<br />

se discutir essa questão dentro de um contexto mais amplo, insisto, acabaremos<br />

sempre privilegiando os partidos maiores, melhor estruturados materialmente,<br />

em detrimento dos partidos menores e ideológicos.<br />

Acompanho, nesses termos, o voto do eminente Ministro Marco Aurélio.<br />

Além das considerações que expendi, o faço basicamente por dois motivos.<br />

Primeiro, porque entendo que a matéria, tratada num plano infraconstitucional,<br />

fere de morte o princípio agasalhado no inciso V do art. 1º da Constituição, qual<br />

seja, o pluralismo político, fundamento do Estado democrático de direito.<br />

Depois, porque, como foi dito, a cláusula de barreira, tal como posta,<br />

atinge profundamente a garantia essencial, inerente a uma democracia representativa,<br />

que é a garantia de que as minorias encontrem efetiva expressão no plano<br />

político, sob pena de instaurar-se uma ditadura da maioria, sobretudo quando se<br />

estabelece, como no caso, restrições draconianas, irrazoáveis, desproporcionais<br />

para o acesso ao fundo partidário e ao tempo no rádio e na televisão.<br />

Finalmente, faço a seguinte consideração para rebater as objeções que<br />

foram apresentadas às ações de inconstitucionalidade ora ajuizadas: o requisito<br />

“caráter nacional”, estabelecido no art. 17, § 1º, da Constituição, a previsão de<br />

funcionamento parlamentar de acordo com a lei, a que se refere o seu inciso IV,<br />

e até mesmo o preceito contido no § 3º desse artigo, segundo o qual o direito aos<br />

recursos do fundo partidário e o acesso gratuito ao rádio e à televisão far-se-ão<br />

na forma da lei, devem ser interpretados cum grano salis, porque não se pode


150<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

dar a esses dispositivos constitucionais um elastério muito amplo, de maneira a<br />

afastar os valores maiores que se encontram ínsitos no princípio republicano e<br />

no princípio democrático, em especial o pluralismo político e a garantia de expressão<br />

das minorias.<br />

Por essas e outras razões que já foram explicitadas com muito mais brilho,<br />

também julgo procedentes ambas as ações, adotando as ressalvas feitas pelo<br />

eminente Relator.<br />

É como voto.<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, também tenho voto<br />

escrito e vou anexá-lo.<br />

Quero apenas deixar registrado, também com muita rapidez, meus cumprimentos<br />

aos trabalhos sempre brilhantes do Ministro Marco Aurélio, cujo<br />

voto, hoje, tão alentado, tão profundo, vou, evidentemente, seguir, com as achegas<br />

para o final.<br />

Também não posso deixar de cumprimentar os senhores advogados, que<br />

assomam à Tribuna e ajudam muito com suas ponderações, com a forma como<br />

trazem os argumentos. Isso faz com que a jurisdição seja prestada de forma<br />

sempre muito melhor e realiza o verdadeiro pluralismo da comunidade jurídica.<br />

Não vou repetir tudo o que foi dito, até porque está escrito e farei anexar<br />

voto. Quero apenas fazer minhas ponderações no sentido de que, em primeiro<br />

lugar, quando se fala em ditadura da maioria, não tenho tanta preocupação com<br />

o fato de que estamos enaltecendo minorias. A minoria de hoje tem de ter espaço<br />

para ser a maioria de amanhã. Se não for assim, a cidadania se perde.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A proteção decorre do fato de o<br />

<strong>Supremo</strong> ter as portas abertas.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Claro, e de termos uma Constituição –<br />

como foi tantas vezes repetido – que faz isso. Em um país plural como o nosso,<br />

temos de ter pluralismo.<br />

Não sou capaz ainda de entender, Senhora Presidente, por mais que se tenha<br />

dito – como bem ponderou o Ministro Gilmar Mendes que é preciso tomar<br />

cuidado com questões ético-partidárias –, os partidos que se prestam a aluguel,<br />

que não são sempre nem necessariamente apenas pequenos, e a história da humanidade<br />

bem demonstra isso. É preciso que se saiba que estamos tentando<br />

construir uma sociedade inclusiva.<br />

Esta cláusula, que, às vezes, é também chamada de “exclusão”, para mim,<br />

já peca, democraticamente, pelo nome, porque o nome acaba virando verdade, o<br />

pensamento e, depois, a experiência de cada pessoa. Não gosto da expressão. Não<br />

gosto até da expressão “exclusão”, porque parece que queremos incluir para vir<br />

para o nosso lado o outro, mas, realmente, esse apelido, por exemplo, não é bom.<br />

Um outro dado que creio não ter sido tão enfatizado aqui – todos os outros<br />

já o foram – é que chamamos muita atenção para o fato de que, tal como posto na


R.T.J. — <strong>207</strong> 151<br />

Lei 9.096, sempre se chama atenção para o inciso V do art. 1º: o pluralismo. O pluralismo<br />

podia não ensejar o multipartidarismo, como até chegou a ser ponderado.<br />

Chamo mais atenção para o art. 14 da Constituição da República, quando diz:<br />

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo<br />

voto direto e secreto, com valor igual para todos (...)<br />

Quer dizer, isto chegou a ser comentado também: talvez nós, brasileiros,<br />

tenhamos de interpretar a Constituição no sentido de que voto não é depósito em<br />

urna. O voto começa na urna e continua quando eleito candidato. Aí, sim, dá-se<br />

cumprimento ao art. 17, quando chama atenção para o funcionamento parlamentar<br />

– algo sobre o qual os constitucionalistas, aliás, não se debruçaram tanto –,<br />

para saber se esse funcionamento parlamentar, na forma da lei, é o exercício de<br />

funções parlamentares ou se é o preenchimento dos cargos de função – função<br />

no sentido de cargo.<br />

O que se quer é que tudo isso possa acontecer; que o partido que consiga chegar<br />

a ter eleitores chegue aos cargos postulados; e que o Parlamento funcione com<br />

todos os representantes do povo, já que o povo não tem candidatura avulsa, e, portanto,<br />

o partido, necessariamente, haverá de ser o caminho pelo qual se chega lá.<br />

Concordo, quanto ao demais, que o princípio da proporcionalidade e o<br />

princípio da oportunidade foram agredidos.<br />

Por tudo quanto posto aqui – não vou, realmente, me alongar –, acho que<br />

essa cláusula fere enormemente a Constituição, não apenas no art. 1º; fere no<br />

caput do art. 1º: o Estado não é democrático quando eu voto, e o meu eleito já<br />

entra sabendo não poder ter a participação que eu queria que ele tivesse.<br />

Acompanho o Relator, com as modificações finais, e vou entregar o voto<br />

por escrito.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Da cláusula de barreira diz Marcello Cerqueira,<br />

em exposição proferida em congresso de Direito Constitucional realizado no<br />

mês de novembro que passou:<br />

Essa cláusula (barreira, exclusão, desempenho), abolida com a redemocratização,<br />

em 1985, agora retorna (aparentemente agravada) na Lei 9.096/95 (...)<br />

Introduz-se, no Direito Constitucional, norma de exceção em face da qual está<br />

previamente censurada a liberdade partidária, a possibilidade de expressão de<br />

correntes e pensamentos políticos que não se enquadrem na “propalada” regra<br />

iníqua que implica negar seu aperfeiçoamento em uma sociedade complexa e diferenciada.<br />

É como um jardineiro que impede que flores novas desabrochem e se<br />

poupe de apenas regar antigas ervas, que podem ser daninhas.<br />

2. Essa cláusula, designa-a o eminente professor como “corredor da morte<br />

das minorias políticas”.<br />

3. A Constituição do Brasil afirma como um dos fundamentos da República<br />

Federativa do Brasil o pluralismo político (art. 1º, V).


152<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Por outro lado, os partidos políticos com representação no Congresso<br />

Nacional são titulares de legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança<br />

coletivo e ação direta de inconstitucionalidade (arts. 5º, LXX, e 103, VIII).<br />

Todos os partidos políticos, todos eles, sem distinção de nenhuma ordem, desde<br />

que estejam representados no Congresso Nacional.<br />

4. Essa lei na ação direta de inconstitucionalidade impugnada faz porém<br />

distinções entre os partidos, tratando-os de modo diferenciado. Isso de modo a<br />

entrar em testilhas com o disposto no art. 17 e parágrafos da Constituição. De<br />

sorte a agravar mesmo o direito de associação, objeto de garantias estipuladas<br />

nos incisos XVII, XVIII e XIX do art. 5º da Constituição.<br />

5. A lei, de modo oblíquo, reduz a representatividade dos deputados eleitos<br />

por determinados partidos, como que cassando não apenas parcela de seus<br />

deveres de representação, mas ainda – o que é mais grave – parcela dos direitos<br />

políticos dos cidadãos e das cidadãs que os elegeram. Para ela, o voto direto a<br />

que respeita o art. 14 da Constituição do Brasil não tem valor igual para todos.<br />

Uma lei com sabor de totalitarismo. Bem ao gosto dos que apoiaram a cassação<br />

de mandatos e de registro de partido político; bem ao gosto dos que, ao tempo<br />

da ditadura, contra ela não assumiram nenhum gesto senão o de apontar com o<br />

dedo. Não apenas silenciaram, delataram...<br />

6. Uma lei tão adversa à totalidade que a Constituição é, tão adversa a esta<br />

totalidade que o mesmo partido político pelo qual poderá ter sido eleito o Chefe<br />

do Poder Executivo será, sob a incidência de suas regras, menos representativo<br />

do que os demais partidos no âmbito interno do Parlamento.<br />

7. Múltipla e desabridamente inconstitucional, essa lei afronta o princípio<br />

da igualdade de chances ou oportunidades, corolário do princípio da igualdade.<br />

Pois é evidente que seria inútil assegurar-se a igualdade de condições na disputa<br />

eleitoral se não se assegurasse a igualdade de condições no exercício de seus<br />

mandatos pelos eleitos.<br />

8. Discorrendo sobre as maiorias e o despotismo da maioria, sobre o absurdo<br />

de uma maioria fixada meramente por via matemática e estatística, Carl<br />

Schmitt 1 afirma a necessidade de pressupor-se, sempre, um princípio de justiça<br />

material, se não quisermos ver desmoronar de uma só feita todo o sistema da<br />

legalidade. Esse princípio é o da igualdade de “chance” para alcançar aquela<br />

maioria, aberta a todas as opiniões, a todas as tendências e a todos os movimentos<br />

concebíveis. Sem esse princípio, a matemática das maiorias seria um jogo<br />

grotesco, um insolente escárnio. Quem obtivesse a primeira maioria a deteria<br />

para sempre – seu poder seria permanente.<br />

9. Quase à mesma época Herman Heller 2 afirmava, significativamente,<br />

que o parlamentarismo descansa de modo muito especial em um conteúdo<br />

comum de vontade que integra todas as oposições. Pois essa unidade política<br />

1<br />

Legalidad y legitimidad, trad. Jose Diaz Garcia, Aguilar, Madrid, 1971, p. 43-44.<br />

2<br />

Europa y el fascismo, trad. de Francisco J. Conde, Editorial España, Madrid, 1931, p. 14.


R.T.J. — <strong>207</strong> 153<br />

deve realizar-se, como sua essência requer, em condições da maior liberdade e<br />

igualdade de possibilidades de atuação política para todos os grupos.<br />

10. Anoto ainda aqui, parenteticamente, que há vinte anos sobre esse<br />

mesmo princípio escreveu o Ministro Gilmar Mendes, em artigo publicado na<br />

RDP número 82, então discorrendo sobre a jurisprudência constitucional alemã.<br />

11. A igualdade de chance em verdade não acresce sentido inovador à<br />

igualdade. Antes, pelo contrário, desdobra-se da sua própria raiz. Igualdade significando<br />

isonomia não apenas entre partidos, porém, sobretudo, entre eleitores.<br />

Isonomia com a qual a Lei 9.096/95 é de todo incompatível.<br />

Julgo procedente a ação direta de inconstitucionalidade.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, este é um tema grandioso,<br />

que, sem dúvida interfere no curso da vida e plasma o perfil da sociedade<br />

brasileira. Sobre ele tenho lido ultimamente muita coisa de excelente qualidade:<br />

um artigo do Professor Dalmo Dallari; esse do Marcelo Cerqueira, tão citado<br />

aqui, com todos os elogios merecidos; hoje, um primoroso artigo de Agnello<br />

Queiroz no Correio Braziliense; ontem, na Folha de São Paulo, um comentário<br />

também muito lúcido, muito bem posto, de Fernando Rodrigues; o parecer da<br />

Advocacia-Geral da União, sem dúvida, uma peça de fino lavor jurídico. Em<br />

suma, isso é próprio de uma constituição densamente axiológica. Como a nossa<br />

Constituição consagra muitos valores, alguns deles se antagonizam, na prática,<br />

levando-nos a um tipo difícil de opção – já tenho falado sobre isso –: se optamos<br />

de um jeito, prestigiamos a Constituição; se optamos de outro, prestigiamos<br />

igualmente a Constituição. E fica uma estranha opção interpretativa entre o<br />

certo e o certo, já que todas as opções têm lastro constitucional. É aquele tipo<br />

de questão que lembra Sócrates, em um dilema famoso, quando perguntado por<br />

um discípulo: Mestre, o homem deve casar ou permanecer solteiro? E Sócrates<br />

respondeu: Seja qual for a decisão, virá o arrependimento.<br />

Mas aí nos socorre, graças a Deus, o chamado princípio da proporcionalidade<br />

em sentido estrito, ou seja: entre o certo e o certo, qual a opção que menos<br />

ofende os outros valores da Constituição? Dizendo de modo reverso: qual a opção<br />

mais afirmativa dos demais valores da Constituição?<br />

Aí entendo que o eminente Relator se houve muito bem. Fez um tipo de<br />

opção, em seu magnífico voto, que prestigia os partidos políticos e o princípio<br />

da liberdade associativa.<br />

É sabido que partido político é uma modalidade de associação que a<br />

Constituição tratou em apartado, a partir do art. 17, não para desprestigiar, mas<br />

para prestigiar. Isolou a matéria para demonstrar por ela o seu especial apreço.<br />

O Ministro Relator, também no seu voto, prestou tributo ao princípio da<br />

igualdade: a igualdade do eleitor, que, no art. 14 da Constituição, emite um voto<br />

de expressão da soberania popular, com valor igual para todos, ou seja, um voto


154<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

que deve ter o mesmo peso político; igualdade entre os eleitos – afinal de contas,<br />

diz o art.1º, parágrafo único, da Constituição:<br />

Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos<br />

ou diretamente, nos termos desta Constituição.<br />

Então, igualdade quanto aos eleitos, que poderão, em condições equânimes,<br />

escolher suas lideranças, participar de suas bancadas, atuar em blocos,<br />

participar de comissões, inclusive de formação das diversas Mesas dirigentes<br />

do Poder Legislativo.<br />

S. Exa. também colocou em pé de igualdade os partidos políticos. E foi<br />

além: prestigiou também o pluralismo – já foi referido –, que é mencionado<br />

desde o preâmbulo da Constituição, num plano social genérico, o pluralismo<br />

cultural, e, no inciso V do art.1º, de modo específico, o pluralismo enquanto<br />

opção político-partidária, sabido que partido outra coisa não é senão que parte,<br />

fração, parcela de opinião pública, no sentido ideológico mesmo, uma mundividência,<br />

um modo diferenciado de conceber a estruturação e o funcionamento<br />

tanto do Estado quanto do Governo.<br />

De maneira, Presidente, que S. Exa. ainda, com o seu voto, prestigiou esse<br />

mecanismo de freios e contrapesos que opera não apenas entre os Poderes de um<br />

para o outro, mas no interior do próprio Parlamento, conferindo especial espaço<br />

de atuação às minorias parlamentares, visto que há um vínculo lógico entre minorias<br />

parlamentares e minorias partidárias.<br />

Toda a Constituição é um estatuto das minorias para que se faça uma oposição<br />

aos eventuais governantes, minorias tuteladas pela Constituição, para que<br />

elas possam fazer um tipo de oposição altiva, independente, corajosa – e por que<br />

não dizer? –, patriótica.<br />

O Ministro Marco Aurélio faz-me passar em revista os diversos valores da<br />

Constituição e chegar à serena conclusão de que o julgamento por S. Exa. exarado<br />

foi uma clara opção por valores constitucionais que, no seu conjunto, contraindicam<br />

os dispositivos impugnados a partir do art. 13, um artigo que – ouvi isso<br />

ainda há pouco do Ministro Celso de Mello – tende a, mais do que exprimir um<br />

percalço, uma dificuldade, um embaraço, uma verdadeira exclusão dos partidos<br />

no âmbito do que a Constituição chamou de funcionamento parlamentar.<br />

Chego a pensar – não faço uma afirmação muito categórica, muito peremptória<br />

(tenho um encontro marcado comigo mesmo), no plano de uma melhor<br />

interpretação desse inciso IV do art. 17 “funcionamento parlamentar de acordo<br />

com a lei”, como no plano do § 3º do art. 17 “Os partidos políticos têm direito a<br />

recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão” –, pelo menos<br />

neste momento, que o funcionamento parlamentar é um direito. Não estamos<br />

diante de uma regra constitucional rigorosamente do tipo de eficácia limitada.<br />

Quero crer que o chamamento à lei, a convocação ao legislador ordinário se<br />

faz aqui no plano instrumental, no plano do modus operandi, no plano funcional.


R.T.J. — <strong>207</strong> 155<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não quero que o nosso entusiasmo<br />

pelo pluralismo nos leve a uma condenação antecipada de qualquer modulação<br />

dos direitos, das prerrogativas dos partidos conforme o único sistema conhecido<br />

no Direito Comparado, o do desempenho eleitoral.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sem dúvida que cláusula de barreira – já<br />

disse ontem muito bem Fernando Rodrigues – melhor se chamaria cláusula de<br />

desempenho, cláusula de “performance”. Por isso, não quero fazer uma afirmação<br />

categórica.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Essa afirmação incondicionada de<br />

igualdade e de paridade poderia levar a tanto.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Impressiona-me, Excelência, esse tipo de<br />

mensagem constitucional.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Apenas o que se fez não foi uma diferenciação.<br />

A meu ver, foi – volto a Marcelo Cerqueira – um direito de acesso ao<br />

corredor da morte.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Foi, um garroteamento.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mais cruel a fórmula do que a da<br />

Alemanha, porque a da Alemanha mata de logo o partido, negando-lhe a investidura<br />

dos representantes. A nossa condena à morte por inanição.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sem dúvida. Mais do que uma cláusula de<br />

barreira é uma cláusula de caveira, ou seja, cava o abismo, o fosso de qualquer<br />

possibilidade, impedindo o acesso dos partidos a essas fontes de sobrevivência,<br />

financeira ou de comunicação.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): É como retirar do enfermo os tubos<br />

que o mantêm vivo.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sem dúvida.<br />

Para encerrar, Presidente, impressiona-me muito essa expressão que aqui,<br />

sim, me parece categórica:<br />

Art. 17. (...)<br />

§ 3º Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso<br />

gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei.<br />

A fórmula complementar, na forma da lei, acho que deve ser interpretada<br />

com muito temperamento e cuidado para que a lei não cumpra uma função substancial<br />

tão densa a ponto de nulificar o comando constitucional, o que seria uma<br />

contradição, nos termos de a lei levar a Constituição a cumprir uma finalidade<br />

diametralmente oposta àquela certamente concebida pelo legislador constituinte.<br />

Em suma, louvo o voto de S. Exa. o Ministro Marco Aurélio, dizendo que<br />

se tratou de um dos grandes votos proferidos pelo grande Magistrado, levando<br />

esta Casa de Justiça – esta nossa Casa de fazer destino – a contribuir para o aperfeiçoamento<br />

da democracia representativa.


156<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, não trouxe voto escrito<br />

até porque, depois de tantos votos escritos que serão juntados, seria inútil juntar<br />

mais um. Duvido pudesse trazer alguma novidade a respeito, depois do brilho<br />

que, com certeza, esses votos escritos contêm.<br />

Também acho que dar opinião sobre certos assuntos ficaria mais próprio<br />

para seminários. De qualquer maneira, só para marcar posição, quero dizer que<br />

a mim não me repugna e – na minha visão – não repugna tampouco ao sistema<br />

jurídico-constitucional vigente, um tratamento normativo que, embora prestigiando<br />

o pluralismo, evite o que os autores costumam chamar de “multipartidarismo”,<br />

essa pulverização, fragmentação, que, – a meu ver –, com o devido<br />

respeito, não serve propriamente à proteção de minorias, como tais, suscetíveis<br />

de múltiplas configurações, mas serve, antes, a expressar, em termos de representação,<br />

idéias e concepções políticas – no sentido mais amplo da palavra,<br />

de convivência na pólis, como projeto de convivência ética – que componham<br />

corpo organizado dentro da sociedade. Duvido muito que dentro dessa sociedade,<br />

qualquer que ela seja, possa encontrar-se, nesses termos, “corpus” organizado<br />

de idéias ou de visão do mundo que ultrapasse a duas ou três dezenas,<br />

quando qualquer sistema poderia admitir pluralidade tal de partidos que comportaria,<br />

por exemplo, o “Partido de Produtores de Banana do Vale do Ribeira”.<br />

Acho que não é essa a função do sistema partidário, até porque a tutela e a<br />

proteção de minorias podem ser objeto de programas partidários. As minorias<br />

podem ser tuteladas, podem ser protegidas por qualquer partido, cujo programa<br />

as contemple. Mas isso é mais próprio para um seminário.<br />

Tampouco vou deter-me em relação às outras normas que restringem os<br />

direitos constitucionais assegurados no § 3º do art. 17, porque, evidentemente,<br />

não resistem ao postulado da proibição de excessos, pois reconhecem um direito<br />

e, em seguida, aniquilam o núcleo substantivo desse direito. A expressão “corredor<br />

da morte” mostra bem a incongruência ou contraditoriedade da legislação<br />

infraconstitucional na regulamentação do acesso ao rádio e à televisão e aos<br />

recursos do fundo partidário.<br />

Quero ater-me, apenas, só para expressar ponto de vista pessoal, ao<br />

art. 13 – é o que me parece ter mais densidade em termos de discussão. Além de<br />

ofender textualmente o art. 17, caput, o art. 1º e vários outros, também dificilmente<br />

escapa ao teste do postulado da igualdade. Toda desigualdade se funda<br />

em algum critério. A idade, por exemplo, é critério de desigualação. É um critério<br />

legal e constitucional, quando, por exemplo, seja caso de medir a capacidade<br />

civil das pessoas. Nesse caso, o critério da idade tem toda a adequação para<br />

estabelecer diferenças de tratamento. O uso do critério tem de ser examinado à<br />

luz da sua finalidade.<br />

O que temos no caso? Temos um critério de desigualdade baseado no número<br />

de votos atribuídos ou imputáveis aos partidos políticos como tais, isto<br />

é, qualidade atribuída aos partidos políticos nas razões da sua existência e, em


R.T.J. — <strong>207</strong> 157<br />

particular, na razão da sua capacidade jurídica específica de apresentar e eleger<br />

candidatos.<br />

Portanto, se esse critério fosse usado com a finalidade de restringir a existência<br />

ou essa capacidade dos partidos, eu não teria nenhuma dúvida em aceitálo,<br />

porque vejo aí uma conexão lógico-jurídica entre o critério e a conseqüência.<br />

O que sucede aqui? Usa-se esse critério para finalidade diferente: restringir<br />

a atuação parlamentar, decotando prerrogativas próprias do partido que a<br />

ordem jurídica reconhece como existentes e inerentes à existência desse mesmo<br />

partido. Vejo nisso uma contradição insuperável com a ordem constitucional.<br />

Essa a razão, Presidente, por que também estou de inteiro acordo com todas<br />

as brilhantes razões e fundamentações de todos os votos, em particular o do<br />

eminente Relator. E, mais do que isso, não vejo, sequer do ponto de vista prático,<br />

qual a conveniência em manter as restrições que levariam – como têm levado,<br />

segundo dizem – a fusões de heterogeneidades. O que fará um deputado filiado<br />

ao Partido Verde em partido que não guarde espaço nenhum para preocupações<br />

ambientais, ecológicas etc.? Ou, então, que lugar poderia ocupar o candidato de<br />

um partido socialista ou o candidato de um partido comunista em partido que<br />

não tem a mesma ligação ideológica – pode ter até aversão e, provavelmente, reconheça<br />

que são partidos de idéias obsoletas etc.? É exatamente a fusão desses<br />

heterogêneos que não constrói nada para a democracia. Só alimenta um jogo<br />

falso da vida parlamentar que, depois, conduz a desvios graves.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: V. Exa. me permite? Na linha do seu lúcido<br />

pensamento, estas duas ações diretas de inconstitucionalidade são um atestado<br />

eloqüente de que determinados partidos brasileiros, com muita dificuldade para<br />

alcançarem a cláusula de barreira, não querem partir para fusões ou incorporações<br />

desnaturadoras deles; querem persistir com fidedignidade.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Recentes experiências de fusões me<br />

fazem indagar se não são piores do que a atomização partidária.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Perfeitamente, se não é pior do que a atomização.<br />

Então, para preservar sua identidade é que esses partidos propõem<br />

as presentes ações diretas de inconstitucionalidade, sinalizando que eles são<br />

eminentemente orgânicos; são partidos que fazem, do ponto de vista ideológico,<br />

viagem de verticalidade; não são partidos simplesmente lineares ou figurativos.<br />

Quer dizer, há que se elogiar, também, esse tipo de disposição para vir a esta<br />

Casa persistir naquilo que estamos a exaltar: fidelidade partidária, fidedignidade<br />

aos seus propósitos institucionais.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Louvo, em particular, a iniciativa desses<br />

partidos, aos quais acho que o regime democrático e a Constituição brasileira<br />

teriam até de reconhecer o direito de se extinguirem fiéis às suas idéias.<br />

São as razões breves por que acompanho integralmente o voto do eminente<br />

Relator.


158<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes:<br />

I – Introdução<br />

O Ministro Marco Aurélio, Relator, submete à apreciação deste Plenário as<br />

ADI 1.351-3 e ADI 1.354-8, propostas, respectivamente, pelo Partido Comunista<br />

do Brasil (PC do B) e outro (PDT) e pelo Partido Social Cristão (PSC), nas quais<br />

são impugnados o art. 13; expressão contida no art. 41, inciso II; o art. 48; expressão<br />

contida no caput do art. 49; e os arts. 56 e 57, todos da Lei 9.096, de 19<br />

de setembro de 1995 (Lei dos Partidos Políticos).<br />

Este é o teor dos dispositivos normativos impugnados:<br />

Art. 13. Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Le gis lati<br />

vas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para<br />

a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos<br />

apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um<br />

terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles.<br />

Art. 41. O <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral, dentro de cinco dias, a contar da data<br />

do depósito a que se refere o § 1º do artigo anterior, fará a respectiva distribuição<br />

aos órgãos nacionais dos partidos, obedecendo aos seguintes critérios:<br />

II – noventa e nove por cento do total do Fundo Partidário serão distribuídos<br />

aos partidos que tenham preenchido as condições do art. 13, na proporção dos votos<br />

obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados.<br />

Art. 48. O partido registrado no <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral que não atenda<br />

ao disposto no art. 13 tem assegurada a realização de um programa em cadeia nacional,<br />

em cada semestre, com a duração de dois minutos.<br />

Art. 49. O partido que atenda ao disposto no art. 13 tem assegurado:<br />

I – a realização de um programa, em cadeia nacional e de um programa, em<br />

cadeia estadual em cada semestre, com a duração de vinte minutos cada;<br />

II – a utilização do tempo total de quarenta minutos, por semestre, para inserções<br />

de trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais, e de igual tempo<br />

nas emissoras estaduais.<br />

Art. 56. No período entre a data da publicação desta Lei e o início da próxima<br />

legislatura, será observado o seguinte:<br />

I – fica assegurado o direito ao funcionamento parlamentar na Câmara dos<br />

Deputados ao partido que tenha elegido e mantenha filiados, no mínimo, três representantes<br />

de diferentes Estados;<br />

II – a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados disporá sobre o funcionamento<br />

da representação partidária conferida, nesse período, ao partido que possua<br />

representação eleita ou filiada em número inferior ao disposto no inciso anterior;<br />

III – ao partido que preencher as condições do inciso I é assegurada a realização<br />

anual de um programa, em cadeia nacional, com a duração de dez minutos;<br />

IV – ao partido com representante na Câmara dos Deputados desde o início<br />

da Sessão Legislativa de 1995, fica assegurada a realização de um programa em<br />

cadeia nacional em cada semestre, com a duração de cinco minutos, não cumulativos<br />

com o tempo previsto no inciso III;<br />

V – vinte e nove por cento do Fundo Partidário será destacado para distribuição<br />

a todos os partidos com estatutos registrados no <strong>Tribunal</strong> Superior


R.T.J. — <strong>207</strong> 159<br />

Eleitoral, na proporção da representação parlamentar filiada no início da Sessão<br />

Legislativa de 1995.<br />

Art. 57. No período entre o início da próxima Legislatura e a proclamação<br />

dos resultados da segunda eleição geral subseqüente para a Câmara dos<br />

Deputados, será observado o seguinte:<br />

I – direito a funcionamento parlamentar ao partido com registro definitivo de<br />

seus estatutos no <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral até a data da publicação desta Lei que, a<br />

partir de sua fundação tenha concorrido ou venha a concorrer às eleições gerais para<br />

a Câmara dos Deputados, elegendo representante em duas eleições consecutivas:<br />

a) na Câmara dos Deputados, toda vez que eleger representante em, no mínimo,<br />

cinco Estados e obtiver um por cento dos votos apurados no País, não computados<br />

os brancos e os nulos;<br />

b) nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores, toda vez<br />

que, atendida a exigência do inciso anterior, eleger representante para a respectiva<br />

Casa e obtiver um total de um por cento dos votos apurados na Circunscrição, não<br />

computados os brancos e os nulos;<br />

II – vinte e nove por cento do Fundo Partidário será destacado para distribuição,<br />

aos Partidos que cumpram o disposto no art. 13 ou no inciso anterior, na<br />

proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados;<br />

III – é assegurada, aos Partidos a que se refere o inciso I, observadas, no que<br />

couber, as disposições do Título IV:<br />

a) a realização de um programa, em cadeia nacional, com duração de dez<br />

minutos por semestre;<br />

b) a utilização do tempo total de vinte minutos por semestre em inserções de<br />

trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais e de igual tempo nas emissoras<br />

dos Estados onde hajam atendido ao disposto no inciso I, b.<br />

Como se pode constatar, o art. 13 da Lei 9.096/95 cria o que se tem denominado<br />

de “cláusula de barreira” ou “de desempenho” – um certo eufemismo –<br />

como requisito para o pleno funcionamento parlamentar dos partidos políticos.<br />

A regra possui fundamento no art. 17, inciso IV, da Constituição, que assegura<br />

aos partidos políticos o funcionamento parlamentar, de acordo com a lei.<br />

A Lei 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) estabelece que “o partido político<br />

funciona, nas Casas Legislativas, por intermédio de uma bancada, que deve<br />

constituir suas lideranças de acordo com o estatuto do partido, as disposições<br />

regimentais das respectivas Casas e as normas desta Lei” (art. 12).<br />

O art. 13 da Lei dos Partidos Políticos (dispositivo normativo atacado) dispõe<br />

que somente “tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas<br />

Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada<br />

eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por<br />

cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos<br />

em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do<br />

total de cada um deles”.<br />

Assim, o partido político que não obtiver tais percentuais de votação não<br />

terá direito ao funcionamento parlamentar, o que significa a não-formação de<br />

bancadas e de suas lideranças, com todas as repercussões que isso pode causar,<br />

como a não-participação em comissões parlamentares e o não-exercício


160<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

de cargos e funções nas casas legislativas. Além disso, o partido somente terá<br />

direito a (a) receber 1% (um por cento) do Fundo Partidário (art. 41, I); e (b) à realização<br />

de um programa em cadeia nacional, em cada semestre, com a duração<br />

de apenas 2 (dois) minutos (art. 48).<br />

Esses são os contornos normativos da denominada cláusula de barreira<br />

instituída pelo art. 13 da Lei 9.096/95.<br />

Observe-se, nesse ponto, que, diversamente dos modelos adotados no direito<br />

comparado – cito, como referência, o sistema alemão – a fórmula adotada<br />

pela legislação brasileira restringe o funcionamento parlamentar do partido,<br />

mas não afeta a própria eleição do representante. Não há aqui, pois, repercussão<br />

direta sobre mandatos dos representantes obtidos para a agremiação que não<br />

satisfaça à referida cláusula de funcionamento parlamentar.<br />

Nos termos de disposição transitória (art. 57), essa norma do art. 13 somente<br />

entrará em vigor para a legislatura a iniciar-se no ano de 2007. Daí a<br />

premente necessidade do posicionamento desta Corte sobre a matéria, diante da<br />

proximidade do início do dia 1º de fevereiro de 2007.<br />

Tenho como relevante questionar se o legislador, além de definir as regras<br />

e, portanto, os contornos legais do sistema proporcional, fixando o quociente<br />

eleitoral e o quociente partidário, pode restringir de tal forma o funcionamento<br />

parlamentar dos partidos políticos, com repercussão direta sobre o regime de<br />

igualdade de chances que deve existir entre as agremiações partidárias.<br />

A abordagem dessa problemática tangencia temas de inegável importância<br />

para o desenvolvimento de nosso sistema político-eleitoral, como a natureza e<br />

função dos partidos políticos no regime democrático, a conformação legislativa<br />

do sistema proporcional, o princípio da igualdade de chances e o tormentoso<br />

problema da fidelidade partidária, que estão a cobrar novas reflexões tendo em<br />

vista a necessária reforma política para o aperfeiçoamento de nossa democracia.<br />

Esses temas serão objeto de uma análise mais detida nos tópicos seguintes.<br />

II – Natureza e função dos partidos políticos na democracia<br />

A Constituição de 1988 atribuiu relevo ímpar à participação dos partidos<br />

no processo eleitoral, estabelecendo como condição de elegibilidade a filiação<br />

partidária (CF, art. 17).<br />

Assegura-se a liberdade de criação, fusão, incorporação e extinção de partidos<br />

políticos, resguardados determinados princípios.<br />

Os partidos políticos são importantes instituições na formação da vontade<br />

política. A ação política realiza-se de maneira formal e organizada pela atuação<br />

dos partidos políticos. Eles exercem uma função de mediação entre o povo<br />

e Estado no processo de formação da vontade política, especialmente no que<br />

concerne ao processo eleitoral 3 . Mas não somente durante essa fase ou período.<br />

3 GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-<br />

Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, Berlim/Nova York, 1995, p. 599 (p. 606).


R.T.J. — <strong>207</strong> 161<br />

O processo de formação de vontade política transcende o momento eleitoral<br />

e se projeta para além desse período. Enquanto instituições permanentes de<br />

participação política, os partidos desempenham função singular na complexa<br />

relação entre o Estado e a sociedade. Como nota Grimm, se os partidos políticos<br />

estabelecem a mediação entre o povo e o Estado, na medida em que apresentam<br />

lideranças pessoais e programas para a eleição e procuram organizar as decisões<br />

do Estado consoante as exigências e as opiniões da sociedade, não há dúvida de<br />

que eles atuam nos dois âmbitos.<br />

Assim, a questão não mais é de saber se eles integram a sociedade ou o<br />

Estado, mas em que medida eles estão integrados em um e outro âmbito 4 .<br />

É certo, ademais, como se tem referido, que, na democracia partidária,<br />

tem-se um Estado partidariamente ocupado, o que coloca em confronto os partidos<br />

que ocupam funções e cargos no governo e aqueles que atuam apenas junto<br />

ao povo 5 . Afigura-se inevitável, igualmente, que para a agremiação partidária<br />

no poder se coloque o dilema de atuar exclusivamente no âmbito do Estado,<br />

enquanto partido do Governo, ou se deverá atuar também como organização<br />

partidária no âmbito da sociedade.<br />

III – A conformação legislativa do sistema eleitoral proporcional e as<br />

restrições impostas aos partidos políticos<br />

O art. 45 da Constituição brasileira estabelece o sistema proporcional para<br />

as eleições dos representantes parlamentares do povo. A legislação brasileira<br />

preservou o sistema proporcional de listas abertas e votação nominal, que corresponde<br />

à nossa prática desde 1932 6 .<br />

Trata-se de um modelo proporcional peculiar e diferenciado do modelo<br />

proporcional tradicional, que se assenta em listas apresentadas pelos partidos<br />

políticos. A lista aberta de candidatos existente no Brasil faz com que o mandato<br />

parlamentar, que resulta desse sistema, afigure-se também fruto do desempenho<br />

e do esforço do candidato. Trata-se, como destacado por Scott Mainwaring,<br />

de sistema que, com essa característica, somente se desenvolveu no Brasil e na<br />

Finlândia 7 . Em verdade, tal como anota Giusti Tavares, semelhante modelo é<br />

adotado também no Chile 8 .<br />

4<br />

Cf. GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL,<br />

Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit., p. 599 (613).<br />

5<br />

Cf. GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL,<br />

Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit., p. 636.<br />

6<br />

A rigor, tal como anota Walter Costa Porto em palestra recente perante o IX Congresso<br />

Brasiliense de Direito Constitucional (1011.2006), o sistema adotado em 1932 era ainda um sistema<br />

misto, pois ele acabava por contemplar a eleição, em segundo turno, dos mais votados que não alcançaram<br />

o quociente eleitoral. Somente em 1935 foi adotado um modelo puramente proporcional.<br />

7<br />

MAINWARING, Scott. Políticos, Partidos e Sistemas Eleitorais. In: Estudos Eleitorais, TSE n.<br />

2, maio/ago. 1997, p. 335 (343).<br />

8<br />

Cf. TAVARES, Giusti José Antonio. Sistemas Eleitorais nas Democracias Contemporâneas.<br />

Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p. 126-127.


162<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

No sentido da originalidade do sistema, anota Walter Costa Porto que o<br />

tema acabou não merecendo estudo adequado por parte dos estudiosos brasileiros,<br />

tendo despertado o interesse de pesquisadores estrangeiros, como Jean<br />

Blondel. Registrem-se as observações de Walter Costa Porto 9 :<br />

Tal peculiaridade foi pouco examinada pelos nossos analistas. E foi um estrangeiro<br />

que lhe deu atenção: Jean Blondel, nascido em Toulon, França, professor<br />

das universidades inglesas de Manchester e Essex, e autor, entre outros livros, de<br />

Introduction to Comparative Government, Thinking Politicaly and Voters, Parties<br />

and Leaders. Em introdução a uma pesquisa que realizou, em 1957, no Estado da<br />

Paraíba, escreveu Blondel:<br />

“A lei eleitoral brasileira é original e merece seja descrita minuciosamente.<br />

É, com efeito, uma mistura de escrutínio uninominal e de representação<br />

proporcional, da qual há poucos exemplos através do mundo (...)<br />

Quanto aos postos do Executivo (...) é sempre utilizado o sistema majoritário<br />

simples (...) Mas, para a Câmara <strong>Federal</strong>, para as Câmaras dos Estados<br />

e para as Câmaras Municipais, o sistema é muito mais complexo. O princípio<br />

de base é que cada eleitor vote somente num candidato, mesmo que a<br />

circunscrição comporte vários postos a prover; não se vota nunca por lista.<br />

Nisto o sistema é uninominal. No entanto, ao mesmo tempo cada partido<br />

apresenta vários candidatos, tantos quantos são os lugares de deputados, em<br />

geral, menos se estes são pequenos partidos. De algum modo, os candidatos<br />

de um mesmo partido estão relacionados, pois a divisão de cadeiras se faz<br />

por representação proporcional, pelo número de votos obtidos por todos os<br />

candidatos de um mesmo partido (...) Votando num candidato, de fato o eleitor<br />

indica, de uma vez, uma preferência e um partido. Seu voto parece dizer:<br />

‘Desejo ser representado por um tal partido e mais especificamente pelo Sr.<br />

Fulano. Se este não for eleito, ou for de sobra, que disso aproveite todo o<br />

partido. O sistema é, pois, uma forma de voto preferencial, mas condições<br />

técnicas são tais que este modo de escrutínio é uma grande melhora sobre o<br />

sistema preferencial tal qual existe na França’ ”.<br />

No sistema eleitoral adotado no Brasil, impõe-se precisar (1) o número de<br />

votos válidos, (2) o quociente eleitoral, (3) o quociente partidário, (4) a técnica<br />

de distribuição de restos ou sobras, e (5) o critério a ser adotado na falta de<br />

obtenção do quociente eleitoral.<br />

Os votos válidos são os votos conferidos à legenda partidária e ao candidato.<br />

Não são computados os votos nulos e os votos em branco.<br />

O quociente eleitoral, que traduz o índice de votos a ser obtido para a<br />

distribuição das vagas, obtém-se mediante a divisão do número de votos válidos<br />

pelos lugares a preencher na Câmara dos Deputados, nas Assembléias<br />

Legislativas ou nas Câmaras de Vereadores.<br />

O quociente partidário indica o número de vagas alcançado pelos partidos<br />

e é calculado pela divisão do número de votos conferidos ao partido, diretamente,<br />

ou a seus candidatos pelo quociente eleitoral, desprezando-se a fração.<br />

9 Cf. COSTA PORTO, Walter, Sistema Eleitoral Brasileiro, Palestra proferida no IX Congresso<br />

Brasiliense de Direito Constitucional, Brasília 10-11-06, p. 8-9; Cf. também COSTA PORTO,<br />

Walter, Essa mentirosa urna, 2004, p. 163 et seq.


R.T.J. — <strong>207</strong> 163<br />

A distribuição de restos ou sobras decorre do fato de, após a distribuição inicial,<br />

haver vagas a serem preenchidas sem que os partidos tenham votos suficientes<br />

para atingir o quociente eleitoral. Podem-se adotar diferentes critérios, como a<br />

distribuição pela maior sobra ou pela maior média 10 . O Código Eleitoral adotou o<br />

critério da maior média, estabelecendo que para obtê-la “adiciona-se mais um lugar<br />

aos que já foram obtidos por cada um dos partidos; depois, toma-se o número de votos<br />

válidos atribuídos a cada partido e divide-se por aquela soma; o primeiro lugar a<br />

preencher caberá ao partido que obtiver a maior média; repita-se a mesma operação<br />

tantas vezes quantos forem os lugares restantes que devam ser preenchidos, até sua<br />

total distribuição entre os diversos partidos” (Código Eleitoral, art. 109).<br />

Se nenhum partido atingir o quociente eleitoral, o Código Eleitoral determina<br />

que hão de ser considerados eleitos os candidatos mais votados, independentemente<br />

de qualquer critério de proporcionalidade (Código Eleitoral,<br />

art. 111). A solução parece questionável, como anota José Afonso da Silva, pois<br />

a Constituição prescreve, no caso, a adoção do sistema eleitoral proporcional 11 .<br />

Vê-se, assim, que, também no sistema proporcional, tendo em vista razões<br />

de ordem prática, os votos dos partidos que não atingiram o quociente eleitoral<br />

e os votos constantes das sobras podem não ter qualquer aproveitamento, não<br />

havendo como conferir-lhes significado quanto ao resultado.<br />

Interessante notar que esse sistema permite que um candidato sem nenhum<br />

voto nominal seja eleito. Tal como registra Walter Costa Porto, nas eleições de<br />

2 dezembro de 1945 o Partido Social Democrático apresentou dois candidatos a<br />

deputado federal, no Território do Acre: Hugo Ribeiro Carneiro e Hermelindo<br />

de Gusmão Castelo Branco Filho. O primeiro candidato obteve 3.775 votos; o<br />

segundo nenhum voto nominal, pois ficara no Rio de Janeiro. Não obstante, o<br />

partido alcançou uma vez o quociente eleitoral e mais uma sobra de 1.077 votos.<br />

O critério do “maior número de votos” do partido, em caso de sobra, acabou por<br />

conferir mandato a candidato que não obtivera sequer um voto 12 .<br />

Mencione-se que pode ocorrer até mesmo que o candidato mais votado no<br />

pleito eleitoral não logre obter o assento em razão de a agremiação partidária<br />

não ter obtido o quociente eleitoral. Foi o que se verificou em vários casos expressivos,<br />

entre os quais se destaca o de Dante de Oliveira, que, candidato pelo<br />

PDT a uma vaga para Câmara dos Deputados, pelo Estado de Mato Grosso,<br />

nas eleições de 1990, obteve a maior votação (49.886 votos) e não foi eleito em<br />

razão de seu partido não ter obtido quociente. À época, postulou a revisão do<br />

resultado com a alegação de que a inclusão dos votos brancos para obtenção<br />

do quociente eleitoral revelava-se inconstitucional (Código Eleitoral, art. 106,<br />

parágrafo único). O <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral rejeitou essa alegação com o<br />

argumento de que os votos brancos eram manifestações válidas e somente não<br />

10<br />

Cf. TEIXEIRA, J. H. Meirelles. Curso de Direito Constitucional, cit., p. 525.<br />

11<br />

Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27. ed. São Paulo:<br />

Malheiros, 2006. p. 376.<br />

12<br />

COSTA PORTO, Essa mentirosa urna, cit., p. 157.


164<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

seriam computáveis para as eleições majoritárias por força de normas constitucionais<br />

expressas (CF, arts. 28, 29, II, e 77, § 2º) 13 . Também o recurso extraordinário<br />

interposto contra essa decisão não foi acolhido tendo em vista as mesmas<br />

razões 14 . O art. 106, parágrafo único, do Código Eleitoral foi revogado pela Lei<br />

9.504/97 15 . Desde então, não se tem mais dúvida de que o voto em branco não<br />

deve ser contemplado para os fins de cálculo do quociente eleitoral.<br />

Outra questão relevante coloca-se tendo em vista a cláusula contida no<br />

art. 109, § 2º, do Código Eleitoral, segundo a qual “só poderão concorrer à distribuição<br />

dos lugares os partidos ou coligações que tiverem obtido quociente<br />

eleitoral”. Explicita-se aqui outra relativização da efetividade do voto, uma vez<br />

que somente serão contemplados os votos dos partidos que lograram obter o<br />

quociente eleitoral. Nas eleições de 2002, José Carlos Fonseca obteve 92.727<br />

votos para deputado federal no Estado do Espírito Santo. O quociente eleitoral<br />

foi de 165.284. A sua coligação obteve 145.271 votos ou 8,78 % dos votos conferidos.<br />

Preenchidas sete vagas, cuidou-se da distribuição dos restos ou sobras.<br />

O <strong>Tribunal</strong> Regional Eleitoral recusou-se a contemplar a coligação à qual estava<br />

vinculado José Carlos Fonseca no cálculo das sobras em razão do disposto no<br />

art. 109, § 2º, do Código Eleitoral. Contra essa decisão foi impetrado mandado de<br />

segurança, forte no argumento da desproporcionalidade do critério ou da adoção<br />

de um critério legal que transmudava o sistema proporcional em sistema majoritário.<br />

Enquanto a coligação que obtivera 8,78 % dos votos não seria contemplada<br />

com um mandato parlamentar, as demais estariam assim representadas:<br />

Coligações Votos Cadeiras<br />

Coligação Espírito Santo Forte 39.36 % 50 %<br />

Frente Competência para Mudar 12.74 % 10 %<br />

Frente Mudança para Valer 17,37 % 20 %<br />

Frente Trabalhista 21,07 % 25 %<br />

O TSE rejeitou a ação, assentando-se que a expressão sistema proporcional<br />

contida no art. 45 da Constituição encontraria no Código Eleitoral critérios<br />

precisos e definidos. A discussão sobre a adequação dos critérios utilizados pelo<br />

legislador resvalava para controvérsia de lege ferenda sem reflexo no plano da<br />

legitimidade da fórmula 16 .<br />

13<br />

Cf. Recurso Especial-TSE 9.277, Relator Vilas Boas, DJ 23-4-91.; Cf. sobre o assunto também<br />

COSTA PORTO, Walter, Essa mentirosa urna, São Paulo, 2004, p. 171-173.<br />

14<br />

RE 140.386, Relator Carlos Velloso, DJ de 20-4-01.<br />

15<br />

Cf. Estudos de Xavier de Albuquerque, Leitão de Abreu, Paulo Bonavides e Tito Costa. In:<br />

Estudos Eleitorais, TSE n. 2, maio/ago. 1997, p. 79-137.<br />

16<br />

Mandado de Segurança TSE 3.109-ES, Relator: Sálvio de Figueiredo; Cf. também COSTA<br />

PORTO, Essa mentirosa urna, cit., p. 178-181.


R.T.J. — <strong>207</strong> 165<br />

Convém assinalar que o modelo proporcional de listas abertas adotado<br />

entre nós contribui acentuadamente para a personalização da eleição, o que faz<br />

com que as legendas dependam, em grande medida, do desempenho de candidatos<br />

específicos. Daí o destaque que se confere às candidaturas de personalidades<br />

dos diversos setores da sociedade ou de representantes de corporação. Essa personalização<br />

do voto acaba por acentuar a dependência do partido e a determinar<br />

a sua fragilidade programática.<br />

Assim, esse modelo de listas abertas tem conseqüência sobre a disciplina interna<br />

das legendas, que se tornam, quase inevitavelmente, reféns dos personalismos<br />

dos candidatos que as integram. Mainwaring chega a afirmar que vários aspectos<br />

da legislação eleitoral brasileira não têm – ou têm pouco – paralelo no mundo, e nenhuma<br />

outra democracia dá aos políticos tanta autonomia vis-à-vis seus partidos 17 .<br />

IV – A cláusula de barreira e o princípio da proporcionalidade<br />

A legislação brasileira estabeleceu uma forma peculiar de “cláusula de<br />

barreira” ou “de desempenho” (art. 13 da Lei 9.096/95), ao determinar que “tem<br />

direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas para as<br />

quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara<br />

de Deputados, obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados,<br />

não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um<br />

terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles”.<br />

De acordo com a regra de transição contida no art. 57, essa norma do art. 13 somente<br />

entrará em vigor para a legislatura a iniciar-se no ano de 2007.<br />

Assim, além de definir as regras e, portanto, os contornos legais do sistema<br />

proporcional, fixando o quociente eleitoral e o quociente partidário, o<br />

sistema de distribuição de mandatos por restos ou sobras etc., o legislador criou<br />

mais essa limitação ao funcionamento da agremiação partidária.<br />

A questão que aqui se discute é a possibilidade ou não de a lei estabelecer<br />

uma cláusula de barreira que repercuta sobre o funcionamento parlamentar dos<br />

partidos políticos, tal como o fez o legislador brasileiro.<br />

Como se vê, trata-se de uma restrição absoluta ao próprio funcionamento<br />

parlamentar do partido, sem qualquer repercussão sobre os mandatos de seus<br />

representantes. Não se estabelece qualquer tipo de mitigação, mas simplesmente<br />

veda-se o funcionamento parlamentar ao partido, com as conseqüências que<br />

isso pode gerar, como o não-recebimento dos recursos provenientes do fundo<br />

partidário, ou o seu recebimento em percentuais ínfimos, e a vedação do acesso<br />

ao rádio e à televisão.<br />

Por isso, o modelo aqui adotado diferencia-se substancialmente de outros<br />

sistemas políticos-eleitorais do direito comparado.<br />

Na realidade do direito alemão, consagra-se que o partido político que<br />

não obtiver 5 % (cinco por cento) dos votos na votação proporcional, ou pelo<br />

17<br />

MAINWARING, Scott. Políticos, Partidos e Sistemas Eleitorais, in: Estudos Eleitorais, TSE<br />

n. 2, maio/ago. 1997, p. 335 (337).


166<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

menos três mandatos diretos, não obterá mandato algum, também na eleição<br />

para o chamado primeiro voto. Nesse caso, despreza-se a votação dada ao<br />

partido. Todavia, nunca se atribuiu conseqüência no que concerne àquilo que<br />

nós chamamos de “igualdade de oportunidades” ou “igualdade de chances”.<br />

A legislação alemã tentou estabelecer um limite mais elevado para efetivar o<br />

financiamento público das campanhas 18 . Mas a Corte Constitucional entendeu<br />

que essa cláusula era sim violadora do principio da igualdade de oportunidades<br />

(Chancengleicheit), porque impedia que os partidos políticos com pequena<br />

expressão conseguissem um melhor desempenho, tendo em vista que eles não<br />

teriam acesso à televisão, muito menos aos recursos públicos. Daí a legislação<br />

ter fixado percentual de 0,5 % dos votos para o pagamento de indenização pelo<br />

desempenho dos partidos nas eleições.<br />

O modelo confeccionado pelo legislador brasileiro, no entanto, não deixou<br />

qualquer espaço para a atuação partidária, mas simplesmente negou, in<br />

totum, o funcionamento parlamentar, o que evidencia, a meu ver, uma clara<br />

violação ao princípio da proporcionalidade, na qualidade de princípio da reserva<br />

legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen Gesetzes).<br />

O fato é que – e isso foi bem demonstrado no voto do relator –, como observado<br />

no último pleito eleitoral, agremiações partidárias que obtiveram um<br />

expressivo cabedal de votos não teriam, na próxima legislatura, direito a qualquer<br />

funcionamento parlamentar, por força dessa “cláusula de barreira à brasileira”.<br />

Há, aqui, a meu ver, um sacrifício radical das minorias!<br />

Como analisado, a Constituição brasileira definiu que as eleições dos deputados<br />

federais, dos deputados estaduais e dos vereadores efetivar-se-ão pelo<br />

critério proporcional (CF, arts. 27, § 1º, e 45). E nada mais disse! É certo, por<br />

isso, que o legislador dispõe de alguma discricionariedade na concretização do<br />

sistema proporcional, inclusive o sistema de lista partidária fechada ou o sistema<br />

de lista com mobilidade.<br />

Essa margem de ação conferida ao legislador também abrange a limitação<br />

do funcionamento parlamentar, tendo em vista que, como anunciado, a<br />

Constituição, em seu art. 17, inciso IV, assegura aos partidos políticos o funcionamento<br />

parlamentar, de acordo com a lei.<br />

18 Talvez o modelo mais conhecido e difundido de financiamento público dos partidos seja<br />

aquele instituído pela legislação alemã. Inicialmente, consagrou-se apenas a possibilidade de<br />

uma compensação aos partidos pelos gastos de campanha eleitoral consistente no pagamento de<br />

uma quantia por voto obtido, desde que o partido lograsse um percentual não inferior a 0,5 % dos<br />

votos válidos para as eleições parlamentares federais. Esse piso é considerado compatível com a<br />

Constituição e afigura-se importante para evitar abusos. A fixação de um percentual mais elevado,<br />

porém, poderia impedir o natural desenvolvimento do processo político e sua renovação. Daí ter a<br />

Corte Constitucional alemã declarado, inicialmente, a inconstitucionalidade de lei que fixava em<br />

5 % o percentual de votos para que o partido pudesse gozar do benefício referido. A jurisprudência<br />

constitucional avançou, posteriormente, para admitir o financiamento estatal diretamente ao partido<br />

(BVerfGE 85, 264). Quanto ao benefício fiscal para doações privadas, admite-se até o limite<br />

6600 Euros. Tal benefício aplica-se, porém, apenas às pessoas físicas (DEGENHART, Christoph.<br />

Staatsrecht I. 21. ed. Heidelberg: Muller, 2005, p. 36).


R.T.J. — <strong>207</strong> 167<br />

Não se deve esquecer, todavia, que se tem, também neste caso, uma reserva<br />

legal proporcional, que limita a própria atividade do legislador na conformação<br />

e limitação do funcionamento parlamentar dos partidos políticos.<br />

Estou certo de que se o legislador brasileiro tivesse conformado um<br />

modelo semelhante ao adotado no direito alemão, por exemplo, tal como<br />

explicado anteriormente, talvez não estaríamos aqui a discutir esse tema.<br />

É possível, sim, ao legislador pátrio, o estabelecimento de uma cláusula de<br />

barreira ou de desempenho que impeça a atribuição de mandatos à agremiação<br />

que não obtiver um dado percentual de votos.<br />

A via eleita pelo legislador brasileiro, no entanto, parece-me extremamente<br />

delicada. A regra do art. 13 da Lei dos Partidos Políticos não deixa qualquer espaço,<br />

não realiza qualquer mitigação, mas simplesmente nega o funcionamento<br />

parlamentar à agremiação partidária. Como ressaltado pelo Ministro Pertence,<br />

“a cláusula de barreira não mata, mas deixa morrer”. Há aqui, portanto, uma<br />

clara violação ao princípio da proporcionalidade.<br />

V – A cláusula de barreira em face do princípio da igualdade de chances<br />

(Chancengleicheit)<br />

A questão constitucional debatida nestas ações também gira em torno do<br />

significado do princípio da igualdade de chances (Chancengleicheit) para o processo<br />

eleitoral democrático.<br />

Como analisado, o partido que não obtiver os percentuais de votação previstos<br />

pelo art. 13 da Lei 9.096/95, ou seja, que não ultrapassar a denominada<br />

cláusula de barreira, somente terá direito a (a) receber 1% (um por cento) do<br />

Fundo Partidário (art. 41, I); e (b) à realização de um programa em cadeia nacional,<br />

em cada semestre, com a duração de apenas 2 (dois) minutos (art. 48).<br />

Por outro lado, os partidos que cumprirem os requisitos do art. 13 compartilharão<br />

os restantes 99% (noventa e nove por cento) do total do Fundo<br />

Partidário na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara<br />

dos Deputados (art. 41, II). Ademais, o partido que atenda ao disposto no art. 13<br />

também tem assegurada: a) a realização de um programa, em cadeia nacional e<br />

de um programa, em cadeia estadual em cada semestre, com a duração de vinte<br />

minutos cada; b) a utilização do tempo total de quarenta minutos, por semestre,<br />

para inserções de trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais, e de igual<br />

tempo nas emissoras estaduais (art. 49).<br />

O fator e a proporção desse discrímen legalmente estabelecido entre os<br />

partidos políticos detentores de mandatos eletivos devem ser analisados desde a<br />

perspectiva do princípio da igualdade de chances ou de oportunidades.<br />

O princípio da igualdade entre os partidos políticos é fundamental para<br />

a adequada atuação dessas instituições no complexo processo democrático.<br />

Impõe-se, por isso, uma neutralidade do Estado em face das instituições partidárias,<br />

exigência essa que se revela tão importante quanto difícil de ser implementada<br />

19 . A importância do princípio da igualdade está em que sem a sua<br />

19 Cf. GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL,<br />

Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit., p. 599 (626).


168<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

observância não haverá possibilidade de estabelecer uma concorrência livre e<br />

equilibrada entre os partícipes da vida política, o que acabará por comprometer<br />

a essência do próprio processo democrático. A dificuldade está nos aspectos<br />

jurídicos e fáticos. Quanto aos aspectos jurídicos, ela reside na diferenciação<br />

acentuada do objeto envolvido como conseqüência das próprias diferenças de<br />

uma sociedade livre e aberta. Daí afirmar Dieter Grimm que a neutralidade estatal<br />

deve ser entendida como não-influência da desigualdade, o que lhe confere<br />

caráter de igualdade formal 20 . Quanto aos aspectos fáticos, afigura-se inegável<br />

que o Estado, que há de conduzir-se com neutralidade em relação aos partidos,<br />

é também um Estado partidariamente ocupado 21 .<br />

O princípio da Chancengleicheit parece ter encontrado sua formulação<br />

inicial na República de Weimar, com as obras de Herman Heller (Probleme<br />

der Demokratie, I und II, 1931, e Europa und der Faschismus, 1929) e de Carl<br />

Schmitt (Der Hüter der Verfassung, 1931, e Legalität und Legitimität, 1932).<br />

Na concepção de Heller, “o Estado de Direito Democrático atual encontra<br />

seu fundamento, principalmente, na liberdade e igualdade da propaganda política,<br />

devendo assegurar-se a todas as agremiações e partidos igual possibilidade<br />

jurídica de lutar pela prevalência de suas idéias e interesses”. 22 O notável publicista<br />

acrescentava que a fórmula técnica para preservar a unidade da formação<br />

democrática assenta-se na livre submissão da minoria à vontade majoritária,<br />

isto é, na renúncia das frações minoritárias a uma superação da maioria, mediante<br />

o uso da violência. Isso pressupõe a renúncia à opressão da minoria e<br />

exige a preservação das perspectivas dela vir a se tornar maioria 23 .<br />

Por seu turno, advertia Carl Schmitt que um procedimento neutro e indiferente<br />

da democracia parlamentar poderia dar ensejo à fixação de uma maioria<br />

por via da matemática ou da estatística, causando, dessa forma, o próprio esfacelamento<br />

do sistema de legalidade. Tal situação somente haveria de ser evitada<br />

com a adoção de um princípio consagrador de igualdade de chances para alcançar<br />

a maioria, aberto a todas as tendências e movimentos 24 . E, enfaticamente,<br />

asseverava Carl Schmitt:<br />

Sin este principio, las matemáticas de las mayorías, con su indiferencia<br />

frente al contenido del resultado, no solo serían un juego grotesco y un insolente<br />

escarnio de toda justicia, sino que, a causa del concepto de legalidad derivado de<br />

dichas matemáticas, estas acabarían también con el sistema mismo, desde el instante<br />

en que se ganara la primera mayoría, pues esta primera mayoría se instituiría<br />

enseguida legalmente como poder permanente. La igualdad de chance abierta<br />

a todos no puede separarse mentalmente del Estado legislativo parlamentario.<br />

20<br />

GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL,<br />

Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit., p. 599 (626).<br />

21<br />

GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL,<br />

Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit., p. 599 (627).<br />

22<br />

HELLER, Herman. Europa und der Faschismus. Berlin/Leipzig, 1929, p. 95 et seq.<br />

23<br />

HELLER, Herman. Europa und der Faschismus, cit., p. 9.<br />

24<br />

SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad. Trad. esp. Madri: Aguilar, 1971, p. 43-44.


R.T.J. — <strong>207</strong> 169<br />

Dicha igualdad permanece como el principio de justicia y como una condición<br />

vital para la autoconservación 25 .<br />

Com impecável lógica, consignava o eminente publicista que a legalidade do<br />

poder estatal conduz à negação e à derrogação do direito de resistência enquanto<br />

Direito, 26 uma vez que ao poder legal, conceitualmente, não é dado cometer injustiças,<br />

podendo, para isso, converter em “ilegalidade” toda resistência e revolta<br />

contra a injustiça e antijuridicidade 27 . E o eminente mestre acrescentava que:<br />

Si la mayoría puede fijar a su arbitrio la legalidad y la ilegalidad, también<br />

puede declarar ilegales a sus adversarios políticos internos, es decir, puede declararlos<br />

hors-la-loi, excluyéndolos así de la homogeneidad democrática del pueblo.<br />

Quien domine el 51 por 100 podría ilegalizar, de modo legal, al 49 por 100<br />

restante. Podría cerrar tras sí, de modo legal, la puerta de la legalidad por la que<br />

ha entrado y tratar como a un delincuente común al partido político contrario,<br />

que tal vez golpeaba con sus botas la puerta que se le tenía cerrada 28 .<br />

Destarte, a adoção do princípio de igualdade de chances constitui condição<br />

indispensável ao exercício legal do poder, uma vez que a minoria somente<br />

há de renunciar ao direito de resistência se ficar assegurada a possibilidade de<br />

vir a se tornar maioria. 29 Vale registrar, ainda nesse particular, o seu magistério:<br />

El Estado legislativo parlamentario de hoy, basado en la dominación de<br />

las mayorías del momento, solo puede entregar el monopolio del ejercicio legal<br />

del poder al partido momentáneamente mayoritario, y solo puede exigir a la minoría<br />

que renuncie al derecho de resistencia mientras permanezca efectivamente<br />

abierta a todos la igualdad de chance para la obtención de la mayoría y mientras<br />

presente visos de verdad este presupuesto de su principio de justicia 30 .<br />

Na vigência da Lei Fundamental de Bonn (1949), a discussão sobre a<br />

“igualdade de chances” entre os partidos foi introduzida por Forsthoff, que<br />

assentou os seus fundamentos nas disposições que consagram a liberdade de<br />

criação das agremiações políticas (art. 21, I, 2) e asseguram a igualdade de condições<br />

na disputa eleitoral (art. 38 e 28) 31 .<br />

Também Gerhard Leibholz considerou inerente ao modelo constitucional<br />

o princípio de “igualdade de chances”, derivando-o, porém, diretamente, do<br />

preceito que consagra a ordem liberal-democrática (freiheitlich demokratischen<br />

Grundordnung) 32 .<br />

25<br />

SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit., p. 44.<br />

26<br />

SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit., p. 44.<br />

27<br />

SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit., p. 46.<br />

28<br />

SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit., p. 46.<br />

29<br />

SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit., p. 47.<br />

30<br />

SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit., p. 47.<br />

31<br />

FORSTHOFF, Ernst. Die politischen Parteien im Verfassungsrecht. Tübingen, 1950, p. 6 e 12.<br />

32<br />

LEIBHOLZ, Gerhard. Verfassungsrechtliche Stellung und innere Ordnung der Parteien. DJT, p. C. 2.


170<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Mais tarde, após os primeiros pronunciamentos do <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong><br />

Constitucional, passou Leibholz a considerar que o postulado da igualdade de<br />

chances encontrava assento no princípio da liberdade e pluralidade partidárias<br />

(arts. 21, I, e 38, I) e no princípio geral de igualdade (art. 3º, l).<br />

Tais elementos serviram de base para o desenvolvimento da construção<br />

jurisprudencial iniciada pelo Bundesverfassungsgericht em 1952. Observe-se<br />

que, nos primeiros tempos, a jurisprudência da Corte Constitucional parecia<br />

identificar o princípio de igualdade de chances com o direito de igualdade eleitoral<br />

– Wahlrechtsgleicheit – (Lei Fundamental, art. 38, l). As controvérsias<br />

sobre o financiamento dos partidos e a distribuição de horários para transmissões<br />

radiofônicas e televisivas ensejaram o estabelecimento da distinção entre<br />

o princípio da igualdade de chances, propriamente dito, e o direito de igualdade<br />

eleitoral. Os preceitos constitucionais atinentes à liberdade partidária (art. 21, l)<br />

e ao postulado geral da isonomia (art. 3º, I) passaram a ser invocados como fundamento<br />

do direito de igualdade de chances dos partidos políticos 33 .<br />

Converteu-se, assim, a “igualdade de chances” em princípio constitucional<br />

autônomo, um autêntico direito fundamental dos partidos, assegurando-se<br />

às agremiações tratamento igualitário por parte do poder público<br />

e dos seus delegados 34 .<br />

Inicialmente, perfilhou o <strong>Tribunal</strong> Constitucional orientação que preconizava<br />

aplicação estritamente formal do princípio de “igualdade de chances”.<br />

Todavia, ao apreciar controvérsia sobre a distribuição de horário para transmissão<br />

radiofônica, introduziu o 2º Senado da Corte Constitucional o conceito de<br />

“igualdade de chances gradual” – abgestufte Chancengleicheit, de acordo com<br />

a “significação do Partido” 35 .<br />

Considerou-se, entre outros aspectos, que o tratamento absolutamente<br />

igualitário levaria a uma completa distorção da concorrência, configurando a<br />

equiparação legal das diferentes possibilidades (faktische Chancen) manifesta<br />

afronta ao princípio da neutralidade que deveria ser observado pelo poder público<br />

em relação a todos os partidos políticos 36 .<br />

A Lei dos Partidos de 1967 veio consagrar, no § 5º, o princípio da igualdade<br />

de chances tal como concebido pela jurisprudência da Corte Constitucional,<br />

estabelecendo a seguinte disposição: “(1) Se um delegado do Poder Público<br />

coloca suas instalações ou serviços à disposição dos partidos, há de se dar<br />

igual tratamento às demais agremiações partidárias. A amplitude da garantia<br />

33<br />

BATTIS, Ulrich. Einführung in das Öffentliche Recht. Fernuniversität Hagen, 1981, un. 2,<br />

p. 22-23.<br />

34<br />

TSATSOS, Dimitris Th.; MORLOK, Martin. Die Parteien in der politischen Ordnung. Fernuniversität<br />

Hagen, un. 3, p. 23; TSATSOS, MOHR, MORLOK e WENZEL. Deutsches Staatsrecht,<br />

Fernuniversität Hagen, 1981, un. 2, p. 42; BATTIS, Ulrich. Einführung in das Öffentliche Recht,<br />

cit., p. 22-23.<br />

35<br />

BVerfGE 14, 121; LIPPHARDT, op. cit., p. 691-692 et seq.<br />

36 LIPPHARDT op. cit., p. 442.


R.T.J. — <strong>207</strong> 171<br />

pode ser atribuída, gradualmente, de acordo com a “significação do partido”,<br />

assegurando-se, porém, um mínimo razoável à consecução dos objetivos partidários.<br />

A significação do partido é aferida, em especial, pelos resultados obtidos<br />

nas últimas eleições para a Câmara de Representantes. Ao partido com<br />

representação no Parlamento há de se assegurar uma participação não inferior à<br />

metade daquela reconhecida a qualquer outro partido”.<br />

Como se constata, o § 5º da Lei dos Partidos consagrou a gradação da<br />

“igualdade de chances” (abgestufte Chancengleicheit), estabelecendo inequívoca<br />

“cláusula de diferenciação” (Differenzierungsklausel). 37 É evidente<br />

que uma interpretação literal do dispositivo poderia converter o postulado da<br />

“igualdade de chances” numa garantia do status quo, consolidando-se a posição<br />

dos partidos estabelecidos (etablierte Parteien) 38 .<br />

Tal possibilidade já havia sido enunciada por Carl Schmitt, ao reconhecer<br />

que os partidos no governo desfrutam de inevitável vantagem, configurandose<br />

uma autêntica e supralegal “mais-valia política” decorrente do exercício do<br />

poder 39 . Após asseverar que a detenção do poder outorga ao partido dominante<br />

a forma de poder político que supera de muito o simples valor das normas, observa<br />

Carl Schmitt:<br />

El partido dominante dispone de toda la preponderancia que lleva consigo,<br />

en un Estado donde impera esta clase de legalidad, la mera posesión de los medios<br />

legales del poder. La mayoría deja repentinamente de ser un partido; es el<br />

Estado mismo. Por mas estrictas y delimitadas que sean las normas a las que se<br />

sujeta el’Estado legislativo en la ejecución de la ley, resalta ‘siempre lo ilimitado<br />

que está detrás’, como dijo una vez Otto Mayer. En consecuencia, por encima<br />

de toda normatividad, la mera posesión del poder estatal produce una plusvalía<br />

política adicional, que viene a añadirse al poder puramente legal y normativista,<br />

una prima superlegal a la posesión legal del poder legal y al logro de la mayoría 40 .<br />

Não se pode negar, pois, que os partidos estabelecidos gozam de evidente<br />

primazia em relação aos newcomers, decorrente sobretudo de sua posição consolidada<br />

na ordem política. 41 Por outro lado, a realização de eleições com o propósito<br />

de formar um Parlamento capaz de tomar decisões respaldado por uma<br />

nítida maioria enseja, não raras vezes, modificações legítimas nas condições de<br />

igualdade. Disso pode resultar, à evidência, um congelamento (Erstarrung) do<br />

sistema partidário 42 .<br />

37<br />

LIPPHARDT. op. cit., p. 699.<br />

38<br />

LIPPHARDT. op. cit., p. 700; TSATSOS, Dimitris Th.; MORLOK, Martin. Die Parteien in der<br />

politischen Ordnung, cit., p. 30-31.<br />

39<br />

SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit., p. 49.<br />

40<br />

SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit., p. 49.<br />

41<br />

TSATSOS, Dimitris Th.; MORLOK, Martin. Die Parteien in der politischen Ordnung, cit., p. 30.<br />

42<br />

HESSE, Konrad. Grundzüge des Verfassungsrechts in der Bundesrepublik Deutschland.<br />

Heidelberg, 1982, p. 69.


172<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Todavia, há de se observar que o direito de “igualdade de chances” não<br />

se compadece com a ampliação ou a consolidação dos partidos estabelecidos.<br />

Eventual supremacia há de ser obtida e renovada em processo eleitoral justo<br />

(fairer Wettbewerb) e abrangente da totalidade da composição partidária 43 .<br />

Como já ressaltado, a gradação da igualdade de chances, tal como desenvolvida<br />

pelo <strong>Tribunal</strong> Constitucional e assente na Lei dos Partidos (§ 5), há de levar<br />

em conta a “significação do partido”. Esta deve corresponder à sua participação na<br />

formação da vontade política (... Anteil den sie an der politischen Willensbildung<br />

des Volkes hat). 44 E o critério fundamental para aferição do grau de influência na<br />

vontade política é fornecido, basicamente, pelo desempenho eleitoral 45 .<br />

Não há dúvida de que a gradação da “igualdade de chances” deve realizarse<br />

cum grano salis, de modo a assegurar razoável e adequada eficácia a todo e<br />

qualquer esforço partidário. 46 Até porque o abandono da orientação que consagra<br />

a igualdade formal entre os partidos não pode ensejar, em hipótese alguma,<br />

a nulificação do tratamento igualitário que lhes deve ser assegurado pelo poder<br />

público. Eventual gradação do direito de igualdade de chances há de se efetivar<br />

com a observância de critério capaz de preservar a própria seriedade do sistema<br />

democrático e pluripartidário 47 .<br />

Tal constatação mostra-se particularmente problemática no que concerne<br />

à distribuição dos horários para as transmissões radiofônicas e televisivas. Uma<br />

radical gradação do direito de igualdade de chances acabaria por converter-se<br />

em autêntica garantia do status quo. Daí ter-se consolidado na jurisprudência<br />

constitucional alemã orientação que assegura a todos os partícipes do prélio<br />

eleitoral, pelo menos, uma “adequada e eficaz propaganda” (angemessene und<br />

wirksame Wahlpropaganda). 48 Considera-se, assim, que um Sendezeitminimum<br />

(“tempo mínimo de transmissão”) deve ser assegurado a todos os concorrentes,<br />

independentemente de sua “significação” 49 .<br />

Ainda assim, verificam-se na doutrina sérias reservas à gradação do direito<br />

de igualdade de chances, no tocante às “transmissões eleitorais”. É que tal<br />

oportunidade assume relevância extraordinária para os pequenos partidos e as<br />

novas agremiações, que, diversamente dos etablierten Parteien, não dispõem de<br />

meios adequados para difundir a sua plataforma eleitoral 50 . Também Tsatsos e<br />

43<br />

LIPPHARDT. op. cit., p. 700.<br />

44<br />

BVerfGE 24, 344; LIPPHARDT, op. cit., p. 446.<br />

45<br />

LIPPHARDT, op. cit., p. 446; TSATSOS, Dimitris Th.; MORLOK, Martin. Die Parteien in der<br />

politischen Ordnung, cit., p. 25.<br />

46<br />

LIPPHARDT, op. cit., p. 700-701 e 438-439; TSATSOS, Deutsches Staatsrecht, op. cit., p. 43;<br />

BATTIS, op. cit., p. 22-25.<br />

47<br />

BATTIS, Ulrich. Einführung in das Öffentliche Recht, cit., p. 21-22; cf. também BVerfGE, 24, 300.<br />

48<br />

LIPPHARDT, op. cit., p. 438-439.<br />

49<br />

LIPPHARDT, op. cit., p. 438-439.<br />

50<br />

Cf. GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL,<br />

Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit., p. 346-347.


R.T.J. — <strong>207</strong> 173<br />

Morlok sustentam, nesse particular, que a igualdade formal de todos os que participam<br />

do processo eleitoral deve ser decididamente afirmada. Entendem que,<br />

“em uma democracia, não constitui tarefa de um Poder onisciente e interventivo<br />

tomar providências que indiquem aos eleitores a imagem ‘correta’ dos partidos.<br />

Ao revés, com a escolha prévia dos partidos, arroga-se o Estado um direito que<br />

apenas é de se reconhecer à cidadania na sua manifestação eleitoral”. 51 .<br />

Digna de relevo é a problemática relativa ao financiamento dos partidos.<br />

Em 1958, declarou o Bundesverfassungsgericht a inconstitucionalidade de lei<br />

que facultava a subvenção aos partidos mediante desconto de imposto, ao fundamento<br />

de que tal prática não era compatível com o princípio de “igualdade<br />

de chances”. 52 Posteriormente, declarou-se a inconstitucionalidade de disposição<br />

contida na lei de orçamento, que assegurava aos partidos representados no<br />

Parlamento significativa soma de recursos, entendendo que o funcionamento permanente<br />

das organizações partidárias através de recursos públicos não era compatível<br />

com a liberdade e abertura do processo de formação da vontade popular 53 .<br />

Calcado na orientação consagrada pelo <strong>Tribunal</strong>, que considerava legítima<br />

apenas a alocação de recursos públicos para fazer face aos elevados custos da<br />

campanha 54 , estabeleceu o legislador disposição que concedia aos partidos políticos<br />

que obtivessem o mínimo de 2,5 % dos votos válidos apurados em cada<br />

região eleitoral uma subvenção a título de “reembolso de despesas eleitorais”<br />

(Erstattung vom Wahlkampfkosten), (Lei dos Partidos, § 18).<br />

A Corte Constitucional declarou, todavia, a nulidade do preceito, pelos<br />

fundamentos seguintes: “No que concerne ao ‘reembolso das despesas<br />

eleitorais’, hão de ser contempladas todas as agremiações que participaram<br />

do prélio eleitoral, não sendo possível estabelecer uma votação mínima<br />

(Mindesstimmenanteil) com a justificativa de que as eleições devam criar um<br />

parlamento com poder de decisão. Ao revés, tal exigência somente pode ser<br />

estabelecida como pressuposto indispensável de aferição da seriedade das<br />

propostas e programas apresentados pelos partidos, isto é, a sua avaliação<br />

pelos eleitores traduzida pelo resultado das eleições. No tocante ao ‘reembolso<br />

das despesas eleitorais’, há de se reconhecer o perigo de alguns grupos<br />

fragmentários tomarem parte do pleito tão-somente em virtude da subvenção<br />

pública. A votação mínima que legitima a concessão do “reembolso das despesas<br />

eleitorais” somente há de ser fixada tendo em vista as relações concretas<br />

fornecidas pelas eleições parlamentares. O número de eleitores correspondia,<br />

naquelas eleições, a cerca de 38 milhões; o número de votantes, 33,4 milhões.<br />

Nessas condições, se se considerar a média de participação nas eleições, um<br />

51<br />

TSATSOS, Dimitris Th.; MORLOK, Martin. Die Parteien in der politischen Ordnung, cit., p. 32.<br />

52<br />

BVerfGE 8/51; Vide TSATSOS, Deutsches Staatsrecht, op. cit., p. 49; LIPPHARDT, op. cit., p.<br />

258-264.<br />

53<br />

BVerfGE, 20, 56 ff – 19-7-66 – TSATSOS, Deutsches Staatsrecht, op. cit., p. 49-50; BATTIS,<br />

Ulrich. Einführung in das Öffentliche Recht, cit. p. 27-28.<br />

54<br />

BVerfGE, 20, 56.


174<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

partido deveria obter cerca de 835.000 votos para atingir o percentual de 2,5 %<br />

legalmente exigido. Tal exigência, como prova de seriedade dos esforços eleitorais,<br />

não parece razoável. Uma votação mínima de 0,5 % dos votos apurados<br />

significaria que um partido deveria somar cerca de 167.000 votos. Um partido<br />

que logrou tantos sufrágios não pode ter contestada a seriedade de seu esforço<br />

eleitoral” (BVerfGE 24, 300) 55 . Em face da referida decisão, não restou ao legislador<br />

outra alternativa senão a de fixar em 0,5 % o aludido percentual mínimo<br />

(Lei dos Partidos, § 18, 2).<br />

Tais considerações estão a demonstrar que, não obstante eventuais percalços<br />

de ordem jurídica ou fática, a “igualdade de chances”, concebida como<br />

princípio constitucional autônomo, constitui expressão jurídica da neutralidade<br />

do Estado em relação aos diversos concorrentes 56 . O seu fundamento não se assenta<br />

única e exclusivamente no postulado geral da “igualdade de chances” (Lei<br />

Fundamental, art. 3º, I). Ao revés, a igualdade de chances é considerada como<br />

derivação direta dos preceitos constitucionais que consagram o regime democrático<br />

(art. 20, I) e pluripartidário (art. 21, I) 57 .<br />

Não tenho dúvida de que a “igualdade de chances” é princípio integrante<br />

da ordem constitucional brasileira.<br />

Considere-se, de imediato, que o postulado geral de igualdade tem ampla<br />

aplicação entre nós, não se afigurando possível limitar o seu alcance, em princípio,<br />

às pessoas naturais, ou restringir a sua utilização a determinadas situações ou atividades.<br />

Nesse sentido, já observara Seabra Fagundes que “tão vital se afigura o princípio<br />

ao perfeito estruturamento do Estado democrático, e tal é a sua importância<br />

como uma das liberdades públicas, para usar a clássica terminologia de inspiração<br />

francesa, que, não obstante expresso como garantia conferida a ‘brasileiros e estrangeiros<br />

residentes no País’, o que denota, à primeira vista, ter tido em mira apenas<br />

as pessoas físicas, se tornou pacífico alcançar, também, as pessoas jurídicas” 58 .<br />

Em virtude, a chamada “força irradiante do princípio da igualdade” parece<br />

espraiar-se por todo o ordenamento jurídico, contemplando, de forma ampla, todos<br />

os direitos e situações. Daí ter asseverado Francisco Campos:<br />

A cláusula relativa à igualdade diante da lei vem em primeiro lugar, na lista<br />

dos direitos e garantias que a Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros<br />

residentes no País. Não foi por acaso ou arbitrariamente que o legislador constituinte<br />

iniciou com o direito à igualdade a enumeração dos direitos indivi duais.<br />

55 Cf. BATTIS, Ulrich. Einführung in das Öffentliche Recht, cit., p. 29-30.<br />

56 GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL,<br />

Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit., p. 344-345.<br />

57 LIPPHARDT, op. cit., p. 92-93; GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst;<br />

MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band<br />

1, cit., p. 344; TSATSOS, Dimitris Th.; MORLOK, Martin. Die Parteien in der politischen<br />

Ordnung, cit., p. 22.<br />

58 FAGUNDES, Miguel Seabra. O princípio constitucional de igualdade perante a lei e o Poder<br />

Legislativo. RF 161/78; cf. também, CAMPOS, Francisco. Parecer. RDA 72/403.


R.T.J. — <strong>207</strong> 175<br />

Dando-lhe o primeiro lugar na enumeração, quis significar expressivamente,<br />

embora de maneira tácita, que o princípio de igualdade rege todos os direitos em<br />

seguida a ele enumerados. É como se o art. 141 da Constituição estivesse assim<br />

redigido: “A Constituição assegura com ‘igualdade os direitos concernentes à vida,<br />

à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (...)’ ”. 59<br />

Explicitando esse pensamento, acrescenta o insigne jurista que o princípio<br />

de igualdade tem por escopo a proteção da livre concorrência entre os homens<br />

em todos os âmbitos de atividade. Registre-se o seu magistério:<br />

O alcance do princípio de igualdade perante a lei há de ser, portanto, interpretado<br />

na maior latitude dos seus termos, ou como envolvendo não só a hipótese<br />

de que, embora não havendo existido, venha, entretanto, a se criar no País o regime<br />

de classes, como toda e qualquer situação, a que, embora casualmente ou episodicamente,<br />

sem caráter sistemático, ou de modo puramente singular, se deixe de aplicar<br />

o critério ou a medida geral prevista para casos ou situações da mesma espécie, e<br />

se lhes aplique critério ou medida de exceção. O princípio não tem, portanto, como<br />

foco de incidência, um ponto preciso e definido. Ele se difunde por todo o tecido<br />

das relações humanas que possam constituir objeto de regulamentação jurídica ou<br />

sejam suscetíveis de configurar-se em conteúdo de um ato ou de um comando da autoridade<br />

pública. Não é princípio adstrito a um aspecto ou a uma forma de organização<br />

social; é um postulado de ordem geral, destinado a reger o comércio jurídico em<br />

todas as modalidades, de modo a assegurar, particularmente sob as constituições<br />

liberais e democráticas, o regime da concorrência, que é a categoria sob a qual elas<br />

concebem não somente a ordem social, como a ordem política, a ordem econômica<br />

e a ordem jurídica. O princípio de igualdade tem por principal função proteger e<br />

garantir a livre concorrência entre os homens, seja quando a sua atividade tem por<br />

objeto o poder, seja quando o pólo de seu interesse são os bens materiais ou imateriais,<br />

cujo gozo exclusivo lhes é assegurado pelo direito de propriedade 60 .<br />

De resto, a concorrência é imanente ao regime liberal e democrático, tendo<br />

como pressuposto essencial e inafastável a neutralidade do Estado.<br />

É o que se constata na seguinte passagem do preclaro magistério de<br />

Francisco Campos:<br />

O regime liberal e democrático postula a concorrência não apenas como<br />

categoria histórica, mas como a categoria ideal da convivência humana. Ora, a<br />

concorrência pressupõe, como condição essencial, necessária ou imprescindível,<br />

que o Estado não favoreça a qualquer dos concorrentes, devendo, ao contrário,<br />

assegurar a todos um tratamento absolutamente igual, a nenhum deles podendo<br />

atribuir prioridade ou privilégio, que possa colocá-lo em situação especialmente<br />

vantajosa em relação aos demais. Esta, no mundo moderno, a significação do princípio<br />

da igualdade perante a lei. Por ele, todos ficarão certos de que na concorrência,<br />

tomada esta expressão no seu sentido mais amplo, o Estado mantém-se neutro<br />

ou não procurará intervir senão para manter entre os concorrentes as liberdades<br />

ou as vantagens a que cada um deles já tinha direito ou que venha a adquirir, mediante<br />

os processos normais da concorrência. O princípio de igualdade tem hoje,<br />

59<br />

CAMPOS, Francisco. Parecer, de 19 de maio de 1947. RF 116/396.<br />

60<br />

CAMPOS, Francisco. Parecer, de 19 de maio de 1947. RF 116/397.


176<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

como se vê, um campo mais vasto de aplicação do que nos tempos que se seguiram<br />

imediatamente às suas primeiras declarações 61 .<br />

Afigura-se, pois, dispensável ressaltar a importância do princípio da isonomia<br />

no âmbito das relações estatais. Como a ninguém é dado recusar a integração<br />

a uma determinada ordem estatal, faz-se mister reconhecer o direito de<br />

participação igualitária como correlato necessário da inevitável submissão a<br />

esse poder de império. E o direito de participação igualitária na vida da comunidade<br />

estatal e na formação da vontade do Estado não se restringe à igualdade<br />

eleitoral, ao acesso aos cargos públicos, ao direito de informação e de manifestação<br />

de opinião, abrangendo a própria participação nos partidos políticos e<br />

associações como forma de exercer influência na formação da vontade política 62 .<br />

Vê-se, pois, que o princípio de igualdade entre os partidos políticos constitui<br />

elementar exigência do modelo democrático e pluripartidário.<br />

No entanto, não se pode ignorar que, tal como apontado, a aplicação do<br />

princípio de “igualdade de chances” encontra dificuldades de ordem jurídica e<br />

fática. Do prisma jurídico, não há dúvida de que o postulado da igualdade de<br />

chances incide sobre uma variedade significativa de objetos. E, do ponto de vista<br />

fático, impende constatar que o Estado, que deve conduzir-se de forma neutra, é,<br />

ao mesmo tempo, partidariamente ocupado 63 .<br />

Aludidas dificuldades não devem ensejar, à evidência, o estabelecimento<br />

de quaisquer discriminações entre os partidos estabelecidos e os newcomers,<br />

porquanto eventual distinção haveria de resultar, inevitavelmente, no próprio<br />

falseamento do processo de livre concorrência.<br />

Não se afirma, outrossim, que ao legislador seria dado estabelecer distinções<br />

entre os concorrentes com base em critérios objetivos. Desde que tais distinções<br />

impliquem alteração das condições mínimas de concorrência, evidente<br />

se afigura sua incompatibilidade com a ordem constitucional calcada no postulado<br />

de isonomia. Mais uma vez é de se invocar a lição de Francisco Campos:<br />

Se o princípio deve reger apenas a aplicação da lei, é claro que ao legislador<br />

ficaria devassada a imensidade de um arbítrio sem fronteiras, podendo alterar,<br />

à sua discrição, por via de medidas concretas ou individuais, as condições<br />

da concorrência, de maneira a favorecer, na corrida, a um dos concorrentes, em<br />

detrimento dos demais. O que garante, efetivamente, a concorrência não é tão-só<br />

o princípio da legalidade, entendido como a exigência que os atos da justiça e da<br />

administração possam ser referidos ou imputados à lei. Desde que ficasse assegurada<br />

ao legislador a faculdade de alterar a posição de neutralidade do Estado<br />

em face dos concorrentes, tomando o partido de uns contra outros, a ordem da<br />

concorrência não poderia ter a posição central e dominante que lhe cabe, incontestavelmente,<br />

no ciclo histórico que se abriu com a revolução industrial do Século<br />

61<br />

CAMPOS, Francisco. Parecer, de 19 de maio de 1947. RF 116/398.<br />

62<br />

LARENZ, Karl. Richtiges Recht. München: C. H. Beck, 1979, p. 126-127.<br />

63<br />

GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL,<br />

Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit., p. 344; cf., também,<br />

SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit. p. 49.


R.T.J. — <strong>207</strong> 177<br />

passado e que ainda não se pode dar como encerrado no mundo ocidental. O caráter<br />

de norma obrigatória para o legislador, para ele especialmente, resulta da natureza<br />

e da extensão do princípio de igualdade perante a lei. Seria, de outra maneira,<br />

um princípio supérfluo ou destituído de qualquer significação. 64<br />

Não parece subsistir dúvida, portanto, de que o princípio da isonomia<br />

tem aplicação à atividade político-partidária, fixando os limites e contornos<br />

do poder de regular a concorrência entre os partidos.<br />

Ademais, como já observado, faz-se mister notar que o princípio da igualdade<br />

de chances entre os partidos políticos parece encontrar fundamento,<br />

igualmente, nos preceitos constitucionais que instituem o regime democrático,<br />

representativo e pluripartidário (CF, art. 1º, V, e parágrafo único). Tal modelo<br />

realiza-se, efetivamente, através da atuação dos partidos, que são, por isso,<br />

elevados à condição de autênticos e peculiares órgãos públicos ainda que não<br />

estatais, com relevantes e indispensáveis funções atinentes à formação da vontade<br />

política, à criação de legitimidade e ao processo contínuo de mediação<br />

(Vermittlung) entre povo e Estado (Lei 5.682/71, art. 2º). 65<br />

Esta mediação tem seu ponto de culminância na realização de eleições,<br />

com a livre concorrência das diversas agremiações partidárias.<br />

E a disputa eleitoral é condição indispensável do próprio modelo representativo,<br />

como assinala Rezek:<br />

O regime representativo pressupõe disputa eleitoral cuja racionalidade deriva<br />

da livre concorrência entre os partidos, cada um deles empenhado na reunião<br />

da vontade popular em torno de seu programa político. Não merece o nome de<br />

partido político, visto que não lhe tem a essência, o chamado “partido único”: aqui<br />

se trata, antes, de um grande departamento político do Estado, fundado na presunção<br />

de que seu ideário representa a vontade geral a ponto de alcançar o foro da incontestabilidade.<br />

As eleições, no Estado unipartidário, não traduzem o confronto<br />

de teses programas, mas a mera expedição popular, em favor dos eleitos, de um<br />

atestado de habilitação ao cumprimento do programa que de antemão se erigira<br />

em dogma. A pluralidade de partidos não é, dessa forma, uma opção. Sem ela não<br />

há que falar, senão por abusiva metáfora, em partido político de espécie alguma. 66<br />

Portanto, não se afigura necessário despender maior esforço de argumentação<br />

para que se possa afirmar que a concorrência entre os partidos,<br />

inerente ao próprio modelo democrático e representativo, tem como pressuposto<br />

inarredável o princípio de “igualdade de chances”.<br />

O <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral teve oportunidade de discutir a aplicação do<br />

princípio de “igualdade chances” a propósito da distribuição de tempo entre os<br />

partidos no rádio e na televisão.<br />

64<br />

CAMPOS, Francisco. Parecer, de 19 de maio de 1947. RF 116/398.<br />

65<br />

Ver, a propósito, LEIBHOLZ, Gerhard. Verfassungstaat-Verfassungsrecht. Stuttgart, 1973,<br />

p. 81; DENNINGER, Erhard. Staatsrecht. Hamburg, 1973, p. 71-74.<br />

66<br />

REZEK, Francisco. Organização Política do Brasil — Estudos de Problemas Brasileiros (texto<br />

de aula). Brasília: Universidade de Brasília, 1981. p. 34.


178<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Cuidava-se de discussão sobre a constitucionalidade da Lei 7.508, de<br />

1986, que regulamentava propaganda eleitoral para as eleições nacionais e estaduais<br />

(inclusive para a Assembléia Nacional Constituinte). Referida Lei não<br />

assegurava qualquer fração de tempo para propaganda eleitoral no Rádio e na<br />

Televisão aos partidos que não contassem com representante no Congresso<br />

Nacional ou nas Assembléias Legislativas (art. 1º, II).<br />

O Procurador-Geral da República, hoje Ministro do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, Sepúlveda Pertence, manifestou-se, com base em estudo por nós elaborado<br />

67 , pela inconstitucionalidade parcial da referida lei. Todavia, por maioria de<br />

votos (quatro a três), o <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral rejeitou a argüição de inconstitucionalidade<br />

formulada. Acentuou, porém, o Ministro Néri da Silveira, então<br />

Presidente do <strong>Tribunal</strong>, que a argumentação desenvolvida nos votos vencidos e<br />

na manifestação do Procurador-Geral eram considerações valiosas que haveriam<br />

de ser consideradas nas novas leis sobre a matéria 68 .<br />

A legislação que tratou do tema a partir da referida decisão não mais deixou<br />

de contemplar os partidos políticos sem representação parlamentar na distribuição<br />

do tempo para divulgação da campanha eleitoral.<br />

Assinale-se, porém, que, tal como observado, o princípio da “igualdade<br />

de chances” entre os partidos políticos abrange todo o processo de concorrência<br />

entre os partidos, não estando, por isso, adstrito a um segmento específico. É<br />

fundamental, portanto, que a legislação que disciplina o sistema eleitoral, a atividade<br />

dos partidos políticos e dos candidatos, o seu financiamento, o acesso aos<br />

meios de comunicação, o uso de propaganda governamental, entre outras, não<br />

negligencie a idéia de igualdade de chances sob pena de a concorrência entre<br />

agremiações e candidatos se tornar algo ficcional, com grave comprometimento<br />

do próprio processo democrático.<br />

Atualmente, o <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral está a apreciar, no Recurso<br />

Especial 21.334, Relator o Ministro Peçanha Martins, controvérsia constitucional<br />

sobre o direito de determinado partido político, no âmbito estadual, veicular<br />

programa político partidário sem ter elegido representantes para a Assembléia<br />

Legislativa. Em voto que proferi nesse recurso, quando integrante daquela<br />

Corte Eleitoral, ressaltei que o critério adotado pelo legislador, na distribuição<br />

dos horários de propaganda eleitoral, impossibilitou o acesso ao rádio e à televisão<br />

dos partidos políticos habilitados que não contam com representantes na<br />

Assembléia Legislativa Estadual. Ainda que se possa considerar razoável a sistemática<br />

estabelecida pelo legislador no tocante à distribuição dos horários, de<br />

acordo com a representação parlamentar, afigura-se inevitável reconhecer que<br />

a negação, ainda que limitada, do direito de acesso ao rádio e à televisão, não<br />

67<br />

TSE-Acórdão 8.444, de 4.11.1986, Relator Aldir Passarinho. MENDES, Gilmar Ferreira.<br />

Propaganda Eleitoral. Horário Gratuito. Distribuição Eqüitativa. Revista de Direito Público, v. 20,<br />

n. 82, p. 100-110, abr./jun. 1987.<br />

68<br />

MS-TSE 754, Relator Roberto Rosas, DJ 11-4-90; MS-TSE 746, Relator Roberto Rosas,<br />

DJ 11-4-90; RMS 785, Relator Aldir Passarinho, DJ 2-10-87.


R.T.J. — <strong>207</strong> 179<br />

se compadece com o postulado da “igualdade de chances”. O Ministro Cezar<br />

Peluso pediu vista do recurso para melhor analisar a matéria (em 4-4-06).<br />

No presente caso, não tenho dúvida de que as restrições impostas pela Lei<br />

9.096/95 ao acesso gratuito pelos partidos políticos ao rádio e à televisão, assim<br />

como aos recursos do fundo partidário, afrontam o princípio da “igualdade<br />

de chances”.<br />

Destarte, a Lei dos Partidos Políticos estabeleceu as seguintes regras:<br />

a) Quanto ao acesso dos partidos políticos aos recursos do fundo<br />

partidário:<br />

a.1) o partido que não obtiver os percentuais de votação previstos pelo<br />

art. 13, ou seja, que não ultrapassar a denominada “cláusula de barreira”,<br />

somente terá direito a receber 1% (um por cento) do Fundo Partidário<br />

(art. 41, I);<br />

a.2) os partidos que cumprirem os requisitos do art. 13 compartilharão<br />

os restantes 99% (noventa e nove por cento) do total do Fundo<br />

Partidário na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a<br />

Câmara dos Deputados (art. 41, II).<br />

b) Quanto ao acesso dos partidos políticos ao rádio e à televisão:<br />

b.1) o partido que não obtiver os percentuais de votação previstos<br />

pelo art. 13 terá direito à realização de um programa em cadeia nacional, em<br />

cada semestre, com a duração de apenas 2 (dois) minutos (art. 48);<br />

b.2) o partido que atenda ao disposto no art. 13 tem assegurada: 1) a<br />

realização de um programa em cadeia nacional e de um programa em cadeia<br />

estadual, em cada semestre, com a duração de vinte minutos cada; 2) a utilização<br />

do tempo total de quarenta minutos, por semestre, para inserções<br />

de trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais, e de igual tempo nas<br />

emissoras estaduais (art. 49).<br />

Como se vê, essa regra torna inviável a própria sobrevivência dos partidos<br />

que não ultrapassem a “cláusula de barreira”, na medida em que destina a todos<br />

eles apenas 1% (um por cento) dos recursos do Fundo Partidário, permanecendo<br />

os outros 99% (noventa e nove por cento) restantes com os demais partidos.<br />

O significado do Fundo Partidário para os partidos políticos pode ser devidamente<br />

apreendido na Tabela abaixo a propósito dos recursos financeiros auferidos<br />

pelas agremiações partidárias no exercício financeiro de 2005.<br />

Par-<br />

tido<br />

Recursos<br />

F. P. *<br />

Receitas auferidas pelas direções nacionais<br />

dos partidos exercício financeiro – 2005<br />

%<br />

Recursos<br />

** % Total %<br />

próprios<br />

PT 24.690.181,55 69,36% 10.907.790,47 30,64% 35.597.972,02 100%<br />

PSDB 19.239.678,07 99,45 % 106.786,40 0,55 % 19.346.464,47 100%


180<br />

Par-<br />

tido<br />

Recursos<br />

F. P. *<br />

%<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Recursos<br />

** % Total %<br />

próprios<br />

PMDB 17.949.068,71 95,72% 801.965,17 4,28% 18.751.033,88 100%<br />

PFL 17.800.148,30 99,07% 166.904,47 0,93% 17.967.052,77 100%<br />

PP 10.518.884,51 97,54% 265.531,18 2,46% 10.784.415,69 100%<br />

PSB 7.114.067,31 88,05% 965.557,98 11,95 % 8.079.625,29 100%<br />

PTB 6.941.278,19 99,89% 7.384,51 0,11% 6.948.662,70 100%<br />

PDT 6.908.638,95 98,95% 73.587,57 1,05 % 6.982.226,52 100%<br />

PL 6.900.799,97 91,50% 640.858,22 8,50% 7.541.658,19 100%<br />

PPS 1.181.644,31 65,98% 609.384,99 34,02% 1.791.029,30 100%<br />

PV 1.151.497,31 93,57% 79.118,39 6,43% 1.230.615,70 100%<br />

PC<br />

do B<br />

878.655,93 33,20% 1.767.710,52 66,80% 2.646.366,45 100%<br />

Prona 44.190,71 15,74% 236.617,44 84,26% 280.808,15 100%<br />

PSC 44.190,71 47,45 % 48.937,18 52,55 % 93.127,89 100%<br />

PSDC 44.190,71 41,64% 61.943,32 58,36% 106.134,03 100%<br />

PHS 44.190,71 58,17% 31.782,86 41,83% 75.973,57 100%<br />

PSTU 39.937,04 4,19% 912.262,44 95,81% 952.199,48 100%<br />

PCO 29.198,22 100%<br />

Não<br />

informado<br />

0,00% 29.198,22 100%<br />

PMN 24.435,09 4,86% 478.547,72 95,14% 502.982,81 100%<br />

PRTB 23.944,55 19,48% 98.945,98 80,52% 122.890,53 100%<br />

PMR/<br />

PRB<br />

PTC/<br />

PRN<br />

12.102,83 52,78% 10.827,78 47,22% 22.930,61 100%<br />

8.442,60 15,57% 45.784,61 84,43% 54.227,21 100%<br />

P-SOL 8.442,60 54,03% 7.183,37 45,97% 15.625,97 100%<br />

PAN 5.256,79 40,55% 7.706,31 59,45 % 12.963,10 100%<br />

PCB 2.523,11 11,20% 20.000,00 88,80% 22.523,11 100%<br />

PRP 2.523,11 2,21% 111.554,19 97,79% 114.077,30 100%


Par-<br />

tido<br />

Recursos<br />

F. P. *<br />

%<br />

R.T.J. — <strong>207</strong> 181<br />

Recursos<br />

** % Total %<br />

próprios<br />

PSL - - 111.425,41 100% 111.425,41 100%<br />

PT<br />

do B<br />

PTN - -<br />

- - 55.820,00 100% 55.820,00 100%<br />

Não<br />

informado<br />

- - -<br />

* Os valores provenientes do Fundo Partidário tiveram como base os relatórios emitidos<br />

pelo Siafi.<br />

** Os valores correspondentes aos Recursos Próprios podem sofrer alterações.<br />

Tem-se, portanto, um modelo legal do Fundo Partidário assaz restritivo para<br />

com os partidos menores e, especialmente, com as agremiações em formação.<br />

Em outros termos, o art. 41 da Lei 9.096/99 condena as agremiações minoritárias<br />

a uma morte lenta e segura, ao lhes retirar as condições mínimas para concorrer<br />

no prélio eleitoral subseqüente em regime de igualdade com as demais agremiações.<br />

Não bastasse isso, a lei restringe em demasia o acesso ao rádio e à televisão<br />

dos partidos que não alcancem os percentuais estabelecidos pelo art. 13, na<br />

medida em que lhes assegura a realização de um programa em cadeia nacional,<br />

em cada semestre, com a duração de apenas 2 (dois) minutos.<br />

Levando-se em conta que, atualmente, a disputa eleitoral é travada prioritariamente<br />

no âmbito do rádio e, principalmente, da televisão, parece não haver<br />

dúvida de que tal regra, em verdade, torna praticamente impossível às agremiações<br />

minoritárias o desenvolvimento da campanha em regime de “igualdade de<br />

chances” com os demais partidos, os quais têm assegurada a realização de um<br />

programa em cadeia nacional e de um programa em cadeia estadual, em cada semestre,<br />

com a duração de vinte minutos cada, assim como a utilização do tempo<br />

total de quarenta minutos, por semestre, para inserções de trinta segundos ou<br />

um minuto, nas redes nacionais, e de igual tempo nas emissoras estaduais.<br />

Todos sabem que há muito as eleições deixaram de ser resolvidas nos palanques<br />

eleitorais. Na era da comunicação, o rádio e a televisão tornam-se poderosos<br />

meios postos à disposição dos partidos para a divulgação de seus conteúdos<br />

programáticos e de suas propostas de governo. Na medida em que permitem o<br />

contato direto e simultâneo entre candidatos/partidos e eleitores, constituem ferramentas<br />

indispensáveis à própria sobrevivência das agremiações partidárias.<br />

Dessa forma, uma limitação legal assaz restritiva do acesso a esses recursos de<br />

comunicação tem o condão de inviabilizar a participação dos partidos políticos<br />

nas eleições e, com isso, a sua própria subsistência no regime democrático.<br />

É preciso ressaltar, por outro lado, que a adoção de critério fundado no<br />

desempenho eleitoral dos partidos não é, por si só, abusiva. Em verdade, tal<br />

como expressamente reconhecido pela Corte Constitucional alemã, não viola o


182<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

princípio de igualdade a adoção pela lei do fator de desempenho eleitoral para<br />

os fins de definir o grau ou a dimensão de determinadas prerrogativas das agremiações<br />

partidárias.<br />

Não pode, porém, o legislador adotar critério que congele o quadro partidário<br />

ou que bloqueie a constituição e desenvolvimento de novas forças políticas.<br />

A regra da “cláusula de barreira”, tal como foi instituída pela Lei<br />

9.096/95, limitando drasticamente o acesso dos partidos políticos ao rádio e<br />

à televisão e aos recursos do fundo partidário, constitui uma clara violação<br />

ao princípio da “igualdade de chances”.<br />

VI – A crise do sistema eleitoral proporcional no Brasil: novas reflexões<br />

sobre a fidelidade partidária na jurisprudência do STF<br />

É preciso deixar enfatizado, não obstante, que as preocupações do legislador<br />

são, de fato, legítimas. A criação de uma “cláusula de barreira” para o pleno<br />

funcionamento parlamentar dos partidos políticos tem o claro intuito de antecipar<br />

alguns pontos de uma reforma política mais ampla.<br />

Hoje, parece inegável que o sistema eleitoral de feição proporcional, que<br />

corresponde à nossa prática política brasileira desde 1932, vem apresentando<br />

significativos déficits e emitindo sinais de exaustão.<br />

Recentemente, o país mergulhou numa das maiores crises éticas e políticas<br />

de sua história republicana, crise esta que revelou algumas das graves<br />

mazelas do sistema político-partidário brasileiro, e que torna imperiosa a sua<br />

imediata revisão.<br />

De tudo que foi revelado, tem-se como extremamente grave o aparelhamento<br />

das estruturas estatais para fins político-partidários e a apropriação de<br />

recursos públicos para o financiamento de partidos políticos.<br />

A crise tornou, porém, evidente, para todos, a necessidade de que sejam<br />

revistas as atuais regras quanto à fidelidade partidária.<br />

Em outros termos, estamos desafiados a repensar o atual modelo a partir<br />

da própria jurisprudência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>. Devemos refletir,<br />

inclusive, sobre a conseqüência da mudança de legenda por aqueles que obtiveram<br />

o mandato no sistema proporcional, o que constitui, sem sombra de<br />

dúvidas, uma clara violação à vontade do eleitor e um falseamento grotesco do<br />

modelo de representação popular pela via da democracia de partidos!<br />

Com efeito, é assegurada aos partidos políticos autonomia para fixar, em<br />

seus programas, seus objetivos políticos e para definir sua estrutura interna e<br />

funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplina<br />

partidárias 69 (CF, art. 17 e § 1º).<br />

69 O art. 3º da Lei 9.096/95 diz que “é assegurada, ao partido político, autonomia para definir sua<br />

estrutura interna, organização e funcionamento”. O art. 14 da mesma lei diz que “o partido é livre<br />

para fixar, em seu programa, seus objetivos políticos e para estabelecer, em seu estatuto, a sua estrutura<br />

interna, organização e funcionamento”.


R.T.J. — <strong>207</strong> 183<br />

Nesse aspecto, tem sido até aqui pacífica a orientação no <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong> e no <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral de que a infidelidade partidária não terá<br />

repercussão sobre o mandato exercido 70 . A maior sanção que a agremiação partidária<br />

poderia impor ao filiado infiel é a exclusão de seus quadros.<br />

Se consideramos a exigência de filiação partidária como condição de elegibilidade<br />

e a participação do voto de legenda na eleição do candidato, tendo em<br />

vista o modelo eleitoral proporcional adotado para as eleições parlamentares,<br />

essa orientação afigura-se amplamente questionável.<br />

Assim, ressalvadas situações específicas decorrentes de ruptura de compromissos<br />

programáticos por parte da agremiação ou outra situação de igual<br />

significado, o abandono da legenda, a meu ver, deve dar ensejo à perda do<br />

mandato. Na verdade, embora haja participação especial do candidato na obtenção<br />

de votos com o objetivo de posicionar-se na lista dos eleitos, tem-se que<br />

a eleição proporcional se realiza em razão de votação atribuída à legenda. Como<br />

se sabe, com raras exceções, a maioria dos eleitos sequer logram obter o quociente<br />

eleitoral, dependendo a sua eleição dos votos obtidos pela agremiação.<br />

Nessa perspectiva, não parece fazer qualquer sentido, do prisma jurídico<br />

e político, que o eventual eleito possa, simplesmente, desvencilhar-se<br />

dos vínculos partidários originalmente estabelecidos, carregando o mandato<br />

obtido em um sistema no qual se destaca o voto atribuído à agremiação<br />

partidária a que estava filiado para outra legenda.<br />

Daí a necessidade imperiosa de revisão da jurisprudência do STF acima<br />

referida.<br />

VII – A necessidade de uma solução diferenciada: a interpretação das<br />

disposições transitórias (art. 57) com efeitos aditivos<br />

O Ministro Marco Aurélio, Relator, votou no sentido da declaração de<br />

inconstitucionalidade/nulidade total dos dispositivos impugnados: o art. 13;<br />

expressão contida no art. 41, inciso II; o art. 48; expressão contida no caput do<br />

art. 49; e os arts. 56 e 57, todos da Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos<br />

Partidos Políticos).<br />

Essa conclusão me preocupa, pois temos, no caso, os arts. 56 e 57, que<br />

trazem normas de transição e que regeram o tema desde a publicação da lei, em<br />

20-9-95. A declaração de nulidade total dessas normas, com eficácia ex tunc,<br />

resultará, invariavelmente, num vácuo legislativo.<br />

Por isso, o <strong>Tribunal</strong> deve encontrar uma solução que, ao declarar a inconstitucionalidade<br />

da regra do art. 13 e do sistema normativo dele decorrente,<br />

preserve as normas de transição do art. 57 que regem a questão atualmente, pelo<br />

menos até que o legislador elabore novas regras para disciplinarem a matéria.<br />

Nesse sentido, a técnica da interpretação conforme à Constituição pode<br />

oferecer uma alternativa viável.<br />

70<br />

MS 20.297, Relator Moreira Alves, julgado em 18-12-81. Acórdão-TSE 11.075, Relator Célio de<br />

Oliveira Borja, DJ de 15-5-90).


184<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Há muito se vale o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> da interpretação conforme<br />

à Constituição 71 . Consoante a prática vigente, limita-se o <strong>Tribunal</strong> a declarar a<br />

legitimidade do ato questionado desde que interpretado em conformidade com<br />

a Constituição 72 . O resultado da interpretação, normalmente, é incorporado, de<br />

forma resumida, na parte dispositiva da decisão 73 .<br />

Segundo a jurisprudência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, porém, a interpretação<br />

conforme à Constituição conhece limites. Eles resultam tanto da<br />

expressão literal da lei quanto da chamada vontade do legislador. A interpretação<br />

conforme à Constituição é, por isso, apenas admissível se não configurar<br />

violência contra a expressão literal do texto 74 e não alterar o significado do texto<br />

normativo, com mudança radical da própria concepção original do legislador 75 .<br />

Assim, a prática demonstra que o <strong>Tribunal</strong> não confere maior significado à<br />

chamada intenção do legislador, ou evita investigá-la, se a interpretação conforme<br />

à Constituição se mostra possível dentro dos limites da expressão literal do texto 76 .<br />

Muitas vezes, porém, esses limites não se apresentam claros e são difíceis<br />

de definir. Como todo tipo de linguagem, os textos normativos normalmente<br />

padecem de certa indeterminação semântica, sendo passíveis de múltiplas<br />

interpretações. Assim, é possível entender, como o faz Rui Medeiros, que “a<br />

problemática dos limites da interpretação conforme à Constituição está indissociavelmente<br />

ligada ao tema dos limites da interpretação em geral” 77 .<br />

A eliminação ou fixação, pelo <strong>Tribunal</strong>, de determinados sentidos normativos<br />

do texto, quase sempre tem o condão de alterar, ainda que minimamente, o<br />

sentido normativo original determinado pelo legislador. Por isso, muitas vezes a<br />

interpretação conforme levada a efeito pelo <strong>Tribunal</strong> pode transformar-se numa<br />

decisão modificativa dos sentidos originais do texto.<br />

A experiência das Cortes Constitucionais européias – destacando-se, nesse<br />

sentido, a Corte Costituzionale italiana 78 – bem demonstra que, em certos casos,<br />

o recurso às decisões interpretativas com efeitos modificativos ou corretivos<br />

71<br />

Rp 948, Rel. Min. Moreira Alves, <strong>RTJ</strong> 82:55-6; Rp 1.100, <strong>RTJ</strong> 115:993 et seq.<br />

72<br />

Cf., a propósito, Rp 1.454, Rel. Min. Octavio Gallotti, <strong>RTJ</strong> 125:997.<br />

73<br />

Cf., a propósito, Rp 1.389, Rel. Min. Oscar Corrêa, <strong>RTJ</strong> 126:514; Rp 1.454, Rel. Min. Octavio<br />

Gallotti, <strong>RTJ</strong> 125:997; Rp 1.399, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJ 9-9-88.<br />

74<br />

Bittencourt, O controle jurisdicional, cit., p. 95.<br />

75<br />

ADI 2.405/RS, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 17-2-06; ADI 1.344/ES, Rel. Min. Joaquim<br />

Barbosa, DJ de 19-4-06; Rp 1.417/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 15-4-88; ADI 3.046/SP, Rel.<br />

Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 28-5-04.<br />

76<br />

Rp 1.454, Rel. Min. Octavio Gallotti, <strong>RTJ</strong> 125:997; Rp 1.389, Rel. Min. Oscar Corrêa, <strong>RTJ</strong><br />

126:514; Rp 1.399, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJ 9-9-88.<br />

77<br />

MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade. Os autores, o conteúdo e os efeitos da<br />

decisão de inconstitucionalidade da lei. Lisboa: Universidade Católica, 1999. p. 301.<br />

78<br />

Cf. MARTÍN DE LA VEGA, Augusto. La sentencia constitucional en Italia. Madrid: Centro<br />

de Estudios Políticos y Constitucionales, 2003.


R.T.J. — <strong>207</strong> 185<br />

da norma constitui a única solução viável para que a Corte Constitucional enfrente<br />

a inconstitucionalidade existente no caso concreto, sem ter que recorrer a<br />

subterfúgios indesejáveis e soluções simplistas como a declaração de inconstitucionalidade<br />

total ou, no caso de esta trazer conseqüências drásticas para a segurança<br />

jurídica e o interesse social, a opção pelo mero não-conhecimento da ação.<br />

Sobre o tema, é digno de nota o estudo de Joaquín Brage Camazano 79 , do<br />

qual cito a seguir alguns trechos:<br />

La raíz esencialmente pragmática de estas modalidades atípicas de sentencias<br />

de la constitucionalidad hace suponer que su uso es prácticamente inevitable,<br />

con una u otra denominación y con unas u otras particularidades, por cualquier<br />

órgano de la constitucionalidad consolidado que goce de una amplia jurisdicción,<br />

en especial si no seguimos condicionados inercialmente por la majestuosa, pero<br />

hoy ampliamente superada, concepción de Kelsen del TC como una suerte de “legislador<br />

negativo”. Si alguna vez los tribunales constitucionales fueron legisladores<br />

negativos, sea como sea, hoy es obvio que ya no lo son; y justamente el rico<br />

‘arsenal’ sentenciador de que disponen para fiscalizar la constitucionalidad de la<br />

Ley, más allá del planteamiento demasiado simple “constitucionalidad/ inconstitucionalidad”,<br />

es un elemento más, y de importancia, que viene a poner de relieve<br />

hasta qué punto es así. Y es que, como Fernández Segado destaca, “la praxis de<br />

los tribunales constitucionales no ha hecho sino avanzar en esta dirección” de la<br />

superación de la idea de los mismos como legisladores negativos, “certificando<br />

[así] la quiebra del modelo kelseniano del legislador negativo.”<br />

Certas modalidades atípicas de decisão no controle de constitucionalidade<br />

decorrem, portanto, de uma necessidade prática comum a qualquer jurisdição<br />

constitucional.<br />

Assim, o recurso a técnicas inovadoras de controle da constitucionalidade<br />

das leis e dos atos normativos em geral tem sido cada vez mais comum<br />

na realidade do direito comparado, na qual os tribunais não estão mais afeitos<br />

às soluções ortodoxas da declaração de nulidade total ou de mera decisão de<br />

improcedência da ação com a conseqüente declaração de constitucionalidade.<br />

Além das muito conhecidas técnicas de interpretação conforme à Constituição,<br />

declaração de nulidade parcial sem redução de texto, ou da declaração<br />

de inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade, aferição da “lei ainda<br />

constitucional” e do apelo ao legislador, são também muito utilizadas as técnicas<br />

de limitação ou restrição de efeitos da decisão, o que possibilita a declaração<br />

de inconstitucionalidade com efeitos pro futuro a partir da decisão ou de outro<br />

momento que venha a ser determinado pelo tribunal.<br />

Nesse contexto, a jurisprudência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> tem evoluído<br />

significativamente nos últimos anos, sobretudo a partir do advento da Lei<br />

9.868/99, cujo art. 27 abre ao <strong>Tribunal</strong> uma nova via para a mitigação de efeitos<br />

79 CAMAZANO, Joaquín Brage. Interpretación constitucional, declaraciones de inconstitucionalidad<br />

y arsenal sentenciador (un sucinto inventario de algunas sentencias “atípicas”). en Eduardo<br />

Ferrer Macgregor (ed.), La interpretación constitucional, Porrúa, México, 2005, en prensa.


186<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

da decisão de inconstitucionalidade. A prática tem demonstrado que essas novas<br />

técnicas de decisão têm guarida também no âmbito do controle difuso de<br />

constitucionalidade 80 .<br />

Uma breve análise retrospectiva da prática dos Tribunais Constitucionais<br />

e de nosso <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> bem demonstra que a ampla utilização<br />

dessas decisões, comumente denominadas “atípicas”, as converteram em modalidades<br />

“típicas” de decisão no controle de constitucionalidade, de forma que o<br />

debate atual não deve mais estar centrado na admissibilidade de tais decisões,<br />

mas nos limites que elas devem respeitar.<br />

O <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, quase sempre imbuído do dogma kelseniano<br />

do legislador negativo, costuma adotar uma posição de self-restraint ao se deparar<br />

com situações em que a interpretação conforme possa descambar para uma<br />

decisão interpretativa corretiva da lei 81 .<br />

Ao se analisar detidamente a jurisprudência do <strong>Tribunal</strong>, no entanto, é<br />

possível verificar que, em muitos casos, a Corte não se atenta para os limites,<br />

sempre imprecisos, entre a interpretação conforme delimitada negativamente<br />

pelos sentidos literais do texto e a decisão interpretativa modificativa desses<br />

sentidos originais postos pelo legislador 82 .<br />

No recente julgamento conjunto das ADI 1.105 e ADI 1.127, ambas de relatoria<br />

do Ministro Marco Aurélio, o <strong>Tribunal</strong>, ao conferir interpretação conforme<br />

à Constituição a vários dispositivos do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94),<br />

acabou adicionando-lhes novo conteúdo normativo, convolando a decisão em<br />

verdadeira interpretação corretiva da lei 83 .<br />

Em outros vários casos mais antigos 84 , também é possível verificar que o<br />

<strong>Tribunal</strong>, a pretexto de dar interpretação conforme à Constituição a determinados<br />

dispositivos, acabou proferindo o que a doutrina constitucional, amparada<br />

na prática da Corte Constitucional italiana, tem denominado de decisões manipulativas<br />

de efeitos aditivos 85 .<br />

80<br />

RE 197.917/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 7-5-04.<br />

81<br />

ADI 2.405/RS, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 17-2-06; ADI 1.344/ES, Rel. Min. Moreira Alves,<br />

DJ de 19-4-96; Rp 1.417/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 15-4-88.<br />

82<br />

ADI 3.324, ADI 3.046, ADI 2.652, ADI 1.946, ADI 2.209, ADI 2.596, ADI 2.332, ADI 2.084,<br />

ADI 1.797, ADI 2.087, ADI 1.668, ADI 1.344, ADI 2.405, ADI 1.105, ADI 1.127.<br />

83<br />

ADI 1.105/DF e ADI 1.127/DF, Rel. orig. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ o acórdão Min. Ricardo<br />

Lewandowski.<br />

84<br />

ADI 3.324, ADI 3.046, ADI 2.652, ADI 1.946, ADI 2.209, ADI 2.596, ADI 2.332, ADI 2.084,<br />

ADI 1.797, ADI 2.087, ADI 1.668, ADI 1.344, ADI 2.405, ADI 1.105, ADI 1.127.<br />

85<br />

Sobre a difusa terminologia utilizada, vide: MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça Constitucional.<br />

Tomo II. O contencioso constitucional português entre o modelo misto e a tentação do sistema<br />

de reenvio. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 238 et seq. MARTÍN DE LA VEGA, Augusto. La<br />

sentencia constitucional en Italia. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2003.<br />

DÍAZ REVORIO, Francisco Javier. Las sentencias interpretativas del <strong>Tribunal</strong> Constitucional.<br />

Valladolid: Lex Nova; 2001. LÓPEZ BOFILL, Héctor. Decisiones interpretativas en el control de<br />

constitucionalidad de la ley. Valencia: Tirant lo Blanch, 2004.


R.T.J. — <strong>207</strong> 187<br />

Sobre a evolução da Jurisdição Constitucional brasileira em tema de decisões<br />

manipulativas, o constitucionalista português Blanco de Morais fez a<br />

seguinte análise:<br />

(...) o fato é que a Justiça Constitucional brasileira deu, onze anos volvidos<br />

sobre a aprovação da Constituição de 1988, um importante passo no plano<br />

da suavização do regime típico da nulidade com efeitos absolutos, através do<br />

alargamento dos efeitos manipulativos das decisões de inconstitucionalidade.<br />

Sensivelmente, desde 2004 parecem também ter começado a emergir com maior<br />

pragnância decisões jurisdicionais com efeitos aditivos.<br />

Tal parece ter sido o caso de uma acção directa de inconstitucionalidade, a<br />

ADIn 3105, a qual se afigura como uma sentença demolitória com efeitos aditivos.<br />

Esta eliminou, com fundamento na violação do princípio da igualdade, uma<br />

norma restritiva que, de acordo com o entendimento do Relator, reduziria arbitrariamente<br />

para algumas pessoas pertencentes à classe dos servidores públicos,<br />

o alcance de um regime de imunidade tributária que a todos aproveitaria. Dessa<br />

eliminação resultou automaticamente a aplicação, aos referidos trabalhadores<br />

inactivos, de um regime de imunidade contributiva que abrangia as demais categorias<br />

de servidores públicos.<br />

Em futuro próximo, o <strong>Tribunal</strong> voltará a se deparar com o problema no julgamento<br />

da ADPF 54, Relator o Ministro Marco Aurélio, que discute a constitucionalidade<br />

da criminalização dos abortos de fetos anencéfalos. Caso o <strong>Tribunal</strong><br />

decida pela procedência da ação, dando interpretação conforme aos arts. 124 a<br />

128 do Código Penal, invariavelmente proferirá uma típica decisão manipulativa<br />

com eficácia aditiva.<br />

Ao rejeitar a questão de ordem levantada pelo Procurador-Geral da República,<br />

o <strong>Tribunal</strong> admitiu a possibilidade de, ao julgar o mérito da ADPF 54,<br />

atuar como verdadeiro legislador positivo, acrescentando mais uma excludente<br />

de punibilidade – no caso do feto padecer de anencefalia – ao crime de aborto.<br />

Portanto, é possível antever que o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> acabe por se<br />

livrar do vetusto dogma do legislador negativo e se alie à mais progressiva linha<br />

jurisprudencial das decisões interpretativas com eficácia aditiva, já adotadas<br />

pelas principais Cortes Constitucionais européias. A assunção de uma atuação<br />

criativa pelo <strong>Tribunal</strong> poderá ser determinante para a solução de antigos problemas<br />

relacionados à inconstitucionalidade por omissão, que muitas vezes causa<br />

entraves para a efetivação de direitos e garantias fundamentais assegurados pelo<br />

texto constitucional.<br />

O presente caso oferece uma oportunidade para que o <strong>Tribunal</strong> avance<br />

nesse sentido. O vazio jurídico a ser produzido por uma decisão simples de<br />

declaração de inconstitucionalidade/nulidade dos dispositivos normativos impugnados<br />

– principalmente as normas de transição contidas no art. 57 – torna<br />

necessária uma solução diferenciada, uma decisão que exerça uma “função<br />

reparadora” ou, como esclarece Blanco de Morais, “de restauração corretiva da<br />

ordem jurídica afetada pela decisão de inconstitucionalidade” 86 .<br />

86 Segundo Blanco de Morais, “às clássicas funções de valoração (declaração do valor negativo<br />

do acto inconstitucional), pacificação (força de caso julgado da decisão de inconstitucionalidade) e


188<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Entendo que as normas de transição contidas no artigo 57, que disciplinaram<br />

a matéria desde o advento da Lei dos Partidos Políticos, de 1995, devam<br />

continuar em vigor até que o legislador edite nova lei que dê nova regulamentação<br />

ao tema.<br />

Dessa forma, proponho ao <strong>Tribunal</strong> que o art. 57 da Lei 9.096/95 seja<br />

interpretado no sentido de que as normas de transição nele contidas continuem<br />

em vigor até que o legislador discipline novamente a matéria, dentro<br />

dos limites esclarecidos pelo <strong>Tribunal</strong> neste julgamento.<br />

VIII – Conclusão<br />

Por todos esses motivos, não tenho nenhuma dúvida sobre a inconstitucionalidade<br />

dessa “cláusula de barreira à brasileira”.<br />

A inconstitucionalidade não reside na natureza desse tipo de restrição à<br />

atividade dos partidos políticos, mas na forma e, portanto, na proporção estabelecida<br />

pelo legislador brasileiro. Não se deixou qualquer espaço para a atuação<br />

parlamentar das agremiações partidárias que não atingiram os percentuais exigidos<br />

pelo art. 13 da Lei 9.096/95 e que, contraditoriamente, podem eleger um<br />

cabedal expressivo de representantes. O modelo é patológico na medida em que<br />

impede o funcionamento parlamentar do partido, mas não afeta a própria eleição<br />

do representante.<br />

Na prática, a subsistência de um modelo como esse tem o condão de produzir,<br />

a curto prazo, dois principais efeitos indesejados. O primeiro é o de anular<br />

a efetividade da atuação do partido como bancada específica, o que se afigura<br />

decisivo para que se encontre uma solução que supere esta inevitável “situação<br />

de isolamento”, mediante a fusão com outras agremiações partidárias que<br />

consigam atingir os percentuais de votação exigidos pela lei. O segundo, como<br />

conseqüência, é a acentuação do desvirtuamento da fidelidade partidária,<br />

com a integração dos parlamentares eleitos a partidos detentores do direito de<br />

funcionamento parlamentar, sem qualquer respeito ou preocupação com as intenções<br />

programáticas de cada agremiação.<br />

Portanto, a cláusula de barreira estabelecida pela Lei 9.096/95 não representa<br />

nenhum avanço, mas sim um patente retrocesso em termos de reforma política,<br />

na medida em que intensifica as deformidades de nosso singular sistema<br />

eleitoral proporcional, que atualmente apresenta visíveis sinais de exaustão.<br />

Deixo enfatizado, não obstante, que o legislador pode estabelecer uma<br />

cláusula de desempenho que fixe, de forma proporcional, certo percentual<br />

de votação como requisito para que o partido político tenha direito não só ao<br />

funcionamento parlamentar, mas à própria eleição de representantes, ficando,<br />

ordenação (força erga omnes da decisão de inconstitucionalidade) juntar-se-ia, também, a função<br />

de reparação, ou de restauração corretiva da ordem jurídica afectada pela decisão de inconstitucionalidade”.<br />

MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça Constitucional. Tomo II. O contencioso constitucional<br />

português entre o modelo misto e a tentação do sistema de reenvio. Coimbra: Coimbra<br />

Editora, 2005. p. 262-263.


R.T.J. — <strong>207</strong> 189<br />

porém, assegurado a todos os partidos, com observância do princípio da igualdade<br />

de chances, o acesso aos meios e recursos necessários para competir no<br />

prélio eleitoral seguinte, incluídos, nesse sentido, o acesso ao rádio e à televisão<br />

e aos recursos do fundo partidário.<br />

Até que o legislador brasileiro edite novas regras com essa conformação, as<br />

normas de transição do art. 57 devem permanecer em vigor, regulando a matéria.<br />

Em conclusão, voto pela declaração de inconstitucionalidade dos seguintes<br />

dispositivos da Lei 9.096/95: do art. 13; da expressão “obedecendo aos seguintes<br />

critérios” contida no art. 41, assim como dos incisos I e II deste artigo;<br />

do art. 48; da expressão “que atenda ao disposto no art. 13” contida no art. 49;<br />

e da expressão “no art. 13 ou” contida no inciso II do art. 57. Ademais, o art. 57<br />

da Lei 9.096/95 deve ser interpretado no sentido de que as normas de transição<br />

nele contidas continuem em vigor até que o legislador discipline novamente a<br />

matéria, dentro dos limites esclarecidos pelo <strong>Tribunal</strong> neste julgamento.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, manifesto o propósito<br />

de ser breve. Se não o for, não será por brilho ou substância do voto, mas<br />

por desorganização dele.<br />

Começo por lembrar que participei da decisão unânime que deferiu a<br />

medida cautelar em uma das ações diretas em pauta, a ADI 1.354, em decisão<br />

de que Relator o eminente Ministro Maurício Corrêa. Hoje, só nos mantemos<br />

teimosamente na bancada, partícipes daquela decisão, os Ministros Celso de<br />

Mello, Marco Aurélio e eu mesmo.<br />

Na breve fundamentação do voto que então proferi para acompanhar<br />

o Relator, dois aspectos me impressionaram naquela decisão liminar: a primeira,<br />

o cotejo com uma decisão anterior do <strong>Tribunal</strong>, a da ADI 958, quando<br />

declaramos inconstitucional um dispositivo da Lei 8.713/93, que vedava aos<br />

partidos que não tivessem obtido nas eleições anteriores determinado desempenho<br />

a apresentação de candidatos às eleições majoritárias, a começar pela de<br />

Presidente da República. Então, o argumento predominante nesta ADI 958 foi o<br />

que se chamou de ofensa ao “substantive due process of law”, porque se fundava<br />

a diferenciação entre os partidos em dados concretos já conhecidos. A inconstitucionalidade<br />

era, então, chapada.<br />

Menos evidente nos pareceu a da Lei 9.096, particularmente o seu art. 13,<br />

que estamos hoje a examinar, porque essa, a exemplo de vários exemplos do<br />

Direito Comparado, regula a diferenciação dos partidos a partir de um desempenho<br />

futuro.<br />

Por outro lado, não havia, ao tempo de julgamento liminar, sequer rastro<br />

de periculum in mora, dada a longa vacatio legis a que se submeteu a eficácia<br />

desta cláusula de barreira ou cláusula de desempenho do art. 13 da atual Lei dos<br />

Partidos Políticos.


190<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

O certo é que a reflexão a que fui levado nos últimos dias, particularmente<br />

pela leitura dos magníficos trabalhos – tanto o dos partidos requerentes como o<br />

do memorial, em sentido contrário, do eminente Advogado-Geral da União –,<br />

levou-me à convicção que hoje traduzo numa adesão integral ao magnífico voto<br />

do Relator, o eminente Ministro Marco Aurélio.<br />

Também acompanho todos os votos que aqui foram proferidos – até os<br />

“clandestinos”, como os dos Ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Ricardo<br />

Lewandowski, cuja íntegra só conheceremos com a publicação do acórdão. Com<br />

um deles, o do Ministro Gilmar Mendes, estou preso até por uma solidariedade<br />

biográfica: foi calçado em um primoroso parecer do então Procurador da<br />

República Gilmar Mendes, cuja parte nuclear está transcrita no memorial dos partidos<br />

requerentes, que, em 1986 – lá se vão vinte anos –, às vésperas das eleições<br />

para a Assembléia Nacional Constituinte, como Procurador-Geral, formulei representação<br />

ao <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral, lá acolhida, suscitando a inconstitucionalidade<br />

de dispositivo da lei regente daquele pleito que eliminava, simplesmente,<br />

da distribuição do tempo da chamada propaganda eleitoral gratuita, os partidos<br />

sem representação no Congresso Nacional, embora admitidos à apresentação de<br />

candidatos. Reporto-me, então, menos as observações que fiz, secundárias, mas<br />

ao excelente trabalho de Gilmar Mendes sobre a relativa – e friso relativa – igualdade<br />

de chances, que há de entender-se contida no próprio princípio fundamental<br />

do pluralismo político e no da liberdade de criação de partidos políticos. 87<br />

No mais, não ousaria enfear o acórdão que se prenuncia, com os votos<br />

proferidos e com os anunciados – aliás, entre os “clandestinos”, o do Ministro<br />

Celso de Mello também –, não ousaria tentar um tratamento sistemático – a esta<br />

altura, absolutamente ocioso – de todos os argumentos aqui expendidos.<br />

Impressionou-me, particularmente, o princípio fundamental do pluralismo<br />

partidário ínsito, menos no princípio fundamental do pluralismo político<br />

do que na regra de liberdade de criação partidária – aí, é pluralismo partidário,<br />

e não pluralismo ideológico ou cultural –, no qual, repito, insiro esta relativa<br />

igualdade de chances: repetidamente já se disse aqui que democracia não se faz<br />

apenas como governo da maioria, mas como um governo da maioria em que a<br />

minoria pode aspirar a transformar-se em maioria.<br />

Uma interpretação pedestre e míope do art. 17, IV, da Constituição <strong>Federal</strong><br />

diria tratar-se de norma de eficácia limitada. Cabe à lei regular o funcionamento<br />

parlamentar que ali se assegura aos partidos políticos. Entendo, aqui, data venia,<br />

não se tratar de uma reserva absoluta de regimento interno, pois, mal ou<br />

bem, a Constituição a confiou à lei, e se estabeleceu, não tenho dúvida, uma<br />

competência legislativa explícita para modular o funcionamento partidário. O<br />

critério universal básico será, realmente, a diferenciação pelo desempenho e<br />

representatividade de cada partido no conjunto do eleitorado.<br />

87<br />

Pareceres do Procurador-Geral da República (1985/1987), 1988, p. 360 – Pertence – e<br />

p. 372 – Gilmar.


R.T.J. — <strong>207</strong> 191<br />

Mas, nessa competência para modular, que há de ser exercida – já se disse,<br />

aqui, salvo engano, o Ministro Carlos Britto – com extrema circunspecção,<br />

não está, evidentemente, o poder de destruir o funcionamento parlamentar que<br />

acaba envolvendo uma diferenciação substancial entre os mandatos na mesma<br />

Casa Legislativa, conforme os partidos a que se filiam os mandatários.<br />

Também já se observou aqui que, diversamente da fórmula da República<br />

<strong>Federal</strong> da Alemanha, a nossa cláusula de exclusão não extingue o partido político,<br />

não lhes decreta a morte, mas é mais cruel porque condena os partidos que<br />

não tenham atingido o patamar legal à morte fatal por inanição.<br />

A desproporção entre a distribuição do acesso aos veículos de comunicação<br />

de massa – reduzida a esses risíveis dois minutos anuais – e a participação,<br />

com os grandes partidos, no rateio de 1% do fundo partidário são fórmulas que,<br />

mais do que arbitrárias, são risíveis, se não valem por confessar que, efetivamente,<br />

se visou à eliminação desses partidos.<br />

Não desconheço, com todas as vênias da eloqüência dos eminentes Colegas,<br />

existir, sim, um problema concreto na exagerada proliferação de partidos<br />

sem nenhuma significação social ou ideológica – esse é um problema concreto<br />

do regime político e, particularmente, do regime brasileiro –, mas ele não autoriza<br />

essa solução – mais cruel do que a alemã – de condenação à morte de partidos<br />

que, embora pequenos, obtiveram representação no Congresso.<br />

Também me impressionou muito a acirrada argumentação dos requerentes<br />

de que não é admissível – já aí não em nome dos partidos, mas em nome do próprio<br />

conceito de representação popular e de representação dos Estados nas duas Casas<br />

do Congresso Nacional – haver mandatos com prerrogativas diversas, se a investidura,<br />

dos eleitos, malgrado baixo desempenho do partido, é admitida pela lei.<br />

Aliás, no que diz respeito ao Senado <strong>Federal</strong>, esta fórmula da Lei 9.096<br />

traz implicações sérias até com o federalismo. Basta recordar que, em tempos<br />

de constituições menos “mineralógicas”, conhecíamos duas cláusulas pétreas na<br />

primeira Constituição da República: a própria República e, a exemplo do modelo<br />

americano, a igualdade de representação dos Estados no Senado. Será essa<br />

igualdade compatível com duas classes de senadores, conforme o desempenho<br />

dos partidos que os hajam lançado candidatos a uma eleição majoritária?<br />

Reafirmo não proscrever toda forma de tratamento diferenciado de partidos<br />

políticos conforme o seu desempenho, que tem exemplos no Direito<br />

Comparado e, no Brasil – recordou o Ministro Gilmar Mendes –, começa pela<br />

própria disciplina, cuja constitucionalidade jamais se questionou, do nosso sistema<br />

de representação proporcional, que elimina, quer na primeira distribuição<br />

das cadeiras, quer na distribuição das sobras, os partidos que, na circunscrição,<br />

não hajam alcançado o quociente eleitoral.<br />

Essas breves observações, Senhora Presidente, eu as faço apenas em homenagem<br />

à discussão, ao empenho dos advogados dos partidos requerentes,<br />

particularmente dos dois ilustres advogados que hoje ascenderam à tribuna, e<br />

aos magníficos votos aqui proferidos a partir do voto do eminente Relator.


192<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

A preocupação que me causara do vácuo normativo ficou, a meu ver,<br />

bem resolvida com a aceitação, pelo eminente Relator, da sugestão do Ministro<br />

Gilmar Mendes de, com o apelo ao legislador para editar norma compatível com<br />

os princípios – até que o faça –, aplicar-se o direito transitório estabelecido na<br />

própria Lei 9.096, que se vem praticando – já são quatro eleições, se não me engano<br />

– sem maior questionamento.<br />

Há uma diferenciação razoável no que diz respeito ao fundo partidário: o<br />

percentual de 99% reservado aos partidos de melhor desempenho no dispositivo<br />

permanente cai para 29%, conforme o art. 57 da Lei.<br />

Senhora Presidente, acompanho o eminente Relator para julgar procedentes<br />

as ações diretas.<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Com toda brevidade, porque<br />

tudo que devia ser dito já o foi, e acompanhando as cautelas com que se manifestaram<br />

os Colegas relativamente à possibilidade efetiva de se estabelecerem<br />

eventuais e proporcionais restrições, entendo, também, que a igualdade de<br />

oportunidade de difusão de propostas partidárias foi o que este <strong>Tribunal</strong> hoje<br />

consagrou. A proposta da Lei, nos termos em que foi posta, por excessivamente<br />

draconianos, evidentemente não pode prevalecer.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

ADI 1.351/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Requerentes: Partido<br />

Comunista do Brasil – PC do B e outros (Advogados: Paulo Machado Guimarães<br />

e outros) e Partido Democrático Trabalhista – PDT (Advogados: Ronaldo Jorge<br />

Araujo Vieira Junior e outro). Requeridos: Presidente da República e Congresso<br />

Nacional. Interessado: Partido Popular Socialista. (Advogados: Cesar Silvestri<br />

Filho e outro).<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por unanimidade, julgou procedente a ação direta<br />

para declarar a inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos da Lei 9.096,<br />

de 19 de setembro de 1995: art. 13; a expressão “obedecendo aos seguintes critérios”,<br />

contida no caput do art. 41; incisos I e II do mesmo art. 41; art. 48; a<br />

expressão “que atenda ao disposto no art. 13”, contida no caput do art. 49, com<br />

redução de texto; caput dos arts. 56 e 57, com interpretação que elimina de tais<br />

dispositivos as limitações temporais neles constantes, até que sobrevenha disposição<br />

legislativa a respeito; e a expressão “no art. 13”, constante no inciso II do<br />

art. 57. Também por unanimidade, julgou improcedente a ação no que se refere<br />

ao inciso II do art. 56. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Ausente, justificadamente,<br />

o Ministro Joaquim Barbosa. Falaram, pelos requerentes, Partido<br />

Comunista do Brasil (PC do B) e outros, o Dr. Paulo Machado Guimarães e, pelo<br />

Partido Socialista Brasileiro (PSB), o Dr. José Antônio Figueiredo de Almeida.


R.T.J. — <strong>207</strong> 193<br />

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros<br />

Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar<br />

Peluso, Carlos Britto, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia.<br />

Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.<br />

Brasília, 7 de dezembro de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


194<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.642 — MG<br />

(ADI 1.642-MC na <strong>RTJ</strong> 181/871)<br />

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau<br />

Requerente: Governador do Estado de Minas Gerais — Requerida: Assembléia<br />

Legislativa do Estado de Minas Gerais<br />

Ação direta de inconstitucionalidade. Alínea d do inciso<br />

XXIII do art. 62 da Constituição do Estado de Minas Gerais.<br />

Aprovação do provimento, pelo Executivo, dos cargos de<br />

presidente das entidades da administração pública indireta<br />

estadual pela Assembléia Legislativa. Alegação de violação do<br />

disposto no art. 173, da Constituição do Brasil. Distinção entre<br />

empresas estatais prestadoras de serviço público e empresas estatais<br />

que desenvolvem atividade econômica em sentido estrito.<br />

Regime jurídico estrutural e regime jurídico funcional das empresas<br />

estatais. Inconstitucionalidade parcial. Interpretação<br />

conforme à Constituição.<br />

1. Esta Corte em oportunidades anteriores definiu que a<br />

aprovação, pelo Legislativo, da indicação dos Presidentes das<br />

entidades da administração pública indireta restringe-se às autarquias<br />

e fundações públicas, dela excluídas as sociedades de<br />

economia mista e as empresas públicas. Precedentes.<br />

2. As sociedades de economia mista e as empresas públicas<br />

que explorem atividade econômica em sentido estrito estão sujeitas,<br />

nos termos do disposto no § 1º do art. 173 da Constituição do<br />

Brasil, ao regime jurídico próprio das empresas privadas.<br />

3. Distinção entre empresas estatais que prestam serviço<br />

público e empresas estatais que empreendem atividade econômica<br />

em sentido estrito.<br />

4. O § 1º do art. 173 da Constituição do Brasil não se aplica<br />

às empresas públicas, sociedades de economia mista e entidades<br />

(estatais) que prestam serviço público.<br />

5. A intromissão do Poder Legislativo no processo de provimento<br />

das diretorias das empresas estatais colide com o princípio<br />

da harmonia e interdependência entre os poderes. A escolha<br />

dos dirigentes dessas empresas é matéria inserida no âmbito do<br />

regime estrutural de cada uma delas.<br />

6. Pedido julgado parcialmente procedente para dar interpretação<br />

conforme à Constituição à alínea d do inciso XXIII do<br />

art. 62 da Constituição do Estado de Minas Gerais, para restringir<br />

sua aplicação às autarquias e fundações públicas, dela excluídas<br />

as empresas estatais, todas elas.


R.T.J. — <strong>207</strong> 195<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen<br />

Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade e nos termos do voto do Relator, julgar parcialmente procedente<br />

a ação direta.<br />

Brasília, 3 de abril de 2008 — Eros Grau, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: O Governador do Estado de Minas Gerais propõe<br />

ação direta, com pedido de medida cautelar, na qual questiona a constitucionalidade<br />

da alínea d do inciso XXIII do art. 62 da Constituição mineira, com a redação<br />

que lhe foi atribuída pela Emenda Constitucional 26 1 , de 10 de julho de 1997:<br />

1<br />

Art. 62 – Compete privativamente à Assembléia Legislativa:<br />

[...]<br />

XXIII – aprovar, previamente, por voto secreto, após argüição pública, a<br />

escolha:<br />

a) dos Conselheiros do <strong>Tribunal</strong> de Contas indicados pelo Governador do<br />

Estado;<br />

b) dos membros do Conselho de Governo indicados pelo Governador do<br />

Estado, do Conselho Estadual de Educação e do Conselho de Defesa Social;<br />

c) de interventor em município;<br />

d) dos Presidentes das entidades da administração pública indireta, dos<br />

Presidentes e dos Diretores do sistema financeiro estadual;<br />

[...].<br />

“Emenda à Constituição 26/1997<br />

Dá nova redação ao inciso XXIII do art. 62 da Constituição do Estado.<br />

Art. 1º O inciso XXIII do art. 62 da Constituição do Estado passa a vigorar com a seguinte redação:<br />

‘Art. 62. (...)<br />

XXIII – aprovar, previamente, por voto secreto, após argüição pública, a escolha:<br />

a) dos Conselheiros do <strong>Tribunal</strong> de Contas indicados pelo Governador do Estado;<br />

b) dos membros do Conselho de Governo indicados pelo Governador do Estado, do Conselho<br />

Estadual de Educação e do Conselho de Defesa Social;<br />

c) de interventor em município;<br />

d) dos Presidentes das entidades da administração pública indireta, dos Presidentes e dos<br />

Diretores do sistema financeiro estadual;<br />

e) de titular de cargo, quando a lei o determinar.’<br />

Art. 2º Esta emenda à Constituição entra em vigor na data de sua publicação.”<br />

Redação anterior:<br />

“Art. 62. (...)<br />

XXIII – aprovar, previamente, por voto secreto, após argüição pública, a escolha:<br />

a) dos Conselheiros e Auditores do <strong>Tribunal</strong> de Contas indicados pelo Governador;<br />

b) dos membros do Conselho de Governo indicados pelo Governador, do Conselho Estadual de<br />

Educação e do Conselho de Defesa Social;<br />

c) de Interventor em Município;<br />

d) de titular de cargo, quando a lei o determinar.”


196<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

2. O Requerente sustenta que, ao acrescentar a alínea d ao inciso XXIII<br />

do art. 62, a Emenda Constitucional 26 transportou para o rol de competências<br />

do Poder Legislativo atribuição inerente à autonomia do Poder Executivo. Alega<br />

que o texto normativo resultante da emenda colide com o “princípio da separação<br />

dos poderes” – arts. 2º e 60, § 4º, inciso III, da Constituição do Brasil.<br />

Acentua caber ao Chefe do Poder Executivo, encarregado constitucionalmente<br />

de exercer a administração pública e de definir a sua direção, eleger, privativamente,<br />

aqueles que proverão os cargos das entidades que a compõem.<br />

3. A Assembléia Legislativa observa que o texto legal não retirou do<br />

Executivo a prerrogativa de escolher os dirigentes das entidades da administração<br />

indireta, que continua sendo da competência do Governador do Estado,<br />

devendo o Legislativo apenas aprová-la (fls. 18/43).<br />

4. A medida cautelar foi deferida (acórdão de fls. 74/80).<br />

5. O Advogado-Geral da União, aderindo aos argumentos expendidos pela<br />

Assembléia Legislativa, pugna pela improcedência do pedido, acrescentando<br />

que não é vedado às Assembléias Legislativas dispor a respeito de temas que<br />

entendam de importância à consecução de seus objetivos, conforme as particularidades<br />

e interesses das unidades da federação (fls. 52/67).<br />

6. O Procurador-Geral da República às fls. 69/72 opina pela parcial procedência<br />

do pedido, para que seja dada interpretação conforme a Constituição à<br />

alínea d do inciso XXIII do art. 62 da Constituição mineira, de modo que reste<br />

limitada a aplicação do preceito às autarquias e fundações públicas.<br />

É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para envio aos Senhores<br />

Ministros.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O Requerente pretende ver declarada<br />

a inconstitucionalidade da alínea d do inciso XXIII do art. 62 da Constituição<br />

mineira, que inclui entre as atribuições da Assembléia Legislativa a aprovação,<br />

por voto secreto, da escolha, pelo Poder Executivo, dos presidentes das entidades<br />

da administração indireta estadual.<br />

2. A matéria foi amplamente debatida quando do exame da pretensão cautelar.<br />

3. Esta Corte analisou a questão em outras oportunidades. Considerando<br />

os precedentes invocados no voto do então relator, Ministro Nelson Jobim,<br />

assentou que o preceito impugnado deveria receber interpretação conforme à<br />

Constituição, restringindo-se sua aplicação tão-somente às autarquias e fundações<br />

públicas. De sua incidência restaram excluídas as sociedades de economia<br />

mista e as empresas públicas.<br />

4. Lê-se no § 1º do art. 173 da Constituição do Brasil que as sociedades de<br />

economia mista e as empresas públicas que explorem atividade econômica em sentido<br />

estrito estão sujeitas ao regime jurídico próprio das empresas privadas. O preceito<br />

questionado nesta ação direta de inconstitucionalidade não alcança empresas


R.T.J. — <strong>207</strong> 197<br />

estatais prestadoras de serviço público. Daí por que se impõe distinguirmos umas<br />

das outras, as empresas estatais que prestam serviço público das empresas estatais<br />

que empreendem atividade econômica em sentido estrito. Isso permitirá possamos<br />

indagar da incidência, sobre elas, dos efeitos do preceito veiculado por esse § 1º. 2<br />

5. A expressão atividade econômica conota, no contexto do art. 173 e<br />

seu § 1º, atividade econômica em sentido estrito. O art. 173, caput, enuncia<br />

as hipóteses nas quais é permitida ao Estado a exploração direta de atividade<br />

econômica. Trata-se, aqui, de atuação do Estado – isto é, da União, do Estadomembro,<br />

do Distrito <strong>Federal</strong> e do Município – como agente econômico, em área<br />

da titularidade do setor privado. Atividade econômica em sentido amplo é território<br />

dividido em dois campos: o do serviço público e o da atividade econômica<br />

em sentido estrito. As hipóteses indicadas no art. 173 do texto constitucional<br />

são aquelas nas quais é permitida a atuação da União, dos Estados-membros,<br />

do Distrito <strong>Federal</strong> e dos Municípios neste segundo campo. O preceito não alcança<br />

empresas públicas, sociedades de economia mista e entidades (estatais)<br />

que prestam serviço público. Lembro que há precedentes desta Corte sobre a<br />

distinção entre empresa estatal que exerce atividade econômica em sentido estrito<br />

e empresa estatal prestadora de serviço público, a ADI 83 e os RE 220.906,<br />

RE 225.011, RE 229.696 e RE 354.897. Sobre o regime aplicável às empresas<br />

estatais que prestam serviço público e a impenhorabilidade dos seus bens, vejase,<br />

da nossa jurisprudência, além dos acórdãos acima indicados, os RE 220.906,<br />

RE 225.011, RE 229.696, RE 220.099 e RE 230.161-AgR e a AC 669. No que<br />

concerne às empresas estatais e entidades estatais que exploram atividade econômica<br />

em sentido estrito, a ADI 83.<br />

6. Dir-se-ia então que, a regra desse parágrafo não se aplicando às empresas<br />

estatais que prestam serviço público, o preceito atacado nesta ação não conteria,<br />

quanto a elas, afronta ao texto constitucional. Ocorre que o § 1º do art. 173<br />

da Constituição do Brasil respeita ao regime jurídico funcional das empresas<br />

estatais de que se cuida, ao passo que o inciso XXIII do art. 62 da Constituição<br />

mineira, com a redação que lhe foi atribuída pela Emenda Constitucional 26/97<br />

diz com o regime jurídico estrutural dessas mesmas empresas 3 . A regra do § 1º<br />

do art. 173 alcança as empresas estatais que exploram atividade econômica em<br />

sentido estrito no seu relacionamento com terceiros, plano do seu regime funcional.<br />

A escolha dos dirigentes das empresas estatais, todas elas, é matéria inserida<br />

no âmbito do regime estrutural de cada uma delas.<br />

7. Por isso a exclusão das empresas públicas e das sociedades de economia<br />

mista que prestam serviço público ao disposto no art. 173 e parágrafos da<br />

Constituição não é, no caso, relevante. Essa circunstância bem vincada, reporto-me<br />

a reiteradas decisões desta Corte, no sentido de que se há de ter como<br />

2<br />

Veja-se meu A ordem econômica na Constituição de 1988, 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.<br />

p. 119 et seq.<br />

3<br />

Da diferença entre tais regimes tratei em outras oportunidades; veja-se meu A ordem econômica<br />

na Constituição de 1988, cit., p. 122 et seq.


198<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

ilegítima a intervenção parlamentar no processo de provimento da direção das<br />

empresas públicas ou sociedades de economia mista da administração indireta<br />

dos Estados, sejam quais forem as suas atividades (ADI 2.225-MC, Rel. Min.<br />

Sepúlveda Pertence, DJ de 29-9-00; ADI 862, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de<br />

3-9-03; ADI 2.167, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 1º-9-00; ADI 1.281-MC, Rel.<br />

Min. Maurício Corrêa, DJ de 23-6-95; entre outros julgados).<br />

8. Embora as sociedades de economia mista e as empresas públicas prestadoras<br />

de serviço público não estejam alcançadas pelo disposto no art. 173 e parágrafos<br />

da Constituição do Brasil, a intromissão do Poder Legislativo no processo<br />

de provimento de suas diretorias entra em testilhas com o princípio da harmonia<br />

e interdependência entre os poderes, na vulgata referido como “separação” de<br />

poderes. Reporto-me, quanto a este ponto, ao voto que proferi na ADI 3.367.<br />

Julgo parcialmente procedente a ação para dar interpretação conforme à<br />

Constituição à alínea d do inciso XXIII do art. 62 da Constituição do Estado de<br />

Minas Gerais, restringindo sua aplicação às autarquias e fundações públicas,<br />

dela excluídas as empresas estatais, todas elas.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, estou de acordo, mas não<br />

posso deixar passar em branco essa oportunidade de louvar o estudo que subjaz<br />

a esse voto do Ministro Eros Grau, um estudo carregado de precisão técnica.<br />

A Constituição, de fato, deixa claro – e o Ministro bem observou – que a<br />

atividade própria do Estado, em todo o capítulo da ordem econômico-social, é<br />

a prestação de serviços públicos. Diz o art. 175 que incumbe ao Estado a prestação<br />

de serviços públicos, não a exploração de atividade econômica. Quando<br />

o Estado explora a atividade econômica, atua em campo alheio, em campo que<br />

a Constituição reservou – parágrafo único do art. 170 – à iniciativa privada.<br />

Quando o Estado atua enquanto empresário, explorando atividade tipicamente<br />

econômica, o faz em caráter excepcional, criando suas empresas públicas, sociedades<br />

de economia mista, com regime próprio, com estatuto próprio para<br />

cada qual delas – o Ministro deixou bem vincado isso –, art. 173, § 1º, o que<br />

não impede o Estado também de prestar serviço público mediante sociedades<br />

de economia mista e empresas públicas. As empresas estatais tanto operam no<br />

campo da prestação dos serviços públicos quanto operam no campo da exploração<br />

de atividade econômica. Mas, em uma e em outra situação – acho que<br />

também o Ministro Eros Grau deixou tudo isso muito bem claro –, é a partir de<br />

estatuto próprio, de modo a situar essas atividades no campo da administração<br />

pública ou no campo do Poder Executivo, com exclusividade. De maneira que<br />

qualquer interferência do Poder Legislativo nesse campo realmente caracteriza<br />

uma usurpação de competência, uma invasão do princípio que a Constituição<br />

literalmente chama de separação dos Poderes.<br />

Eu também acolho toda a tessitura do raciocínio de S. Exa., sem discrepar<br />

minimamente que seja da conclusão a que chegou.


R.T.J. — <strong>207</strong> 199<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, da mesma maneira<br />

que o Relator, penso que a expressão “administração pública indireta” alcança<br />

não apenas as sociedades de economia mista e empresas públicas, pessoas jurídicas<br />

de direito privado, mas também autarquias. E vejo que a alínea d do<br />

inciso XXIII do art. 62 da Carta mineira submete à necessária aprovação da<br />

Assembléia os nomes dos indicados para a presidência das entidades da administração<br />

pública indireta e, também, dos presidentes e dos diretores do sistema<br />

financeiro estadual.<br />

Tanto quanto possível, considerada a atuação dos Poderes, observo a simetria,<br />

ou seja, o trato no âmbito federal. Reconheço que há, no inciso III do art. 52<br />

da Constituição <strong>Federal</strong> – depois de se prever os cargos que ficam submetidos<br />

à aprovação pelo Senado dos nomes para ocupá-los –, uma verdadeira carta em<br />

branco ao legislador ordinário. Refiro-me à cláusula segundo a qual compete<br />

ao Senado aprovar previamente, por voto secreto, após argüição pública, a escolha<br />

– e aí mencionam-se os cargos – de titulares de outros cargos que a lei<br />

determinar. Mas não imagino que se possa dar a esse dispositivo alcance maior<br />

a ponto, até mesmo, de ter-se disciplina em Unidade da Federação, ainda que<br />

mediante preceito do Diploma Maior da Unidade da Federação, que não encontre<br />

alguma sintonia com a existente no campo federal.<br />

Daí concluir que, não estando os presidentes das autarquias e fundações<br />

públicas federais submetidos à aprovação do Senado, não tenho como placitar<br />

essa submissão à Assembléia do Estado, considerada autarquia estadual ou fundação<br />

pública estadual.<br />

Peço vênia ao Relator para entender inconstitucional, portanto, a expressão<br />

contida na alínea d do inciso XXIII do art. 62 da Constituição do Estado de<br />

Minas Gerais: “dos Presidentes das entidades da administração pública indireta”.<br />

Não o faço quanto à parte final – submissão dos nomes que devam preencher<br />

cargos de “Presidente e dos Diretores de sistema financeiro estadual”. Por<br />

que não o faço? Porque, quanto à autarquia federal Banco Central, há preceito<br />

expresso – e tendo-se a simetria – na Constituição <strong>Federal</strong> de 1988. Refiro-me à<br />

alínea d do inciso III do art. 52 da Carta em vigor.<br />

Julgo parcialmente procedente o pedido formulado, portanto, para declarar<br />

a inconstitucionalidade apenas da expressão “dos Presidentes das entidades<br />

da administração pública indireta”, contida na alínea d do inciso XXIII do<br />

art. 62 da Constituição mineira.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

ADI 1.642/MG — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Governador<br />

do Estado de Minas Gerais (Advogado: PGE/MG – Arésio A. de Almeida<br />

Dâmaso e Silva). Requerido: Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais<br />

(Advogados: Julio Cesar dos Santos Esteves e outros).


200<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por unanimidade e nos termos do voto do Relator,<br />

julgou parcialmente procedente a ação direta, consignando-se o voto do Minis<br />

tro Marco Aurélio, que também a julgava parcialmente procedente, porém,<br />

em maior extensão, para excluir a expressão “dos Presidentes das entidades<br />

de administração pública indireta”. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie.<br />

Ausentes, justificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa e, neste julgamento, a<br />

Ministra Cármen Lúcia.<br />

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros<br />

Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,<br />

Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Procurador-Geral<br />

da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.<br />

Brasília, 3 de abril de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


R.T.J. — <strong>207</strong> 201<br />

INQUÉRITO 2.008 — MG<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Autor: Ministério Público <strong>Federal</strong> — Indiciados: Jaime Martins Filho e<br />

outros<br />

Inquérito policial. Parlamentar. Deputado federal. Crime<br />

eleitoral. Corrupção eleitoral. Art. 299 do Código Eleitoral. Não<br />

ocorrência de abordagem direta a eleitores, com o objetivo de lhes<br />

obter promessa de voto a candidato do indiciado. Falta de prova<br />

de dolo específico. Atipicidade reconhecida pelo Procurador-<br />

Geral da República. Arquivamento determinado. Determina-se<br />

arquivamento de inquérito policial para apuração do delito de<br />

corrupção eleitoral, quando não há prova de abordagem direta de<br />

eleitores, com o objetivo de lhes obter promessa de voto a candidato<br />

do indiciado, cujo dolo específico tampouco se provou.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen<br />

Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade, determinar o arquivamento do inquérito em relação ao Deputado<br />

<strong>Federal</strong> Jaime Martins Filho, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente,<br />

neste julgamento, o Ministro Eros Grau.<br />

Brasília, 16 de agosto de 2006 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de investigação judicial eleitoral<br />

instaurada, mediante representação, pela Vara da Justiça Eleitoral de Nova<br />

Serrana/MG, contra componentes da coligação “Unidos por Nova Serrana”,<br />

para apurar suposta prática da conduta descrita no art. 240 do Código Eleitoral.<br />

O que sucedeu é que, no decorrer das investigações, teriam sido apurados<br />

indícios de participação do Deputado <strong>Federal</strong> Jaime Martins Filho no suposto<br />

delito, motivo pelo qual foram os autos remetidos a esta Corte.<br />

O então Ministro Carlos Velloso determinou vista dos autos à PGR, que<br />

opinou nos seguintes termos: “Assim, havendo identidade de fatos delituosos e<br />

de partes, o Ministério Público <strong>Federal</strong> manifesta-se pelo apensamento dos presentes<br />

autos ao Inquérito 1811-2/140” (fls. 181-182).<br />

Deferido o pedido, em 5-9-03, os autos foram apensados ao Inq 1.811.<br />

É o relatório.


202<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. A eficácia preclusiva da decisão de<br />

arquivamento de inquérito depende da razão jurídica que, fundamentando-a, não admita<br />

desarquivamento nem pesquisa de novos elementos de informação, o que se dá<br />

quando reconhecida atipicidade da conduta ou pronunciada extinção da punibilidade.<br />

É que, nesses casos, o ato de arquivamento do inquérito se reveste da autoridade<br />

de coisa julgada material, donde a necessidade de ser objeto de decisão<br />

do órgão judicial competente.<br />

O Plenário desta Corte, no julgamento da Pet 3.197, Rel. Min. Sepúlveda<br />

Pertence, DJ de 31-3-05, decidiu:<br />

Ementa: I – Arquivamento de notícia criminal requerido com base na atipicidade<br />

do fato: exigência de decisão jurisdicional a respeito, dada a eficácia de coisa<br />

julgada material que, nessa hipótese, cobre a decisão de arquivamento: precedentes.<br />

II – Crime contra a honra: ausência patente de criminalidade dos fatos<br />

impu tados aos requeridos.<br />

Colhe-se do voto condutor:<br />

(...) diversamente do que sucede no arquivamento requerido com a anuência<br />

do Procurador-Geral da República, com fundamento na ausência de elementos<br />

informativo para a denúncia – cujo atendimento é compulsório pelo <strong>Tribunal</strong> –,<br />

aquele que se lastreia na atipicidade do fato (v.g., HC 59.764, Muñoz, <strong>RTJ</strong> 103/590;<br />

HC 66.625, Primeira Turma, Gallotti, RT 670/357; HC 80.560, 20-2-01, Pertence)<br />

ou na extinção da sua punibilidade – dados os seus efeitos de coisa julgada material<br />

– há de ser objeto de decisão jurisdicional do órgão judicial competente.<br />

2. A conduta imputada ao parlamentar não se amolda ao delito de corrupção<br />

eleitoral (art. 299 do Código Eleitoral), que exige “abordagem direta ao eleitor,<br />

com o objetivo de dele obter a promessa de que o voto será dado ou de que<br />

haverá abstenção em decorrência da oferta feita, não sendo suficiente o mero<br />

pedido de voto realizado de forma genérica” (REE 15.326, Rel. Min. Maurício<br />

Corrêa, DJ de 20-8-99).<br />

Nesse sentido, o parecer da Procuradoria-Geral da República:<br />

1. Apura-se através do presente inquérito a suposta prática de crime eleitoral,<br />

pelo Deputado Jaime Martins Filho, consistente no oferecimento de vantagem<br />

a eleitores em troca de votos ao então candidato a prefeito da cidade de Nova<br />

Serrana, Sr. Joel Martins. Segundo consta, às vésperas do pleito, o Investigado<br />

teria promovido uma reunião fechada com moradores do Bairro Maria José do<br />

Amaral, em Nova Serrana, e prometido a regularização de terrenos doados sem<br />

escritura, caso votassem no candidato a prefeito do seu partido, o PFL.<br />

2. No curso da investigação foram ouvidas várias pessoas presentes ao<br />

evento, tendo todas confirmado a realização da reunião com o Investigado, no galpão<br />

da Fábrica Lyon, divergindo os depoimentos, no entanto, com relação ao assunto<br />

tratado entre os presentes, especificamente quanto ao fato de o Investigado<br />

ter oferecido vantagem aos eleitores em troca de votos.


R.T.J. — <strong>207</strong> 203<br />

3. Na verdade, apenas dois depoentes afirmaram que o Investigado teria pedido<br />

votos ao seu candidato a Prefeito, afirmando que a eleição do mesmo tornaria mais<br />

fácil a regularização dos terrenos. Cumpre transcrevê-los, na parte que interessa:<br />

Depoimento de Jair Bueno de Souza:<br />

“(...) que nesta reunião o depoente presenciou o Deputado Jaiminho<br />

dizendo que se as pessoas ali presentes votassem no candidato a prefeito<br />

Joel Martins, bem como os moradores do bairro Maria José do Amaral, seria<br />

mais fácil de ganhar a escritura de suas casas;” (fls. 38)<br />

Depoimento de Márcia Figueiredo Santos:<br />

“(...) que no decorrer da reunião o Deputado <strong>Federal</strong> Jaiminho discursou<br />

sobre o problema do loteamento no bairro Maria José do Amaral, onde<br />

diversas pessoas moram e não têm escritura de seus lotes de terreno, doados<br />

pela Prefeitura Municipal; que o Deputado <strong>Federal</strong> Jaiminho disse que se o<br />

candidato a Prefeito Joel Martins fosse eleito, ficaria mais fácil resolver este<br />

problema das escrituras, deixando claro que era uma briga política, e sendo<br />

o candidato Joel do mesmo partido, as dissidências seriam mais fáceis de<br />

serem resolvidas;” (fls. 44)<br />

4. Os demais depoentes presentes à reunião negaram a existência de propaganda<br />

eleitoral ou nada esclareceram sobre os fatos investigados.<br />

5. A jurisprudência, notadamente do <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral, é pacífica<br />

no sentido de que, para a configuração do crime descrito no art. 299 do Código<br />

Eleitoral, é imprescindível a “abordagem direta ao eleitor, com o objetivo de dele<br />

obter a promessa de que o voto será dado ou de que haverá abstenção em decorrência<br />

da promessa feita, não sendo suficiente o mero pedido de voto realizado de<br />

forma genérica” (Recurso Especial Eleitoral nº 15.326, Rel. Min. Maurício Corrêa,<br />

DJ de 20.8.99).<br />

6. No mesmo sentido: “A prática do crime capitulado no art. 299 do código<br />

Eleitoral pode ser cometida inclusive por quem não seja candidato, uma vez que<br />

basta, para a configuração do tipo penal, que a vantagem oferecida esteja vinculada<br />

à obtenção de votos” (RHC nº 65, Rel. Min. Fernando Neves, grifei). Ademais,<br />

“Sendo elemento integrante do tipo em questão a finalidade de ‘obter ou dar voto<br />

ou prometer abstenção’ não é suficiente para a sua configuração a mera distribuição<br />

de bens. A abordagem deve ser direta ao eleitor, com o objetivo de dele obter a promessa<br />

de que o voto será obtido ou dado ou haverá abstenção em decorrência do recebimento<br />

da dádiva” (HC nº 463, Rel. Min. Carlos Madeira, DJ de 3.10.03, grifei).<br />

7. No presente caso, muito embora seja discutível a existência da reunião e<br />

que nela o Investigado tratou do tema relativo à regularização dos lotes, não há<br />

nada que aponte tenha o mesmo efeito a abordagem direta aos eleitores presentes<br />

no sentido de obter a promessa do voto ao seu candidato a prefeito.<br />

8. Os depoimentos de fls. 45/46 e 47/48 são esclarecedores a esse respeito:<br />

“(...) que em hora alguma o Deputado Jaime Martins mencionou o<br />

nome do candidato a prefeito Joel Martins, mas falou que com a atual administração<br />

na Prefeitura, seria difícil para ele (o Deputado Jaime Martins)<br />

fazer um acordo, já que a área desapropriada e onde está atualmente o bairro<br />

Maria José do Amaral, era de propriedade de seu falecido pai; que não foi<br />

pedido, pelo Deputado Jaime Martins, votos a quem quer que seja, a<br />

troco de escrituras (...)” (depoimento de Ademir Luiz da Silva, fls. 45/46)<br />

“(...) que o Deputado <strong>Federal</strong> Jaime Martins disse, nesta reunião,<br />

que se o partido político dele, o PFL, ganhasse, seria mais fácil resolver o<br />

problema das escrituras dos lotes doados no bairro Maria José do Amaral;<br />

que o depoente não pode afirmar se o Deputado federal Jaime Martins


204<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

mencionou, em alguma hora, o nome do candidato a prefeito, nominado<br />

Joel Martins, e se pediu votos para este ou candidatos a vereadores de<br />

seu partido, em troca das escrituras dos lotes, porque as pessoas que estavam<br />

na reunião, em torno de 80, falavam muito alto (...); que não lhe<br />

foi pedido (ao depoente), por quem quer que seja, votos para nenhum<br />

dos concorrentes das eleições municipais de 01/10/2000, e tampouco<br />

havia panfletos, faixas ou pinturas com nomes de candidatos e números<br />

respectivos (...)” (depoimento de Edílson Pego de Oliveira, fls. 47/48).<br />

9. As simples alegações alusivas à existência de dissidências políticas relacionadas<br />

à regularização dos títulos de propriedade na região, apesar de manifestadas<br />

às vésperas do pleito eleitoral, sem a comprovação do dolo específico, não<br />

têm o condão de caracterizar a prática de algum dos núcleos do tipo penal previsto<br />

no artigo 299 do Código Eleitoral – delito de corrupção eleitoral.<br />

10. Assim, por não vislumbrar a prática de ilícito penal pelo parlamentar<br />

investigado, requer o Ministério Público <strong>Federal</strong> o arquivamento do feito.<br />

(Fls. 208-211.)<br />

O tratamento penal dispensado à corrupção eleitoral atende ao fato de que,<br />

nela, há de se evidenciar o dolo específico de obter voto mediante oferecimento<br />

de vantagem indevida. O pedido de forma genérica ou meramente implícito não<br />

se subsume à conduta descrita no art. 299 do Código Eleitoral.<br />

E dos depoimentos colhidos durante a persecução penal, não se extrai nenhuma<br />

abordagem do parlamentar investigado, com o fim de obter sufrágio dos eleitores.<br />

Não há, no caso, como atribuir ao parlamentar conduta típica que se acomode<br />

ao tipo penal.<br />

3. Assim, acolho o parecer da Procuradoria-Geral da República e determino<br />

o arquivamento dos Inquéritos Penais 1.811 e 2.008 em relação ao<br />

Deputado <strong>Federal</strong> Jaime Martins Filho.<br />

É como voto.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

Inq 2.008/MG — Relator: Ministro Cezar Peluso. Autor: Ministério<br />

Público <strong>Federal</strong>. Indiciados: Jaime Martins Filho e outros.<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por unanimidade, determinou o arquivamento do<br />

inquérito em relação ao Deputado <strong>Federal</strong> Jaime Martins Filho, nos termos do<br />

voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Eros<br />

Grau. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie.<br />

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros<br />

Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar<br />

Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e<br />

Cármen Lúcia. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros<br />

e Silva de Souza.<br />

Brasília, 16 de agosto de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


R.T.J. — <strong>207</strong> 205<br />

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NA<br />

RECLAMAÇÃO 2.121 — DF<br />

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau<br />

Agravante: Fundação Universidade de Brasília — Agravado: Juiz da 9ª<br />

Vara <strong>Federal</strong> da Seção Judiciária do Distrito <strong>Federal</strong> — Interessada: Companhia<br />

Energética de Brasília – CEB<br />

Reclamação. Extinção do feito. Reclamação proposta visando<br />

a garantir a autoridade da decisão proferida na ADI 1.104.<br />

Perda do objeto da ação direta de inconstitucionalidade e por<br />

conseqüência perda do objeto da reclamação. Prejuízo dos agravos<br />

regimentais interpostos. Perda superveniente do objeto da<br />

ação. Reclamação prejudicada.<br />

1. Tendo sido extinta a ação direta de inconstitucionalidade,<br />

dá-se a perda de objeto também da reclamação e, logo, dos agravos<br />

regimentais.<br />

2. Reclamação julgada prejudicada.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen<br />

Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

maioria de votos, julgar prejudicada a reclamação, nos termos do voto, reformulado,<br />

do Relator.<br />

Brasília, 13 de fevereiro de 2008 — Eros Grau, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de agravo regimental interposto contra<br />

decisão que negou seguimento à reclamação.<br />

2. A Fundação Universidade de Brasília ajuizou esta reclamação, bem<br />

como a de n. 2.165, em apenso, impugnando as decisões proferidas pelo Juízo<br />

da 9ª Vara <strong>Federal</strong> da Seção Judiciária do Distrito <strong>Federal</strong> nos autos de ações<br />

cautelares e de cobrança movidas em seu desfavor. Sustenta que essas decisões<br />

afrontam a autoridade de pronunciamento desta Corte, que indeferiu medida<br />

liminar nos autos da ADI 1.104. Nesta ação direta discute-se a constitucionalidade<br />

da Lei 464/93 do Distrito <strong>Federal</strong>, que isentou as entidades assistenciais<br />

e beneficentes, declaradas de utilidade pública, das taxas e tarifas referentes ao<br />

fornecimento de água e energia elétrica.<br />

3. O juízo reclamado alegou que as decisões atacadas foram proferidas de<br />

acordo com o pronunciamento do TJDFT, nos autos do Mandado de Segurança


206<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

4.448/95, no qual foi declarada a inconstitucionalidade da Lei 464/93 e levandose<br />

em consideração que o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> não havia apreciado a constitucionalidade<br />

da lei distrital (fls. 50/53).<br />

4. O Ministro Nelson Jobim, Relator à época, deferiu a liminar, suspendendo<br />

os efeitos das decisões reclamadas (fls. 108/115).<br />

5. A Companhia Energética de Brasília, na qualidade de terceiro prejudicado,<br />

interpôs agravo regimental no qual requereu a suspensão da decisão<br />

agravada, até o julgamento do mérito da ADI 1.104, cujo objeto é a Lei 464/93<br />

do Distrito <strong>Federal</strong>.<br />

6. O Procurador-Geral da República opinou pelo desprovimento do agravo<br />

regimental. Isto porque a agravante pretende discutir a constitucionalidade da<br />

Lei 464/93. No mérito, pugnou pela procedência do pedido (fls. 412/414).<br />

7. Apreciando o agravo da Companhia Energética de Brasília, reconsiderei<br />

a decisão concessiva de liminar e neguei seguimento à reclamação, por entender<br />

que o ato que indefere medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade<br />

não é dotado de efeito vinculante (fls. 417/418).<br />

8. Irresignada, a Reclamante – Fundação Universidade de Brasília –<br />

agrava, alegando que a decisão proferida pelo TJDF nos autos do Mandando de<br />

Segurança 4.448/95 contrariou o entendimento firmado por esta Corte no julgamento<br />

da medida cautelar na ADI 1.104 (fls. 427/437).<br />

9. O Procurador-Geral da República opina pelo desprovimento deste<br />

agravo regimental. Quanto ao mérito da reclamação, ressalva a impossibilidade<br />

de atribuir-se efeito vinculante ao indeferimento de medida cautelar nas ações<br />

diretas (fls. 438/442).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O recurso não merece acolhimento.<br />

2. Como destacou o Procurador-Geral da República, não foi impugnado o<br />

fundamento central da decisão agravada, “segundo o qual ‘o efeito vinculante –<br />

medida de caráter excepcional – é conferido pela Lei n. 9.868/99 às decisões<br />

concessivas de medida liminar, e não a todo e qualquer juízo da Corte sobre<br />

a pretensão de medida acauteladora’ ”. A ausência de impugnação adequada<br />

obsta o conhecimento do recurso (nesse sentido: AI 248.662, Rel. Min. Celso de<br />

Mello, DJ de 28-3-01; AI 437.138-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 6-8-04<br />

e Rcl 646-AgR, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 11-6-99).<br />

3. Além disso, a Agravante sustenta que o acórdão do TJDF – que julgou<br />

o incidente de inconstitucionalidade em mandado de segurança – afronta a decisão<br />

proferida por esta Corte nos autos da ADI 1.104. Ora, o pedido da reclamação<br />

volta-se contra sentença proferida pelo Juiz da 9ª Vara <strong>Federal</strong> da Seção<br />

Judiciária do Distrito <strong>Federal</strong>, e não contra aquele acórdão, cujo trânsito em


R.T.J. — <strong>207</strong> <strong>207</strong><br />

julgado ocorreu em 30-3-98, o que impede sua impugnação, na via reclamatória,<br />

ante os termos do Enunciado 734 da Súmula desta Corte 1 .<br />

4. Retomando a argumentação da decisão reclamada, reitero: as decisões<br />

que indeferem o pedido de medida cautelar formulado em ação direta de inconstitucionalidade<br />

não são dotadas de efeito vinculante. A Lei 9.868/99 confere<br />

esse atributo de caráter excepcional apenas às decisões concessivas de medida<br />

liminar (nesse sentido: Rcl 2.063-QO, Rel. p/ o ac. Min. Maurício Corrêa, DJ de<br />

5-6-03 e Rcl 2.434-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 2-4-04).<br />

Não conheço do agravo regimental.<br />

DEBATE<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Quer dizer que poderia cobrar<br />

mesmo tendo a presunção de constitucionalidade?<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Não; vou concluir meu voto, objetivamente:<br />

o fato de ter sido indeferida a medida cautelar numa ação direta de<br />

inconstitucionalidade não tem o efeito de declaração de constitucionalidade da<br />

lei, do texto normativo. Este é o objeto da ação direta de inconstitucionalidade.<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A cobrança dependeria da inconstitucionalidade,<br />

teria efeito contrário.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Não, aqui é exatamente o efeito contrário.<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O que se discute aqui não é o<br />

problema de uma lei do Distrito <strong>Federal</strong> que deu isenção.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): É uma lei do Distrito <strong>Federal</strong> que deu<br />

isenção.<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Aí, a Companhia Energética de<br />

Brasília está cobrando de um dos objetos a isenção. Foi movida ação direta de inconstitucionalidade<br />

contra a lei; o <strong>Tribunal</strong> a indeferiu; portanto, está mantida a<br />

lei. Na Reclamação, o que ocorre? A Companhia Energética de Brasília estava cortando<br />

a energia elétrica da Universidade de Brasília, que era amparada por uma lei.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Mas o objeto da reclamação não é esse.<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Qual é o objeto para entender o caso?<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Vou pedir a V. Exa. para indicar adiamento<br />

temporário, até que eu examine os autos e possa dizer, com precisão, qual<br />

é o objeto da reclamação.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Lembro-me dessa questão. O <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, numa ação direta de inconstitucionalidade, indeferiu a liminar<br />

contra essa lei, a qual concede benefícios e isenções a determinadas entidades.<br />

1 Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha<br />

desrespeitado decisão do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.


208<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

O Distrito <strong>Federal</strong> – essas empresas Ceb, Caesb – procedeu à execução, em sede<br />

do juízo ordinário, contra a UnB, Sarah Kubitscheck e outras instituições, dizendo<br />

que essa lei seria inconstitucional. Essa é a afirmação. Incidentalmente o<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça do Distrito <strong>Federal</strong> declarou a inconstitucionalidade e deu<br />

prosseguimento à execução. Contra essa decisão, então, traz a UnB, no caso, a<br />

reclamação. Fundamentalmente é essa a questão.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): É isso mesmo.<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Tomo a liberdade de ler parte<br />

da decisão quando deferi a liminar. Nós deferimos a liminar em setembro de<br />

2002. Digo:<br />

Na espécie, afigura-se inequívoco que o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> indeferiu<br />

a liminar pelos fundamentos resumidos na ementa do acórdão:<br />

Ação direta de inconstitucionalidade. Medida cautelar. Lei 464, de 22-6-93,<br />

do Distrito <strong>Federal</strong>, art. 1º. Norma que isentou das taxas e tarifas pelo fornecimento<br />

de água e energia elétrica as entidades assistenciais e beneficentes, declaradas de<br />

utilidade pública, atuando no Distrito <strong>Federal</strong>. 2. Alegação de ofensa aos arts 21,<br />

XII, b e 22, IV, ambos da Constituição <strong>Federal</strong>. 3. Não se trata, na espécie, de lei<br />

distrital sobre água e energia elétrica, mas, apenas, no dispositivo atacado, se dispõe<br />

acerca de isenção de retribuição pelos serviços de água e energia elétrica. 4.<br />

Medida cautelar indeferida, por não presentes os pressupostos à concessão.<br />

O <strong>Tribunal</strong> fez um juízo já valorativo. Digo, no despacho:<br />

(...) como se pode depreender, não se trata de uma simples decisão de indeferimento,<br />

por ausência dos pressupostos processuais formais.<br />

Na espécie, resta evidente que, pelo menos num juízo severo de exame liminar,<br />

o <strong>Tribunal</strong> afastou a ilegitimidade da lei em questão.<br />

Observe-se, outrossim, que o <strong>Tribunal</strong> tem entendido que, em caso de propositura<br />

semelhante de ação direta de inconstitucionalidade perante o <strong>Supremo</strong><br />

e perante o TJ contra lei estadual, há de se suspender o processo no âmbito da<br />

Justiça estadual até a deliberação definitiva desta Corte.<br />

Aqui, citei acórdão da ADI 1.423 do Ministro Moreira Alves:<br />

(...) Rejeição das preliminares de litispendência e de continência, porquanto,<br />

quando tramitam paralelamente duas ações diretas de inconstitucionalidade, uma<br />

no <strong>Tribunal</strong> de Justiça local e outra no <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, contra a mesma<br />

lei estadual impugnada em face de princípios constitucionais estaduais que são<br />

reprodução de princípios da Constituição <strong>Federal</strong>, suspende-se o curso da ação<br />

direta proposta perante o <strong>Tribunal</strong> estadual até o julgamento final da ação direta<br />

proposta perante o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, conforme sustentou o relator da<br />

presente ação direta de inconstitucionalidade em voto que proferiu, em pedido de<br />

vista, na Rcl 425.<br />

(...)<br />

(ADI 1.423-MC, Moreira Alves.)<br />

Ainda, cito mais os acórdãos da lavra dos Senhores Ministros Maurício<br />

Corrêa, Francisco Rezek, Sepúlveda Pertence na ADI 2.146.


Aí, eu dizia mais:<br />

R.T.J. — <strong>207</strong> 209<br />

O próprio caráter dúplice ou ambivalente sugere cuidado na compreensão<br />

da decisão que indefere a liminar afirmando, in genere, a possível legitimidade<br />

da lei.<br />

O <strong>Tribunal</strong> ao negar a liminar na ADI 1.104, a contrario sensu, presume-se<br />

declarar a constitucionalidade da Lei 464/93.<br />

A lei distrital continua vigente para reconhecer a isenção da Fundação U niver<br />

si dade de Brasília.<br />

Estão presentes os requisitos da liminar.<br />

Defiro-a.<br />

Suspendi, para efeito de aguardar a decisão final, a decisão do <strong>Tribunal</strong>. O<br />

que ocorre? O <strong>Tribunal</strong> de Justiça acaba pretendendo manter a sua decisão que<br />

concedeu a liminar, enquanto nós a negamos.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Então, o <strong>Tribunal</strong> de Justiça julgou em<br />

representação de inconstitucionalidade?<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Em processo de execução.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas esse precedente do Ministro<br />

Moreira Alves é problema de ação direta de inconstitucionalidade estadual.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Neste caso a Ceb deu seguimento a uma<br />

execução e, incidentalmente, argüiu a inconstitucionalidade da lei, que tinha<br />

sido apreciada pelo <strong>Tribunal</strong>, em sede de liminar.<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A nossa decisão é de 21 de setembro<br />

de 1994. Em 21 de setembro, nós indeferimos a liminar na ADI 1.104.<br />

Em 13 de março de 96, a Segunda Câmara Cível do TJDF decidiu, em argüição<br />

de inconstitucionalidade no Mandado de Segurança 4.448, o seguinte:<br />

Argüição de incidente de constitucionalidade de lei, artigo tal, tal. E vem:<br />

“II – Não pode o Poder Público local estabelecer isenção pagamento de tarifas”,<br />

ou seja, em argüição de inconstitucionalidade no mandado de segurança,<br />

que é incidente.<br />

A Ceb, em face disso, propôs ação de cobrança contra a Fundação, exigindo<br />

o pagamento da importância, etc. Então, a Reclamante ajuizou ação declaratória<br />

de isenção tributária e ação cautelar inominada contra a Ceb.<br />

O juiz da nona vara julgou improcedentes as ações da Reclamante, que<br />

eram ações específicas.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Senhor Presidente, queria, apenas,<br />

insistir no seguinte ponto: o que está em jogo aqui na reclamação proposta, sob<br />

a afirmação de que...<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Que está se negando efeitos<br />

à decisão na ADI 1.104, que indeferiu a liminar sob fundamentos de falta de<br />

plausibilidade.


210<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Independentemente de todos esses<br />

efeitos que V. Exa. mencionou serem perfeitamente corretos, o fundamento da<br />

reclamação está no argumento de que estaria sendo afrontada uma decisão do<br />

<strong>Supremo</strong> que teria, segundo o Reclamante, o efeito de, ao negar a liminar, reconhecer<br />

a constitucionalidade da lei. Por isso meu voto é no sentido de manter a<br />

decisão e de não conhecer do agravo regimental, sob o fundamento de que a concessão<br />

de medida liminar não produz o efeito de afirmar a constitucionalidade.<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A minha divergência de V. Exa. é<br />

exatamente essa. O que temos no caso? Temos uma decisão do <strong>Tribunal</strong> que presumiu,<br />

na decisão liminar, a constitucionalidade da lei. A presunção de constitucionalidade<br />

está estabelecida com a falta. Posteriormente, dois anos depois – uma coisa<br />

assim –, o <strong>Tribunal</strong> Regional, em argüição de inconstitucionalidade incidental, da<br />

Segunda Câmara, acaba dando pela inconstitucionalidade. Com base nessa decisão<br />

de inconstitucionalidade, a Ceb entra com ação de cobrança contra a Fundação<br />

Universidade de Brasília e pretende daí extrair efeitos de algo que estamos decidindo<br />

e já negamos a liminar. Então, evidentemente, é uma situação atípica.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Uma coisa seria se tivéssemos julgado a<br />

liminar – isso já tive oportunidade de anotar – com base na falta dos pressupostos<br />

de mero periculum in mora. Neste caso, todavia, houve análise quanto à<br />

implausibilidade.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas com isso estamos obrigando o <strong>Tribunal</strong><br />

a respeitar a decisão no julgamento de mérito do processo que está em causa. O<br />

<strong>Tribunal</strong> perdeu a liberdade de decidir se esse aditamento é questão constitucional,<br />

porque é obrigado a respeitar.<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Se manter o mérito, como faz?<br />

Fica uma enorme desordem.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ao mesmo tempo o <strong>Tribunal</strong> considerou<br />

plausível a constitucionalidade da norma.<br />

Até em termos de especulação doutrinária, já cogitei de se aplicar aqui, a<br />

contrario, o art. 21 da Lei 9.868 da ação declaratória, quando nós considerássemos<br />

plausível a constitucionalidade da lei, portanto, indeferíssemos a liminar,<br />

determinássemos a suspensão dos processos envolvendo a questão posta.<br />

Parece-me que é esse o raciocínio da Reclamante – mais ortodoxo.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: A Reclamante não está pedindo a suspensão<br />

do processo.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Mas fundamentalmente isso pode dar para<br />

esse efeito, para que ela não seja executada.<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Gostaria de ler o voto do<br />

Ministro Néri da Silveira na ação direta de inconstitucionalidade.<br />

Lei local dispôs sobre isenção de taxas e tarifas pelo fornecimento de água<br />

e energia elétrica, em favor de entidades assistenciais e beneficentes declaradas


R.T.J. — <strong>207</strong> 211<br />

de utilidade pública, atuando no Distrito <strong>Federal</strong>. Não se impugna a isenção do<br />

imposto territorial urbano assegurada a essas entidades.<br />

Afirma-se incompatibilidade da referida isenção de taxas e tarifas com o<br />

art. 21, XII, b da Constituição, ao dispor que compete à União explorar, diretamente<br />

ou mediante autorização, concessão ou permissão, “os serviços e instalações<br />

de energia elétrica (...)”.<br />

Nenhum dos dispositivos se refere à matéria tributária ou à contraprestação<br />

pelos serviços de água e energia elétrica.<br />

Prevê o art. 145, II, da Constituição, que a União, os Estados, o Distrito<br />

<strong>Federal</strong> e os Municípios poderão instituir “taxas, em razão do exercício do poder<br />

de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos (...)”. No<br />

art. 151, III, a Constituição veda a União “instituir isenções de tributos da competência<br />

dos Estados, do Distrito <strong>Federal</strong> ou dos Municípios.”<br />

Ora, os serviços de água e energia elétrica, no Distrito <strong>Federal</strong>, são prestados<br />

por empresas integrantes do complexo administrativo distrital. Compete<br />

ao Distrito <strong>Federal</strong> dispor sobre taxas e tarifas remuneratórias desses serviços<br />

locais que presta, por intermédio das empresas por ele mantidas. É certo que o<br />

art. 175, parágrafo único, incisos I e III, da Constituição de 1988, estipula que a lei<br />

disporá sobre “o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços<br />

públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como<br />

as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão”,<br />

e a política tarifária. Já no regime da Constituição de 1967, com a Emenda 1, de<br />

1969, Pontes de Miranda anotava que a lei, aí prevista, é federal (Comentários à<br />

Constituição de 1967, com a Emenda 1, de 1969, Forense, 1987, tomo VI, p. 269).<br />

Não se trata aqui, porém, de legislar sobre águas e energia, mas, apenas,<br />

quanto à isenção de retribuição pelos serviços de água e energia de que beneficiadas<br />

as entidades em foco.<br />

Compreendo, entretanto, neste juízo preambular, referente à cautelar que não<br />

se há de ter, desde logo, como infringente da Constituição <strong>Federal</strong>, norma legal que<br />

preveja a isenção de taxa e tarifa, quanto a serviços de água e luz, prestados pelo<br />

Estado ou Distrito <strong>Federal</strong>, em se cuidando de entidade beneficente, de assistência<br />

social, declarada de utilidade pública, que já vem gozando de redução no valor das<br />

tarifas de água e energia em elevado percentual, conforme destacam as informações.<br />

De qualquer sorte, sem adiantar conclusão definitiva sobre o mérito da denúncia,<br />

não vejo, aqui, também, configurado periculum in mora (...)<br />

Ou seja, aqui já mostra claramente que essa matéria seria disciplinável<br />

pela lei distrital. O Ministro Néri da Silveira, no voto acompanhado por toda<br />

a Corte, nessa decisão de 21-9-94, o indeferimento foi por unanimidade –<br />

Presidente o Ministro Octávio Gallotti.<br />

Então, no caso, entendi que estávamos em uma situação completamente<br />

curiosa. O <strong>Supremo</strong>, num juízo preliminar, indefere a liminar, exatamente já<br />

focando que essa matéria de taxas é da competência distrital, que não se tratava<br />

da lei federal, tratava-se da cobrança de serviços das entidades estaduais, isentou-se<br />

e o <strong>Tribunal</strong> nega a liminar. Lateralmente, no tribunal local, declara-se a<br />

inconstitucionalidade dessa mesma norma que está sob apreciação do <strong>Supremo</strong>,<br />

em toda a integralidade esse dispositivo, suspende-se e, ao mesmo tempo, promove-se<br />

a execução das entidades beneficiadas.


212<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Ora, isto significa – e foi o que entendi no caso para efeito de liminar – que,<br />

pelo menos, havia um forte sentido de que estaria sendo descumprido aquele<br />

fato, circunstância de termos mantido, em liminar, a constitucionalidade da lei.<br />

Foi essa a razão pela qual deferi a liminar. Então, nessa mesma linha,<br />

mantenho.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Pois é, creio que a situação concreta resolvese<br />

pela resposta que se dê à seguinte pergunta: quando o <strong>Supremo</strong>, defrontandose<br />

com o processo objetivo, com o controle concentrado de constitucionalidade,<br />

indefere liminar e mantém a lei com plena eficácia, fica obstaculizado o controle<br />

difuso de constitucionalidade? Não abro exceção. Uma coisa é, no julgamento<br />

precário e efêmero, porque diz respeito à medida acauteladora da ação direta de<br />

inconstitucionalidade, deferir-se a liminar e suspender-se a eficácia da lei. Caso<br />

mesmo assim, a lei venha a ser observada, tem-se como desafiada a reclamação.<br />

Algo diverso é o <strong>Tribunal</strong>, por este ou aquele motivo, indeferir a liminar,<br />

mantendo a eficácia da lei. Indago: fica afastado o controle difuso? A resposta<br />

para mim é desenganadamente negativa. Se é negativa, está certo o ato do relator<br />

ao negar seguimento à reclamação. Caso contrário, vão chover reclamações.<br />

Não estabeleço distinção conforme a fundamentação e, até mesmo, a opinião do<br />

relator, constante do voto ao indeferir a medida acauteladora.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O indeferimento da medida liminar, no caso,<br />

não significa nada, absolutamente nada.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senão, a rigor, estará obstaculizada, porque<br />

demoramos muito a julgar as ações diretas de inconstitucionalidade, a própria<br />

jurisdição.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim, porque toda vez que o <strong>Tribunal</strong> negar<br />

uma medida liminar, suspendem-se todos os processos, todas as causas em que<br />

seja discutida incidentalmente a questão constitucional.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Tenho a impressão que, neste caso, temos<br />

de fazer um “distinguishing”. Naqueles casos em que há um simples indeferimento<br />

da liminar, (...). Neste caso, na verdade, o <strong>Tribunal</strong> emitiu um juízo, ainda<br />

que provisório, sobre o mérito.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Porque sabemos que, preocupados com o<br />

pronunciamento, estamos muito adiante do que deveríamos ir quando da análise<br />

do processo nessa fase.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Temos casos em que sequer concedemos a<br />

liminar, porque já se passou tanto tempo, por exemplo, do pedido e, portanto, fazemos<br />

outro tipo de avaliação. Neste caso, não, o <strong>Tribunal</strong> avaliou a questão, e eu<br />

proporia que, pelo menos, trilhássemos uma linha intermediária em que determinássemos<br />

a suspensão dos efeitos da decisão, naquilo que venho sustentando,<br />

quer dizer, aplicação, a contrario, do art. 21 da Lei 9.868, também em sede de<br />

cautelar. Por quê? Isso o Ministro Sepúlveda Pertence já destacou, em outro<br />

momento. Aqui, temos a delicadeza da convivência do sistema concentrado com


R.T.J. — <strong>207</strong> 213<br />

o difuso. E, se de um lado há esse risco, apontado pelo Ministro Marco Aurélio,<br />

por outro, também temos o risco da desqualificação da decisão do <strong>Tribunal</strong>.<br />

Sabemos que têm assentadas, aqui, em que discutimos largamente, aprofundadamente,<br />

a questão em sede de cautelar, emitindo juízo mesmo sobre o mérito.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, veja V. Exa., não fica afastada a<br />

chegada do processo ao <strong>Supremo</strong>, pela via natural, e que, talvez, seja mais célere<br />

do que o processamento da própria ação direta de inconstitucionalidade, tendo<br />

em conta a sobrecarga de ações diretas.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Concedamos, então, a reclamação, para o<br />

fim de suspender o processo.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: O problema é admitir a exceção. Até aqui,<br />

a jurisprudência se mostrou linear.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O Relator poderia informar: houve<br />

recursos dessa decisão do <strong>Tribunal</strong> de Justiça?<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Não. Estou tentando esclarecer isso, já<br />

algum tempo, mas tenho a impressão de que voltei num ritmo mais lento do que<br />

os meus Colegas, depois das férias.<br />

V. Exa. me permite, vou ler:<br />

Após a requisição das necessárias informações e ouvido o Exmo. Sr.<br />

Procurador-Geral da República, requer a procedência da presente reclamação,<br />

para declarar írrita a decisão do em. Juiz da 9ª Vara <strong>Federal</strong> (...)<br />

A reclamação não é sequer voltada contra o acórdão do <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça. O acórdão do <strong>Tribunal</strong> de Justiça apareceu, agora, no agravo. Esse é um<br />

ponto que eu me permitiria enfatizar. O segundo ponto está em que parece-me<br />

ser um precedente muito sério...<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Eros Grau, o precedente<br />

será muito sério se amanhã, por decisão deste <strong>Tribunal</strong>, permitir-se<br />

que se corte, por exemplo, o fornecimento de água e luz para o Hospital Sarah<br />

Kubistcheck – isso é mais grave. Isso V. Exa. vai verificar que é mais grave, e é<br />

esse o tema de que se está tratando.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Mas V. Exa. não me deixou terminar.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, há medidas acauteladoras, e<br />

deve-se confiar, também, no taco dos demais juízes do país.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O <strong>Tribunal</strong> vai ter de esclarecer,<br />

quando ele julga uma liminar, se esse é um caso em que está negando ou afirmando<br />

a constitucionalidade.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Avalia-se quando vier a reclamação.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Vamos ter dois tipos de decisão<br />

quando apreciarmos uma liminar. Em um caso a liminar não tem, absolutamente,<br />

nenhum cabimento. Apenas nas hipóteses nas quais a liminar não tem<br />

cabimento, seria de se presumir a constitucionalidade.


214<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Então, Ministro Eros Grau,<br />

mantém o fechamento de tudo?<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Na verdade, nem vou manter, porque<br />

nem cheguei a ler o meu voto, no mérito. É uma página só, se V. Exa. me permitir<br />

eu digo.<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Pode ler a conclusão, porque<br />

sabemos qual é a fundamentação.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Eu vou manter o entendimento de que<br />

a não concessão da medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade não<br />

tem efeito vinculante de presunção de constitucionalidade.<br />

PEDIDO DE VISTA<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, tenho este processo e<br />

vou pedir vista. Acho que, aqui, temos esta encruzilhada que a toda hora aponta<br />

entre o modelo concentrado e o difuso. A meu ver, temos de encontrar uma solução<br />

adequada.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A única solução plausível é a suspensão<br />

do processo.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Se houvesse consenso nesse sentido, caminharíamos<br />

nessa linha, determinávamos, nesse caso, a suspensão do processo<br />

ou os efeitos da decisão, até que o tribunal se pronuncie sobre o mérito da ação<br />

direta de inconstitucionalidade.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Até por uma questão de coerência,<br />

agora, vou me manter.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Por que não suspender todos os processos<br />

em que há ação direta de inconstitucionalidade com ou sem pedido de cautelar?<br />

Entrou com a ação direta de inconstitucionalidade, suspende-se o processo<br />

automaticamente.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Também, pelo questionamento no <strong>Supremo</strong>.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O caso de indeferimento de liminar é o<br />

mesmo em que não há, sequer, pedido de liminar.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não, não é o mesmo caso.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Qual a concretude da nossa decisão? A<br />

lei atacada na ação direta de inconstitucionalidade continua a surtir efeitos no<br />

cenário nacional, inclusive desafiando declaração de inconstitucionalidade por<br />

órgão competente.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O problema é que o conteúdo deste<br />

indeferimento de liminar pode ser o mesmo do deferimento de uma liminar, por<br />

exemplo, em ação declaratória, que tenha efeito vinculante.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Cautelar de constitucionalidade.


R.T.J. — <strong>207</strong> 215<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Declaratória de constitucionalidade.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sim, mas cautelar. Por isso que estou<br />

propondo aplicação analógica do art. 21, tão-somente – é a mesma coisa. O que<br />

examinamos no art. 21?<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas a conseqüência é diferente.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não, não é diferente.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: É diferente: não suspende e tem efeito<br />

vinculante.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Passaremos a determinar que estamos<br />

suspendendo. O que aconteceu, aqui? Até então, tudo isto é um processo de<br />

construção. Não sabíamos, sequer, quais as conseqüências do deferimento da<br />

liminar, daí passamos a admitir, sim, a reclamação quando havia descumprimento,<br />

não observância do deferimento da liminar em sede de ação direta de<br />

inconstitucionalidade. Passamos a admitir e o Ministro Sepúlveda Pertence,<br />

inclusive, liderou essa discussão.<br />

Agora, temos o contraponto, os casos notórios de indeferimento que são absolutamente<br />

similares aos casos de deferimento da cautelar em ação declaratória<br />

de constitucionalidade, uma vez que o caráter é dúplice, daí a minha proposta.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A proposta de V. Exa. é que, cada vez<br />

que apreciarmos uma ação direta de inconstitucionalidade, seja negada a liminar<br />

e a gente declare...<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não; estou propondo que, neste caso específico,<br />

avancemos para conceder a reclamação, portanto, julgar procedente<br />

a reclamação para os fins de suspender a decisão ou os efeitos da decisão que<br />

declarou a inconstitucionalidade da lei, tão-somente isso.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Acontece que a dificuldade, pelo que estou<br />

vendo no nosso “espelho”, é a reclamação contra uma decisão do Juiz <strong>Federal</strong>.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: A decisão é do Juiz de Primeiro Grau.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Isso não tem nada a ver com a declaração<br />

incidente de inconstitucionalidade pelo <strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: É contra decisão do Juiz do Primeiro Grau.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: A execução é contra a UnB.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A execução é contra a UnB – fundação<br />

autárquica federal.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Peço vista.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

Rcl 2.121-AgR-AgR/DF — Relator: Ministro Eros Grau. Agravante:<br />

Fundação Universidade de Brasília (Advogados: Anita Lapa Borges de Sampaio<br />

e outro). Agravado: Juiz da 9ª Vara <strong>Federal</strong> da Seção Judiciária do Distrito


216<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

<strong>Federal</strong>. Interessada: Companhia Energética de Brasília – CEB (Advogados:<br />

Renata Nogueira e Murilo Bouzada de Barros e outros).<br />

Decisão: Após o voto do Ministro Eros Grau (Relator), dando provimento<br />

ao agravo regimental, e do voto do Ministro Nelson Jobim (Presidente),<br />

negando-lhe provimento, pediu vista dos autos o Ministro Gilmar Mendes.<br />

Ausente, justificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa.<br />

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Mi nis tros<br />

Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar<br />

Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Procurador-Geral da Re pública,<br />

Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.<br />

Brasília, 2 de fevereiro de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.<br />

VOTO<br />

(Vista)<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Cuida-se de agravo regimental interposto<br />

pela Fundação Universidade de Brasília (FUB) contra decisão da lavra do Ministro<br />

Eros Grau que negou seguimento a reclamações ajuizadas pela Agravante,<br />

para garantir a autoridade do acórdão do Plenário desta Corte proferido<br />

no julgamento da ADI 1.104-MC/DF, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 12-5-95.<br />

No caso, as Rcl 2.121/DF e Rcl 2.165/DF impugnam decisões tomadas<br />

pelas instâncias ordinárias que afirmam a inconstitucionalidade da Lei distrital<br />

464/93, apesar de este <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> ter indeferido pedido de liminar<br />

formulado com objetivo de se suspender a norma impugnada em sede de<br />

ação direta de inconstitucionalidade.<br />

Em síntese, alega-se que já no julgamento da liminar na ADI 1.104/DF,<br />

o STF afastou a inconstitucionalidade da lei, ainda que em juízo preliminar.<br />

Assim, não poderiam as instâncias ordinárias deliberar em sentido contrário.<br />

Inicialmente, o Ministro Nelson Jobim deferiu a liminar da Rcl 2.121 para<br />

suspender “a eficácia das decisões proferidas pelo Juiz da 9ª Vara <strong>Federal</strong> da Seção<br />

Judiciária do Distrito <strong>Federal</strong> e de todo e qualquer ato dela resultante (Ação<br />

Ordinária 2000.34.021446-3; Ação Cautelar Inominada 1999.34.00.033578-7; e<br />

da Ação Ordinária 1999.34.00.036446-5)” (fl. 115).<br />

Interposto agravo regimental pela Companhia Energética de Brasília<br />

(CEB) (fls. 125-138), o feito foi redistribuído ao Ministro Eros Grau, nos termos<br />

do art. 38 RISTF (fl. 409).<br />

Ouvido o Ministério Público <strong>Federal</strong>, que opinou pela procedência da reclamação,<br />

em parecer da lavra do Procurador-Geral da República à época, Dr.<br />

Cláudio Fonteles (fl. 414), o Min. Eros Grau reconsiderou a decisão de fls. 108-115,<br />

para negar seguimento a ambas as reclamações, sob os seguintes fundamentos:<br />

Entendo, de modo diverso, que o efeito vinculante – medida de caráter excepcional<br />

– é conferido pela Lei 9.868/99 às decisões concessivas de medida liminar,<br />

e não a todo e qualquer juízo da Corte sobre a pretensão de medida acauteladora.


R.T.J. — <strong>207</strong> 217<br />

Com efeito, a questão posta mostra nova faceta da relação entre os dois<br />

sistemas de controle de constitucionalidade, no que concerne à decisão do<br />

<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> que indefere o pedido de cautelar em ação direta de<br />

inconstitucionalidade. Como acentuado na decisão da lavra do Ministro Jobim<br />

(fls.109-115), há casos em que, ao indeferir a cautelar, o <strong>Tribunal</strong> enfatiza, ou<br />

quase, a não-plausibilidade da impugnação. Em outras hipóteses, o indeferimento<br />

assenta-se apenas em razões formais, como o tempo decorrido da edição<br />

da lei ou não-configuração de urgência.<br />

Na primeira hipótese, é possível justificar a reclamação sob o argumento<br />

de violação da autoridade da decisão do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong>. Na segunda, o argumento<br />

é mais tênue, uma vez que sequer houve manifestação substancial do<br />

<strong>Tribunal</strong> sobre o conteúdo da norma.<br />

É verdade, porém, que em ambas as situações podem ocorrer conflitos<br />

negativos para a segurança jurídica, com pronunciamentos contraditórios por<br />

parte de instâncias judiciais diversas.<br />

Assim, em semelhantes casos de indeferimento de liminar na ação direta<br />

de inconstitucionalidade com possibilidade de repercussão nas instâncias ordinárias,<br />

parece-me pertinente adotar fórmula semelhante à prevista no art. 21<br />

da Lei 9.868/99, para a ação declaratória de constitucionalidade: determina-se<br />

a suspensão dos julgamentos que envolvam a aplicação da lei até a decisão final<br />

do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> sobre a controvérsia constitucional.<br />

A vantagem técnica dessa fórmula é a de que ela alcança resultado similar,<br />

no que concerne à segurança jurídica, sem afirmar, a priori, o efeito vinculante<br />

da decisão provisória adotada pelo <strong>Tribunal</strong> em sede de cautelar.<br />

Na espécie, contudo, verifica-se a perda de objeto da ADI 1.104/DF e,<br />

conseqüentemente, das presentes reclamações. Assim despachei nos autos da<br />

ADI 1.104/DF (DJ de 26-9-06):<br />

Decisão: O Procurador-Geral da República propôs ação direta de inconstitucionalidade<br />

da expressão “e das taxas e tarifas pelo fornecimento de água e<br />

energia elétrica” do art. 1º da Lei 227, de 9 de janeiro de 1992, do Distrito <strong>Federal</strong>,<br />

alterada pelo art. 1º da Lei 464, de 22-6-93, que isenta do pagamento de Imposto<br />

Territorial Urbano e de taxas pelo fornecimento de água e energia elétrica, as entidades<br />

assistenciais e beneficentes declaradas de utilidade pública para o Distrito<br />

<strong>Federal</strong>, verbis:<br />

“Art. 1º. Ficam isentas do Imposto Territorial Urbano ‘e das taxas e<br />

tarifas pelo fornecimento de água e energia elétrica’ as entidades assistenciais<br />

e beneficentes, declaradas de utilidade pública do Distrito <strong>Federal</strong>.”<br />

O pedido de liminar foi indeferido (fls. 32-39), estando o acórdão assim<br />

ementado:<br />

“Ação direta de inconstitucionalidade. Medida cautelar. Lei nº 464, de<br />

22/6/1993, do Distrito <strong>Federal</strong>, art. 1º. Norma que isentou das taxas e tarifas<br />

pelo fornecimento de água e energia elétrica as entidades assistenciais e<br />

beneficentes, declaradas de utilidade pública, atuando no Distrito <strong>Federal</strong>.<br />

2. Alegação de ofensa aos arts. 21, XII, b, e 22, IV, ambos da<br />

Constituição <strong>Federal</strong>.


218<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

3. Não se trata, na espécie, de lei distrital sobre água e energia elétrica,<br />

mas, apenas, no dispositivo atacado, se dispõe acerca de isenção de<br />

retribuição pelos serviços de água e energia elétrica.<br />

4. Medida cautelar indeferida, por não presentes os pressupostos à<br />

concessão.”<br />

(Fl. 39.)<br />

A Advocacia-Geral da União (fls. 43-49) e o Procurador-Geral da República<br />

(fls. 51-54) manifestaram-se pela improcedência da presente ação.<br />

A Lei 3.588, de 22 de abril de 2005, do Distrito <strong>Federal</strong>, revoga expressamente<br />

a Lei 227, de 9 de janeiro de 1992, verbis:<br />

“Lei nº 3.588, de 22 de abril de 2005<br />

Art. 1º Fica autorizada a participação acionária da Companhia de Saneamento<br />

do Distrito <strong>Federal</strong> – CAESB no capital social da Corumbá Concessões<br />

S.A. mediante integralização de ações ordinárias e preferenciais.<br />

Parágrafo único. A participação acionária da Companhia de Saneamento<br />

do Distrito <strong>Federal</strong> – CAESB no capital social da Corumbá Concessões<br />

S.A., corresponderá ao valor máximo de R$ 30.000.000,00 (trinta<br />

milhões de reais), a ser integralizado no exercício.<br />

Art. 2º Para cumprir o disposto nesta Lei, fica o Distrito <strong>Federal</strong> autorizado<br />

a integralizar o capital social da Caesb, nos exercícios 2005 e 2006.<br />

Art. 2ºA A participação acionária de que trata o art. 1º fica condicionada<br />

à participação da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito<br />

<strong>Federal</strong>, com direito a voto, no conselho de administração de Corumbá<br />

Concessões S.A. (inserido – Lei nº 3.603 de 06 de junho de 2005)<br />

Art. 3º Fica revogada a Lei nº 227, de 09 de janeiro de 1992.<br />

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.<br />

Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário.”<br />

Diante da edição da Lei 3.588/05 do Distrito <strong>Federal</strong>, necessário concluir<br />

que, estando revogada a Lei 227/92, a presente ação está prejudicada por perda superveniente<br />

de objeto, conforme o entendimento firmado por esta Corte no julgamento<br />

da ADI 709/PR, Rel. Min. Paulo Brossard (DJ de 7-10-92), e já consolidado<br />

na jurisprudência do <strong>Tribunal</strong> (ADI 1.889/AM, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 3-10-<br />

05; ADI 387/RO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 9-9-05; ADI 3.513/PA, Rel.<br />

Min. Ellen Gracie, DJ de 22-8-05; ADI 2.436/PE, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ<br />

de 26-8-05; ADI 380/RO, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 4-3-05).<br />

Ante o exposto, julgo prejudicada a presente ação direta de inconstitucionalidade<br />

por perda superveniente de objeto, nos termos do art. 21, IX, do RISTF.<br />

Dessa forma, não obstante minhas reservas quanto à decisão agravada, consignadas<br />

como obiter dictum, as presentes reclamações devem ser julgadas prejudicadas,<br />

ante a insubsistência da medida cautelar cuja autoridade pretendia se garantir.<br />

É o meu voto.<br />

VOTO<br />

(Retificação)<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): De fato, ocorre o que o Ministro Gilmar<br />

Mendes observou: tendo sido extinta a ação direta de inconstitucionalidade,<br />

disso decorre a perda de objeto também da Reclamação e, logo, dos agravos.


R.T.J. — <strong>207</strong> 219<br />

EXTRATO DA ATA<br />

Rcl 2.121-AgR-AgR/DF — Relator: Ministro Eros Grau. Agravante:<br />

Fundação Universidade de Brasília (Advogados: Anita Lapa Borges de Sampaio<br />

e outro). Agravado: Juiz da 9ª Vara <strong>Federal</strong> da Seção Judiciária do Distrito<br />

<strong>Federal</strong>. Interessada: Companhia Energética de Brasília – CEB (Advogados:<br />

Renata Nogueira e Murilo Bouzada de Barros e outros).<br />

Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes, justificadamente,<br />

nos termos do § 1º do art. 1º da Resolução 278, de 15 de dezembro<br />

de 2003. Presidência do Ministro Nelson Jobim. Plenário, 22-3-06.<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por maioria, julgou prejudicada a reclamação, nos termos<br />

do voto, reformulado, do Relator, vencido o Ministro Nelson Jobim, que negava<br />

provimento ao agravo. Não participou da votação a Ministra Cármen Lúcia<br />

por suceder ao Ministro Nelson Jobim que proferira voto. Ausente, licenciado, o<br />

Ministro Joaquim Barbosa. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie.<br />

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Mi nis tros<br />

Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,<br />

Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Pro curador-Geral<br />

da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.<br />

Brasília, 13 de fevereiro de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


220<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.907 — AM<br />

Relator: O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski<br />

Requerente: Conselho <strong>Federal</strong> da Ordem dos Advogados do Brasil —<br />

Requerido: Presidente do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado do Amazonas<br />

Ação direta de inconstitucionalidade. Portaria 954/01 do<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado do Amazonas, ato normativo que<br />

disciplina o horário de trabalho dos servidores do Judiciário.<br />

Vício de natureza formal. Ofensa ao art. 96, I, a e b, da CF. Ação<br />

julgada procedente com efeitos ex nunc.<br />

I – Embora não haja ofensa ao princípio da separação dos<br />

poderes, visto que a Portaria em questão não altera a jornada de<br />

trabalho dos servidores e, portanto, não interfere com o seu regime<br />

jurídico, constata-se, na espécie, vício de natureza formal.<br />

II – Como assentou o Plenário do STF nada impede que a<br />

matéria seja regulada pelo <strong>Tribunal</strong>, no exercício da autonomia<br />

administrativa que a Carta Magna garante ao Judiciário.<br />

III – Mas a forma com que o tema foi tratado, ou seja, por portaria<br />

ao invés de resolução, monocraticamente e não por meio de decisão<br />

colegiada, vulnera o art. 96, I, a e b, da Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

IV – Ação julgada procedente, com efeitos ex nunc.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro<br />

Cezar Peluso (Vice-Presidente), na conformidade da ata do julgamento e das<br />

notas taquigráficas, por maioria, julgar procedente a ação direta, nos termos<br />

do voto do Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Menezes Direito,<br />

Cármen Lúcia e Eros Grau. Em seguida, o <strong>Tribunal</strong> deliberou emprestar eficácia<br />

ex nunc à declaração de inconstitucionalidade, vencido o Ministro Marco<br />

Aurélio. Votou o Presidente. Ausente, justificadamente, o Ministro Gilmar<br />

Mendes (Presidente).<br />

Brasília, 4 de junho de 2008 — Ricardo Lewandowski, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: O Conselho <strong>Federal</strong> da Ordem<br />

dos Advogados do Brasil, com fundamento no art. 103, VII, da Constituição<br />

<strong>Federal</strong>, propõe a presente ação direta de inconstitucionalidade, com pedido<br />

de suspensão cautelar, da Portaria 954/01, do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado do<br />

Amazonas, que dispõe sobre o horário de expediente forense nas Comarcas da<br />

Capital e do interior, bem como dos respectivos órgãos de apoio.


Eis o teor do ato impugnado:<br />

R.T.J. — <strong>207</strong> 221<br />

O Desembargador Djalma Martins da Costa, Presidente do Egrégio <strong>Tribunal</strong><br />

de Justiça do Estado do Amazonas, no uso de suas atribuições legais, e considerando<br />

a presente necessidade de se racionalizar os gastos com material, energia<br />

elétrica e pessoal nos órgãos jurisdicionais de primeiro grau das Comarcas da<br />

capital e do interior do Estado; considerando que, para esse desiderato, dentre<br />

outras providências, urge a uniformização dos horários de expediente forense<br />

dos órgãos jurisdicionais de primeira instância e de apoio administrativo do <strong>Tribunal</strong>;<br />

considerando a manifestação de concordância dos MM. Juizes de Direito,<br />

do Ministério Público e da Defensoria Pública do Estado, por seus respectivos<br />

representantes legais, quanto à fixação de horário único, pela manhã, para o expediente<br />

forense, nas Comarcas da Capital e do interior do Estado; considerando<br />

que a vigente Lei de Organização Judiciária do Estado (Lei Complementar nº 17,<br />

de 23.01.97 – DOE de 15.4.97) é silente sobre essa matéria; considerando, por fim,<br />

a competência que lhe conferem os incisos I e LXI do art. 70 da citada Lei de Organização<br />

Judiciária; resolve:<br />

Art. 1º – A partir de 1º.10.2001, o horário de expediente forense na Comarca<br />

de Manaus (Fórum Ministro Henoch Reis, Juizados Especiais Cíveis e<br />

Criminais, Juizado da Infância e da Adolescência e Auditoria Militar) e nas Comarcas<br />

do interior do Estado, bem como o horário de expediente administrativo<br />

dos órgãos de apoio do <strong>Tribunal</strong> de Justiça, será único, das 08 às 14 horas, de<br />

segunda a sexta-feira.<br />

§ 1º – A vara do 9º Juizado Especial Cível e a Vara do 19º Juizado Especial<br />

Criminal de Manaus, por funcionarem no Posto de Atendimento ao Cidadão<br />

(PAC), no Shopping Center São José, na Zona Leste desta cidade, excepcionalmente,<br />

continuarão com os seguintes horários de expediente forense: segundafeira:<br />

de 12 às 18 horas; de terça a sexta-feira: de 10 às 16 horas.<br />

§ 2º – Os Escrivães do Judicial e Anexo das Comarcas do interior do Estado<br />

manterão serviços de atendimento à comunidade, em suas respectivas Serventias,<br />

concernentes às atividades notariais e registrais, e também, para recebimento de<br />

petições de advogados, Defensores Públicos e Promotores de Justiça, exclusivamente,<br />

para fins de contagem de prazo processual (§ 3º do art. 172 do CPC), no<br />

horário de 14 às 17 horas, de segunda a sexta-feira.<br />

§ 3º – A Diretora do Fórum Ministro “Henoch Reis”, nesta Capital, manterá<br />

serviço de recebimento de petições dos advogados, defensores públicos e promotores<br />

e curadores de Justiça, para posterior remessas às respectivas Varas, exclusivamente,<br />

para fins de contagem de prazo processual (§ 3º do art. 172 do CPC), no<br />

horário de 14 às 17 horas, de segunda a sexta-feira.<br />

Art. 3º – O horário de expediente dos Ofícios de Notas e Registros Públicos<br />

desta Capital continua sendo de 08 às 12 horas e das 14 às 17 horas, de segunda a<br />

sexta-feira.<br />

Art. 4º – Os Juizes de Direito das Comarcas do interior e desta Capital<br />

e Juiz de Direito Diretor do Fórum Ministro Henoch Reis, nos limites de suas<br />

respectivas circunscrições, ficam obrigados a fielmente cumprir, os horários de<br />

expediente fixados nos artigos anteriores, sob pena de responsabilidade funcional.<br />

Art. 5º – Fica a Corregedoria Geral de Justiça encarregada de fiscalização e<br />

controle do cabal cumprimento das disposições contidas nesta Portaria.<br />

Art. 6º – A presente Portaria entra em vigor na data de sua publicação, revogadas<br />

as disposições em contrário.


222<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Publique-se. Registre-se. Cumpra-se. Gabinete da Presidência do egrégio<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça, em Manaus, 18 de setembro de 2001. Desembargador Djalma<br />

Martins da Costa Presidente.<br />

(Fl. 18.)<br />

Sustenta o Autor, em síntese, que o ato impugnado apresenta caráter normativo,<br />

dado que, “na ausência de regramento acerca da matéria, tomou por<br />

apoio entendimento de que, na falta de preceito legal, caberia ao presidente do<br />

TJ legislar”, podendo, assim, submeter-se ao controle concentrado de constitucionalidade,<br />

nos termos da jurisprudência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (fl. 6).<br />

Alega que se registrou, na espécie, violação ao art. 5º, caput, da Carta<br />

Magna, visto que a referida portaria “quebrou ainda o princípio da isonomia,<br />

ao tratar os servidores do poder Judiciário do Estado do Amazonas de forma<br />

diversa daquela pela qual são tratados os servidores dos Poderes Legislativo e<br />

Executivo” (fl. 12).<br />

Afirma, também, que houve, igualmente, ofensa aos arts. 5º, II, e 37, caput,<br />

da Lei Maior, que agasalham o princípio da legalidade, visto que a matéria<br />

somente poderia ser regulada por lei formal.<br />

Assevera, ainda, que também foi malferido o art. 61, § 1º, II, c, da Lei<br />

Maior, porquanto a portaria impugnada, ao estabelecer o horário de funcionamento<br />

dos fóruns e do <strong>Tribunal</strong> de Justiça, na Capital e no interior do Estado, em<br />

verdade, acabou por interferir na jornada de trabalho dos funcionários do Poder<br />

Judiciário, usurpando, assim, a competência privativa do Chefe do Executivo no<br />

tocante à disciplina do regime jurídico dos servidores em geral (fl. 9).<br />

Por fim, assenta que o art. 96, I, a e b, da Constituição, embora estabeleça<br />

a competência dos Tribunais de Justiça para eleger seus órgãos diretivos e elaborar<br />

seus regimentos internos, bem como para organizar suas secretarias e serviços<br />

auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, não confere a estes o<br />

poder de regular a matéria tratada na portaria em questão (fl. 9).<br />

Solicitadas as informações (fl. 50), na forma do art. 12 da Lei 9.868/99, a<br />

Presidente do <strong>Tribunal</strong> de Justiça local informou, em suma, que aquela Corte,<br />

ao baixar o diploma normativo atacado levou em conta as condições climáticas e<br />

econômicas do Estado, aduzindo que o estabelecimento de horários diferenciados<br />

para o expediente forense constitui prática já utilizada por outros tribunais (fl. 57).<br />

Disse, ainda, que a decisão de modificar o horário de funcionamento da<br />

Justiça local resultou de discussão da qual participaram o então Presidente do<br />

<strong>Tribunal</strong>, os juízes de direito, membros do Ministério Público, da Defensoria<br />

Pública e da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, sendo que todos<br />

concordaram com a mudança, salvo o representante da OAB (fl. 58).<br />

Asseverou, também, que a portaria objeto da presente ação foi editada<br />

com base na autonomia administrativa que a Constituição <strong>Federal</strong>, em seu<br />

art. 96, caput, assegura ao Poder Judiciário, lembrando, mais, que o inciso I,<br />

alínea b, do mencionado dispositivo outorga aos tribunais a competência “para


R.T.J. — <strong>207</strong> 223<br />

organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem<br />

vinculados” (fl. 58).<br />

Por fim, sustenta que, ao contrário do alegado pelo autor, o ato impugnado<br />

tem caráter meramente regulamentar, “derivado do comando legal contido<br />

no art. 70, I, da lei de Organização Judiciária do Estado do Amazonas (Lei<br />

Complementar estadual nº 17, de 23.01.97)” (fls. 59-60).<br />

A Advocacia-Geral da União, reportando-se à interpretação dada pelo<br />

<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> ao art. 61, § 1º, II, c, da Constituição <strong>Federal</strong>, opinou<br />

pela inconstitucionalidade do diploma normativo em tela (fls. 69-74).<br />

No mesmo sentido, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela<br />

procedência desta ação direta de inconstitucionalidade (fls. 76-78).<br />

É o relatório, do qual serão expedidas cópias aos Exmos. Srs. Ministros.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Em primeiro lugar, registro<br />

que a portaria em causa, que dispõe sobre o horário de expediente forense<br />

nas comarcas da Capital e do interior do Estado do Amazonas, assim como dos<br />

órgãos de apoio do <strong>Tribunal</strong> de Justiça local, configura ato normativo de caráter<br />

autônomo, passível de impugnação por meio de ação direta, conforme já decidiu<br />

esta Corte (cf. ADI 349, Rel. Min. Marco Aurélio).<br />

Trata-se, basicamente, de verificar se o ato normativo impugnado, ao modificar<br />

o horário de expediente forense, usurpou a iniciativa reservada ao Chefe<br />

do Poder Executivo estadual para a instauração de processo legislativo em tema<br />

que diz respeito ao regime jurídico dos servidores públicos ou não.<br />

O <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> decidiu, na ADI 248/RJ, Relator o Ministro<br />

Celso de Mello, que “o regime jurídico dos servidores públicos, enquanto prerrogativa<br />

conferida pela Carta Política ao Chefe do Poder Executivo revela-se<br />

projeção específica do princípio da separação de poderes”.<br />

E, no tocante ao sentido da locução constitucional “regime jurídico dos<br />

servidores públicos”, o Ministro Celso de Mello, nos autos da ADI 766/RS, consignou<br />

o quanto segue:<br />

Trata-se, em essência, de noção que, em virtude da extensão de sua<br />

abrangência conceitual, compreende todas as regras pertinentes (a) às formas<br />

de provimento; (b) às formas de nomeação; (c) à realização do concurso; (d) à<br />

posse; (e) ao exercício, inclusive as hipóteses de afastamento, de dispensa de ponto<br />

e de contagem de tempo de serviço; (f) às hipóteses de vacância; (g) à promoção e<br />

respectivos critérios, bem como avaliação do mérito e classificação final (cursos,<br />

títulos, interstícios mínimos); (h) aos direitos e às vantagens de ordem pecuniária;<br />

(i) às reposições salariais e aos vencimentos; (j) ao horário de trabalho; (k) aos<br />

adicionais por tempo de serviço, gratificações, diárias, ajudas de custo e acumulações<br />

remuneradas; (l) às férias, licenças em geral, estabilidade, disponibilidade,


224<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

aposentadoria; (m) aos deveres e proibições; (n) às penalidades e sua aplicação; (o)<br />

ao processo administrativo.<br />

(Grifei.)<br />

Em caso semelhante ao da presente ação direta, o Plenário desta Suprema<br />

Corte, no julgamento da ADI 2.308/DF, Relator o Ministro Moreira Alves, suspendeu<br />

a eficácia da Resolução 4/00, do Órgão Especial do <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

do Estado de Santa Catarina, que modificou o horário de expediente forense da<br />

Secretaria do <strong>Tribunal</strong> de Justiça e dos juizados de primeiro grau catarinense.<br />

O acórdão então proferido possui a seguinte ementa:<br />

Ação direta de inconstitucionalidade. Medida Liminar. Resolução 04/00, de<br />

13 de junho de 2000, do Órgão Especial do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado de Santa<br />

Catarina que altera a jornada de trabalho dos servidores do <strong>Tribunal</strong> e da Justiça<br />

de primeiro grau do Estado.<br />

– Não há dúvida de que a Resolução em causa, que altera o horário de expediente<br />

da Secretaria do <strong>Tribunal</strong> de Justiça e da Justiça de primeiro grau do Estado<br />

de Santa Catarina, e que conseqüentemente reduz para seis horas, em turno único,<br />

a jornada de trabalho de todos os servidores de ambas, é ato normativo e tem caráter<br />

autônomo, porquanto dá como fundamento, para justificar a competência para<br />

tanto do Órgão Especial do <strong>Tribunal</strong> de Justiça, o disposto no art. 96, I, a e b, da<br />

Constituição <strong>Federal</strong> e no art. 83, III, da Constituição estadual.<br />

– Em exame sumário como é o compatível com pedido de concessão de<br />

liminar, é inegável a plausibilidade jurídica da argüição de inconstitucionalidade<br />

em causa, com base especialmente na alegação de ofensa aos arts. 5º, II, 37, caput<br />

(ambos relativos ao princípio da legalidade), 96, I, a e b (que versa a competência<br />

dos Tribunais) e 61, § 1º, II, c (que atribui competência exclusiva ao chefe do Poder<br />

Executivo para a iniciativa de lei relativa a regime jurídico do servidor público),<br />

todos da Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

– Por outro lado, é conveniente a suspensão da eficácia da resolução em<br />

apreço, não só pela relevância da argüição de inconstitucionalidade dela, mas<br />

também por causa do interesse do público em geral e, em particular, dos serviços<br />

administrativos do <strong>Tribunal</strong> e da justiça de primeiro grau com a não-redução da<br />

jornada de trabalho de todos os seus servidores.<br />

Liminar deferida para suspender, ex nunc e até o julgamento final desta<br />

ação, a eficácia da Resolução 04/00, de 13 de junho de 2000, do Órgão Especial do<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado de Santa Catarina.<br />

Noutro caso semelhante, decidido na ADI 2.400/SC, Relator o Ministro Ilmar<br />

Galvão, o STF suspendeu a eficácia de lei catarinense que modificou a jornada de<br />

trabalho dos servidores do Poder Judiciário local, em acórdão assim ementado:<br />

Ação direta de inconstitucionalidade. Medida cautelar. Lei 11.619, de 5 de<br />

dezembro de 2000, do Estado de Santa Catarina. Redução da jornada de trabalho<br />

dos servidores do Poder Judiciário estadual. Alegada violação ao art. 61, § 1º, II,<br />

c, da Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

Plausibilidade da alegação de ofensa ao dispositivo constitucional em referência,<br />

corolário do princípio da separação dos poderes, de observância imperiosa<br />

pelos Estados, conforme entendimento pacífico do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.


R.T.J. — <strong>207</strong> 225<br />

Medida cautelar deferida para suspensão provisória da eficácia do diploma<br />

sob enfoque.<br />

Este <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> tem assim decidido, por entender que a cláusula<br />

de reserva de iniciativa do processo legislativo, estabelecida na Carta<br />

Magna, excepciona o princípio geral da legitimação concorrente para o processo<br />

de formação das leis, configurando a sua inobservância vício formal de<br />

inconstitucionalidade.<br />

Não se trata, porém, no caso, exatamente da mesma questão, visto que<br />

a norma impugnada, embora altere o horário de trabalho dos servidores do<br />

Judiciário local, não altera a sua jornada de trabalho e, portanto, a rigor, não<br />

interfere com o respectivo regime jurídico.<br />

Como assentou o egrégio Plenário, diante o julgamento desta ação direta<br />

de inconstitucionalidade, a matéria regulada pela Portaria em questão pode<br />

ser disciplinada pelo <strong>Tribunal</strong>, no exercício da autonomia administrativa que a<br />

Carta Magna assegura ao Judiciário.<br />

Ocorre, porém, que a forma com que o tema foi tratado, ou seja, por portaria<br />

ao invés de resolução, em outras palavras, monocraticamente e não por meio<br />

de decisão colegiada, vulnera o art. 96, I, a e b, da Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

Isso posto, julgo procedente a presente ação direta para declarar inconstitucional<br />

a Portaria 954/01 do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado do Amazonas, por<br />

vício de natureza formal, conferindo efeitos ex nunc à decisão.<br />

É como voto.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Essa portaria não está dispondo sobre o<br />

funcionamento de órgãos jurisdicionais e administrativos no âmbito do próprio<br />

Poder Judiciário?<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): É no próprio âmbito do<br />

Poder Judiciário. Meditei muito sobre essa questão e realmente há precedentes<br />

muito específicos – esses que citei – sobre tal questão, estabelecendo que haveria<br />

um descompasso entre o funcionalismo pertencente ao Poder Executivo<br />

e ao Poder Legislativo local. Trago aqui um resumo, mas eu queria, se Vossas<br />

Excelências me permitirem, trazer à colação exatamente este trecho do voto do<br />

eminente Ministro Celso de Mello, em que Sua Excelência consigna, com muita<br />

clareza, o que é regime jurídico do funcionalismo público, ou dos servidores públicos,<br />

matéria cuja iniciativa pertence exclusivamente ao Chefe do Executivo.<br />

Diz o Ministro Celso de Mello:<br />

“Trata-se, em essência, de noção que, em virtude da extensão da sua abrangência<br />

conceitual, compreende todas as regras pertinentes: (a) às formas de provimento;<br />

(b) às formas de nomeação; (c) à realização do concurso; (d) à posse;<br />

(e) ao exercício, inclusive as hipóteses de afastamento, de dispensa de ponto e


226<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

de contagem de tempo de serviço; (f) às hipóteses de vacância; (g) à promoção e<br />

respectivos critérios, bem como avaliação do mérito e classificação final (cursos,<br />

títulos, interstícios mínimos); (h) aos direitos e às vantagens de ordem pecuniária;<br />

(i) às reposições salariais e aos vencimentos; (j) ao horário de trabalho;” – estou<br />

sublinhando aqui – “(k) aos adicionais por tempo de serviço, gratificações, diárias,<br />

ajudas de custo e acumulações remuneradas; (l) às férias, licenças em geral,<br />

estabilidade, disponibilidade, aposentadoria; (m) aos deveres e proibições; (n) às<br />

penalidades e sua aplicação;” – e, finalmente – “(o) ao processo administrativo.”<br />

Esse é o entendimento de S. Exa. no que diz respeito ao regime jurídico<br />

dos servidores públicos.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): A impressão que eu tenho é de<br />

que a distinção, no caso, é a de que a Portaria não se limitou a disciplinar o horário<br />

de expediente de atendimento ao público, mas adentrou a matéria de regime<br />

da jornada de trabalho que depende de lei.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): V. Exa. tem toda razão.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: O problema não seria apenas de competência.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Não, não seria apenas de competência,<br />

dependeria de lei também.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: É que a forma, o tipo legislativo para isso<br />

não poderia ser uma resolução.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Uma portaria está alterando a jornada<br />

de trabalho. Não se trata apenas de abrir o foro no expediente tal, chamado<br />

expediente externo, que o <strong>Tribunal</strong>, evidentemente, tem competência para regular.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Talvez pelo princípio da<br />

legalidade, além do relativo à isonomia, todas essas alegações foram feitas pela<br />

OAB federal e, em princípio, me parecem pertinentes.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Parece-me que a grande preocupação da<br />

petição inicial era com o jurisdicionado, que fica, portanto, mediante atos de um<br />

dos Poderes, suscetível quanto ao exercício dos seus direitos, daí por que, para<br />

isso, depende realmente de um tipo legislativo específico que dê segurança ao<br />

direito de quem faz uso desse serviço.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu entendo que o vício está no fato de se<br />

tratar de uma portaria, que é ato de decisão singular; se fosse uma resolução do<br />

próprio <strong>Tribunal</strong>, ato de decisão colegiada, a matéria se comportaria no art. 96,<br />

inciso I, alínea a, da Constituição e não haveria vício de inconstitucionalidade.<br />

Então eu me inclino para considerar inconstitucional pela usurpação de<br />

função do Colegiado, do <strong>Tribunal</strong>.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Há aspectos que, a meu ver, precisam ser<br />

considerados, e um deles diz respeito à autonomia administrativa do próprio


R.T.J. — <strong>207</strong> 227<br />

<strong>Tribunal</strong>. O Presidente do <strong>Tribunal</strong> o personifica e, na maioria das vezes, tem-se<br />

a submissão de portarias ao Colegiado. E, no caso, não há redução da jornada.<br />

Observa-se, em termos de prestação de serviços, a jornada corrida de seis horas.<br />

Essa prática é adotada inclusive, creio, no próprio <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Há um aspecto que me pareceu interessante,<br />

porque nessa portaria há um dispositivo, que é o art. 3º, que faz exatamente<br />

a ressalva no que concerne ao expediente forense para o recebimento de petições.<br />

Diz assim:<br />

A Diretora do Fórum Ministro “Henoch Reis”, nesta Capital, manterá serviço<br />

de recebimento de petições dos advogados, defensores públicos e promotores<br />

e curadores de Justiça, para posterior remessa às respectivas Varas, exclusivamente,<br />

para fins de contagem de prazo processual (§ 3º do art. 172 do CPC), no<br />

horário de 14 às 17 horas, de segunda a sexta-feira.<br />

Na realidade, o que me pareceu, como disse o Ministro Marco Aurélio,<br />

pelo que estou deduzindo, é que a portaria do Presidente regula o funcionamento<br />

do expediente administrativo do <strong>Tribunal</strong>. Ele não alcança o regime<br />

jurídico nem muda o horário da jornada de trabalho. A jornada de trabalho é a<br />

mesma, ele apenas regula o horário de funcionamento, e existem peculiaridades<br />

locais no Amazonas, no Pará, tanto isso que os fusos horários são diferentes.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: O horário dos servidores continua de seis horas.<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Continua seis horas. E ele ressalvou expressamente,<br />

com a devida cautela, a possibilidade de manter-se o respeito intangível<br />

aos prazos processuais. Eu não consigo visualizar, e tenho a impressão<br />

até mesmo que não conflita com o precedente do Ministro Celso de Mello, porque<br />

a preocupação do Ministro Celso de Mello foi exatamente a de conceituar<br />

o regime jurídico, e o horário evidentemente inclui-se no regime jurídico, se há<br />

modificação da jornada de trabalho, mas quando se trata apenas de regular o<br />

funcionamento do expediente administrativo do <strong>Tribunal</strong>, o <strong>Tribunal</strong> é competente,<br />

ele tem condições de fazer essa fixação, porque, se não fosse assim, nós<br />

estaríamos retirando do <strong>Tribunal</strong> a competência para estabelecer o seu expediente<br />

administrativo.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Apenas gostaria de terminar o voto.<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Desculpe, Ministro Marco Aurélio, por<br />

ter interrompido.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Imagina, V. Exa. trouxe achegas importantíssimas.<br />

Continuo acreditando que só devemos partir para a declaração de inconstitucionalidade<br />

de ato normativo abstrato quando o conflito seja evidente.<br />

Estamos aqui a discutir a matéria e estamos pensando muito, e devemos pensar<br />

muito, porque isso implica o bom funcionamento na administração do<br />

<strong>Tribunal</strong>. Já se tornou estreme de dúvidas que não houve o benefício maior


228<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

para os servidores quanto à redução da jornada de trabalho, que continua<br />

sendo a mesma, seis horas corridas. Isso se coaduna inclusive com o preceito<br />

da Constituição <strong>Federal</strong> relativo aos turnos ininterruptos, em que há seqüência<br />

do trabalho. Por isso penso que, até mesmo considerada a prática existente nos<br />

diversos tribunais do País quanto à regência do expediente administrativo, não<br />

se deve glosar essa portaria.<br />

Peço vênia para julgar improcedente o pedido formulado.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu só tenho dúvida se o modelo adequado de<br />

regência da matéria é a portaria ou se seria uma resolução do próprio <strong>Tribunal</strong>,<br />

um ato do <strong>Tribunal</strong>.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): É um ato do <strong>Tribunal</strong>, compete<br />

aos tribunais.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Porque está dito na Constituição que compete<br />

privativamente aos tribunais, art. 96, inciso I, alínea a.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Receio que dentro em pouco o Conselho<br />

<strong>Federal</strong> da Ordem dos Advogados do Brasil ajuíze ação contra ato da Presidência<br />

do <strong>Supremo</strong> relativamente ao funcionamento do protocolo.<br />

EXPLICAÇÃO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, na verdade estamos tratando,<br />

segundo o Ministro Carlos Britto, de uma agressão à Constituição feita<br />

pelo Presidente e não pelo <strong>Tribunal</strong>. Seria isso?<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Seria.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Eu quero só pontualizar duas questões que me<br />

parecem importantes. É que aí nós estamos diante da capacidade regimental.<br />

Não se trata de regulamento.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Não, é na parte final do artigo, dispondo<br />

sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e<br />

administrativos.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Mas através de regimento.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Não, regimento é a primeira parte. Esta é<br />

uma segunda parte do dispositivo.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: De todo modo, eu gostaria de deixar pontualizada<br />

circunstância que me parece importante: nós não estamos diante do exercício<br />

de capacidade regulamentar, mas de capacidade regimental, atribuída aos<br />

Tribunais, uma parcela da função normativa. Assim como o Poder Legislativo<br />

exerce outra parcela dessa função normativa, a função legislativa. Cabe uma<br />

parcela de função normativa ao Poder Judiciário, assim como cabe outra parcela<br />

da função normativa ao Legislativo. O Legislativo tem o monopólio da função<br />

legislativa, não da função normativa.


R.T.J. — <strong>207</strong> 229<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu admitiria se, nos considerandos da portaria,<br />

houvesse referência a uma decisão do <strong>Tribunal</strong>. Não há.<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Mas Ministro Carlos Ayres, se V. Exa.<br />

me permitir, como disse o Ministro Eros, isso é uma matéria da economia<br />

interna do <strong>Tribunal</strong>. O <strong>Tribunal</strong> pode dar competência ao Presidente para baixar<br />

esses atos. O que a Constituição fala é que compete aos Tribunais, mas<br />

não diz que compete ao órgão colegiado “A” ou ao órgão colegiado “B” ou ao<br />

Presidente. Ao meu sentir, o que me chamou a atenção é que, na realidade, o<br />

precedente que foi lembrado cuida da definição do regime jurídico. E, evidentemente,<br />

que o horário está incluído no regime jurídico. Não há a menor dúvida.<br />

E essa foi a cautela do Ministro Celso, mas, aqui, não há alteração do horário. O<br />

horário é o mesmo e, mais do que isso, como pode haver dificuldades, o próprio<br />

Presidente do <strong>Tribunal</strong>, nesta portaria, determinou uma providência indispensável<br />

para assegurar o cumprimento do disposto no Código de Processo Civil<br />

com relação ao recebimento de petições ou de ações. Então, me parece que nós<br />

vamos tirar uma competência que obedece às peculiaridades locais, mesmo porque,<br />

no Amazonas, há fuso horário diferente, há situação climática diferente e<br />

isso fica na alçada do Presidente ou do órgão do <strong>Tribunal</strong>, o que for, regular o<br />

funcionamento do expediente administrativo, desde que, como pôs o Ministro<br />

Celso de Mello, pelo menos na minha compreensão, não haja alteração do regime<br />

jurídico. O que quer dizer, no caso, não houve alteração do regime jurídico<br />

porque o horário de funcionamento, de trabalho, da jornada foi obedecido. Essa<br />

é a razão pela qual eu ponderaria sobre a necessidade de se fazer uma revisão no<br />

sentido de julgar constitucional a portaria do Presidente.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Senhor Presidente, peço<br />

a palavra. Na verdade, quando eu trouxe esta ação direta de inconstitucionalidade<br />

para julgamento do Plenário, eu vim – confesso a V. Exas. – sem grande<br />

convicção, porque o meu primeiro impulso foi exatamente o de coonestar esta<br />

portaria, entendendo exatamente que cabe aos tribunais regulamentar o horário<br />

do expediente forense em seus respectivos Estados. Entretanto não apenas me<br />

ative a esse precedente relatado pelo eminente Ministro Celso de Mello, que<br />

trata especificamente sobre a questão do Regime Jurídico, mas um específico,<br />

que é a ADI 2.308, relatada pelo Ministro Moreira Alves, que invalidou, em<br />

sede cautelar, uma resolução do órgão especial do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado<br />

de Santa Catarina, e não uma mera portaria.<br />

Mas penso que a discussão é extremamente oportuna, porque temos<br />

de resolver, agora, por este Plenário, a seguinte questão: são competentes os<br />

Tribunais de Justiça dos Estados para, por meio de resolução ou portaria, estabelecer<br />

os horários do expediente forense?<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Expediente forense, não. Estabelece o<br />

horário do expediente administrativo.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Sim, mas, por conseqüência,<br />

aqui, também, se estabelece, nesta portaria – se os Senhores verificarem – o<br />

expediente forense.


230<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sim, expediente forense.<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Claro, mas obedecido o regime do Código<br />

de Processo Civil, como está especificado.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Pois é, mas, também, o<br />

expediente forense. Esta é uma questão de caráter administrativo e relevante,<br />

inclusive nesse momento em que se criou o Conselho Nacional de Justiça. Esta é<br />

uma matéria que tem de ser deixada aos Tribunais de Justiça local, aos Tribunais<br />

Regionais do Trabalho e Federais, ou é uma matéria que tem de regulada em<br />

nível nacional? É uma questão que coloco.<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Ministro Celso, por essa razão é que, no<br />

art. 3º, ele mantém o horário de funcionamento dos cartórios.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Exatamente. O art. 3º mantém o horário de<br />

funcionamento das Serventias.<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Exatamente por esse aspecto.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: O horário de expediente “continua sendo<br />

de 08 às 12 horas e das 14 às 17 horas”.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, há um dado que talvez<br />

esteja escapando, e a meu ver é muito importante, e diz respeito àquilo que o<br />

Ministro Celso de Mello acaba de dizer. Aliás, o Ministro Marco Aurélio já havia<br />

dito. Se V. Exas. verificarem, esta portaria é do período em que nós tivemos a<br />

chamada “crise do apagão”. Ela é de 91, tanto que nos “considerandos” está assim:<br />

“O Desembargador Djalma Martins da Costa, Presidente do Egrégio Tri bunal<br />

de Justiça do Estado do Amazonas, no uso de suas atribuições legais, e considerando<br />

a presente necessidade de se racionalizar os gastos” – e aí faz a referência<br />

expressa – “com material, energia elétrica e pessoal (...)”<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Se pretendia economizar porque<br />

está diminuindo? Não seria expedida para manter um regime a título de<br />

economia.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: É isso o que estou dizendo. Diante de<br />

uma contingência, se nós não reconhecermos que o <strong>Tribunal</strong> há de ter competência<br />

para lidar com o seu funcionamento, tendo em vista as suas finalidades,<br />

tal como disse o Ministro Celso de Mello, parece-me que poderia engessar um<br />

pouco o Judiciário. Isso aqui veio por causa disso.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Quanto a isso, estou de pleno<br />

acordo com V. Exa. O que me parece é que isso foi motivo de objeção expressa<br />

na petição inicial.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Exatamente. Estamos de acordo.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): É que a petição inicial nega ao<br />

presidente do <strong>Tribunal</strong> de Justiça competência para isso. É textual a petição inicial,<br />

onde se transcrevem dois dispositivos do Regimento Interno – e isso não


R.T.J. — <strong>207</strong> 231<br />

foi contestado –, segundo os quais o presidente não tem competência para tanto.<br />

A Constituição é expressa quanto ao problema do autogoverno, não há dúvida:<br />

Art. 96. Compete privativamente:<br />

I – aos tribunais:<br />

a) eleger seus órgãos (...) dispondo sobre a competência e o funcionamento<br />

dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos.<br />

Ora, na verdade, a portaria dispõe textualmente sobre órgãos jurisdicionais,<br />

porque obriga textualmente o juiz a cumprir o horário, sob pena disciplinar.<br />

É textual:<br />

Art. 4º: (...) ficam obrigados a fielmente cumprir os horários de expediente<br />

fixados nos artigos anteriores, sob pena de responsabilidade funcional.<br />

Está, pois, dispondo sobre o funcionamento dos órgãos jurisdicionais. E,<br />

evidentemente, nos demais artigos, dispõe sobre o funcionamento dos órgãos<br />

administrativos. Diz mais, de apoio administrativo. Ora, horário dos órgãos de<br />

apoio administrativo, horário de expediente administrativo dos órgãos de apoio<br />

do tribunal.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Todo o texto é assim.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Exatamente. Noutras palavras, o<br />

Presidente do <strong>Tribunal</strong> é que tomou a iniciativa de dispor a respeito de matéria<br />

que, segundo a Constituição, embora fazendo parte do poder de autogoverno do<br />

Judiciário, compete ao <strong>Tribunal</strong>. A menos que o <strong>Tribunal</strong> tivesse delegado, por<br />

via regimental, ao Presidente do <strong>Tribunal</strong> o poder de regulamentar.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: É, nesse ponto, que fala no uso de suas<br />

atribuições legais.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Realmente, estou convencido,<br />

como o Ministro Marco Aurélio avançou, de que o <strong>Tribunal</strong> tem competência<br />

para fixar horário de expediente externo e interno.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Penso que essa é uma demarcação que tem<br />

de ser feita.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Desde que não altere a jornada<br />

de trabalho textualmente.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: V. Exa. me permite uma observação?<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Claro.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Quero voltar à minha observação anterior.<br />

Nós temos decidido seguidamente aqui, quando vem algum regulamento,<br />

em decisões monocráticas, que o problema não é de constitucionalidade, mas,<br />

sim, de legalidade. Aí não conhecemos da discussão.<br />

Ocorre, no caso, que a Constituição atribui o exercício da função regimental<br />

aos tribunais. E o que houve aí foi como se fosse um regulamento, algo que


232<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

complementa a lei e que, no caso, complementou indevidamente o que deveria<br />

ser o regimento.<br />

Tenho para mim, portanto, que estamos diante de um caso de afronta não<br />

à legalidade, mas ao regimento, à regimentalidade – se me for permitido o uso<br />

da expressão. E essa não é matéria a ser discutida no <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>,<br />

mas em outra instância. Isso não nos cabe.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas aqui diz com o autogoverno dos tribunais.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Mas segundo estou entendendo,<br />

pelo raciocínio de V. Exa. descumpre o art. 96, I, a.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Está descumprindo o art. 96, I, a. E a matéria<br />

é constitucional.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Meu Deus do céu! Estamos diante de um ato do<br />

próprio <strong>Tribunal</strong>, contra o próprio <strong>Tribunal</strong>, contra a regimentalidade do próprio<br />

<strong>Tribunal</strong>. Guardadas as devidas proporções e feito um paralelo, é como se o regulamento<br />

afrontasse a lei, ou a capacidade de dispor em matéria legal.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas o fundamento de validade é o art. 96, I,<br />

a, da Constituição.<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Ministro Peluso, veja que, na inicial, a<br />

Ordem dos Advogados brasileiros, na realidade, impugna especificamente a matéria<br />

objeto da portaria, que teria de ser matéria de lei. Essa é a impugnação central.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Mas podemos rejeitar o<br />

fundamento.<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Claro, mas essa é a impugnação central.<br />

É possível se rejeitar esse fundamento.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Por aí, não tenho dúvida em acompanhar. Mas se<br />

a questão for outra, não tenho dúvida nenhuma em insistir no meu ponto de vista.<br />

VOTO<br />

(Aditamento)<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, avanço o meu voto no<br />

sentido de assentar a inconstitucionalidade pela inadequação do ato singular<br />

com que o Presidente do <strong>Tribunal</strong> se manifestou – portaria –, deixando de fazêlo<br />

colegiadamente, deixando de ser um ato do <strong>Tribunal</strong> no rigor dos termos da<br />

Constituição. V. Exa. bem citou: art. 96, inciso I, alínea a.<br />

Com todas as vênias, é como voto.<br />

DEBATE<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Com todas as vênias – perdoe-me, Ministro<br />

Carlos Britto –, se esse ponto de vista prevalecer, daqui para frente, quando<br />

nos chegar um questionamento sobre algum regulamento, algum decreto, vou


R.T.J. — <strong>207</strong> 233<br />

examinar. Não vou remeter à instância que julga a legalidade. A questão, guardadas<br />

as proporções, é exatamente a mesma. Mas tudo bem.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Se bem entendi, mas não sou<br />

evidentemente intérprete do Ministro Carlos Britto, essa norma da Constituição<br />

foi ofendida diretamente, porque foi praticado ato por quem, pela Constituição,<br />

não tinha competência para fazê-lo.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: O parâmetro de controle é o art. 96, inciso I,<br />

alínea a.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Ou seja, trata-se de ofensa direta<br />

à Constituição, porque foi praticado ato em desacordo com a norma de competência<br />

prevista na Constituição.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: A Constituição impõe, para o trato dessa<br />

matéria, seja observado o princípio da colegialidade.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Eu até nem faria reparo, até<br />

porque provavelmente esta é a situação do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, a que o<br />

Regimento Interno tivesse atribuído ou delegado tal competência ao presidente<br />

do <strong>Tribunal</strong> para regular horário de Secretaria etc. Eu não teria nenhuma dúvida<br />

em acompanhar essa conclusão. Mas a petição inicial argüi exatamente o fato de<br />

que o Regimento Interno não delegou ao presidente competência para fazê-lo.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: E na portaria não há invocação do Regimento<br />

Interno.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Mas há nas informações.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Se me permitir o Ministro Carlos Britto, indago:<br />

esse é o único preceito da Constituição que atribui o exercício de competência<br />

normativa aos tribunais?<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: No caso, sim.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Mas eu não vejo se há outro.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): É sobre funcionamento de órgão<br />

jurisdicional e órgão administrativo. O autogoverno da magistratura está exatamente<br />

aí.<br />

O Sr. Ministro Celso De Mello: O núcleo do autogoverno da Magistratura<br />

concentra-se no art. 96 da Constituição da República.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): O núcleo do poder de autogoverno<br />

está aí.<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Quer dizer, fora dessa hipótese, a Constituição<br />

não atribui nenhuma outra competência normativa?<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Não, não atribui para dispor sobre<br />

funcionamento.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Ministro, V. Exa. viu as informações?


234<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Sim, fora essa.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, é porque, nas informações,<br />

está expresso que, diferentemente do que afirma o autor da ação direta<br />

de inconstitucionalidade, o mencionado ato impugnado tem caráter meramente<br />

regulamentar, “derivado do comando legal contido no art. 70, I, da Lei de<br />

Organização Judiciária do Estado do Amazonas (Lei Complementar estadual nº<br />

17, de 23.01.97)”, que tem a seguinte redação:<br />

Art. 70. Ao Presidente do <strong>Tribunal</strong> de Justiça compete:<br />

I – Superintender, na qualidade de Chefe do Poder Judiciário do Estado,<br />

todo o serviço da Justiça, velando pelo regular funcionamento de seus órgãos e<br />

pela observância (...)<br />

Isso está nas informações.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Pela lei, é só fiscalizar.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Sim, fiscalização. E eles é que interpretaram<br />

que isso era competência da Presidência.<br />

ESCLARECIMENTO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Senhor Presidente, quero<br />

apenas fazer algumas ponderações. Estou realmente muito sensibilizado pelos<br />

argumentos expendidos nesta tarde. Eu sempre me inclinei pela autonomia dos<br />

tribunais locais para regular matéria de economia interna.<br />

Mas apenas observo que – pincei aqui, porque li o meu voto em resumo – a<br />

autora, a Ordem dos Advogados do Brasil, diz o seguinte:<br />

“na ausência de regramento acerca da matéria, tomou-se por apoio” – ao ato<br />

impugnado – “entendimento de que, na falta de preceito legal, caberia ao presidente<br />

do TJ legislar”.<br />

Depois das informações prestadas pelo Presidente do TJ local, vê-se que<br />

essa norma nasceu de uma reunião com todos os interessados da comunidade<br />

jurídica, ou dos operadores do Direito, ou seja, de uma discussão da qual participaram<br />

o Presidente do <strong>Tribunal</strong>, juízes de Direito, membros do Ministério<br />

Público, membros da Defensoria Pública, a seccional local da Ordem dos<br />

Advogados do Brasil, sendo que todos teriam concordado, menos os representantes<br />

da OAB. Então, o Presidente certamente se arrogou o direito de solucionar<br />

a questão por iniciativa própria.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie: E menos os desembargadores também.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): O Presidente, então, em<br />

face dessa reunião, editou a portaria. Essa é a verdade.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): O que estou submetendo a V. Exas.,<br />

talvez fosse importante deixar fixado, é: primeiro, o <strong>Tribunal</strong> tem competência para<br />

regular essa matéria. No caso, essa competência não foi exercida pelo <strong>Tribunal</strong>.


R.T.J. — <strong>207</strong> 235<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: A Lei de Organização Judiciária do Estado<br />

do Amazonas atribui essa competência ao Presidente do <strong>Tribunal</strong> de Justiça?<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Não, é só para fiscalizar.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Pelo menos, o dispositivo que a Desembargadora<br />

cita aqui é que o princípio da colegialidade parece que não foi respeitado.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Esse é o fato que pode gerar inconstitucionalidade.<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Olha aqui, o art. 70, só para efeito de interpretação,<br />

da Lei Orgânica diz o seguinte:<br />

Art. 70 – Ao Presidente do <strong>Tribunal</strong> de Justiça compete:<br />

I – Superintender, na qualidade de Chefe do Poder Judiciário do Estado,<br />

todo o serviço da Justiça, velando pelo regular funcionamento de seus órgãos e<br />

pela observância do cumprimento do dever por parte dos Magistrados, serven tuários<br />

e servidores de justiça;<br />

(...)<br />

LXI – Exercer outras quaisquer atribuições mencionadas em Lei, neste<br />

Código ou no Regimento Interno;<br />

Esse é o texto da Lei Orgânica do Estado do Amazonas.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Eu vou pedir vênia ao Ministro Relator e<br />

ao eminente Ministro Peluso, mas vou insistir no raciocínio que antes desenvolvi.<br />

Entendo que não há inconstitucionalidade nem na perspectiva posta da<br />

competência do órgão colegiado, porque a distribuição constitucional referida<br />

aos Tribunais pode ser distribuída internamente, seja pelo regimento do<br />

<strong>Tribunal</strong>, seja pela Lei Orgânica. E não me parece que a expressão utilizada pela<br />

lei orgânica, com o verbo superintender, seja restritiva da capacidade que tem<br />

o Presidente do <strong>Tribunal</strong> de regular o funcionamento dos órgãos administrativos<br />

e, portanto, do expediente administrativo do <strong>Tribunal</strong>, mesmo porque, pelo<br />

menos na minha compreensão, trata-se, já foi aventado por outros eminentes<br />

Colegas nesta tarde, de matéria que alcança peculiaridade local, e o Presidente<br />

do <strong>Tribunal</strong> pode, dentro do espírito da lei orgânica e da própria expressão constitucional,<br />

entender de regular esse horário de funcionamento dos serviços de<br />

expediente, sem, é preciso que se diga, alterar a matéria relativa ao regime jurídico.<br />

Ou seja, no caso, não há essa alteração porque a carga horária foi mantida.<br />

Por essas razões é que eu peço vênia ao eminente Ministro Lewandowski<br />

para julgar improcedente a ação direta de inconstitucionalidade.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, vou pedir vênia para também<br />

acompanhar a divergência do Ministro Carlos Alberto Direito.


236<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Para mim a questão é muito simples e se resume no seguinte: os tribunais<br />

podem exercer função regimental. E isso está no âmbito da função regimental.<br />

Não houve nenhum excesso no caso.<br />

VOTO<br />

(Confirmação)<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, como antecipei voto,<br />

mantenho-me no sentido de consignar a inconstitucionalidade da portaria, tomando<br />

como parâmetro de controle da constitucionalidade desse modelo normativo<br />

o art. 96, inciso I, alínea a, da Constituição, consagrador do princípio do<br />

autogoverno dos tribunais.<br />

Logo, em homenagem ao princípio da colegialidade, a matéria deveria ser<br />

regrada por Resolução do <strong>Tribunal</strong> e não por Portaria de seu Presidente.<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, também eu vou pedir<br />

muitas vênias ao brilhante voto do Ministro Ricardo Lewandowski, mas vou<br />

acompanhar a divergência iniciada pelo eminente Ministro Menezes Direito,<br />

por entender não ter havido agressão ao princípio constitucional da legalidade,<br />

o que foi argüido, e que consta do voto.<br />

Na linha, portanto, da divergência, também julgo improcedente a pre sente<br />

ação.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, acompanho o eminente<br />

Relator, mas por outro fundamento. Entendo que há violação ao art. 96, I,<br />

a, da Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, é nesse mesmo sentido o<br />

meu voto, também por agressão ao art. 96, I, a, da Constituição.<br />

Entendo que a ação deva ser julgada procedente.<br />

VOTO<br />

(Confirmação)<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, adiantei o ponto de vista<br />

quando, de certa forma, contribuiu para a boa fundamentação de meu voto o<br />

Ministro Menezes Direito, no sentido de declarar a constitucionalidade. Por<br />

que o faço? Porque não posso vislumbrar, na referência genérica à atuação do<br />

<strong>Tribunal</strong>, o alcance de apanhar também atos administrativos que, no dia-a-dia,<br />

ficam a cargo daquele que personifica o <strong>Tribunal</strong>, que é o próprio Presidente.<br />

Não imagino Regimento Interno a disciplinar, consideradas as especificidades


R.T.J. — <strong>207</strong> 237<br />

locais, o funcionamento de Cartórios, de Varas. Essa atuação se faz a partir de<br />

ato realmente do administrador, que é o próprio Presidente do <strong>Tribunal</strong>.<br />

Não encontro na Constituição <strong>Federal</strong> preceito que possa ser cotejado com<br />

a portaria editada, a ponto de concluir-se pela inconstitucionalidade. Não há<br />

regência específica sobre o tema. A alusão à competência do <strong>Tribunal</strong> precisa<br />

ser sopesada considerando-se os casos concretos, e não estamos aqui a discutir<br />

ofício judicante em si. Estamos a discutir um ato – que inclusive tem a seu<br />

favor a presunção de merecimento quanto à atividade a ser desenvolvida pelos<br />

Cartórios – simplesmente administrativo.<br />

Por isso reafirmo o voto que proferi no sentido da improcedência do pedido<br />

inicial e da declaração, portanto, de constitucionalidade da Portaria. E se<br />

pega o enfoque mais rigoroso – porque a prática nos tribunais é esta, os atos<br />

são baixados pelo Presidente –, veremo-nos com uma série de ações diretas<br />

de inconstitucionalidade, quem sabe, inclusive, contra ato da Presidência do<br />

próprio <strong>Supremo</strong>.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Também vou pedir vênia aos<br />

eminentes Ministros que abriram a dissidência e acompanhar o eminente<br />

Relator, julgando procedente a ação, sobretudo porque, do ponto de vista da objeção<br />

suscitada pelo Ministro Eros Grau, acho que seria, realmente, de algum<br />

modo compreensível não fosse a existência da norma inscrita no inciso b, onde<br />

há uma disposição ainda mais textual que diz competir aos tribunais:<br />

b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhe<br />

forem vinculados, (...)<br />

Em outras palavras, trata-se de organização dos serviços administrativos<br />

e jurisdicionais. E, aqui, no caso, por norma expressa o presidente do <strong>Tribunal</strong><br />

regulou até o horário de funcionamento dos órgãos jurisdicionais e, até, cominou<br />

responsabilidade disciplinar aos magistrados que descumprissem a nova<br />

regulamentação.<br />

Razão por que, pedindo vênia a todos esses votos dissidentes, acompanho<br />

o eminente Relator e julgo procedente a ação.<br />

EXPLICAÇÃO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Senhor Presidente, peço a<br />

palavra só para dizer que farei consignar em meu voto tudo o que foi discutido<br />

aqui, sobretudo este aspecto importantíssimo que é a faculdade de autogoverno<br />

dos tribunais, ou melhor, que o tema se insere na faculdade de autogoverno dos<br />

tribunais, desde que a decisão seja colegiada: a disciplina do horário de trabalho<br />

dos juízes e servidores, bem como o horário de trabalho, inclusive, dos juizados<br />

e das demais repartições judiciais.


238<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

PROPOSTA<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Agora, por uma questão não<br />

apenas de cautela, mas sobretudo legal, penso que o <strong>Tribunal</strong> teria de fixar a<br />

eficácia dessa decisão, para que não se vá anular eventualmente ou dar pretexto<br />

para anular qualquer ato praticado. A meu ver, a eficácia teria de ser ex nunc.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Bem lembrado. Eu não<br />

objetaria a isso.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Acho que seria a solução, porque,<br />

se não, vamos dar pretexto para argüir nulidade de atos praticados etc.<br />

VOTO<br />

(Sobre proposta)<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, tenho sustentado invariavelmente<br />

que há o vício a partir da edição do próprio ato no que conflitante com a<br />

Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

Peço para me manter fiel a esse entendimento.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

ADI 2.907/AM — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Requerente:<br />

Conselho <strong>Federal</strong> da Ordem dos Advogados do Brasil (Advogados: Marcelo<br />

Rocha de Mello Martins e outros). Requerido: Presidente do <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

do Estado do Amazonas.<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por maioria, julgou procedente a ação direta, nos<br />

termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Menezes<br />

Direito, Cármen Lúcia e Eros Grau. Em seguida, o <strong>Tribunal</strong> deliberou emprestar<br />

eficácia ex nunc à declaração de inconstitucionalidade, vencido o Ministro<br />

Marco Aurélio. Votou o Presidente. Ausente, justificadamente, o Ministro<br />

Gilmar Mendes (Presidente). Presidiu o julgamento o Ministro Cezar Peluso<br />

(Vice-Presidente).<br />

Presidência do Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Presentes à sessão<br />

os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Carlos Britto,<br />

Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes<br />

Direito. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva<br />

de Souza.<br />

Brasília, 4 de junho de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


R.T.J. — <strong>207</strong> 239<br />

AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO 3.066 — RN<br />

Relator: O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski<br />

Agravante: Estado do Rio Grande do Norte — Agravado: Juiz de Direito<br />

da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal (Ação Ordinária<br />

001.99.001345-7) — Interessados: Antonio Heriberto de Brito ou Antonio<br />

Eriberto de Brito e outros)<br />

Agravo regimental em reclamação. Vencimentos. Servidor<br />

público estadual. URV. Inaplicabilidade do entendimento sedimentado<br />

na ADI 1.797/PE. Limitação temporal. Impossibilidade.<br />

Agravo improvido.<br />

I – O objeto da ADI 1.797/PE é ato administrativo restrito<br />

aos membros e servidores do <strong>Tribunal</strong> Regional do Trabalho<br />

(6ª Região), matéria estranha à debatida nestes autos. Ausência<br />

de identidade material. Precedente: Rcl 2.916/RN, Rel. Min.<br />

Gilmar Mendes.<br />

II – O entendimento firmado na ADI 1.797/PE foi superado<br />

no julgamento da ADI 2.323-MC/DF, Rel. Min. Ilmar<br />

Galvão, pois não se trata de reajuste ou aumento de vencimentos.<br />

Incabível, portanto, a limitação temporal.<br />

III – Agravo regimental improvido.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro<br />

Cezar Peluso (Vice-Presidente), na conformidade da ata do julgamento e das notas<br />

taquigráficas, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, negar provimento<br />

ao recurso de agravo. Ausentes, justificadamente, os Ministros Gilmar<br />

Mendes (Presidente), Celso de Mello, Ellen Gracie e Menezes Direito e, neste<br />

julgamento, o Ministro Joaquim Barbosa.<br />

Brasília, 25 de junho de 2008 — Ricardo Lewandowski, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de agravo regimental interposto<br />

pelo Estado do Rio Grande do Norte contra decisão do Min. Carlos<br />

Velloso, à época Relator, que negou seguimento à presente reclamação proposta<br />

contra decisão do Juiz de Direito da 13º Vara da Fazenda Pública da Comarca de<br />

Natal/RN que, em ação ordinária, determinou a implantação imediata do índice<br />

de 11,98%, referente à conversão de URV, na remuneração dos interessados.<br />

Em sua fundamentação, sustentou o Ministro Relator que não seria cabível<br />

a reclamação, tendo como fundamento a afronta à ADI 1.797/PE.<br />

Irresignado, o Estado do Rio Grande do Norte interpôs o presente recurso<br />

de agravo regimental.


240<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

À fl. 175, concedi vista à Procuradoria-Geral da República, que se manifestou<br />

nos seguintes termos:<br />

O agravo regimental é tempestivo, o que impõe seu conhecimento. Quanto<br />

ao mérito, contudo, não merece prosperar.<br />

Conforme já ressaltado pelo Ministro Relator (fls. 142/144), a ADI 1.797 não<br />

tem aplicabilidade ao presente caso.<br />

Naquele julgamento, este <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> apreciou uma decisão<br />

administrativa do <strong>Tribunal</strong> Regional do Trabalho da 6º Região (Recife/PE), que<br />

estendeu a seus servidores e magistrados a diferença remuneratória de 11,98%,<br />

decorrente de erro verificado na conversão de cruzeiros reais em URV.<br />

Outro, porém, é o caso aqui versado. A decisão impugnada nesta reclamatória<br />

é a do Juízo de Direito do Estado do Rio Grande do Norte. Apesar de o tema<br />

de fundo guardar semelhança com a matéria debatida na ADI 1.797 – conversão<br />

do valor dos vencimentos dos servidores públicos de cruzeiro real para URV –<br />

constata-se que o provimento reclamado buscou fundamento em ato normativo diverso<br />

daquele impugnado na ação direta sob comento, até mesmo porque a decisão<br />

administrativa ali questionada tem incidência restrita aos membros e servidores<br />

do TRT da 6ª Região.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Bem reexaminada a questão,<br />

verifica-se que a decisão não merece reforma, visto que a agravante não aduz<br />

novos argumentos capazes de afastar as razões expendidas na decisão ora atacada.<br />

Como consignado na decisão agravada, o objeto da ADI 1.797/PE é um ato<br />

administrativo restrito aos membros e servidores do <strong>Tribunal</strong> Regional do Trabalho<br />

(6ª Região), matéria estranha à debatida nestes autos. Desse modo, não há identidade<br />

material entre a decisão reclamada e o acórdão apontado como paradigma.<br />

Nesse sentido é a jurisprudência deste <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong>. Transcrevo, aqui,<br />

trecho da decisão proferida na Rcl 2.916/RN, pelo Rel. Min. Gilmar Mendes:<br />

Trata-se de reclamação, com pedido liminar, proposta pelo Estado do Rio<br />

Grande do Norte em face de decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Fazenda<br />

Pública da Comarca de Natal/RN que, nos autos do Processo 001.99.014982-0, em<br />

suposta afronta a autoridade de decisão proferida por este excelso pretório, teria<br />

determinado a imediata implantação do índice de 11,98% sobre os vencimentos dos<br />

autores, servidores públicos estaduais, decorrente da conversão da URV, sem levar<br />

em consideração as devidas compensações e sem estabelecer qualquer limite temporal<br />

para tanto. Visa o Reclamante a garantir a autoridade das decisões do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, assegurada no art. 102, inciso I, alínea l, da Constituição Fe deral,<br />

em especial aquela proferida nos autos da ADI 1.797-0/PE, cuja eficácia e integridade<br />

estariam sendo comprometidos com a manutenção da decisão reclamada.<br />

(...)<br />

No caso em análise, a decisão judicial que determinou a incorporação do<br />

índice de 11,98% aos vencimentos dos servidores do Estado do Rio Grande do<br />

Norte foi proferida com base na Lei 8.880/94, ato normativo distinto do que foi<br />

declarado inconstitucional na ADI 1.797/PE. Ademais, é de se observar que, na


R.T.J. — <strong>207</strong> 241<br />

ADI 1.797/PE, a decisão administrativa objeto de controle tinha incidência restrita<br />

aos membros e servidores do <strong>Tribunal</strong> Regional do Trabalho da 6ª Região, com<br />

jurisdição apenas sobre o Estado de Pernambuco. Portanto, apesar da similitude<br />

entre matérias, não se pode invocar, no presente caso, afronta à decisão proferida<br />

pelo STF na ADI 1.797/PE. No mesmo sentido, arrolo os seguintes precedentes<br />

desta Corte: Rcl 2.990-RN, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 5-4-05; Rcl<br />

3.742/RN, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 28-9-05; Rcl 2.967-MC/RN, Rel. Min.<br />

Carlos Britto, DJ de 29-11-04; Rcl 3.098/RN, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 11-<br />

3-05. Assim sendo, nego seguimento à presente reclamação, (RISTF, art. 21, § 1º),<br />

ficando cassada a liminar anteriormente deferida.<br />

(Grifo nosso.)<br />

Ademais, o entendimento firmado na ADI 1.797/PE foi superado no julgamento<br />

da ADI 2.323-MC/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, uma vez que não se trata<br />

de reajuste ou aumento de vencimentos. O acórdão recebeu a seguinte ementa:<br />

Ação direta de inconstitucionalidade. Objeto: decisão do conselho de administração<br />

do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, de 4-10-00, que aprovou a incorporação,<br />

aos vencimentos básicos dos servidores da referida Corte, da diferença de<br />

11,98%. Fundamento: alegada ofensa ao princípio da legalidade e aos arts. 96,<br />

II, b; e 169, ambos da Constituição <strong>Federal</strong>. Ausência de relevância do fundamento<br />

da inicial. Plausibilidade do entendimento de que a diferença em destaque<br />

resultou de erro – que o ato impugnado visou corrigir – no critério de conversão<br />

dos respectivos valores, de Cruzeiros Reais em URV (Unidades Reais de Valor),<br />

verificado em abril de 1994. Medida cautelar indeferida.<br />

Isso posto, nego provimento ao agravo regimental.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

Rcl 3.066-AgR/RN — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Agravante:<br />

Estado do Rio Grande do Norte (Advogados: PGE/RN – Idálio Campos<br />

e outros). Agravado: Juiz de Direito da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca<br />

de Natal (Ação Ordinária 001.99.001345-7). Interessados: Antonio Heriberto de<br />

Brito ou Antonio Eriberto de Brito e outros (Advogados: Helder Manoel Lopes<br />

de Souza e outros).<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por unanimidade e nos termos do voto do Relator,<br />

negou provimento ao recurso de agravo. Ausentes, justificadamente, os Ministros<br />

Gilmar Mendes (Presidente), Celso de Mello, Ellen Gracie, Menezes Direito<br />

e, neste julgamento, o Ministro Joaquim Barbosa. Presidiu o julgamento o Ministro<br />

Cezar Peluso (Vice-Presidente).<br />

Presidência do Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Presentes à sessão<br />

os Ministros Marco Aurélio, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau,<br />

Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral da República, Dr.<br />

Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.<br />

Brasília, 25 de junho de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


242<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.895 — SP<br />

Relator: O Sr. Ministro Menezes Direito<br />

Requerente: Governador do Estado de São Paulo — Requerida: Assembléia<br />

Legislativa do Estado de São Paulo<br />

Lei estadual. Proibição de máquinas caça-níqueis, de videobingos,<br />

de videopôquer e assemelhadas. Inconstitucionalidade.<br />

Precedentes da Suprema Corte.<br />

1. Esta Suprema Corte já assentou que a expressão “sistema<br />

de sorteios” constante do art. 22, XX, da Constituição <strong>Federal</strong><br />

alcança os jogos de azar, as loterias e similares, dando interpretação<br />

que veda a edição de legislação estadual sobre a matéria,<br />

diante da competência privativa da União.<br />

2. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro<br />

Cezar Peluso, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />

por maioria de votos, julgar procedente a ação direta, nos termos do voto<br />

do Relator.<br />

Brasília, 4 de junho de 2007 — Menezes Direito, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Ação direta de inconstitucionalidade<br />

proposta pelo Governador do Estado de São Paulo “em relação à Lei estadual<br />

nº 12.519, de 02 de janeiro de 2007, que proíbe a instalação, utilização, manutenção,<br />

locação, guarda ou depósito de máquinas caça-níqueis, de videobingo,<br />

videopôquer e assemelhadas, em bares, restaurantes e similares” (fl. 2).<br />

Alega o Requerente que:<br />

(...)<br />

1) Aos 02 de janeiro de 2007, tendo em vista a rejeição do veto oposto pelo<br />

Governador do Estado ao Projeto de Lei nº 184, de 2003, de iniciativa parlamentar,<br />

veio a ser promulgada, pelo Presidente da Assembléia Legislativa, em 02 de<br />

janeiro de 2007, a Lei 12.519, do seguinte teor:<br />

“O Presidente da Assembléia Legislativa:<br />

Faço saber que a Assembléia Legislativa decreta e eu promulgo, nos<br />

termos do art. 28, § 8º, da Constituição do Estado, a seguinte lei:<br />

Art. 1º Ficam proibidas a instalação, utilização, manutenção, locação,<br />

guarda ou depósito de máquinas caça-níqueis, de videobingo, de videopôquer<br />

e assemelhadas, em bares, restaurantes e similares.


R.T.J. — <strong>207</strong> 243<br />

§ 1º Persiste a proibição de que trata o caput, quanto à guarda ou ao<br />

depósito, ainda que o referido equipamento esteja desligado, desativado,<br />

incompleto ou desmontado.<br />

§ 2º A desobediência a esta lei acarretará ao estabelecimento ou a<br />

seus responsáveis legais, solidariamente obrigados, a aplicação de multa,<br />

além da expropriação das máquinas.<br />

§ 3º Em caso de máquinas caça-níqueis alugadas, sublocadas, arrendadas<br />

ou cedidas em comodato ou regime de parceria, os proprietários do<br />

equipamento sofrerão as mesmas sanções previstas no § 2º.<br />

Art. 2º As despesas decorrentes da aplicação desta lei correrão à<br />

conta das dotações próprias, consignadas no orçamento vigente.<br />

Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.<br />

Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, aos 2 de janeiro de 2007.<br />

a) Rodrigo Garcia – Presidente<br />

Publicada na Secretaria da Assembléia Legislativa do Estado de São<br />

Paulo, aos 2 de janeiro de 2007.<br />

a) Marco Antonio Hatem Beneton – Secretário Geral Parlamentar.<br />

2. Reveste-se a referida lei, no seu todo, de inconstitucionalidade, sob mais<br />

de um enfoque, quais sejam,<br />

a) vício material, pela invasão da competência legislativa privativa da União<br />

<strong>Federal</strong>; e<br />

b) vício formal, por não assistir ao Estado-Membro competência administrativa<br />

para fiscalizar as atividades lotéricas e de bingos.<br />

I – Da viabilidade do imediato processamento da presente ação<br />

3. Conquanto a lei estadual ora em análise já tenha sido objeto de outra<br />

ação direta de inconstitucionalidade, sob nº 3.850, promovida pela ABRESI –<br />

Associação Brasileira de Gastronomia, Hospitalidade e Turismo, à qual foi negado<br />

seguimento por despacho da I. Ministra Ellen Gracie, encontrando-se os autos<br />

conclusos ao Relator para apreciação do agravo regimental interposto, inexiste<br />

impedimento ao seguimento da presente ação.<br />

4. Constitui entendimento dessa Colenda Suprema Corte que nos casos em<br />

que houver ajuizamento de duas ou mais ações declaratórias de inconstitucionalidade,<br />

cujo objeto de impugnação seja o mesmo, dar-se-á o apensamento das ações<br />

subseqüentes àquelas anteriormente ajuizadas, para efeito de seu julgamento simultâneo.<br />

Nesse sentido, os julgamentos proferidos nas ADI 1.298-3, 1.460-9 e 1.287-7.<br />

5. Ademais, embora o objeto da presente ação coincida com o da anteriormente<br />

proposta, são diversos, em sua fundamentação jurídica, os dispositivos<br />

constitucionais maculados.<br />

6. Mormente, sob o ponto de vista prático, da mais efetiva proteção do interesse<br />

público, entre aguardar-se o processamento do recurso interposto e promover-se<br />

o imediato ajuizamento da presente ação, é de bom alvitre que se o faça, para<br />

ser evitada a obrigatoriedade de regulamentação do diploma estadual questionado.<br />

II – Da invasão da competência privativa da União <strong>Federal</strong><br />

7. Detém a União <strong>Federal</strong> competência privativa para legislar sobre determinadas<br />

matérias. Como ensina Ives Gandra Martins:<br />

“As competências podem ser privativas, concorrentes e comuns. Nas<br />

competências privativas apenas aquele poder enunciado, constitucionalmente,<br />

pode exercê-la. Nas concorrentes as diversas esferas atuantes podem<br />

dela usar, mas no conflito prevalece a da União sobre Estados e Municípios


244<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

e dos Estados sobre os Municípios. Nas competências comuns, todos podem<br />

atuar sem necessidade de prevalência, em face de conflito não se colocar.<br />

(...)<br />

O art. 22 não cuida nem de competência concorrente, nem de competência<br />

comum. Cuida da competência privativa para legislar.”<br />

8. Assim, a Constituição <strong>Federal</strong>, no art. 22, inciso XX, estabelece a competência<br />

privativa do Poder Central para dispor sobre sistemas de consórcios e<br />

sorteios. Elenca, a seguir, no art. 195, inciso III, a receita de concursos sobre prognósticos<br />

como uma das contribuições destinadas a custear a seguridade social,<br />

que será financiada, precipuamente, mediante recursos provenientes dos orçamentos<br />

da União, dos Estados, do Distrito <strong>Federal</strong> e dos Municípios.<br />

9. Paralelamente, cabe à União, com exclusividade, legislar sobre direito penal,<br />

ex vi do disposto no inciso I do mesmo artigo. No âmbito da legislação federal, a Lei<br />

das Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.668, de 3 de outubro de 1941), no Capítulo<br />

VII, dedicado às contravenções relativas à polícia de costumes, tipifica no art. 50, sob<br />

a rubrica jogo de azar, a conduta de “estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar<br />

público ou acessível ao público, mediante pagamento de entrada ou sem ele”.<br />

10. Considera-se jogo de azar, conforme define o § 3º, alínea a, do citado<br />

dispositivo da LCP, “o jogo em que o ganho e a perda dependam exclusiva e<br />

principalmente da sorte”. Nesse sentido, refere Guilherme de Souza Nucci, na<br />

obra Leis penais e processuais penais comentadas, 2006: RT, p. 172 e ss., que “o<br />

bingo eletrônico é considerado, igualmente, jogo de azar” (STJ, AgRg na Medida<br />

Cautelar 10.784-RS, 2ª T., Castro Meira v.u., 13-12-2005).<br />

11. Ainda, o Decreto-Lei nº 6.259, de 10 de fevereiro de 1944, que dispõe<br />

sobre o serviço de loterias, apresenta disposições pertinentes sobre a matéria:<br />

Art. 3º A concessão ou exploração lotérica, como derrogação das<br />

normas do Direito Penal, que proíbem o jogo de azar, emanará sempre da<br />

União, por autorização direta quanto à loteria federal, ou mediante decreto<br />

de ratificação quanto a loterias estaduais.<br />

Art. 32 Mantida a situação atual, na forma do disposto no presente<br />

Decreto-Lei, não mais será permitida a criação de loterias estaduais.<br />

§ 1º As loterias estaduais atualmente existentes não poderão aumentar<br />

as suas emissões, ficando limitadas às quantidades do bilhete e séries em<br />

vigor na data de publicação deste Decreto-Lei.<br />

12. Posteriormente, a Lei federal 8.672, de 6 de julho de 1993, denominada<br />

“Lei Zico”, instituiu normas gerais sobre o desporto, e, a título de angariar recursos<br />

para o seu fomento, autorizou, em seu art. 57, as entidades de direção e de prática<br />

desportiva filiadas a entidades de administração, mediante credenciamento na<br />

Secretaria da Fazenda da respectiva Unidade da Federação, a realização de sorteios<br />

na modalidade denominada Bingo, ou similar, conferindo ao órgão competente de<br />

cada Estado e do Distrito <strong>Federal</strong> a pertinente normatização e fiscalização.<br />

13. Pouco depois, porém, a Lei federal 9.615, de 24 de março de 1998, denominada<br />

“Lei Pelé”, instituindo normas gerais sobre desporto, veio a revogar,<br />

expressamente, em seu art. 96, a denominada “Lei Zico”. A matéria relativa ao<br />

Bingo era tratada em seu Capítulo IX, arts. 59 a 98, que ficaram revogados, a partir<br />

de 31 de dezembro de 2001, pelo art. 2º da Lei federal 9.981, de 14 de julho de<br />

2000, “respeitando-se as autorizações que estiverem em vigor até a data da sua<br />

expiração”. Instituiu, ainda, o parágrafo único desse artigo que:<br />

“Parágrafo único – Caberá ao Indesp o credenciamento das entidades e à<br />

Caixa Econômica <strong>Federal</strong> a autorização e a fiscalização da realização dos jogos<br />

de bingo, bem como decisão sobre a regularidade das prestações de contas.”


R.T.J. — <strong>207</strong> 245<br />

14. Nesse ínterim, o art. 17 da Medida Provisória 2.216-37, de 31 de agosto<br />

de 2001, veio conferir nova redação ao art. 59 da Lei federal 9.615, de 1998:<br />

Art 59. A exploração de jogos de bingo, serviço público da competência<br />

da União, será executada, direta ou indiretamente, pela Caixa<br />

Econômica <strong>Federal</strong> em todo o território nacional, nos termos desta Lei e do<br />

respectivo regulamento.<br />

15. A jurisprudência desse Excelso Pretório, reiteradamente, vem reconhecendo<br />

a inconstitucionalidade das legislações estaduais que dispõem sobre bingos,<br />

a exemplo do julgamento do <strong>Tribunal</strong> Pleno, em 3-3-05, da ADI 2.948/MT,<br />

em que foi Relator o Min. Eros Grau:<br />

Ementa: ação direta de inconstitucionalidade. § 2º do art. 62 da Lei<br />

7.156/99 do Estado do Mato Grosso. Instalação e operação de máquinas eletrônicas<br />

do jogo de bingo naquele Estado-Membro. Matéria afeta à competência<br />

privativa da União. Inconstitucionalidade formal. 1. A Constituição<br />

do Brasil determina expressamente que compete à União legislar sobre<br />

sistemas de consórcios e sorteios (art. 22, inciso XX). 2. A exploração de<br />

loterias constitui ilícito penal. Nos termos do disposto no art. 22, inciso I, da<br />

Constituição, lei que opera a migração dessa atividade do campo da ilicitude<br />

para o campo da licitude é de competência privativa da União. 3. Pedido de<br />

declaração de inconstitucionalidade julgado procedente.<br />

16. Diante desse quadro, é inarredável concluir-se que o Estado-Membro<br />

não detém competência para legislar sobre sorteios, que assiste, privativamente, à<br />

União <strong>Federal</strong> (CF, 22, inciso XX), nem, tampouco, consoante decorre do art. 22,<br />

inciso I, da CF, para dispor sobre a repressão aos jogos de azar, por constituir matéria<br />

afeta ao direito penal.<br />

III – Da inconstitucionalidade formal<br />

17. A considerar-se, ad argumentandum, que a fiscalização atribuída ao<br />

Estado dar-se-ia em nível administrativo – também sob esse prisma a inovação legislativa<br />

reverteria em inconstitucionalidade, de cunho formal, eis que a atividade<br />

lotérica Bingo, expressamente definida como “serviço público federal”, passou a<br />

ser dependente de concessão ou autorização do Poder Público federal, não remanescendo<br />

na ordem jurídica qualquer delegação em favor dos Estados-Membros em<br />

termos de normatividade ou fiscalização nesse campo (CF, 22, parágrafo único).<br />

18. Atualmente, sequer a Caixa Econômica <strong>Federal</strong>, indicada como órgão<br />

autorizador dessa atividade lotérica, é detentora de qualquer competência, salvo<br />

quanto às concessões porventura vigentes, uma vez que a Medida Provisória<br />

2.049-37/00 apenas fez referência ao dispositivo legal revogado pela “Lei Pelé”<br />

(art. 59), sem nada declarar acerca do restabelecimento de sua vigência.<br />

(Fls. 2 a 11.)<br />

O Ministro Sepúlveda Pertence aplicou a norma do art. 12 da Lei 9.868/99,<br />

tecendo as seguintes considerações:<br />

Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida<br />

liminar, da Lei estadual 12.519, de 2 de janeiro de 2007, do Estado de São Paulo,<br />

que proíbe a instalação, utilização, manutenção, locação, guarda ou depósito de<br />

máquinas caça-níqueis, de videobingo, videopôquer e assemelhadas, em bares,<br />

restaurantes e similares.<br />

Alega-se, em suma, invasão da competência legislativa privativa da União<br />

e incompetência administrativa do Estado para fiscalizar as atividades lotéricas e<br />

de bingos.


246<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Certo, a matéria é objeto da Súmula Vinculante 2, posterior à vigência<br />

da lei impugnada – o que afasta a hipótese de reclamação constitucional (CF,<br />

art. 103-A) –, e que tem o seguinte teor:<br />

“É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha<br />

sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.”<br />

Realmente, a súmula, na sua concepção original, a não ser a sua eficácia argumentativa,<br />

esgotava os seus efeitos no processo interno do <strong>Tribunal</strong>. Era, como<br />

dizia o saudoso mestre Victor Nunes Leal, “um método de trabalho” no <strong>Supremo</strong>.<br />

A profícua experiência na aplicação do entendimento sumulado aos casos<br />

idênticos – conferindo maior celeridade e segurança à prestação jurisdicional – influenciou<br />

o constituinte derivado, após mais de uma década de tormentosa discussão,<br />

a adotar o instituto – agora com novo plexo de eficácia – como forma de solução para<br />

as dificuldades resultantes da convivência de dois sistemas de controle de constitucionalidade,<br />

em época de abarrotamento de processos no <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.<br />

Mas a auspiciosa vinculação dos órgãos do Poder Judiciário e da administração<br />

pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, ao entendimento<br />

sumulado não se aplica, por óbvio, em relação ao <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.<br />

É que, se assim fosse, a revisão ou o cancelamento de uma súmula vinculante<br />

– previstos no art. 103-A da Constituição – se tornariam uma impossibilidade<br />

lógica.<br />

Ademais, a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo por<br />

órgão colegiado exige a observância da reserva de plenário (CF, art. 97).<br />

Certo, o parágrafo único do art. 481, do Código de Processo Civil, prevê a<br />

possibilidade de dispensa desse princípio nos demais Tribunais se já houver decisão<br />

incidental do <strong>Supremo</strong> declaratória da inconstitucionalidade da lei ou do ato<br />

normativo de que se cuida.<br />

Não é o caso: a Súmula Vinculante 2 não cuida do objeto desta ação direta<br />

de inconstitucionalidade (Lei estadual 12.519/07); a norma determinada a que se<br />

refere é o inciso XX do art. 22 da Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

Daí porque a eventual aplicação do entendimento sumulado não prescinde<br />

do atendimento ao rito processual previsto na Lei da Ação Direta de<br />

Inconstitucionalidade.<br />

Assim, nos termos do art. 12, da Lei 9.868/99, que aplico ao caso:<br />

a) Requisitem-se informações em 10 dias;<br />

b) Manifestem-se o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da<br />

República, sucessivamente, em 5 dias.<br />

(ADI 3.895-MC/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence.)<br />

O Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo prestou<br />

informações nos termos seguintes:<br />

(...)<br />

Do direito<br />

Quanto aos dispositivos de índole constitucional que o Requerente entende<br />

vulnerados, cumpre assinalar que os pontos abordados e discutidos na inicial envolvem,<br />

fundamentalmente, os limites de atuação legiferante do Estado-Membro.<br />

De plano, insta consignar que ao proibir “a instalação, utilização, manutenção,<br />

locação, guarda ou depósito de máquinas caça-níques, de videobingo,<br />

videopôquer e assemelhadas” o Estado de São Paulo não se infiltrou em âmbito de<br />

atuação legiferante da União <strong>Federal</strong>, posto que a normatização então atacada não


R.T.J. — <strong>207</strong> 247<br />

cuida da regulamentação dos “sistemas de consórcios e sorteios”, tampouco traz à<br />

colação normas de índole penal.<br />

Em verdade, a lei em apreço cuida de matéria concernente a danos causados<br />

ao consumidor, bem como à proteção e a defesa da saúde, temas estes<br />

considerados pela Lex Fundamentalis como de competência concorrente entre os<br />

entes da Federação (art. 24, VIII e XII, da Constituição <strong>Federal</strong>).<br />

Ora, é inegável que a prática compulsiva do bingo traz graves danos à saúde<br />

da população, que muitas vezes inebriada com possíveis ganhos patrimoniais,<br />

mesmo que de pequena monta, ingressam estágio de patologia.<br />

Acerca do assunto pronunciou-se com excelência, em artigo publicado em<br />

revista da Faculdade Paulista de Medicina, o médico psiquiatra do Ambulatório do<br />

Jogo Patológico, Marcelo Fernandes, o qual desvendou que “o jogo patológico é uma<br />

doença reconhecida pela Organização Mundial da Saúde desde 1992 e caracteriza-se,<br />

em linhas gerais, pela incapacidade de controlar o hábito de jogar, a despeito de problemas<br />

– financeiros, familiares, profissionais, etc. – decorrentes desse comportamento”.<br />

Ressaltou, na mesma ocasião, que “a fissura de um jogador compulsivo<br />

pelo jogo pode ser maior que a de um cocainômano pela cocaína”.<br />

Segundo elementos extraídos do estudo supra mencionado verificou-se que<br />

nos últimos anos os “dois únicos ambulatórios públicos que tratam do problema,<br />

ambos na capital paulista, Amjo (Ambulatório do Jogo)-HC e Proad (Programa de<br />

Orientação e Assistência a Dependentes)-UNIFESP”, constataram um “aumento<br />

significativo na procura por tratamento [...] além de uma mudança no perfil dos<br />

pacientes. Parece estar ocorrendo uma democratização do problema com aumento<br />

no número de mulheres, bem como de pessoas de classes socioeconômicas mais<br />

baixas. Outro dado comum nos dois ambulatórios é o aumento do bingo como<br />

jogo de preferência, passando de 65% em 1998 para cerca de 90% no último<br />

ano, deixando loterias, videopôquer, turfe e caça-níqueis em segundo plano<br />

na preferência dos jogadores”.<br />

[...] “Essa curva ascendente coincide com outro ‘boom’: o crescimento<br />

do número de casas de bingo. Desde sua instituição com a Lei Zico, em 1993,<br />

não param de crescer. Em 1993, havia 150 casas no país. Atualmente (2003) já<br />

chegam a 1.100, sendo 430 em São Paulo”.<br />

Como visto, no caso em tela é alarmante a questão de saúde pública, sendo,<br />

pois, de competência dos Estados-Membros.<br />

Com efeito, sob qualquer ângulo que se queira enfrentar a questão, patente<br />

que a Lei 12.519/2007, do Estado de São Paulo, só pode ser interpretada como<br />

fonte de prescrições dirigidas, essencialmente, à defesa da saúde e do consumidor.<br />

Assim, decorre da competência legislativa aqui apontada a necessidade de<br />

o Estado-Membro impor seu poder coercitivo na regulamentação das matérias de<br />

sua competência constitucionalmente fixada.<br />

Nesse caso, a multa, criada pela indigitada lei, não decorre da regulamentação<br />

de crime – o que indicaria uma matéria de “direito penal” de competência<br />

da União –, mas de natureza administrativa imposta pelo Estado-Membro para<br />

“fazer valer” seu poder coercitivo.<br />

Da impossibilidade de concessão de liminar.<br />

Caso este Egrégio <strong>Tribunal</strong> entenda necessário apreciar pedido de liminar,<br />

como demonstrado nos tópicos anteriores, seu pedido padece da plausibilidade<br />

jurídica autorizadora da medida liminar (fumus boni iuris).<br />

Em sede de ação direta de inconstitucionalidade, a concessão de medida<br />

cautelar requer, em princípio, a presença dos mesmos requisitos das demais


248<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

medidas de urgência: deve, portanto, ser concedida somente quando a dilatio temporis<br />

do processo poderá acarretar um prejuízo atual irreparável.<br />

Para Clémerson Merlin Cleve:<br />

“O STF define a medida cautelar como providência excepcional, devendo<br />

a excepcionalidade da medida ser considerada como um expressivo<br />

fator limitativo de sua concessão. Afinal, os atos estatais gozam da presunção<br />

juris tantum da legitimidade (rectius constitucionalidade).<br />

Exige o STF, para a concessão da medida cautelar, a satisfação simultânea<br />

de certos requisitos, que se apressam, (a) na plausibilidade jurídica da<br />

tese exposta (fumus boni juris), (b) na possibilidade de prejuízo decorrente<br />

do retardamento da decisão postulada (periculum in mora), (c) na irreparabilidade<br />

ou insuportabilidade dos danos emergentes dos próprios atos<br />

impugnados e (d) na necessidade de garantir a ulterior eficácia da decisão.<br />

(A fiscalização abstrata de constitucionalidade. 2ª ed. São Paulo: Revista<br />

dos Tribunais, p. 159/160).”<br />

Permissa venia, estes requisitos não estão presentes nesta ação direta.<br />

Alegações referentes única e exclusivamente à tese jurídica, por si só, não<br />

servem, em princípio, ao embasamento de tese judicial para a obtenção de medida<br />

liminar, e muito menos no campo do processo objetivo do controle de constitucionalidade,<br />

dada a generalidade de sua abrangência e profundo interesse<br />

público presente nessa jurisdição constitucional.<br />

Não se demonstrou nenhum prejuízo efetivo. Ao contrário, prejuízo advirá,<br />

para a população do Estado de São Paulo, se a lei impugnada vier a ser suspensa.<br />

Dessa forma, seja por qual prisma se analise a questão, não seria recomendável<br />

diagnosticar a concessão da medida liminar.<br />

Conclusão<br />

De todo o exposto, tem-se, em sede de conclusão, que não se encontram configurados,<br />

na presente ação, os requisitos legais para concessão da liminar requerida.<br />

Requer-se, destarte, seja indeferido o pedido de liminar para suspensão dos<br />

efeitos da Lei estadual 12.519, de 2 de janeiro de 2002.<br />

Por outro lado, caso Vossas Excelências entendam por bem antecipar a<br />

decisão de mérito e julgar definitivamente a ação, nos termos do art. 12 da Lei<br />

9.868/99, requer seja o pedido julgado improcedente.<br />

(Fls. 37 a 41.)<br />

O Dr. José Antonio Dias Toffoli, Advogado-Geral da União, manifesta-se<br />

pela procedência da ação com base na orientação firmada nesta Corte, assim:<br />

A presente controvérsia limita-se a identificar se a proibição quanto à instalação,<br />

utilização, manutenção, locação, guarda ou depósito de máquinas caçaníqueis,<br />

de videobingo, videopôquer e assemelhadas, em bares, restaurantes e<br />

similares, é da competência legislativa dos Estados-Membros. Todavia, em que<br />

pese a nobre intenção do legislador estadual, o diploma mostra-se inconstitucional,<br />

por disciplinar matéria de competência privativa da União.<br />

De início, cumpre destacar que a lei ora impugnada, embora disponha em<br />

sentido contrário das costumeiramente analisadas por essa Excelsa Corte, possui<br />

natureza idêntica a elas. É que, da mesma forma que as normas estaduais autorizadoras<br />

de jogos de azar, seja na forma de loterias, bingos, equipamentos caçaníqueis,<br />

videobingo, videopôquer e assemelhados, o diploma que os coíbe, em<br />

bares, restaurantes e assemelhados, versará igualmente sobre sistema de sorteios.


R.T.J. — <strong>207</strong> 249<br />

Assim, apesar do tratamento divergente da Lei 12.519/2007, do Estado de<br />

São Paulo, a identidade do ramo do direito é razão suficiente para tornar aplicáveis,<br />

ao caso dos autos, os argumentos relativos à inconstitucionalidade formal,<br />

por usurpação da competência da União de que trata o art. 22, XX, da Carta de<br />

1988, havidos nas ADIs 2847/DF, 2996/SC, 3183/MS, 3259/PA e 3060/GO, que<br />

declararam ilegítimas as leis estaduais autorizadoras de jogo.<br />

Segundo os precedentes, o termo “sorteios”, localizado no inciso XX do<br />

art. 22 da Constituição <strong>Federal</strong>, há de ser entendido de forma ampla. Quando do<br />

julgamento da ADI 2847/DF, o Min. Carlos Britto, acompanhando o voto do Min.<br />

Carlos Velloso, Relator, asseverou que o vocábulo representa<br />

“um gênero de toda e qualquer competição para obtenção de prêmio,<br />

seja em dinheiro, seja em bens de outra natureza, com desembolso de recursos<br />

por parte do competidor ou, então, pela sua adesão a regras de propaganda<br />

comercial, contanto que o resultado pró ou contra dependa do acaso;<br />

isto é, fique à mercê do fado ou destino, ora exclusiva, ora preponderante”.<br />

Na ocasião, conforme explica o voto do Min. Relator, verificou-se que “as<br />

loterias estão abrangidas pela terminologia sorteios”.<br />

A partir daí, esse Excelso Pretório reconheceu que a norma contida na Carta<br />

de 1988 compreende diversas espécies, como loterias e bingos, aproximando o<br />

conceito de sorteios ao de jogos de azar, em quaisquer de suas formas. Assim,<br />

seja qual for a modalidade de jogo, apenas a União tem competência legislativa na<br />

seara. Conforme destaca a seguinte passagem do voto do Min. Celso de Mello, na<br />

já citada ADI 2847/DF, verbis:<br />

“(...) A experiência jurídica do Estado brasileiro, especialmente a<br />

partir da década de 90, tem revelado, de modo bastante expressivo, ser da<br />

União <strong>Federal</strong> – e desta apenas – a competência para legislar, disciplinar<br />

e regular, no plano normativo, o tema pertinente aos jogos de bingo (ou a<br />

quaisquer outras modalidades de jogos cujos resultados se mostrem aleatórios,<br />

porque unicamente dependentes do acaso), à sua exploração, ao<br />

credenciamento, autorização e fiscalização das entidades que os promovem<br />

e à instalação e operação, em salas próprias, de máquinas eletrônicas programadas<br />

para a exploração dos referidos jogos de bingos.<br />

(...)<br />

Cumpre-me ressaltar, finalmente, como precedentemente enfatizado,<br />

que a prática institucional do Estado brasileiro tem sempre reconhecido incluirse,<br />

na esfera de competência do Poder Central a possibilidade de dispor, normativamente,<br />

dentre outros tipos de jogos, sobre cartas de jogar, jogos de azar,<br />

jogos lícitos carteados, cassinos, loterias, bingos ou similares, por exemplo.<br />

(...)<br />

Desse modo, Senhor Presidente – e consideradas, de um lado, a competência<br />

privativa da União para legislar sobre serviços lotéricos, jogos,<br />

apostas, bingos e sorteios (CF, art. 22, XX) e, de outro, a evidência histórica<br />

de que essa competência tem sido sempre exercida pelas instâncias centrais<br />

de Poder –, não vejo como reconhecer, presente esse contexto, competência<br />

aos Estados-Membros ou ao Distrito <strong>Federal</strong> para legislar em tema de quaisquer<br />

modalidades de jogos ou das atividades por mim referidas.”<br />

Assim, sob tais fundamentos, o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> declarou a inconstitucionalidade<br />

formal das leis estaduais que regulamentavam a exploração<br />

de bingos, loterias, caça-níqueis:<br />

“Constitucional. Loterias. Leis 1.176/96, 2.793/01, 3.130/03 e 232/92,<br />

do Distrito <strong>Federal</strong>. C.F., art. 22, I e XX. I – A Legislação sobre loterias é


250<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

da competência da União: C.F., art. 22, I e XX. II. – Inconstitucionalidade<br />

das Leis Distritais 1.176/96, 2.793/01, 3.130/03 e 232/92. III. – ADI julgada<br />

procedente”<br />

(ADI 2.847/DF; Rel. Min. Carlos Velloso; Julgamento: 5-8-04; DJ de<br />

26-11-04);<br />

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 6.570/03 do Estado do Pará.<br />

Serviços de loterias. Regras de exploração. Sistemas de consórcios e sorteios<br />

e Direito Penal. Competência exclusiva da União para legislar sobre a matéria.<br />

Inconstitucionalidade. 1. Ao mencionar ‘sorteios’ o texto da Constituição<br />

do Brasil está aludir ao conceito de loteria. Precedente. 2. Lei estadual que<br />

disponha sobre espécies de sorteios usurpa competência exclusiva da União.<br />

3. Flagrante incompatibilidade entre a lei paraense e o preceito veiculado pelo<br />

art. 22, inciso X, da CB/88. 4. A exploração de loterias constitui ilícito penal.<br />

A isenção à regra que define a ilicitude penal da exploração da atividade vinculada<br />

às loterias também consubstancia matéria de Direito Penal. Compete<br />

privativamente à União legislar sobre Direito Penal – art. 22, inciso I, CB/88.<br />

5. Pedido de declaração de inconstitucionalidade procedente”<br />

(ADI 3.259/PA; Rel. Min. Eros Grau; Julgamento: 16-11-05; DJ de 24-2-06);<br />

“1. Ação direta de inconstitucionalidade: Lei estadual 11.348, de 17<br />

de janeiro de 2000, do Estado de Santa Catarina, que dispõe sobre serviço<br />

de loterias e jogos de bingo: inconstitucionalidade formal declarada, por<br />

violação do art. 22, XX, da Constituição <strong>Federal</strong>, que estabelece a competência<br />

privativa da União para dispor sobre sistemas de sorteios. 2.<br />

Não está em causa a Lei estadual 3.812/99, a qual teria criado a Loteria<br />

do Estado de Santa Catarina, ao tempo em que facultada, pela legislação<br />

federal, a instituição e a exploração de loterias pelos Estados membros.”<br />

(ADI 2.996/SC; Rel. Min. Sepúlveda Pertence; Julgamento: 10-8-06; DJ de<br />

29-9-06);<br />

“Ação direta de inconstitucionalidade. Loterias e bingos do Estado<br />

de Mato Grosso do Sul. Violação do art. 22, XX, da Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

Vício de competência. Inconstitucionalidade. Precedentes. São inconstitucionais,<br />

por ofensa à competência da União para legislar sobre sistema de<br />

consórcios e sorteios (art. 22, XX, da Constituição federal), os decretos que<br />

compõem o sistema normativo regulamentador do serviço de loterias e bingos<br />

no estado de Mato Grosso do Sul. Precedentes. Ação direta de inconstitucionalidade<br />

julgada procedente.”<br />

(ADI 3.183/MS; Rel. Min. Joaquim Barbosa; Julgamento: 10-8-06; DJ de<br />

20-10-06);<br />

“Ação direta de inconstitucionalidade: Lei estadual 7.416, de 10 de<br />

outubro de 2003, do Estado da Paraíba, que dispõe sobre serviço de loterias<br />

e jogos de bingo: inconstitucionalidade formal declarada, por violação do<br />

art. 22, XX, da Constituição <strong>Federal</strong>, que estabelece a competência privativa<br />

da União para dispor sobre sistemas de sorteios.”<br />

(ADI 3.277/PB; Rel. Min. Sepúlveda Pertence; Julgamento: 2-4-07; DJ de<br />

25-5-07);<br />

“Ação direta de inconstitucionalidade: Lei estadual 13.639/00 – com<br />

a redação dada pela Lei estadual 13.672/00 - do Estado de Goiás, que dispõe<br />

sobre modalidades lotéricas e congêneres, dentre as quais os bingos<br />

(inciso IV, § 2º, art. 1º) e as máquinas caça-níqueis (inciso V, § 2º, art. 1º):<br />

inconstitucionalidade formal declarada, por violação do art. 22, XX, da


R.T.J. — <strong>207</strong> 251<br />

Constituição <strong>Federal</strong>, que estabelece a competência privativa da União para<br />

dispor sobre sistemas de sorteios.”<br />

(ADI 3.060/GO; Rel. Min. Sepúlveda Pertence; Julgamento: 3-5-07; DJ de<br />

1º -6-07);<br />

É importante destacar que, nos precedentes acima, as leis declaradas inconstitucionais<br />

buscavam regulamentar não somente bingos e loterias, mas também<br />

videoloterias, termo que abrange, por exemplo, caça-níqueis e videobingos.<br />

Por tais razões, recentemente, o Min. Sepúlveda Pertence, Relator da ADI<br />

3.277/PB, em seu voto-condutor do acórdão, afirmou que:<br />

“Pacificou-se – malgrado a divergência do Ministro Marco Aurélio –<br />

entendimento de que incumbe privativamente à União legislar sobre ‘sistema<br />

de sorteios’, o que – conforme demonstrou o Ministro Britto no<br />

julgamento da ADI 2.847 (5-8-04, DJ de 26-11-04) – envolve a regulação<br />

substancial das modalidades de sorteio, dos direitos, deveres e responsabilidades<br />

daí decorrentes.”<br />

Consolidando o entendimento do Egrégio <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> sobre a<br />

matéria, foi aprovada, em sessão plenária de 30-5-07, a Súmula Vinculante 2, nos<br />

seguintes termos, verbis:<br />

“É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha<br />

sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.”<br />

No caso dos presentes autos, a lei impugnada tem o propósito de censurar<br />

o jogo em estabelecimentos do Estado de São Paulo, através da proibição do uso<br />

e da circulação de máquinas caça-níqueis, de videobingo, videopôquer e assemelhadas.<br />

Entretanto, apesar da nobre intenção do legislador, a matéria em questão,<br />

como se verificou exaustivamente ante os precedentes acima, é de índole federal.<br />

A partir da orientação fixada, pelo Excelso Pretório, acerca do conteúdo jurídico<br />

do inciso XX do art. 22 da Carta Política, é de se concluir que, tal como norma<br />

estadual que autoriza e regulamenta o jogo de azar, a lei que o coíbe também deve<br />

ser tida formalmente inconstitucional, na medida em que adentra em assunto a ser tratado<br />

somente pelo ente central. Seja num ou noutro sentido, o fato é que tais leis terminam<br />

por versar sobre sistemas de sorteio, seara legislativa imprópria aos Estados.<br />

Assim, do mesmo modo que a regulamentação intentada por outras unidades<br />

foi declarada inconstitucional, por usurpação da competência da União, também<br />

deve selo a lei estadual que proíbe expressamente a exploração de máquinas de jogos.<br />

Por fim, esclareça-se que, no exercício de sua competência privativa para<br />

legislar sobre sistemas de sorteio, a União editou as Leis 9.615, de 24 de março de<br />

1998, e 9.981, de 14 de julho de 2000, bem como o Decreto 3.659, de 14 de novembro<br />

de 2000, confirmando o interesse do Ente central na matéria.<br />

Ante o exposto, por não observar os limites estabelecidos no art. 22, XX,<br />

da Constituição da República, verifica-se vício insuperável de natureza formal na<br />

Lei 12.519/07, do Estado de São Paulo, razão porque deve ser declarada inválida.<br />

(Fls. 45 a 51.)<br />

Opina o Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, Procurador-<br />

Geral da República, pela procedência da ação direta de inconstitucionalidade<br />

mediante os seguintes fundamentos:<br />

(...)<br />

12. A lei paulista impugnada, por ser estadual, infringe a Constituição da<br />

República, que, no seu art. 22, inciso XX, confere competência privativa à União<br />

para legislar sobre “sistemas de consórcios e sorteios”.


252<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

13. Assim, o Estado de São Paulo usurpou competência constitucionalmente<br />

atribuída à União, visto que na noção de sorteios compreendem-se os jogos<br />

de máquinas caça-níqueis, de videobingo, de videopôquer e assemelhadas. É que,<br />

como se sabe, o conceito de sorteios abrange toda espécie de jogo cujo resultado<br />

dependa do acaso.<br />

14. Dito isso, é necessário registrar que o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> decidiu,<br />

em diversas oportunidades, que somente à União cabe legislar sobre tema ligado a<br />

sorteios – ADI’s 3.183, 2.690, 2.847, 2.995, 3.148, 3.189, 3.293, 3.063, 3.060, 2.996,<br />

3.147, 3.277, 3.259 e 2.948.<br />

15. Com efeito, é deste modo que vem decidindo a Corte:<br />

“Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade: Lei estadual<br />

13.639/00 – com a redação dada pela Lei estadual 13.672/00 – do Estado<br />

de Goiás, que dispõe sobre modalidades lotéricas e congêneres, dentre as<br />

quais os bingos (inc. IV, § 2º, art. 1º) e as máquinas caça-níqueis (inciso<br />

V, § 2º, art. 1º): inconstitucionalidade formal declarada, por violação do<br />

art. 22, XX, da Constituição <strong>Federal</strong>, que estabelece a competência privativa<br />

da União para dispor sobre sistemas de sorteios” (ADI 3.060, Ministro<br />

Sepúlveda Pertence, j. 3-5-07, DJ de 1º -6-07).<br />

16. A iterativa manifestação desta Corte deu ensejo à edição da recente<br />

Súmula Vinculante 2, segundo a qual “[é] inconstitucional a lei ou ato normativo<br />

estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive<br />

bingos e loterias”.<br />

17. É bem verdade que, nas oportunidades em que o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> se<br />

deparou com o tema em exame, analisou leis estaduais que autorizavam a realização<br />

de sorteios, diferentemente do que ocorre com a que ora se impugna, que<br />

a proíbe. Mas, em ambas as hipóteses, a natureza da matéria tratada é a mesma,<br />

conforme frisou o Advogado-Geral da União. Vale dizer que o tema ‘sorteios’ está<br />

presente tanto na lei que permite a sua realização quanto na que veda, e que tal<br />

constatação é suficiente para atrair, em ambos os casos, a competência legislativa<br />

privativa da União.<br />

18. A orientação firme e refletida da Corte Suprema deveria bastar para se<br />

verem aperfeiçoados os comportamentos estatais travados nessa seara. Ocorre,<br />

contudo, que o tema em questão é espinhoso, não pela reflexão jurídica que impõe,<br />

mas pela insistente e reiterada manifestação normativa de vários estados da<br />

Federação. Por isso, há a necessidade, ainda, como se vê em mais este caso, de se<br />

provocar a Corte pelo processo de controle concentrado.<br />

19. Por fim, é de se concluir que a lei estadual impugnada, por dispor sobre<br />

matéria concernente a sorteios, padece de inconstitucionalidade formal, porquanto<br />

invade a competência privativa constitucionalmente conferida à União<br />

para legislar sobre o tema – art. 22, inciso XX, da Lei Maior.<br />

(Fls. 55 a 57.)<br />

É o relatório, que deverá ser distribuído aos demais Senhores Ministros.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: O Governador do Estado de São Paulo<br />

ajuizou ação direta de inconstitucionalidade de lei de iniciativa legislativa que<br />

proibiu a instalação, utilização, manutenção, locação, guarda ou depósito de


R.T.J. — <strong>207</strong> 253<br />

máquinas caça-níqueis, de videobingo, de videopôquer e assemelhadas em bares,<br />

restaurantes e similares, ainda que o equipamento esteja desligado, desativado,<br />

incompleto ou desmontado, ao argumento da existência de vícios formais<br />

e materiais. Estabeleceu também a possibilidade de aplicação de multa e de<br />

expropriação dos equipamentos em caso de desobediência.<br />

Aplicado o art. 12 da Lei 9.868, de 1999, por decisão do eminente Ministro<br />

Sepúlveda Pertence, chegaram as informações do Presidente da Assembléia<br />

Legislativa do Estado de São Paulo e as manifestações do Advogado-Geral da<br />

União e do Procurador-Geral da República.<br />

O Dr. José Antônio Dias Toffoli manifestou-se pelo conhecimento e pelo<br />

seu provimento da ação ao fundamento de que a competência para legislar sobre a<br />

matéria é da União. Indicou precedentes desta Suprema Corte em torno do art. 22,<br />

I, da Constituição <strong>Federal</strong>, trazendo, ainda, a Súmula 2 para apoiar seu pronunciamento.<br />

Diz o ilustre Advogado-Geral que a “lei impugnada tem o propósito de<br />

censurar o jogo em estabelecimento do estado de São Paulo, através da proibição<br />

do uso e da circulação de máquinas caça-níqueis, de video bingo, videopôquer e<br />

assemelhadas. Entretanto, apesar da nobre intenção do legislador, a matéria em<br />

questão, como se verificou exaustivamente ante os precedentes acima, é de índole<br />

federal” (fl. 50) Ademais, prossegue o Dr. Toffoli, a “partir da orientação fixada<br />

pelo Excelso Pretório, acerca do conteúdo jurídico do inciso XX do art. 22 da<br />

Carta Política, é de se concluir que, tal como norma estadual que autoriza e regulamenta<br />

o jogo de azar, a lei que o coíbe também deve ser tida como formalmente<br />

inconstitucional, na medida em que adentra em assunto a ser tratado somente<br />

pelo ente central. Seja num ou noutro sentido, o fato é que tais leis terminam por<br />

versar sobre sistema de sorteio, seara legislativa imprópria aos Estados” (fl. 50).<br />

Finalmente, afirma que, “no exercício de sua competência privativa para legislar<br />

sobre sistema de sorteio, a União editou as Leis 9.615, de 24 de março de 1998, e<br />

9.981, de 14 de julho de 2000, bem como o Decreto 3.659, de 14 de novembro de<br />

2000, confirmando o interesse do ente central na matéria” (fl. 50).<br />

O eminente Procurador-Geral da República opinou pela procedência do<br />

pedido. O Dr. Antonio Fernando considerou violado o art. 22, XX, da Cons ti tuição<br />

<strong>Federal</strong>, ao argumento de que o “Estado de São Paulo usurpou competência<br />

constitucionalmente atribuída à União, visto que na noção de sorteios compreendem-se<br />

os jogos de máquinas caça-níqueis, de videobingo, de videopôquer e assemelhadas.<br />

É que, como se sabe, o conceito de sorteios abrange toda espécie de<br />

jogo cujo resultado depende do acaso” (fl. 55). Destacou o Dr. Antonio Fernando<br />

que “nas oportunidades em que o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> se deparou com o tema em<br />

exame, analisou leis estaduais que autorizavam a realização de sorteios, diferentemente<br />

do que ocorre com a que ora se impugna, que a proíbe. Mas, em ambas as<br />

hipóteses, a natureza da matéria é a mesma, conforme frisou o Advogado-Geral<br />

da União. Vale dizer que o tema ‘sorteios’ está presente tanto na lei que permite a<br />

sua realização quanto na que veda, e que tal constatação é suficiente para atrair,<br />

em ambos os casos, a competência legislativa privativa da União” (fl. 56).


254<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Fácil perceber que a questão gira em torno da interpretação que se possa<br />

dar ao art. 22, XX, da Constituição <strong>Federal</strong>, que estabelece a competência privativa<br />

da União para legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios. As manifestações<br />

do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República<br />

avançaram para reconhecer que a disciplina proibitiva da lei estadual sob exame<br />

está nos limites da regra constitucional, ou seja, oferecem interpretação ampla<br />

ao termo “sorteios”, que abrangeria o jogo eletrônico na linhagem dos bingos e<br />

das máquinas de caça-níqueis.<br />

De fato, esta Suprema Corte tem andado nesse tema ampliando o conceito<br />

de sorteios para alcançar os jogos de azar. Veja-se, a propósito, o que se assentou<br />

na ADI 2.995/PE (DJ de 28-9-07), Relator nosso decano, Ministro Celso de<br />

Mello, permanecendo vencido o eminente Ministro Marco Aurélio. A ementa<br />

logo destaca que a “cláusula de competência inscrita no art. 22, inciso XX,<br />

da Constituição da República atribui máximo coeficiente de federalidade<br />

ao tema dos ‘sorteios’ (expressão que abrange os jogos de azar, as loterias e<br />

similares), em ordem a afastar nessa específica matéria, a possibilidade constitucional<br />

de legítima regulação normativa, ainda que concorrente, por parte<br />

dos Estados-Membros, do Distrito <strong>Federal</strong> ou dos Municípios”. No corpo do seu<br />

erudito voto, o eminente Ministro Celso de Mello afirmou que, “considerando,<br />

de um lado, os precedentes que o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> firmou na matéria<br />

ora em exame e tendo em vista, de outro, a competência privativa da União<br />

para legislar sobre serviços lotéricos, jogos, apostas, bingos e sorteios (CF,<br />

art. 22, XX) –, não vejo como reconhecer, presente esse contexto, competência,<br />

ao estado de Pernambuco, para legislar em tema de quaisquer modalidades<br />

jogos ou das atividades anteriormente referidas”.<br />

Verifico, portanto, que esta Corte Suprema, recentemente, enlaçou no<br />

conceito de sistema de sorteios a modalidade de jogos de azar, assim, o bingo e<br />

os caça-níqueis.<br />

Na verdade, teria eu, se votasse naquela ocasião, feito interpretação diversa,<br />

na medida em que o conceito de “sistema de sorteios”, dispondo o vernáculo<br />

que palavra própria, “jogos”, não poderia ter essa extensão. E assim penso<br />

porquanto a Constituição faz reserva explícita dos poderes residuais no art. 25,<br />

§ 1º, o que quer dizer que procura com isso preservar o mais possível a natureza<br />

essencial da forma federativa de estado, que não se compraz com essa centralização<br />

demasiada que causa, pelo menos na minha concepção, distorções severas<br />

no gerenciamento das atividades públicas. Todavia, no belíssimo voto proferido<br />

pelo Ministro Celso de Mello essa questão central foi posta com diversa conclusão.<br />

De fato, a Corte assentou, então, acompanhando o raciocínio deduzido<br />

pelo Relator, com a solitária voz e autoridade do Ministro Marco Aurélio em<br />

outra direção, que “os diplomas normativos ora impugnados efetivamente<br />

vulneraram a cláusula de competência, que, inscrita no art. 22, inciso XX,<br />

da Constituição da República, atribui, ao tema dos ‘sorteios’ (expressão que<br />

abrange, na jurisprudência desta Corte, os jogos de azar, as loterias e similares),<br />

um máximo coeficiente de federalidade, apto a afastar, nessa específica


R.T.J. — <strong>207</strong> 255<br />

matéria, a possibilidade constitucional de legítima regulação normativa por<br />

parte dos estados-membros, do Distrito <strong>Federal</strong>, ou, ainda, dos Municípios”.<br />

Por essa razão entendo não mais caber o reexame desse aspecto nuclear para<br />

subsistência da competência residual no tocante aos jogos de azar na perspectiva<br />

do art. 22, XX, da Constituição <strong>Federal</strong>. Permito-me apenas registrar, sendo a<br />

primeira vez que me manifesto no assunto, a minha interpretação não ampliativa,<br />

que, com todo o maior respeito à maioria formada nesta Suprema Corte,<br />

parece-me mais consentânea ao meu modo de enxergar a forma federativa acolhida<br />

pelo constituinte dos oitenta para o estado brasileiro.<br />

No caso, portanto, como a lei estadual impugnada cuida especificamente<br />

de proibir a instalação, utilização, manutenção, locação, guarda ou depósito de<br />

máquinas caça-níqueis, de videobingo, de videopôquer e assemelhadas, impondo<br />

penalidade para a infração, não há outra solução que a de reconhecer a<br />

existência do vício formal, atropelado o art. 22, XX, da Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

Julgo procedente a ação e declaro a inconstitucionalidade da Lei estadual<br />

12.519, de 2 de janeiro de 2007, do Estado de São Paulo.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, estamos no Plenário. Reconheço<br />

a existência de inúmeros precedentes sobre a matéria, mas continuo convencido de<br />

que não cumpre à União reger serviço público, e o serviço lotérico, pela destinação<br />

dos recursos, é um serviço público do Estado, de uma unidade da Federação.<br />

Peço vênia ao relator para julgar improcedente o pedido, reportando-me<br />

ao voto proferido na ADI 2.847-2/DF, Rel. Min. Carlos Velloso, com acórdão<br />

publicado no Diário de 26 de novembro de 2004:<br />

[...] O que cumpre examinar é a competência para legislar sobre loterias,<br />

visando ao funcionamento destas, presente o disposto no inciso XX do art. 22 da<br />

Constituição <strong>Federal</strong>:<br />

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:<br />

(...)<br />

XX – sistemas de consórcios e sorteios;<br />

(...)<br />

Em síntese, ter-se-ia como adentrado o campo do Direito Penal caso dispusesse<br />

qualquer das leis atacadas nesta ação direta de inconstitucionalidade sobre<br />

contravenção penal, excluindo-a, na linha direta, do cenário jurídico. No caso,<br />

o preceito do Decreto-Lei 6.259, de 10 de fevereiro de 1944, limita-se a glosar a<br />

prática lotérica sem a existência de concessão e, na espécie, discute-se a competência<br />

para regular tal prática, o que se circunscreve a campo estranho ao penal.<br />

No mais, os autores não divergem sobre a definição do serviço de loteria como<br />

público, definição que decorre da lei, segundo Miguel Reale, Diogo de Figueiredo<br />

Moreira Neto, Celso Antônio Bandeira de Mello e Luís Roberto Barroso. O legislador,<br />

como ressaltado por Celso Antônio Bandeira de Mello em “Curso de Direito<br />

Administrativo”, “erige, ou não, em serviço público tal ou qual atividade, desde<br />

que respeitados os limites constitucionais”. Em artigo publicado em “Temas de


256<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Direito Constitucional”, Luís Roberto Barroso aduz que a atividade de exploração<br />

de loterias é considerada como serviço público por definição legislativa desde<br />

1932, aludindo ao Decreto, desse ano, de n. 21.143, e aos Decretos-Leis sucessivos<br />

2.980/41, 6.259/44 e 204/67, sendo que, no último, dispôs-se:<br />

Art. 1º A exploração de loteria, como derrogação excepcional das<br />

normas do Direito Penal, constitui serviço público exclusivo da União,<br />

não suscetível de concessão e só será permitida nos termos do presente<br />

decreto-lei.<br />

Inegavelmente, com esse preceito criou-se o monopólio da União para a<br />

exploração das loterias (gênero).<br />

Ainda sob a égide da Constituição anterior, Caio Tácito produziu artigo<br />

sob o título “Loterias Estaduais (criação e regime jurídico)” publicado na Revista<br />

de Direito Público 77, de 1986, às páginas 78 e 79. Apontou o autor o conflito da<br />

norma do Decreto-Lei 204/67 com o princípio da autonomia estadual. Remeteu à<br />

regra segundo a qual aos Estados são conferidos todos os poderes que explícita ou<br />

implicitamente não lhes sejam vedados – presente o art. 13, § 1º, da Carta à época<br />

em vigor e, hoje, a cláusula do § 1º do art. 25 da Lei Máxima de 1988, a revelar que<br />

são reservadas aos Estados as competências que não lhe sejam vedadas na própria<br />

Constituição. Evocando a convivência, constitucionalmente ordenada, entre o poder<br />

central e os poderes locais, ressaltou o jurista caber aos Estados membros a administração<br />

dos próprios serviços e, a fortiori, a competência de criá-los conforme<br />

opção política. No mesmo sentido, emitiu parecer o Ministro desta Corte Oswaldo<br />

Trigueiro, em 1985, assentando que “a Constituição não impede o funcionamento<br />

da loteria estadual. Primeiro, porque não atribui esse serviço à União, com exclusividade.<br />

Segundo, porque não proíbe de forma expressa, ou simplesmente implícita,<br />

a existência das loterias estaduais. (...) Se a União pudesse, por lei ordinária, tornar<br />

exclusivo um serviço público que a Constituição não proíbe aos Estados, a autonomia<br />

destes estaria reduzida a letra morta; a legislação comum poderia aumentar<br />

desmedidamente a área de competência federal, estabelecendo a exclusividade da<br />

maioria dos serviços públicos concorrentes ou de exclusividade estadual”. O parecer<br />

foi publicado na Revista de Direito Público 76, de 1985, às páginas 38 e 39.<br />

Nessa mesma linha, pronunciou-se o saudoso Geraldo Ataliba, salientando<br />

que “só são exclusivas da União as competências arroladas no art. 8º da<br />

Constituição <strong>Federal</strong>. Estas o Estado Federado não pode desempenhar, sem<br />

acordo com a União. As demais possíveis atividades públicas – ex vi do preceito<br />

do § 1º do art. 13 – podem ser exercidas pelos Estados concorrentemente, ou não,<br />

com a União”. Em passo seguinte, adentrando a exploração de loterias e similares,<br />

concluiu o publicista tratar-se de “atividade subsumível no conceito lato de serviço<br />

público”. Quanto à competência da União para legislar sobre Direito Penal,<br />

disse da impossibilidade de dar-se a esse enfoque alcance superlativo, a ponto de<br />

chegar-se à proibição, aos Estados, do exercício de uma atividade que é qualificada<br />

como serviço público e que, segundo lições expendidas, rege-se pelas leis que o<br />

ente federado vier a adotar. Confira-se com artigo constante da Revista de Direito<br />

Público 91, página 96, de Carlos Ari Sundfeld, sob o título “Loterias Estaduais na<br />

Constituição de 1988”.<br />

Diogo de Figueiredo Moreira Neto, em 1987, consignou que “o congelamento<br />

do status quo fático das loterias estaduais decidido por uma lei da União<br />

fere esta basilar isonomia”, referindo-se ao art. 9º, inciso I, da Carta em vigor,<br />

no que preceituava ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito <strong>Federal</strong>, aos


R.T.J. — <strong>207</strong> 257<br />

Territórios e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências em<br />

favor de uma dessas pessoas de direito público interno contra outra.<br />

É sabença geral constituir premissa básica do federalismo que somente à<br />

Constituição <strong>Federal</strong> cabe restringir a autonomia dos Estados-Membros. Resta<br />

saber: tem-se na previsão do inciso XX do art. 22 da Carta da República abrangência<br />

a ponto de alcançar as loterias estaduais nas diversas espécies? A competência<br />

privativa da União para legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios apanha as<br />

loterias estaduais? Eis a questão constitucional da maior relevância com a qual<br />

se defronta a Corte, não havendo espaço para óptica que, escapando da seara<br />

jurídico-constitucional, situe-se em outras mais amplas, mesmo porque a União<br />

explora, com largueza maior, a atividade lotérica.<br />

Sob o ângulo do monopólio, bem ressaltou Fábio Konder Comparato em<br />

“Monopólio Público e Domínio Público – exploração indireta da atividade monopolizada”,<br />

publicado em Direito Público: Estudos e Pareceres, 1996, p. 149, que a<br />

Carta atual, ao contrário das Constituições de 1946 e 1967-69, mostra-se taxativa<br />

quanto aos setores ou atividades em que se tem o monopólio estatal, agora deferido<br />

exclusivamente à União. Então, o consagrado mestre proclamou que a lei já não<br />

pode criar outros monopólios não estabelecidos expressamente no texto constitucional.<br />

No mesmo sentido é a lição de Pinto Ferreira, também mencionada no parecer<br />

“Natureza Jurídica das Loterias e Bingos – Competência dos Estados-Membros<br />

na Matéria”, de Luís Roberto Barroso: “Só existem monopólios criados pela<br />

Constituição”. A Lei Máxima não reserva o serviço público de loterias expressamente<br />

à União, ficando afastada, assim, a possibilidade de cogitar-se de monopólio.<br />

Daí a perplexidade gerada com a inserção, na Medida Provisória 2.216-31,<br />

de 31 de agosto de 2001, do art. 17 emprestando nova redação ao art. 59 da Lei<br />

9.615, de 24 de março de 1968, que, revogada pela Medida Provisória 168, de 20<br />

de janeiro de 2004, voltou a vigorar, no que o Senado retirou do cenário jurídico o<br />

último diploma, ou seja, a medida provisória proibitiva dos bingos.<br />

Art. 17. O art. 59 da Lei 9.615, de 24 de março de 1988, passa a vigorar<br />

com a seguinte redação:<br />

Art. 59. A exploração de jogos de bingo, serviço público de<br />

competência da União, será executada, direta ou indiretamente, pela<br />

Caixa Econômica <strong>Federal</strong> em todo o território nacional, nos termos<br />

desta Lei e do respectivo regulamento.<br />

Eis mais uma serventia encontrada para esse instrumento excepcional de normatização<br />

que é a medida provisória – criar o monopólio ligado à área da loteria!<br />

A visão primeira do inciso XX do art. 22 da Carta <strong>Federal</strong>, a versar sobre<br />

sistemas de consórcios e sorteios, reservando-os à disciplina pela União, conduz<br />

à conclusão sobre a abrangência a ponto de alcançar loterias. Afinal, estas<br />

submetem-se a sistema de sorteio. Todavia, os dois vocábulos – consórcio e sorteio<br />

–, conforme ressaltado por Luís Roberto Barroso, jamais englobaram o servi-<br />

ço lotérico. Cita o autor a Lei 5.768/71, no que tratou do sorteio de consórcio, da<br />

distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda e das operações voltadas<br />

à aquisição de bens de qualquer natureza, sendo que nesse diploma a única referência<br />

a loteria fez-se, considerada a seriedade, mediante remissão para definir<br />

os participantes contemplados. A Lei 5.864/72 cuidou dos sorteios organizados<br />

por instituições declaradas de utilidade pública para custeio de obras sociais, nenhuma<br />

ligação havendo com a exploração de loterias pelo poder público.<br />

Cretella Júnior, em Comentários à Constituição de 1988, volume III,<br />

p. 1579, registrou que, pela primeira vez, a Carta da República conferiu à União


258<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

competência privativa para legislar sobre consórcios e sorteios. Então, o autor<br />

traçou um paralelo entre a inflação e a competência constante do inciso anterior,<br />

ou seja, do inciso XIX, para legislar sobre sistemas de poupança, captação e garantia<br />

– dada a perda do poder aquisitivo da moeda – da poupança popular. Ora,<br />

ante as interpretações possíveis, deve-se buscar a que mantenha íntegro o sistema,<br />

preserve a própria Federação. A Constituição <strong>Federal</strong>, conforme destacado por<br />

Carlos Ari Sundfeld no artigo mencionado, não prevê a competência da União<br />

para legislar sobre loterias. A junção, no inciso XX, dos vocábulos “consórcios” e<br />

“sorteios” é conducente a chegar-se à identidade entre eles. Tem-se, então, o texto<br />

a apanhar os sorteios que se façam ligados a atividade financeira assemelhada aos<br />

consórcios. Colho, ainda, do parecer de Luís Roberto Barroso, que a Constituição,<br />

quando se refere à modalidade lotérica, utiliza a expressão “concurso de prognósticos”<br />

– inciso III do art. 195 –, o mesmo se constatando em diploma legal de índole<br />

ordinária – a Lei 6.717, de 12 de novembro de 1979, no que autorizou a Caixa<br />

Econômica a realizar, como modalidade da Loteria <strong>Federal</strong> regida pelo Decreto-<br />

Lei 204, de 27 de janeiro de 1967, presente o gênero “serviço público”, concurso de<br />

prognóstico sobre os resultados de sorteios de números, promovido em datas fixadas,<br />

com distribuição de prêmios mediante rateio. Aqui, sim, atuou a União e fê-lo<br />

porquanto envolvido um serviço público de índole federal, aludindo-se, expressamente,<br />

à modalidade “loteria federal”, contrapondo-se a esta a loteria estadual.<br />

O que se nota, a esta altura, é que, ante possíveis desvirtuamentos de objetivo<br />

verificados em uma espécie de loteria, a dos bingos, já que estes também dependem<br />

de sorteio para obter-se prêmio, confundem-se conceitos e, com isso, é colocado<br />

em jogo todo o sistema de loteria estadual existente no País, emprestando-se, para<br />

tanto, ao inciso XX do art. 22 da Constituição <strong>Federal</strong>, alcance incompatível com<br />

o fato de viver-se em uma Federação, o que pressupõe, necessariamente, a reserva<br />

e a manutenção, relativamente aos entes federados, da disciplina normativa dos<br />

serviços públicos que resolvam prestar. O remédio para os desvios de conduta porventura<br />

existentes não é esse, sob pena de inconcebível retrocesso constitucional.<br />

As leis atacadas nesta ação direta de inconstitucionalidade disciplinam a loteria –<br />

gênero, como se tem em quase todos os Estados brasileiros, pouco importando que<br />

abranja a nova modalidade – a que se faz sob a nomenclatura “bingo”, geradora de<br />

toda essa celeuma no campo administrativo e político-legislativo.<br />

Perceba-se o alcance do estrago que uma concepção centralizadora ocasionará.<br />

A loteria estadual, sempre revelada como serviço público e voltada ao<br />

amparo social especialmente dos menos afortunados, está em todos os Estados,<br />

sendo exceção única o do Amapá, no que o chefe do Poder Executivo nos dois<br />

mandatos que antecederam ao atual, Governador João Capiberibe, vetou projetos<br />

que visavam a regulá-la. Também não cabe, diante da modalidade “bingo”, distinguir<br />

essa espécie, considerando-a, quanto à normatividade e até mesmo à exploração,<br />

primazia da infalível atuação federal. A sorte lançada, para usar vocábulo<br />

pertinente à matéria, é ampla. Ou bem se conclui que a previsão do inciso XX<br />

do art. 22 da Constituição <strong>Federal</strong> diz respeito a consórcios e sorteios, sem a<br />

abrangência a ponto de solapar o princípio – até hoje não colocado em dúvida –<br />

consoante o qual ao Estado membro cumpre legislar sobre os próprios serviços<br />

públicos, ou, mitigando-se o federalismo, em concentração ímpar, não notada<br />

sequer no regime de exceção que precedeu os novos ares democráticos, a Carta de<br />

1988, assenta-se a insubsistência, a ilicitude de toda a legislação estadual que até<br />

aqui foi observada, atribuindo-se à União legitimidade constitucional para legislar<br />

sobre a loteria estadual, essa espécie de serviço público. Este julgamento ganha,


R.T.J. — <strong>207</strong> 259<br />

portanto, sentido maior, presentes quer as inúmeras ações em andamento contra<br />

leis de outros Estados, quer a sinalização ao Congresso Nacional, aos deputados e<br />

senadores, sobre o fidedigno alcance da Carta da República.<br />

É certo que a chamada Lei Zico – Lei 8.672, de 6 de julho de 1993 – veio a<br />

disciplinar o bingo, buscando-se, com isso, recursos para o setor de desportos. A<br />

seguir, a Lei Pelé – Lei 9.615, de 24 de março de 1998 –, revogando inteiramente<br />

o diploma primitivo, manteve os bingos como fonte de recursos para tal setor.<br />

Todavia, isso se fez no campo federal, sem prejuízo da atividade dos Estados,<br />

mesmo porque, no Estado do Rio de Janeiro, legislação anterior às duas federais<br />

referidas, a Lei 2.055, de 25 de janeiro de 1993, já autorizava a Loterj a promover<br />

o sorteio em tal modalidade.<br />

Por entender que não se tem, no inciso XX do art. 22 da Constituição <strong>Federal</strong>,<br />

a competência exclusiva da União para legislar sobre loterias, o que acabaria por<br />

colocar as diversas loterias estaduais na clandestinidade, peço vênia ao Relator para<br />

julgar improcedente o pedido formulado, ressaltando, mais uma vez, que se está a<br />

tratar não apenas da espécie “bingo”, mas do gênero loteria. É como voto na espécie.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, também farei juntar voto<br />

posteriormente.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

ADI 3.895/SP — Relator: Ministro Menezes Direito. Requerente: Go verna<br />

dor do Estado de São Paulo (Advogado: PGE/SP – Marcos Fábio de Oliveira<br />

Nusdeo). Requerida: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por maioria, julgou procedente a ação direta, nos termos<br />

do voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio. Votou o Presidente.<br />

Ausente, justificadamente, o Ministro Gilmar Mendes (Presidente). Presidiu o<br />

julgamento o Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente).<br />

Presidência do Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Presentes à sessão<br />

os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Carlos Britto,<br />

Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes<br />

Direito. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva<br />

de Souza.<br />

Brasília, 4 de junho de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


260<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NA<br />

RECLAMAÇÃO 4.903 — SE<br />

Relator: O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski<br />

Agravantes: Espólio de Marcos Antônio Valois Tavares e outros — Agravados:<br />

Estado de Sergipe, <strong>Tribunal</strong> Regional do Trabalho da 20ª Região e<br />

Juiz do Trabalho da 4ª Vara do Trabalho de Aracaju (Reclamação Trabalhista<br />

01801-2006-004-20-00-2)<br />

Agravo regimental. Reclamação. Constitucional. Afronta<br />

ao decidido na ADI 3.395-MC/DF. Cabimento da reclamação.<br />

Verosimilhança entre o decidido e a decisão tida como afrontada.<br />

Agravo improvido.<br />

I – O provimento cautelar deferido, pelo <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, em sede de ação declaratória de constitucionalidade,<br />

além de produzir eficácia erga omnes, reveste-se de efeito vinculante,<br />

relativamente ao Poder Executivo e aos demais órgãos do<br />

Poder Judiciário.<br />

II – A eficácia vinculante, que qualifica tal decisão, legitima<br />

o uso da reclamação se e quando a integridade e a autoridade<br />

desse julgamento forem desrespeitadas.<br />

III – A questão tratada na reclamação guarda pertinência<br />

com o decidido na ADI 3.395-MC/DF.<br />

IV – Agravo interposto contra o decidido em sede de liminar<br />

prejudicado, porquanto decidida a questão de mérito.<br />

V – Agravo regimental improvido.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro<br />

Cezar Peluso (Vice-Presidente), na conformidade da ata do julgamento e das<br />

notas taquigráficas, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, negar<br />

provimento ao recurso de agravo. Ausentes, justificadamente, os Ministros<br />

Gilmar Mendes (Presidente), Celso de Mello, Ellen Gracie e Menezes Direito.<br />

Brasília, 25 de junho de 2008 — Ricardo Lewandowski, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de agravos regimentais<br />

interpostos pelo Espólio de Marcos Antônio Valois Tavares e Outros, interessados,<br />

contra decisão que deferiu a liminar e o segundo que julgou procedente<br />

a reclamação.


Eis o teor da decisão impugnada:<br />

R.T.J. — <strong>207</strong> 261<br />

Trata-se de reclamação, com pedido de medida liminar, ajuizada pelo<br />

Estado de Sergipe, em face da 4ª Vara do Trabalho de Aracaju – <strong>Tribunal</strong> Regional<br />

do Trabalho da 20ª Região, em razão do processamento, naquele juízo, da reclamação<br />

trabalhista de número 01801-2006-004-20-00-2.<br />

Sustenta o Reclamante que os referidos processamentos teriam ofendido a autoridade<br />

do julgamento proferido pelo <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> na ADI 3.395/DF.<br />

Pede a concessão de medida liminar para determinar ao TRT da 20ª Região<br />

que suspenda a reclamação trabalhista de número 01801-2006-004-20-00-2 que<br />

tramita na 4ª vara do Trabalho de Aracaju (fls. 2-8), até o julgamento de mérito<br />

da ADI 3.395.<br />

Solicitadas as informações (fl. 43), aduziu a Juíza da 4ª Vara do Trabalho<br />

que ainda não foi proferida decisão meritória na reclamação trabalhista 01801-<br />

2006-004-20-00-2, logo, “não houve qualquer ato que caracterize desrespeito<br />

ou afronta à autoridade das decisões prolatadas pelo excelso <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>” (fls. 48-49).<br />

Pela Presidência do TRT da 20ª Região foi informado que<br />

“(...)<br />

a Justiça do Trabalho decidiu porque a pretensão de obter reconhecimento<br />

do vínculo de emprego com pagamento de verbas trabalhistas somente<br />

à ela poderia ser destinada. A presença de regime estatutário válido<br />

implicaria a improcedência do pedido, não parecendo adequado que se enviasse<br />

a outro órgão de jurisdição a pretensão de verba trabalhista restrita<br />

ao regime de emprego” (fls.51-53).<br />

Deferi a pretensão cautelar, deduzida pelo reclamante para suspender a<br />

tramitação da Reclamação trabalhista 01801-2006-004-20-00-2 que tramita na 4ª<br />

vara do Trabalho de Aracajú – <strong>Tribunal</strong> Regional do Trabalho da 20ª Região, até o<br />

julgamento final da presente reclamação.<br />

Passo a decidir.<br />

Bem examinados os autos, verifico que os atos decisórios proferidos<br />

pelo juízo da 4ª Vara do Trabalho da Comarca de Aracaju/SE, nos autos da<br />

Reclamação trabalhista 01801-2006-004-20-00-2, afrontou a decisão desta Corte<br />

na ADI 3.395-MC/DF, Rel. Min. Cezar Peluso. Observo que se trata de reclamação<br />

trabalhista ajuizada em decorrência de relação de caráter estatutário ou<br />

jurídico-administrativo.<br />

Consoante verificou a Procuradoria-Geral da República às fls. 96-98,<br />

“o juízo reclamado afrontou o pronunciamento deste <strong>Supremo</strong> Tri bunal<br />

<strong>Federal</strong>, tendo em vista que aqueles autos cuidam exatamente de causa<br />

instaurada entre o poder público e servidor a ele vinculado por relação de<br />

cunho jurídico-administrativo ou estatutário.<br />

Com efeito, verifica-se que a demanda versa sobre eventuais direitos<br />

de servidores investidos em cargo em comissão, nomeados e exonerados por<br />

atos do Presidente do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado de Sergipe (fls. 30/34),<br />

vale dizer, o vínculo estabelecido entre os autores da ação e o poder público<br />

estadual é de natureza estatutária ou judídico-administrativa”.<br />

Como bem observou o Ministro Joaquim Barbosa, quando do julgamento<br />

da Rcl 4.001,<br />

“Esta Corte tem confirmado, em julgamento de reclamações, que<br />

não cabe à Justiça Trabalhista analisar causas sobre relações de caráter


262<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

jurídico-administrativo entre indivíduos e administração pública. É exatamente<br />

a situação do caso. Para ficar apenas em julgamentos mais recentes,<br />

cf., v.g., Rcl 4.012-MC (Min. Ellen Gracie, no exercício da Presidência), Rcl<br />

4.055-MC (Min. Nelson Jobim, no exercício da Presidência), Rcl 4.104-MC<br />

(Rel. Min. Joaquim Barbosa), Rcl 4.000-MC (Rel. Min. Gilmar Mendes) e<br />

Rcl 3.183-MC (Rel. Min. Joaquim Barbosa).”<br />

Com efeito, a decisão proferida pelo Plenário desta Corte, nos autos da<br />

ADI 3.395-MC/DF, suspendeu, cautelarmente, qualquer interpretação do art. 114,<br />

I, da Constituição, “que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, a (...)<br />

apreciação (...) de causas que (...) sejam instauradas entre o Poder Público e seus<br />

servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter<br />

jurídico-administrativo”.<br />

Nesse sentido, destaco a seguinte decisão proferida pelo Ministro Celso de<br />

Mello, nos autos do CC 7.253:<br />

“Devo registrar, finalmente, que eminentes Ministros desta Suprema<br />

Corte, em razão desse mesmo entendimento, têm vislumbrado a ocorrência<br />

de transgressão à autoridade da decisão que a Presidência do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> proferiu, em sede cautelar, na já referida ADI 3.395/DF<br />

(Rcl 3.737/PA, Rel. Min. Ellen Gracie – Rcl 3.736/PA, Rel. Min. Joaquim<br />

Barbosa – Rcl 3.814/PA, Rel. Min. Ellen Gracie), assentando, por tal motivo,<br />

a incompetência da Justiça do Trabalho para julgamento de causas<br />

instauradas entre o poder público e seus agentes, em decorrência de vínculos<br />

de natureza estatutária ou de caráter jurídico-administrativo, como<br />

sucede na espécie.<br />

Sendo assim, pelas razões expostas, tendo em consideração os precedentes<br />

mencionados, e nos termos do art. 120, parágrafo único, do CPC,<br />

conheço deste conflito negativo de competência e declaro competente o<br />

magistrado estadual que proferiu a decisão de fl. 154, a quem incumbirá<br />

processar e julgar a presente causa.<br />

Encaminhem-se, pois, a esse ilustre magistrado estadual (fl. 154), os<br />

presentes autos.”<br />

(Grifos no original.)<br />

Isso posto, com base no art. 161, parágrafo único, do Regimento Interno do<br />

<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, julgo procedente a presente reclamação para, nos<br />

termos do decidido pelo Plenário desta Corte no julgamento da ADI 3.395-MC,<br />

Rel. Min. Cezar Peluso, cassar os atos decisórios proferidos pelo juízo reclamado<br />

nos autos da Reclamação trabalhista 01801-2006-004-20-00-2, tendo em vista a<br />

sua incompetência para processar e julgar o feito, restando, portanto, prejudicado<br />

o agravo regimental interposto.<br />

Sustenta o agravante o não cabimento da reclamação, porquanto este<br />

<strong>Tribunal</strong> ainda não analisou o mérito da ADI 3.395/DF. Aduz que houve pronúncia<br />

apenas quanto ao pedido de liminar formulado na ação, razão pela qual não<br />

poderia a reclamação ter sido admitida.<br />

Superada essa questão preliminar, argumentam, no mérito, que a decisão<br />

proferida não deve prevalecer, pois o que se discute na presente reclamação não<br />

tem conexão com o debatido em sede da ADI 3.395/DF.<br />

Ressaltam, ainda, que a reclamação trabalhista proposta pelos ora agravantes<br />

é anterior à EC 45/04, que ampliou a competência da Justiça do Trabalho.


R.T.J. — <strong>207</strong> 263<br />

Pugnam pelo conhecimento e provimento do presente agravo, para que<br />

se permita o regular processamento da reclamação trabalhista ora questionada.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Com a análise do mérito<br />

da reclamação o primeiro agravo regimental, interposto contra o deferimento da<br />

liminar, encontra-se prejudicado.<br />

Quanto ao segundo, esse não merece prosperar.<br />

A reclamação destina-se a permitir a desconstituição de ato concreto em<br />

desacordo com julgado proferido por esta Corte. Nesse sentido é a jurisprudência<br />

deste <strong>Tribunal</strong> (cf. Rcl 1.915/SP, Rel. Min. Maurício Correa):<br />

Ementa: reclamação. Governador do Estado. Legitimidade ativa. Precatório.<br />

Pedido contra ato futuro: inadmissibilidade. Observância à decisão<br />

proferida na ADI 1.662/SP. Preterição. Seqüestro de verba pública. Hipótese de<br />

cabimento da medida constritiva. 1. Reclamação por descumprimento de decisão<br />

proferida em ação direta de inconstitucionalidade. Governador do Estado. Legitimidade<br />

ativa para sua proposição, tendo em vista sua capacidade postulatória para<br />

o ajuizamento de idêntica ação direta. Precedentes. 2. Reclamação. Existência de<br />

ato concreto praticado em desacordo com o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade.<br />

Admissibilidade da ação contra qualquer ato concreto que<br />

resulte afronta à competência desta Corte ou à autoridade de suas decisões.<br />

Precedente. Não-conhecimento quanto à pretensão de inibir a autoridade reclamada<br />

de expedir novas ordens de seqüestro de verbas públicas, por necessária a<br />

existência de fato concreto, contrário à decisão do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>. 3.<br />

Precatório. Pagamento. Preterição de ordem de precedência. Ocorrência. Situação<br />

suficiente para motivar o seqüestro de verbas públicas destinadas à satisfação de<br />

dívidas judiciais alimentares. Observância à autoridade da decisão proferida na<br />

ADI 1662. Reclamação parcialmente conhecida e, na parte conhecida, julgada<br />

improcedente.<br />

(Grifos nossos.)<br />

Ademais, esta Corte, nos autos da ADC 8-MC/DF, Rel. Min. Celso de<br />

Mello, entendeu ser cabível a reclamação quando o que se tem por afrontado é<br />

decisão cautelar em sede de controle concentrado de constitucionalidade:<br />

Ementa: ação declaratória de constitucionalidade – processo objetivo de<br />

controle normativo abstrato – a necessária existência de controvérsia judicial<br />

como pressuposto de admissibilidade da ação declaratória de constitucionalidade<br />

– ação conhecida. – O ajuizamento da ação declaratória de constitucionalidade,<br />

que faz instaurar processo objetivo de controle normativo abstrato, supõe a<br />

existência de efetiva controvérsia judicial em torno da legitimidade constitucional<br />

de determinada lei ou ato normativo federal. Sem a observância desse pressuposto<br />

de admissibilidade, torna-se inviável a instauração do processo de fiscalização<br />

normativa in abstracto, pois a inexistência de pronunciamentos judiciais


264<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

antagônicos culminaria por converter a ação declaratória de constitucionalidade<br />

em um inadmissível instrumento de consulta sobre a validade constitucional<br />

de determinada lei ou ato normativo federal, descaracterizando, por completo,<br />

a própria natureza jurisdicional que qualifica a atividade desenvolvida pelo <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>. – O <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> firmou orientação que<br />

exige a comprovação liminar, pelo autor da ação declaratória de constitucionalidade,<br />

da ocorrência, “em proporções relevantes”, de dissídio judicial, cuja<br />

existência – precisamente em função do antagonismo interpretativo que dele<br />

resulta – faça instaurar, ante a elevada incidência de decisões que consagram<br />

teses conflitantes, verdadeiro estado de insegurança jurídica, capaz de gerar um<br />

cenário de perplexidade social e de provocar grave incerteza quanto à validade<br />

constitucional de determinada lei ou ato normativo federal. Ação declaratória de<br />

constitucionalidade – Outorga de medida cautelar com efeito vinculante – Possibilidade.<br />

– O <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> dispõe de competência para exercer, em<br />

sede de ação declaratória de constitucionalidade, o poder geral de cautela de que<br />

se acham investidos todos os órgãos judiciários, independentemente de expressa<br />

previsão constitucional. A prática da jurisdição cautelar, nesse contexto, acha-se<br />

essencialmente vocacionada a conferir tutela efetiva e garantia plena ao resultado<br />

que deverá emanar da decisão final a ser proferida no processo objetivo de controle<br />

abstrato. Precedente. – O provimento cautelar deferido, pelo <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em sede de ação declaratória de constitucionalidade, além<br />

de produzir eficácia erga omnes, reveste-se de efeito vinculante, relativamente<br />

ao Poder Executivo e aos demais órgãos do Poder Judiciário. Precedente. – A<br />

eficácia vinculante, que qualifica tal decisão – precisamente por derivar do<br />

vínculo subordinante que lhe é inerente –, legitima o uso da reclamação, se e<br />

quando a integridade e a autoridade desse julgamento forem desrespeitadas.<br />

(...)<br />

Precedente: ADI 2.010-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello.<br />

(Grifos nossos.)<br />

Também não prospera o argumento de que a reclamação versou sobre<br />

questão diversa daquela tratada na ADI 3.395/DF.<br />

O parecer da Procuradoria-Geral da República tratou do assunto, nestes<br />

termos (fl. 97):<br />

Com efeito, verifica-se que a demanda versa sobre eventuais direitos de<br />

servidores investidos em cargo em comissão, nomeados e exonerados por atos do<br />

Presidente do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado do Sergipe (fls. 30/34), vale dizer, o<br />

vínculo estabelecido entre os autores da ação e o poder público estadual é de natureza<br />

jurídico-administrativa.<br />

Ao analisar os atos proferidos pelo Presidente do TJSE, juntados às fls. 30-<br />

34, verifico que versam sobre cargos de livre nomeação e exoneração do chefe<br />

daquele Poder estadual. Tanto é assim que, da mesma forma que nomeou os oficiais,<br />

os exonerou por meio de ato administrativo unilateral.<br />

Não há, pois, vínculo celetista entre os oficiais e o <strong>Tribunal</strong> de Justiça daquele<br />

Estado, mas sim liame de caráter jurídico-administrativo, que caracteriza<br />

a relação dos ocupantes de cargos comissionados com a administração.


R.T.J. — <strong>207</strong> 265<br />

A reclamação, destarte, guarda pertinência com o que foi decidido na<br />

ADI 3.395-MC/DF.<br />

Isso posto, nego provimento ao agravo regimental.<br />

É como voto.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

Rcl 4.903-AgR-AgR/SE — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski.<br />

Agravantes: Espólio de Marcos Antônio Valois Tavares e outros (Advogados:<br />

Marília Nabuco Santos e outros). Agravados: Estado de Sergipe (Advogado:<br />

PGE/SE – Wellington Matos do Ó), <strong>Tribunal</strong> Regional do Trabalho da 20ª Região<br />

e Juiz do Trabalho da 4ª Vara do Trabalho de Aracaju (Reclamação Trabalhista<br />

01801-2006-004-20-00-2).<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por unanimidade e nos termos do voto do Relator,<br />

negou provimento ao recurso de agravo. Ausentes, justificadamente, os Ministros<br />

Gilmar Mendes (Presidente), Celso de Mello, Ellen Gracie e Menezes<br />

Direito. Presidiu o julgamento o Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente).<br />

Presidência do Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Presentes à sessão<br />

os Ministros Marco Aurélio, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau,<br />

Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral da República, Dr.<br />

Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.<br />

Brasília, 25 de junho de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


266<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

RECLAMAÇÃO 5.171 — DF<br />

Relatora: A Sra. Ministra Cármen Lúcia<br />

Reclamante: Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL —<br />

Reclamada: Juíza do Trabalho da 21ª Vara do Trabalho de Brasília (Proc 00183-<br />

2007-021-10-00-4) — Interessados: Simone de Oliveira Brandão e outros)<br />

Reclamação. Agência Nacional de Telecomunicações<br />

(ANATEL). Contrato temporário. Regime jurídico administrativo.<br />

Descumprimento da ADI 3.395. Competência da Justiça <strong>Federal</strong>.<br />

1. Contrato firmado entre a Anatel e a Interessada tem<br />

natureza jurídica temporária e submete-se ao regime jurídico<br />

administrativo, nos moldes do inciso XXIII do art. 19 da Lei<br />

9.472/97 e do inciso IX do art. 37 da Constituição da República.<br />

2. Incompetência da Justiça Trabalhista para o processamento<br />

e o julgamento das causas que envolvam o poder público<br />

e servidores que sejam vinculados a ele por relação jurídicoadministrativa.<br />

Precedentes.<br />

3. Reclamação julgada procedente.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro<br />

Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />

por maioria, em julgar procedente a reclamação, nos termos do voto da<br />

Relatora, vencido o Ministro Marco Aurélio. Votou o Presidente.<br />

Brasília, 21 de agosto de 2008 — Cármen Lúcia, Relatora.<br />

RELATÓRIO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: 1. Reclamação, com pedido de medida<br />

liminar, ajuizada neste <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em 10 de maio de 2007, pela<br />

Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), com fundamento no art. 102,<br />

inciso I, alínea l, da Constituição da República, nos arts. 156 e seguintes do<br />

Regimento Interno do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> e no art. 14, inciso II, da<br />

Lei 8.038/90, contra decisão da Juíza da 21ª Vara do Trabalho de Brasília/DF<br />

(Reclamação Trabalhista 00183-2007-021-10-00-4).<br />

Em síntese, argumentou a Reclamante que a Magistrada da 21ª Vara do<br />

Trabalho de Brasília/DF teria desrespeitado o que decidido por este <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> no julgamento da ADI 3.395, ao encerrar a audiência de instrução<br />

e julgamento, na qual as propostas de conciliação foram rejeitadas, e designar<br />

nova data para julgamento de reclamações trabalhistas propostas por empregados<br />

contratados para prestação de serviço técnico, por tempo determinado.


R.T.J. — <strong>207</strong> 267<br />

2. Em 21 de maio de 2007, deferi a medida liminar pleiteada para determinar<br />

a suspensão da Reclamação trabalhista 00183-2007-021-10-00-4, até o<br />

julgamento final desta reclamação, nos seguintes termos:<br />

9. Demonstrada a ocorrência do perigo da demora na prestação jurisdicional<br />

requerida na presente Reclamação, porque se pode configurar descumprimento do<br />

que decidido por este <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, e considerando estar presente a<br />

plausibilidade jurídica, também comprovada pela Reclamante, faz-se mister a suspensão<br />

da tramitação do processo mencionado na reclamação, a fim de se evitar a<br />

continuidade da reclamação trabalhista perante juízo que pode, efetivamente, não<br />

titularizar competência para a decisão da causa, como se pode ter dado em relação<br />

à 21ª Vara do Trabalho de Brasília/DF (...)<br />

(Fls. 101-102.)<br />

3. Em 6 de junho de 2007, a Juíza Substituta da 21ª Vara do Trabalho de<br />

Brasília/DF informou que, “(...) ao receber a determinação de suspensão da reclamação<br />

até a decisão final da Medida Cautelar em Reclamação 5.171/DF, imediatamente<br />

determin[ou] o cumprimento da ordem (...)” (fl. 122).<br />

Em suas informações, a magistrada também encaminhou cópia da sentença<br />

por ela proferida em 18-5-07, em que determinou o desmembramento do<br />

feito, que prosseguiu apenas com relação a Simone de Oliveira Brandão, julgou<br />

procedente em parte os pedidos da ora Interessada e condenou a Anatel ao pagamento<br />

do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço referente ao período de<br />

30-6-00 a 20-3-05.<br />

Foram fundamentos daquela decisão:<br />

(...) diante da inconstitucionalidade das leis que se sucederam na prorrogação<br />

de contratos temporários [da Anatel], para suprir a inexistência de quadro<br />

próprio, impera, conseqüentemente, a ofensa ao art. 37, inciso II, da [Constituição<br />

da República]. Pois, no desvirtuamento dos contratos temporários, de natureza<br />

administrativa, resta a contratação irregular de pessoal, sem concurso público,<br />

recaindo na hipótese da Súmula 363 do [<strong>Tribunal</strong> Superior do Trabalho].<br />

(...)<br />

Reza o parágrafo segundo, do art. 37, [da Constituição da República], que<br />

a não-observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a<br />

punição da autoridade responsável, nos termos da lei.<br />

Conseqüentemente, sendo nula a contratação da Reclamante, dela não decorrem<br />

direitos, salvo salários em sentido estrito, observado o número de horas<br />

trabalhadas e [o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço] ...<br />

Destarte, sendo nula a contratação defiro tão somente, o pagamento do<br />

[Fundo de Garantia do Tempo de Serviço] de todo período (de 30-6-00 a 20-3-05).<br />

O contrato nulo não deve ser anotado na carteira profissional do empregado<br />

(...)<br />

(Fls. 128-129.)<br />

4. O Procurador-Geral da República manifestou-se pela procedência da<br />

presente reclamação (fls. 131-133).<br />

5. Em 10 de julho de 2007, vieram-me os autos conclusos.


268<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

6. É o relatório, do qual deverão ser encaminhadas cópias aos eminentes<br />

Ministros deste <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (art. 87, inciso IV, do Regimento<br />

Interno do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>).<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): 1. A questão debatida é determinar<br />

a relação estatuída entre a agência reguladora (Anatel) e seus contratados<br />

temporários, a dizer, se essa contratação implicaria descumprimento, ou não, do<br />

que decidido por este <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> na ADI 3.395.<br />

No julgamento da ADI 2.987, este <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> decidiu:<br />

Servidor público: contratação temporária excepcional ([Constituição da<br />

República], art. 37, IX): inconstitucionalidade de sua aplicação para a admissão de<br />

servidores para funções burocráticas ordinárias e permanentes (...)<br />

(Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 2-4-04.)<br />

Seguindo essas mesmas premissas, no julgamento da ADI 2.229, o Plenário<br />

deste <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> decidiu pela inconstitucionalidade de lei capixaba<br />

que autorizava a contratação temporária, de caráter emergencial, de defensores<br />

públicos, ao argumento de ser a Defensoria Pública instituição permanente.<br />

Conforme ressaltou o Ministro Carlos Velloso, Relator:<br />

(...) a Defensoria Pública é um órgão permanente que não comporta defensores<br />

contratados em caráter precário. A solução é o Estado organizar a Defensoria<br />

em termos racionais, tal como recomenda a Constituição, art. 134, promovendo<br />

concurso público de provas e títulos – [Constituição da República], art. 37, (inciso<br />

II – para a admissão dos defensores públicos (...).<br />

(DJ de 25-6-04.)<br />

É o que se conclui da leitura da ementa daquele julgado:<br />

Constitucional. Administrativo. Servidor público: defensor público: contratação<br />

temporária. [Constituição da República], art. 37, II e IX. Lei 6.094, de 2000,<br />

do Estado do Espírito Santo: inconstitucionalidade. I – A regra é a admissão de<br />

servidor público mediante concurso público: [Constituição da República], art. 37,<br />

II. As duas exceções à regra são para os cargos em comissão referidos no inciso II<br />

do art. 37, e a contratação de pessoal por tempo determinado para atender a necessidade<br />

temporária de excepcional interesse público. [Constituição da República],<br />

art. 37, IX. Nessa hipótese, deverão ser atendidas as seguintes condições: a) previsão<br />

em lei dos cargos; b) tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse<br />

público; d) interesse público excepcional. II – Lei 6.094/2000, do Estado<br />

do Espírito Santo, que autoriza o Poder Executivo a contratar, temporariamente,<br />

defensores públicos: inconstitucionalidade. III – Ação direta de inconstitucionalidade<br />

julgada procedente (...)<br />

(DJ de 25-6-04.)<br />

2. Embora a autoridade reclamada, conforme consta da sentença, tenha<br />

entendido que o caso levado a juízo estivesse a caracterizar descumprimento ao


R.T.J. — <strong>207</strong> 269<br />

art. 37, inciso II, da Constituição da República, ao fundamentar que “a criação<br />

das agências reguladoras, autarquias especiais, foi feita (...) sem a conseqüente<br />

regula mentação de seu quadro de pessoal permanente, o qual foi suprido ao<br />

longo de quase uma década por contratações precárias, sem concurso público,<br />

em utilização inadequada do permissivo constitucional do art. 37, inc. IX”, da<br />

Constituição da República, há que se ressalvar que o constituinte amparou os<br />

casos em que se faz necessária a contratação temporária ante a imprescindibilidade<br />

desta para que a administração possa atender os interesses e necessidades<br />

públicos. Daí a edição da Lei federal 8.745/93, que dispõe sobre a contratação<br />

por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional<br />

interesse público.<br />

3. Da leitura do contrato juntado aos autos, assinado entre Anatel e<br />

Simone de Oliveira Brandão, tem-se:<br />

2.1.) A cláusula primeira desse contrato estabelece ser o seu “objeto a prestação<br />

de serviços técnicos determinado sem vínculo efetivo com a [Anatel] por<br />

parte d[e Simone de Oliveira Brandão], para atender necessidade temporária de<br />

excepcional interesse público da contratante”, ora Reclamante” (fl. 25).<br />

2.2.) A cláusula segunda define que “(...) este contrato reger-se-á por regime<br />

administrativo próprio, em consonância com o disposto no inciso IX do art. 37<br />

da Constituição [da República] e no inciso XXIII, do art. 19 da Lei 9.472 de 16 de<br />

julho de 1997” (fl. 25, grifos nossos).<br />

A Lei 9.472/97 “dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações,<br />

a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais,<br />

nos termos da EC 8, de 1995”, e o seu art. 19 dispõe:<br />

Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento<br />

do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras,<br />

atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e<br />

publicidade, e especialmente:<br />

(...)<br />

XXIII – contratar pessoal por prazo determinado, de acordo com o disposto<br />

na Lei n. 8.745, de 9 de dezembro de 1993.<br />

E a Lei 8.745/93 regula exatamente “(...) a contratação, por tempo determinado,<br />

para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público,<br />

nos termos do inciso IX, do art. 37, (...)” da Constituição da República.<br />

Também o Decreto 2.424/97 autorizou a “(...) contratação temporária de<br />

recursos humanos para os órgãos e entidades do Poder Executivo <strong>Federal</strong> (...)”:<br />

Art 1º Ficam autorizados os Ministérios Militares (...) as Agências Nacionais<br />

de Energia Elétrica e de Telecomunicações a promoverem contratação temporária<br />

de recursos humanos, em caráter excepcional, bem assim as prorrogações<br />

dos contratos existentes, observadas as disposições legais pertinentes.<br />

Por sua vez, a norma introduzida pelo art. 4º da Lei 8.745/93 trouxe a possibilidade<br />

de se prorrogarem os contratos de trabalho temporários.


270<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

E, no caso específico, a Lei 9.986/00, que dispôs sobre a gestão de recursos<br />

humanos das agências reguladoras, estatuiu:<br />

Art. 26. As Agências Reguladoras já instaladas poderão, em caráter excepcional,<br />

prorrogar os contratos de trabalho temporários em vigor, por prazo<br />

máximo de vinte e quatro meses além daqueles previstos na legislação vigente, a<br />

partir do vencimento de cada contrato de trabalho.<br />

Em 20 de maio de 2004, foi editada a Lei 10.871, que dispôs sobre a criação<br />

de carreiras e a organização de cargos efetivos das agências reguladoras,<br />

pela qual foi dada continuidade à regulamentação dos contratos temporários:<br />

Art. 30. As Agências Reguladoras referidas no Anexo I desta Lei, [entre<br />

elas, a Anatel], a partir da publicação desta Lei, poderão efetuar, nos termos do<br />

art. 37, IX, da Constituição, e observado o disposto na Lei n. 8.745, de 9 de dezembro<br />

de 1993, contratação por tempo determinado, pelo prazo de 12 (doze)<br />

meses, do pessoal técnico imprescindível ao exercício de suas competências<br />

institucionais.<br />

As normas mencionadas foram editadas em cumprimento ao que disposto<br />

no art. 37, inciso IX, da Constituição da República.<br />

4. Ao analisar o art. 37, inciso IX, da Constituição da República, Celso<br />

Antônio Bandeira de Mello pontua:<br />

A constituição prevê que a lei (entende-se: federal, estadual, distrital ou municipal,<br />

conforme o caso) estabelecerá os casos de contratação para o atendimento<br />

de necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX). Trata-se,<br />

aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade<br />

das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas<br />

em circunstâncias incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e<br />

temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos). A razão<br />

do dispositivo constitucional em apreço, obviamente, é contemplar situações nas<br />

quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo<br />

importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou<br />

emprego, pelo que não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não<br />

é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato<br />

suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, “necessidade temporária”),<br />

por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas<br />

deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar (...)<br />

(Curso de Direito Administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros Editores,<br />

2005. p. 261-262.)<br />

5. No julgamento da ADI 3.395/DF, por maioria, o posicionamento deste<br />

<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> consistiu em referendar a medida cautelar deferida<br />

pelo Ministro Nelson Jobim, cujos termos são os seguintes:<br />

Dou interpretação conforme ao inciso I do art. 114 da [Constituição da<br />

República], na redação da [Emenda Constitucional] 45/04. Suspendo, ad referendum,<br />

toda e qualquer interpretação dada ao inciso I do art. 114 da [Constituição


R.T.J. — <strong>207</strong> 271<br />

da República], na redação dada pela [Emenda Constitucional] 45/04, que inclua,<br />

na competência da Justiça do Trabalho, a “(...) apreciação (...) de causas que (...)<br />

sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por<br />

típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo.”<br />

(DJ de 4-2-05, grifos nossos.)<br />

6. Naquela decisão, ao mencionar que estariam suspensas as interpretações<br />

que incluíssem na competência da justiça laboral as causas entre o poder<br />

público “e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária<br />

ou de caráter jurídico-administrativo”, incluíram-se os contratados por<br />

tempo determinado.<br />

Assim é que, ante os critérios constitucionais de temporariedade e de<br />

excepcionalidade, a administração pública realiza a contratação de servidores<br />

temporários.<br />

Conforme consignei, faz-se necessário, então,<br />

(...) que se estabeleçam os critérios legais para a definição administrativa do<br />

que seja a temporariedade e a excepcionalidade. Aquela relativa à necessidade, e<br />

esta concernente ao interesse público.<br />

É temporário aquilo que tem duração prevista no tempo, o que não tende à<br />

duração ou à permanência no tempo. A transitoriedade põe-se como uma condição<br />

que indica ser passageira a situação, pelo que o desempenho da função, pelo<br />

menos pelo contratado, tem o condão de ser precário. A necessidade que impõe<br />

o comportamento há de ser temporária, segundo os termos constitucionalmente<br />

traçados. Pode-se dar que a necessidade do desempenho não seja temporária, que<br />

ela até tenha de ser permanente. Mas a necessidade, por ser contínua e até mesmo<br />

ser objeto de uma resposta administrativa contida ou expressa num cargo que<br />

se encontre, eventualmente, desprovido, é que torna aplicável a hipótese constitucionalmente<br />

manifestada pela expressão “necessidade temporária”. Quer-se,<br />

então, dizer que a necessidade das funções é contínua, mas aquela que determina<br />

a forma especial de designação de alguém para desempenhá-las sem o concurso e<br />

mediante contratação é temporária (...)<br />

(ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores<br />

públicos. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 241-242.)<br />

Assim, embora os doutrinadores adotem classificações diversas, para<br />

José Afonso da Silva, a estrutura estatal desenvolve-se com o desempenho de<br />

atividades por parte de “(...) dois grandes grupos: (1) os servidores públicos<br />

que compreendem quatro categorias (art. 37, I e IX); (a) servidores investidos<br />

em cargos (funcionários públicos), (b) servidores públicos investidos em empregos<br />

(empregados públicos), (c) servidores admitidos em funções públicas<br />

(servidores públicos em sentido estrito) e (d) servidores contratados por tempo<br />

determinado (prestacionistas de serviço público temporário); (2) os militares<br />

que compreendem os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros<br />

Militares (art. 42) e os das Forças Armadas (art. 142, § 3º). (...)” (Curso de Direito<br />

Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: RT, 2005, p. 678, grifos nossos).<br />

Conforme já destaquei,


272<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

O que determina, pois, em verdade, a categorização dos agentes públicos<br />

em espécies definidas é o objeto da função estatal a ser desempenhada e – como<br />

conseqüência direta de tal critério – a natureza do vínculo firmado entre o agente<br />

e a pessoa pública. Em razão do acolhimento do objeto da função como critério<br />

informador se tem a definição constitucional da situação jurídica do agente apta a<br />

desenvolvê-la, atuando como Estado. Para tanto, estabelece-se, no ordenamento, a<br />

natureza da relação a vincular a pessoa física à pessoa estatal (...)<br />

(Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva,<br />

1999, p. 61-62).<br />

7. Nos termos trazidos aos autos, o contrato ADGRH 504/00 – Anatel (fls.<br />

25-31), firmado entre essa agência reguladora e Simone de Oliveira Brandão,<br />

Autora da Reclamação trabalhista 0183-2007-021-10-00-4, ora Interessada, foi<br />

prorrogado, nos Termos Aditivos 303/01 (fls. 35-36), 266/02 (fls. 38-39), 332/03<br />

(fls. 42-43) e 493/04 (fls. 45-46).<br />

Contratada inicialmente em 30 de junho de 2000, o último termo aditivo<br />

prorrogou seu contrato temporário até 28 de fevereiro de 2005 (fls. 31 e 45).<br />

As prorrogações ocorreram nos termos autorizados pela Cláusula Décima<br />

Segunda do Contrato ADGRH 504:<br />

12.1. O contrato vigorará por um ano, a contar da data de sua assinatura,<br />

quando o contratado [ora Interessado] iniciará sua prestação de serviços.<br />

12.2. O contrato poderá ser prorrogado por até duas vezes, por meio de termos<br />

de aditamento, por períodos de duração de até um ano, a critério exclusivo<br />

da contratante [ora Reclamante], e de acordo com a avaliação de desempenho do<br />

contratado, realizada pelo responsável superior (...)<br />

(Fl. 30.)<br />

8. A circunstância de permitir o contrato originário a prorrogação “por até<br />

duas vezes” e ocorrerem quatro prorrogações é matéria que não cabe discutir no<br />

âmbito da Reclamação, embora haja essa previsão na Lei 9.986/00.<br />

9. Assim, o que se tem na espécie é que o contrato temporário foi realizado<br />

nos termos do que permite o art. 37, inciso IX, da Constituição da República e<br />

da legislação que se lhe segue, submetendo-se o contratado ao regime jurídico<br />

administrativo, nos moldes da Lei 8.745/93; do inciso XXIII do art. 19 da Lei<br />

9.472/97 e do Decreto 2.424/97.<br />

Adotado o regime jurídico administrativo, especificado para ser aplicado<br />

à espécie, afasta-se a natureza celetista do vínculo estabelecido entre as partes e<br />

cogitada pela Interessada, autora daquela reclamação trabalhista.<br />

Logo, na esteira da decisão tomada na ADI 3.395-MC, afastada ficou a<br />

competência da Justiça do Trabalho para o julgamento da Reclamação trabalhista<br />

00183-2007-021-10-00-4.<br />

Nesse sentido, este <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> já decidiu: Rcl 4.816-MC/GO,<br />

Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, DJ de 5-12-06; Rcl 4.071/MT,<br />

Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, DJ de 1º-3-06; Rcl 4.262/ES,<br />

Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, DJ de 20-4-06; Rcl 4.275-MC/


R.T.J. — <strong>207</strong> 273<br />

SE, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, DJ de 28-4-06; Rcl 4.356-<br />

MC/SE, Rel. Min. Joaquim Barbosa, decisão monocrática, DJ de 23-5-06; Rcl<br />

4.568-MC/SE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, decisão monocrática, DJ de<br />

28-8-06; Rcl 3.183-MC/PA, Rel. Min. Joaquim Barbosa, decisão monocrática,<br />

DJ de 15-4-05; Rcl 3.431-MC/PA, Rel. Min. Carlos Britto, decisão monocrática,<br />

DJ de 8-8-05; Rcl 4.000-MC/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática,<br />

DJ 2.2.2006; Rcl 4.013-MC/PA, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão<br />

monocrática, DJ de 3-2-06; e Rcl 4.237/PA, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão<br />

monocrática, DJ de 11-4-06.<br />

10. Demonstrado o descumprimento da decisão proferida na ADI 3.395-<br />

MC, comprometida ficou a autoridade do julgamento deste <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong>,<br />

pelo que voto no sentido de julgar procedente a presente reclamação para<br />

determinar a remessa dos autos da Reclamação trabalhista 0183-2007-<br />

021-10-00-4, em trâmite na 21ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, à Justiça<br />

<strong>Federal</strong> da Seção Judiciária do Distrito <strong>Federal</strong>, nos moldes instituídos na<br />

cláusula décima quarta do contrato ADGRH-n. 504/00 – Anatel (fls. 25-31),<br />

aditado pelos Termos 303/01 (fls. 35-36), 266/02 (fls. 38-39), 332/03 (fls. 42-43)<br />

e 493/04 (fls. 45-46).<br />

É como voto.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, peço vênia à Relatora –<br />

creio que todas as reclamações são da Ministra Cármen Lúcia – para, depois de<br />

exame das iniciais contidas nestes processos, julgar improcedentes os pedidos<br />

formulados. Assim o faço reportando-me ao voto proferido no RE 573.202-9/AM:<br />

[...] Realmente, se ajuizada a ação, considerada a Carta <strong>Federal</strong> pretérita, a<br />

partir de regime especial, a competência era da Justiça comum.<br />

Mas, no caso concreto, houve – e houve perante a jurisdição cível especializada,<br />

que é a jurisdição do trabalho – o ajuizamento de uma ação trabalhista em<br />

que a prestadora dos serviços acionou princípio muito caro ao Direito do Trabalho,<br />

que é o da realidade. E apontou que a contratação ocorrida seria simplesmente<br />

uma contratação de fachada. E evocou a existência de vínculo não especial, mas<br />

empregatício, pretendendo, nos moldes da Consolidação das Leis do Trabalho e<br />

legislação esparsa, aviso prévio, décimo terceiro salário, fundo de garantia, multa<br />

pelo despedimento sem justa causa e, friso, anotação da Carteira de Trabalho.<br />

Como é definida a competência? A jurisdição é una, mas sabemos que,<br />

ante a necessidade de racionalização, há diversos segmentos. Como é definida a<br />

competência considerada certa causa ajuizada? É definida a partir das causas de<br />

pedir e dos pedidos formulados na inicial. Procedência ou improcedência resolvese<br />

em outro campo, que não é o da competência. Se a recorrida tivesse realmente<br />

ajuizado uma ação acionando a lei estadual, que encerra o citado regime especial,<br />

não teria a menor dúvida em concluir que incumbiria à Justiça comum dirimir o<br />

conflito de interesses. Ela, no entanto, ajuizou uma ação trabalhista, evocando, a<br />

partir do princípio da realidade, a partir do dia-a-dia da prestação dos serviços, a<br />

existência de contrato de trabalho.


274<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Ora, temos decidido – e cito um precedente de V. Exa., Presidente, neste<br />

Plenário, no CC 7.128-1, Santa Catarina – que, nesses casos em que se pede – repito<br />

– o reconhecimento do vínculo empregatício, competente para dizer se existente<br />

ou não o vínculo é a Justiça do Trabalho. E quer considerada a Constituição<br />

anterior, quer a Constituição atual, que, ante a Emenda Constitucional 45, ampliou-se<br />

e muito a competência da Justiça do Trabalho, no que veio a expungir a<br />

referência, no art. 114, a empregador – que pressupõe sempre o vínculo empregatício<br />

–, aludindo à relação de trabalho-gênero. Não surge controvérsia maior. Mas,<br />

isso não vem ao caso, e sabemos que o <strong>Tribunal</strong> suspendeu a eficácia do art. 114,<br />

na nova redação, tendo em conta vício formal na tramitação da proposta que resultou<br />

na Emenda 45. E, ao suspender, apenas consignou que continuaria, quanto<br />

a prestadores de serviço a pessoas jurídicas de Direito Público, a competência da<br />

Justiça do Trabalho quando evocado – simples evocação, a existência ou não é<br />

outra coisa – o vínculo empregatício.<br />

Não posso imaginar que se transfira à Justiça comum a solução de controvérsia<br />

na qual apontado o mascaramento de verdadeiro contrato de trabalho,<br />

mediante aquela contratação inicial sob o ângulo formal, presente a lei especial<br />

e projeção no tempo – um trabalho temporário que, neste caso, inclusive, teria se<br />

projetado por oito anos.<br />

Então, Presidente, creio que devemos marchar com segurança, e, neste<br />

caso, em que se discute a competência – se da Justiça comum ou da Justiça do<br />

Trabalho, por isso nós encontramos precedentes em todos os sentidos –, precisamos<br />

perquirir qual é a causa de pedir e quais os pedidos formulados. Se a causa de<br />

pedir é a existência de um vínculo empregatício, contrato de trabalho regido pela<br />

Consolidação das Leis do Trabalho, e se os pedidos dizem respeito a esse vínculo,<br />

não há como – a não ser que se coloque em segundo plano o próprio sistema pátrio<br />

– concluir pela competência da Justiça comum.<br />

Foi isso que decidimos no CC 7.128-1, Santa Catarina, relatado por V. Exa.,<br />

com acórdão publicado no Diário de Justiça, de 1º de abril. V. Exa. fez consignar<br />

na ementa:<br />

“(...)<br />

4. Contrato por tempo determinado para atender a necessidade temporária<br />

de excepcional interesse público. Típica demanda trabalhista contra<br />

pessoa jurídica de direito público. Competência da Justiça do Trabalho.<br />

Art. 114 da Constituição (...)”<br />

E o meu eterno <strong>Tribunal</strong>, <strong>Tribunal</strong> Superior do Trabalho, acabou por editar<br />

o Verbete 205, orientação jurisprudencial com o seguinte teor:<br />

“Competência material. Justiça do Trabalho. Ente público. Contratação<br />

irregular. Regime especial. Desvirtuamento.”<br />

Inscreve-se na competência material da Justiça do Trabalho dirimir dissídio<br />

individual entre trabalhador e ente público, se há – aqui está a pedra de toque<br />

definidora da competência – controvérsia acerca do vínculo empregatício, ou seja,<br />

para dirimir se, no caso, ocorreu realmente uma relação empregatícia, como tal<br />

regida pela Consolidação das Leis do Trabalho, somente é competente a Justiça<br />

do Trabalho. Se a Justiça do Trabalho conclui que não, que realmente o regime<br />

se mostrou especial, aí sim ela assenta esse fato e julga o autor carecedor da ação<br />

trabalhista proposta. Fora isso, a meu ver, é não se ter critério para a definição da<br />

competência. Repito, definem a competência para julgamento da causa a petição<br />

inicial, as causas de pedir da petição inicial e o pedido formulado. E aqui, no caso,


R.T.J. — <strong>207</strong> 275<br />

se disse da existência, verdadeiramente, de um contrato de trabalho. Não há como<br />

o processo voltar à estaca zero depois – creio – de anos e anos.<br />

[...]<br />

É como voto.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

Rcl 5.171/DF — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Reclamante: Agência<br />

Nacional de Telecomunicações – ANATEL (Advogado: Raimundo Juarez<br />

Neto). Reclamada: Juíza do Trabalho da 21ª Vara do Trabalho de Brasília (Proc.<br />

00183-2007-021-10-00-4). Interessados: Simone de Oliveira Brandão e outros<br />

(Advogado: Silvio Palma Masseli).<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio,<br />

julgou procedente a reclamação, nos termos do voto da Relatora. Votou o<br />

Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, justificadamente, os Ministros<br />

Celso de Mello, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa.<br />

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros<br />

Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Eros Grau,<br />

Cármen Lúcia e Menezes Direito. Vice-Procurador-Geral da República, Dr.<br />

Roberto Monteiro Gurgel Santos.<br />

Brasília, 21 de agosto de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


276<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

MANDADO DE SEGURANÇA 25.938 — DF<br />

Relatora: A Sra. Ministra Cármen Lúcia<br />

Impetrantes: Antonio Augusto de Toledo Gaspar e outros — Impetrado:<br />

Conselho Nacional de Justiça<br />

Mandado de segurança. Resolução 10/05, do Conselho Nacional<br />

de Justiça. Vedação ao exercício de funções, por parte<br />

dos Magistrados, em Tribunais de Justiça Desportiva e suas<br />

comissões disciplinares. Estabelecimento de prazo para desligamento.<br />

Norma proibitiva de efeitos concretos. Inaplicabilidade<br />

da Súmula 266 do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>. Impossibilidade<br />

de acumulação do cargo de juiz com qualquer outro, exceto o<br />

de magistério.<br />

1. A proibição jurídica é sempre uma ordem, que há de ser<br />

cumprida sem que qualquer outro provimento administrativo<br />

tenha de ser praticado. O efeito proibitivo da conduta – acumulação<br />

do cargo de integrante do Poder Judiciário com outro,<br />

mesmo sendo este o da Justiça Desportiva – dá-se a partir da vigência<br />

da ordem e impede que o ato de acumulação seja tolerado.<br />

2. A Resolução 10/05, do Conselho Nacional de Justiça,<br />

consubstancia norma proibitiva, que incide, direta e imediatamente,<br />

no patrimônio dos bens juridicamente tutelados dos magistrados<br />

que desempenham funções na Justiça Desportiva e é<br />

caracterizada pela auto-executoriedade, prescindindo da prática<br />

de qualquer outro ato administrativo para que as suas determinações<br />

operem efeitos imediatos na condição jurídico-funcional<br />

dos Impetrantes. Inaplicabilidade da Súmula 266 do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.<br />

3. As vedações formais impostas constitucionalmente aos<br />

magistrados objetivam, de um lado, proteger o próprio Poder<br />

Judiciário, de modo que seus integrantes sejam dotados de condições<br />

de total independência e, de outra parte, garantir que<br />

os juízes dediquem-se, integralmente, às funções inerentes ao<br />

cargo, proibindo que a dispersão com outras atividades deixe<br />

em menor valia e cuidado o desempenho da atividade jurisdicional,<br />

que é função essencial do Estado e direito fundamental do<br />

jurisdicionado.<br />

4. O art. 95, parágrafo único, inciso I, da Constituição da<br />

República vinculou-se a uma proibição geral de acumulação do<br />

cargo de juiz com qualquer outro, de qualquer natureza ou feição,<br />

salvo uma de magistério.<br />

5. Segurança denegada.


R.T.J. — <strong>207</strong> 277<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro<br />

Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />

em não haver impedimento do Presidente do Conselho Nacional de Justiça,<br />

que fez a publicação da decisão, mesmo que tivesse participado eventualmente<br />

da própria sessão que deu ensejo à prática do ato. Em seguida, o <strong>Tribunal</strong>, por<br />

unanimidade e nos termos do voto da Relatora, indeferiu a segurança. Votou o<br />

Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Declarou suspeição o Ministro Joaquim<br />

Barbosa. Falou pelos Impetrantes o Dr. Rubens Approbato Machado.<br />

Brasília, 24 de abril de 2008 — Cármen Lúcia, Relatora.<br />

RELATÓRIO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: 1. Mandado de segurança, com pedido de<br />

medida liminar, impetrado por Antonio Augusto de Toledo Gaspar e outros,<br />

em 10-4-06, contra ato do Conselho Nacional de Justiça, consubstanciado na<br />

Resolução 10/05, buscando torná-la “sem efeito” (fl. 18) para os Impetrantes.<br />

O caso<br />

2. Em 19-12-05, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 10,<br />

pela qual ficou vedado “o exercício (...) de funções nos Tribunais de Justiça<br />

Desportiva e em suas Comissões Disciplinares” dos integrantes do Poder<br />

Judiciário, determinando-se, ainda, que aqueles que exerciam funções nos quadros<br />

da Justiça Desportiva delas se desligassem até 31-12-05.<br />

3. Contra aquela Resolução se insurgiram os Impetrantes, em 10.4.2006,<br />

pela presente ação. Magistrados buscaram afastar aquela vedação para persistir<br />

na condição de integrantes de órgãos da Justiça Desportiva.<br />

Em 17-4-06, o então Relator deste mandado de segurança, Ministro<br />

Joaquim Barbosa, indeferiu a medida liminar pleiteada, ao fundamento de que:<br />

a) “a impetração parece atacar norma abstrata, o que é incabível no âmbito do<br />

mandado de segurança, conforme jurisprudência pacífica do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>” e b) “não obstante a resolução atacada date de 19-12-05 – publicada em<br />

22-12-05 –, somente agora, em 10-4-06, os Impetrantes impetraram mandado<br />

de segurança – quando o prazo decadencial de 120 dias já se encontra quase<br />

expirado. Essa demora, sem dúvida alguma, enfraquece o argumento da necessidade<br />

de provimento jurisdicional imediato, ainda mais porque o art. 3º da<br />

resolução estabelece que a mesma entrará em vigor na data de sua publicação.”<br />

(fls. 85-86, DJ de 25-4-06).<br />

Determinou aquele nobre Ministro, contudo, que fossem solicitadas informações<br />

ao Conselho Nacional do Ministério Público e, na seqüência, ouvido o<br />

Procurador-Geral da República.


278<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

4. Contra essa decisão, os Impetrantes interpuseram agravo regimental,<br />

afirmando que “o que se pretende não é ‘atacar norma abstrata’, mas sim os efeitos<br />

concretos de um ato emanado do Conselho Nacional de justiça, de caráter<br />

nitidamente sancionatório” (fl. 93), que teria determinado o seu desligamento da<br />

Justiça Desportiva, a dizer, dos órgãos que integravam.<br />

Asseveraram que “o efeito concreto é, portanto, inerente ao próprio ato<br />

impugnado e tem força executiva em relação aos Impetrantes, situação que autoriza<br />

o writ constitucional” (fl. 93).<br />

5. Nas informações prestadas, o Conselho Nacional de Justiça, por sua<br />

então Presidente, Ministra Ellen Gracie, esclareceu que a Resolução 10/05 fora<br />

editada em harmonia com o art. 95, parágrafo único, inciso I, da Constituição<br />

da República, no qual se consagra “o princípio da dedicação exclusiva à função<br />

judicante” (fl. 101).<br />

6. Em 19-6-06, o Procurador-Geral da República manifestou-se pela<br />

extinção do mandado de segurança, sem julgamento de mérito, com base na<br />

Súmula 266 do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (fl. 106).<br />

7. Em 23-3-07, o eminente Ministro Joaquim Barbosa declarou-se suspeito<br />

para julgar a causa (fl. 108), tendo sido os autos redistribuídos, vindo-me eles<br />

conclusos em 3-4-07 (fl. 113).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): 1. O objeto do presente mandado<br />

de segurança é a incidência dos efeitos da Resolução 10/05, aprovada pelo<br />

Conselho Nacional de Justiça, na situação funcional dos Impetrantes como integrantes<br />

de órgãos da Justiça Desportiva.<br />

Ato normativo do Conselho Nacional de Justiça e mandado de segurança<br />

2. Cumpre, inicialmente, ponderar sobre a natureza do ato questionado,<br />

pois daí resulta a possibilidade jurídica, ou não, de se dar seguimento à presente<br />

ação de mandado de segurança.<br />

Expedida no exercício de competência normativa do Conselho Nacional<br />

de Justiça, a Resolução 10/05 contém ato normativo, genérico, abstrato e<br />

impessoal.<br />

Todavia, por se cuidar de ato proibitivo, que define prazos para que os seus<br />

destinatários adotem providências, personalizam-se os seus efeitos sobre o patrimônio<br />

de bens jurídicos dos Impetrantes.<br />

3. De se distinguir, portanto, a impossibilidade de se fazer uso da via do<br />

mandado de segurança para questionar “lei em tese” (Súmula 266 do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>) de outra circunstância, que é a que se refere à necessidade de<br />

se questionarem os efeitos de uma norma proibitiva.


R.T.J. — <strong>207</strong> 279<br />

A inação de uma autoridade administrativa ou judicial pode ser determinada<br />

por norma que a proíba de agir ou que determina que ela aja no sentido<br />

de impedir, de vedar, de impossibilitar ou de desfazer o quanto antes praticado.<br />

Não haverá, então, um fazer determinado pela norma. É o não fazer, o não agir<br />

ou o agir segundo padrão que imponha o cumprimento do que a proibição estabelece<br />

que é o objeto do questionamento.<br />

A proibição, nesse caso, põe-se por força da norma e é ela que se combate,<br />

não, porém, em tese, mas nos efeitos que a sua aplicação impõe a pessoa<br />

determinada.<br />

É o efeito concreto do ato consubstanciado na Resolução 10/05 para cada<br />

qual dos Impetrantes que é questionado na presente impetração. Não é a tese<br />

contida naquele ato normativo, senão a sua aplicação na vida de cada um deles.<br />

A aplicação do ato, que não carece de qualquer prática administrativa ou<br />

judicial para fazer incidir o seu efeito sobre o patrimônio de bens jurídicos dos<br />

Impetrantes, reveste-se das características de concretude e instantaneidade de<br />

efeitos que viabilizam o uso da ação de mandado de segurança. E dessas características<br />

dota-se o ato do Conselho Nacional de Justiça, afastando-o, a meu ver,<br />

do óbice posto pela Súmula 266, do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong>.<br />

4. Na assentada de 16-2-06, ao julgar a constitucionalidade da Resolução<br />

7/05 do Conselho Nacional de Justiça, o Plenário deste <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> deferiu<br />

pedido de medida cautelar na ADC 12/DF para suspender, até a decisão<br />

de mérito daquela ação, todos os processos que tivessem por objeto aquela resolução,<br />

dada a sua adjetivação jurídica de generalidade, abstração e impessoalidade.<br />

É o que se contém no voto do eminente Ministro Joaquim Barbosa (fl.<br />

86), segundo o qual:<br />

Ementa: ação declaratória de constitucionalidade, ajuizada em prol da<br />

Resolução 7, de 18-10-05, do Conselho Nacional de Justiça. Medida cautelar. (...)<br />

A Resolução 7/05 do CNJ reveste-se dos atributos da generalidade (os dispositivos<br />

dela constantes veiculam normas proibitivas de ações administrativas de logo<br />

padronizadas), impessoalidade (ausência de indicação nominal ou patronímica de<br />

quem quer que seja) e abstratividade (trata-se de um modelo normativo com âmbito<br />

temporal de vigência em aberto, pois claramente vocacionado para renovar de<br />

forma contínua o liame que prende suas hipóteses de incidência aos respectivos<br />

mandamentos). A Resolução 7/05 se dota, ainda, de caráter normativo primário,<br />

dado que arranca diretamente do § 4º do art. 103-B da Carta-cidadã e tem como<br />

finalidade debulhar os próprios conteúdos lógicos dos princípios constitucionais<br />

de centrada regência de toda a atividade administrativa do Estado, especialmente<br />

o da impessoalidade, o da eficiência, o da igualdade e o da moralidade. (...) Medida<br />

liminar deferida para, com efeito vinculante: a) emprestar interpretação conforme<br />

para incluir o termo “chefia” nos incisos II, III, IV, V do art. 2º do ato normativo<br />

em foco; b) suspender, até o exame de mérito desta ação declaratória de constitucionalidade,<br />

o julgamento dos processos que tenham por objeto questionar a<br />

constitucionalidade da Resolução 7/05, do Conselho Nacional de Justiça; c) obstar<br />

que juízes e Tribunais venham a proferir decisões que impeçam ou afastem a<br />

aplicabilidade da mesma Resolução 7/05, do CNJ e d) suspender, com eficácia ex


280<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

tunc, os efeitos daquelas decisões que, já proferidas, determinaram o afastamento<br />

da sobredita aplicação.<br />

(ADC 12-MC/DF, Rel. Min. Carlos Britto, <strong>Tribunal</strong> Pleno, DJ de 1º-9-06.)<br />

Mas, diversamente do que se dá na presente ação, naquela ação declaratória<br />

de constitucionalidade se discutia ato normativo que determinava aos Presidentes<br />

dos Tribunais que exonerassem servidores enquadrados nas hipóteses do<br />

art. 2º da Resolução 7/05. Na espécie vertente se constata não haver outro ato administrativo<br />

a ser praticado por qualquer outra autoridade para que os efeitos da<br />

Resolução 10/05 se imponham. São os integrantes do Poder Judiciário, que componham<br />

quadros da Justiça desportiva, que ficam obrigados a se desligar destes<br />

por força daquele ato do Conselho. A proibição impõe-se independente de nova<br />

ordem ou da prática de qualquer outro ato. Aliás, de se atentar que a proibição jurídica<br />

é sempre uma ordem, que, no caso em apreciação, há de ser cumprida sem<br />

que qualquer outro provimento administrativo tenha de ser praticado. Pelo que o<br />

efeito proibitivo da conduta – acumulação do cargo de integrante do Poder Judiciário<br />

com outro, mesmo sendo este o da Justiça Desportiva –, contém-se a partir<br />

da vigência da mesma e impede que aquele ato de acumulação seja tolerado.<br />

Os próprios destinatários da norma expendida pelo Conselho vêem-se obrigados<br />

a se afastarem das funções exercidas no órgão de Justiça Desportiva ou em suas<br />

Comissões Disciplinares pela vedação que lhes é imposta pelo Conselho.<br />

5. A Resolução 10/05 tem a seguinte redação:<br />

Art. 1º É vedado o exercício pelos integrantes do Poder Judiciário de funções<br />

nos Tribunais de Justiça Desportiva e em suas Comissões Disciplinares (Lei<br />

9.615, de 24.03.98, arts. 52 e 53).<br />

Art. 2º É determinado aos atuais membros do Poder Judiciário que exercem<br />

funções nos Tribunais de Justiça Desportiva e em suas Comissões Disciplinares<br />

que se desliguem dos referidos órgãos até o dia 31 de dezembro de 2005.<br />

Art. 3º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.<br />

6. Depreende-se, pois, de sua só leitura, que a aplicação imediata e concreta<br />

da norma proibitiva do art. 1º tem seus efeitos diretamente relacionados ao<br />

que está disposto no art. 2º, no qual se fixa prazo para a providência determinada<br />

aos destinatários da ordem.<br />

A conduta definida nos dispositivos dirige-se a magistrados certos e determináveis,<br />

quais sejam, aqueles que exercem funções nos Tribunais de Justiça<br />

Desportiva e em suas Comissões Disciplinares.<br />

É nessa condição que estão os Impetrantes.<br />

A determinação para que se desliguem das funções indicadas é taxativa<br />

com a definição mesma do prazo para a providência, a saber, até o dia 31-12-05.<br />

Dúvida não remanesce, pois, longe de se estar diante de um ato questionado<br />

em tese, o que se tem, na espécie, é ato normativo que proíbe conduta e<br />

determina providência, para que todos se afeiçoem ao quanto nela proibido, produzindo<br />

efeitos concretos sobre o patrimônio de bens jurídicos dos Impetrantes.


R.T.J. — <strong>207</strong> 281<br />

7. Ao cuidar do objeto do mandado de segurança e de seu cabimento<br />

quando o ato normativo impugnado se revela de efeitos concretos, pondera<br />

Francisco Campos que:<br />

o que, evidentemente, tinham em vista os ilustres julgadores, ao se pronunciar<br />

pela inidoneidade da invocação do mandado de segurança contra atos de<br />

natureza legislativa, não era a natureza formal do ato ou a espécie da autoridade<br />

incumbida de editá-lo, mas, precisamente, o fato de que o legislador, de modo<br />

geral, edita o direito em tese, ou sob a forma de regras ou de normas abstratas,<br />

que só mediante atos de autoridade incumbidas de aplicá-lo se insere no tecido<br />

dos interesses e das faculdades individuais. Somente então se torna concreta ou<br />

se individua a incidência do ato legislativo, que passa a aderir àqueles interesses e<br />

faculdades, regendo-os efetivamente ou operando em relação a eles as proibições<br />

e restrições que até o advento do novo direito não os podia limitar. Esta me parece<br />

ser a tese sufragada pelo egrégio <strong>Tribunal</strong>. (...) Quando se diz, portanto, que contra<br />

ato de natureza normativa, como a lei ou qualquer outra resolução editada por via<br />

geral ou com o caráter de generalidade e abstração que distingue a lei em sentido<br />

material dos demais atos de governo, de conteúdo concreto ou individual, não<br />

cabe o mandado de segurança, se diz menos do que deveria dizer-se, pois a asserção<br />

é, igualmente, verdadeira quanto aos demais remédios judiciais, que não têm<br />

por objeto, em caso algum, vulnerar a lei na sua generalidade, mas tão-somente<br />

subtrair à sua incidência o caso particular que, por expressa determinação do legislador,<br />

passa desde logo a reger-se pelas disposições legais. O que, na hipótese,<br />

constitui objeto da ação ou do mandado de segurança não é a lei em tese ou em<br />

abstrato, ou a lei como norma geral em si e por si mesma, ou por motivo da sua<br />

generalidade, mas a lei no momento em que se especializa ou se concretiza como<br />

regra de um ato individual ou de um interesse legítimo que para se realizar depende<br />

do concurso de autoridades públicas, obrigadas, entretanto, a abster-se por<br />

força de injunção que lhes é intimada na própria lei. No caso em que a lei a par do<br />

mandamento geral contém uma ordem concreta às autoridades públicas, de cujo<br />

concurso depende o exercício de uma autoridade individual, para que se recusem<br />

a prestá-lo, o que visa a lei é, precisamente, tornar-se desde logo executória, sem<br />

necessidade de qualquer ato administrativo destinado a especializar ao caso concreto<br />

a norma geral que enuncia. Por obra da injunção legal, a lei se aplica de modo<br />

direto e imediato ou se tornam operantes desde logo as restrições ou limitações<br />

postas por ela ao exercício da liberdade que pretende regular (...) se (...) a lei ou<br />

qualquer ato de natureza normativa, contém medidas ou disposições por força das<br />

quais o indivíduo se vê privado desde logo de uma liberdade ou de um interesse<br />

legítimo, a medida judicial invocada pelo indivíduo lesado não tem por objeto a lei<br />

em tese, senão a sua incidência concreta sobre a liberdade ou o interesse em questão.<br />

Configura-se, no caso, a condição necessária para o exercício do direito de<br />

ação, que tem, precisamente, por pressupostos a lesão de um direito individual (...)<br />

(Parecer, In Revista Forense, v. 155, p. 80.)<br />

Também Hely Lopes Meirelles observa sobre o tema que:<br />

o objeto normal do mandado de segurança é o ato administrativo específico,<br />

mas por exclusão presta-se a atacar as leis e decretos de efeitos concretos, as deliberações<br />

legislativas e as decisões judiciais para as quais não haja recurso capaz<br />

de impedir a lesão ao direito subjetivo do impetrante.


282<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Por leis e decretos de efeitos concretos entendem-se aqueles que trazem<br />

em si mesmos o resultado específico pretendido, tais como as leis que aprovam<br />

planos de urbanização, as que fixam limites territoriais, (...) as que proíbem condutas<br />

individuais (...). Tais leis ou decretos nada têm de normativos; são atos de<br />

efeitos concretos, revestindo a forma imprópria de lei ou decreto por exigências<br />

administrativas. Não contêm mandamentos genéricos, nem apresentam qualquer<br />

regra abstrata de conduta: atuam concreta e imediatamente como qualquer ato<br />

administrativo de efeitos individuais e específicos, razão pela qual se expõem ao<br />

ataque pelo mandado de segurança.<br />

(MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação<br />

civil pública, mandado de injunção, habeas data. 29. ed. São Paulo:<br />

Malheiros, 2006. p. 41, grifos nossos.)<br />

Na mesma linha de raciocínio, Celso Antônio leciona que:<br />

há uma grande quantidade de leis que produzem, só com a sua promulgação<br />

e entrada em vigor, um agravo específico ao direito do administrativo. São as<br />

leis proibitivas. Uma lei proibitiva, à medida que vede inconstitucionalmente, que<br />

alguém pratique um dado ato, já lhe criou uma barreira e um dique, de tal sorte<br />

que o próximo comportamento em relação ao indivíduo, que está a se considerar<br />

lesado por essa lei proibitiva inconstitucional, será uma conduta material. Já será<br />

o agravo ao direito. (...) Diria eu que todas as vezes que de uma lei resulte desnecessidade<br />

da prática de um ato jurídico ulterior, mas possa a autoridade pública,<br />

por força da lei, passar imediatamente ao comportamento material, que é o lesivo<br />

especificamente, que já lesa o comportamento do administrado, nesses casos em<br />

que a lei por força de sua dicção, por força de seu conteúdo, gera uma situação em<br />

que o ato sucessivo já seria a violação, já seria a prática do comportamento material<br />

violador do direito, em todos esses casos poder-se-á impetrar mandado de<br />

segurança contra a própria lei, a menos que se queira admitir que é preferível, por<br />

amor a alguma simetria, não se sabe de onde extraída, aliás, que o direito primeiro<br />

seja violado e que depois alguém possa impetrar a segurança.<br />

(MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de mandado de segurança.<br />

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986. p. 17).<br />

Comentando o Enunciado 266 da súmula deste <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong>, observei,<br />

em outra ocasião, que “primordialmente, há mister salientar-se que o<br />

descabimento de debate jurisdicional sobre teses legais é a regra que encontra<br />

no sistema constitucional positivo a exclusiva exceção da ação direta de inconstitucionalidade<br />

pelo que o enunciado peca por restringir ao mandado de segurança<br />

uma norma pertinente à integralidade sistêmica processual positivada.<br />

Por outro lado, a inviabilidade da escolha da ação de segurança contra tese legal<br />

somente prevalece quando não se tratar de lei auto-executável, hipótese em que<br />

o patrimônio jurídico do cidadão não sofre a investida imediata do cometimento<br />

indigitado ameaçador ou lesivo. Sendo auto-executável, pois, a norma impugnada,<br />

tem sido normalmente admitido o seu questionamento. Não dissentem<br />

a jurisprudência e doutrina pátrias, ainda, quanto à não-aplicação daquela<br />

ilação, quando a regra disputada como inconstitucional tiver natureza proibitiva,<br />

pois essa espécie é havida como obviamente incidente sobre uma atuação


R.T.J. — <strong>207</strong> 283<br />

obrigatoriamente omissiva dos poderes públicos, contra os quais não se poderia<br />

insurgir senão mediante o questionamento direto da regra determinadora da<br />

conduta questionada.” (Do mandado de segurança. In: Revista de Informação<br />

Legislativa. Ano 23, n. 90, abril/junho 1986. p. 163-164).<br />

Ao tratar do cabimento do mandado de segurança, a Segunda Turma do<br />

<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em assentada de 7-10-03, decidiu que:<br />

Ementa: – Constitucional. Mandado de segurança. Lei em tese: Nãocabimento.<br />

Súmula 266-STF. I – Se o ato normativo consubstancia ato administrativo,<br />

assim de efeitos concretos, cabe contra ele o mandado de segurança.<br />

Todavia, se o ato – lei, medida provisória, regulamento – tem efeito normativo,<br />

genérico, por isso mesmo sem operatividade imediata, necessitando, para a sua<br />

individualização, da expedição de ato administrativo, então contra ele não cabe<br />

mandado de segurança, já que, admiti-lo implicaria admitir a segurança contra lei<br />

em tese: Súmula 266-STF. II – Segurança não conhecida.<br />

(Grifos nossos.) (RMS 24.266, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma,<br />

24-10-03.)<br />

No exercício da Presidência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong>, nos autos do MS 26.325,<br />

impetrado por promotor de justiça amapaense contra a Resolução 5/06 do<br />

Conselho Nacional do Ministério Público, o eminente Ministro Gilmar Mendes<br />

decidiu, liminarmente, que:<br />

(...) Não se desconhece a orientação do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, cristalizada<br />

na Súmula 266, no sentido do não-cabimento de mandado de segurança contra<br />

lei ou ato normativo em tese, uma vez que ineptos para provocar lesão a direito<br />

líquido e certo. Segundo esse entendimento, a concretização de ato administrativo<br />

com base na lei poderá viabilizar a impugnação, com pedido de declaração de inconstitucionalidade<br />

da norma questionada.<br />

Embora seja uma medida compreensível no contexto do sistema difuso, é<br />

certo que o sistema de proteção jurídica sofreu profunda alteração com o advento<br />

da Constituição de 1988. Assim, é de se indagar se ainda subsistem razões para a<br />

mantença dessa orientação restritiva, pelo menos em relação àquelas leis das quais<br />

decorrem efeitos diretos e imediatos para as diversas posições jurídicas.<br />

No âmbito da Corte Constitucional alemã tem-se mitigado o significado do<br />

princípio da subsidiariedade aplicável ao recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde)<br />

para admitir a impugnação de leis que afetem posições jurídicas de forma<br />

direta, desde que não se afigure razoável aguardar a exaustão das instâncias. Reconhece-se,<br />

por outro lado, que leis que alteram a denominação de cargos ou proíbem<br />

o exercício de uma profissão no futuro são dotadas de eficácia imediata e mostramse<br />

aptas para afetar direito subjetivo e, por isso, podem ser impugnadas diretamente.<br />

Assim, em tais casos, afigura-se razoável a superação da súmula referida ou, pelo<br />

menos, que se adote um distinguishing para afirmar que as leis que afetam posições<br />

jurídicas de forma imediata poderão ser impugnadas em mandado de segurança.<br />

Entendo ser exatamente o caso dos presentes autos. Nele, tem-se um ato<br />

normativo que, ao dirigir expressa proibição aos membros do Parquet, alcançou,<br />

de maneira direta e imediata, a posição jurídica do impetrante, promotor de justiça<br />

e ocupante do cargo de Secretário de Estado do Poder Executivo amapaense.<br />

Mostra-se inteiramente supérfluo o aguardo de novo ato administrativo para que a


284<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

impugnação se viabilize, uma vez que a resolução contestada, por si só, tem força<br />

suficiente para impor ao impetrante as vedações nela contidas.<br />

Por essas razões, conheço do presente writ (...)<br />

(DJ de 1º-2-07.)<br />

8. O ato ora impugnado consubstancia norma proibitiva, que incide, direta<br />

e imediatamente, no patrimônio dos bens juridicamente tutelados dos magistrados<br />

que desempenham funções na Justiça Desportiva – e é caracterizado pela<br />

auto-executoriedade –, prescindindo da prática de qualquer outro ato administrativo<br />

para que as suas determinações operem efeitos imediatos na condição<br />

jurídico-funcional dos Impetrantes.<br />

9. Assim, pelas características e efeitos do ato tido como coator da<br />

Resolução 10/05, a produzir os seus efeitos próprios, diretos e imediatos no<br />

patrimônio jurídico dos Impetrantes, não vislumbro óbice a impedir o trânsito<br />

desta ação de mandado de segurança, razão pela qual dela conheço.<br />

Indago, Senhor Presidente, se seria processualmente conveniente pôr-se<br />

em votação essa preliminar, que é prejudicial do seguimento da ação e, portanto,<br />

do próprio voto elaborado.<br />

No mérito<br />

10. Superada a questão preliminar, há de se considerar que, no mérito,<br />

a questão posta em exame tem como ponto nuclear a análise da possibilidade<br />

de haver, ou não, nódoa jurídica a tisnar o ato coator questionado, qual seja,<br />

a proibição de o magistrado exercer qualquer cargo ou função, salvo uma de<br />

magistério, segundo prescrição constitucional, cujo desdobramento teria sido o<br />

elemento determinante da resolução ora apreciada.<br />

11. Segundo as informações prestadas pela eminente Ministra Ellen<br />

Gracie, então Presidente do Conselho Nacional de Justiça (fl. 101), a expedição<br />

do ato teria se embasado no parágrafo único do art. 95 da Constituição brasileira,<br />

que estabelece a exclusividade do magistrado à função judicante, ressalva<br />

feita a uma de magistério, nos termos seguintes:<br />

Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:<br />

(...)<br />

Parágrafo único. Aos juízes é vedado:<br />

I – exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma<br />

de magistério.<br />

12. De se enfatizar que as vedações formais impostas, constitucionalmente,<br />

aos magistrados objetivam, de um lado, proteger o próprio Poder<br />

Judiciário, de modo que seus integrantes dotem-se de condições de total independência,<br />

e, de outra parte, garantir que os juízes dediquem-se, integralmente,<br />

às funções inerentes ao cargo, proibindo que a dispersão de atividades deixe em<br />

menor valia e cuidado com desempenho que é função essencial do Estado e direito<br />

fundamental do jurisdicionado.


R.T.J. — <strong>207</strong> 285<br />

Neste sentido assentiu o Plenário do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong>, quando do julgamento<br />

da ADI 3.126-MC/DF, Relator o eminente Ministro Gilmar Mendes, na<br />

qual se examinou a possibilidade de o magistrado exercer mais de um cargo ou<br />

função de magistério:<br />

Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra a Resolução 336, de<br />

2.003, do Presidente do Conselho da Justiça <strong>Federal</strong>, que dispõe sobre o acúmulo<br />

do exercício da magistratura com o exercício do magistério, no âmbito da Justiça<br />

<strong>Federal</strong> de primeiro e segundo graus. (...) 4. Considerou-se, no caso, que o objetivo<br />

da restrição constitucional é o de impedir o exercício da atividade de magistério<br />

que se revele incompatível com os afazeres da magistratura. Necessidade de se<br />

avaliar, no caso concreto, se a atividade de magistério inviabiliza o ofício judicante.<br />

5. Referendada a liminar, nos termos em que foi concedida pelo Ministro<br />

em exercício da Presidência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, tão-somente para<br />

suspender a vigência da expressão “único (a)”, constante da redação do art. 1º da<br />

Resolução 336/03, do Conselho de Justiça <strong>Federal</strong>.<br />

(DJ de 6-5-05.)<br />

13. O ato tido como coator pelos Impetrantes, na presente ação, tem natureza<br />

normativa proibitiva. Por ele busca-se assegurar a efetividade direta e imediata<br />

do comando posto no inciso I do parágrafo único do art. 95 da Cons ti tui ção<br />

do Brasil. A norma constitucional é literal, taxativa e objetiva: ao magistrado é<br />

proibido exercer qualquer outro cargo ou função, senão uma de magistério.<br />

14. O principal argumento dos Impetrantes seria o de que a proibição constitucional<br />

não incidiria no ambiente de cargos ou funções privadas (fl. 5), pelo<br />

que teria havido excesso na Resolução do digno Conselho Nacional de Justiça<br />

ao vedar quaisquer outros cargos ou funções, aí incluídas aquelas exercidas nos<br />

órgãos da Justiça Desportiva e em suas Comissões, o que colidiria, segundo alegam,<br />

frontalmente com o texto constitucional.<br />

Citam doutrina que, ao comentar aquele dispositivo constitucional (art. 95,<br />

parágrafo único, da Constituição), sufraga a interpretação segundo a qual somente<br />

cargos ou funções públicas é que seriam colhidos pela proibição.<br />

15. Imprescindível, portanto, é atentar-se ao comando da norma constitucional,<br />

para se concluir sobre o pedido formulado na presente ação.<br />

Isso porque, se a Constituição do Brasil veda (ou vedasse) apenas a acumulação<br />

de um cargo de juiz com outro cargo ou função pública (salvo uma de<br />

magistério), como pretendem os Impetrantes, restaria examinar a natureza dos<br />

cargos ou funções da Justiça Desportiva para, então, se concluir pela pertinência,<br />

ou não, do pedido de segurança apresentado.<br />

Das vedações de acumulação de cargos ou funções pelos magistrados, salvo<br />

uma de magistério (art. 95, parágrafo único, da Constituição)<br />

16. Desde 1934, as Constituições brasileiras trazem referências ao estatuto<br />

fundamental da magistratura, especificando, ao lado das garantias, as vedações<br />

que com elas conviviam.


286<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

A Constituição de 1934 previu que:<br />

Art. 65. Os Juízes, ainda que em disponibilidade, não podem exercer qualquer<br />

outra função pública, salvo o magistério e os casos previstos na Constituição.<br />

(Grifos nossos.)<br />

A Carta de 1937 preceituou que:<br />

Art. 92. Os Juízes, ainda que em disponibilidade, não podem exercer qualquer<br />

outra função pública.<br />

(Grifos nossos.)<br />

A Constituição de 1946 estabeleceu:<br />

Art. 96. É vedado ao Juiz:<br />

I – exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública,<br />

salvo o magistério secundário, e superior e os casos previstos nesta Constituição,<br />

sob pena de perda do cargo judiciário;<br />

(Grifos nossos.)<br />

A Carta de 1967 estatuiu que:<br />

Art. 109. É vedado ao Juiz, sob pena de perda do cargo judiciário:<br />

I – exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública,<br />

salvo um cargo de magistério e nos casos previstos nesta Constituição;<br />

(Grifos nossos.)<br />

E, ainda, na norma posta pela EC 1/69, que alterou a Constituição de 1967:<br />

Art. 114. É vedado ao juiz, sob pena de perda do cargo judiciário:<br />

I – exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública,<br />

salvo um cargo de magistério e nos casos previstos nesta Constituição;<br />

(Grifos nossos.)<br />

Com o advento da EC 7, de 1977, aquela norma passou a ser a seguinte:<br />

Art. 114. É vedado ao juiz, sob pena de perda do cargo judiciário:<br />

I – exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função, salvo um<br />

cargo de magistério superior, público ou particular, e nos casos previstos nesta<br />

Constituição;<br />

(Grifos nossos.)<br />

Suprimiu-se, nesta, pela primeira vez, a referência expressa à natureza pública<br />

da função, cuja acumulação com o cargo de juiz ficava vedado.<br />

A Constituição de 1988 refere-se a cargo ou função e não qualifica de<br />

público o que se pretendesse acumular com o cargo de juiz. É o texto literal do<br />

art. 95, parágrafo único, da Constituição do Brasil:<br />

Art. 95. (...)<br />

Parágrafo único. Aos juízes é vedado:<br />

I – exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma<br />

de magistério; (...)


R.T.J. — <strong>207</strong> 287<br />

17. Para a interpretação da norma constitucional em foco, dentre os diversos<br />

critérios possíveis de serem adotados, há de se levar em conta o históricoteleológico,<br />

pois com ele, como ensina, dentre outros, Paulo Bonavides, “o<br />

intérprete, ‘debaixo da consideração de todos os momentos acessíveis, se imagina<br />

da forma mais plena possível na alma do legislador’ (...) (caracterizando)<br />

‘uma interpretação mais ou menos livre, consentida a uma autoridade, especialmente<br />

o juiz, a fim de adaptar o conteúdo da norma a exigências práticas surgidas<br />

depois da emanação da própria norma (...)” (BONAVIDES, Paulo. Curso de<br />

direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 446).<br />

18. Ao se considerar o elemento histórico da norma, especialmente quando<br />

se enfatizam os seus antecedentes, anota-se, da mudança processada no antecedente<br />

mais próximo, constante da Emenda 7/77 à Carta de 1967, que se pretendeu,<br />

exatamente, excluir do estatuto constitucional dos magistrados permissão<br />

para se acumular o cargo de juiz com qualquer outro, público ou privado, que<br />

não um (que, de resto, poderia ser público ou privado) de magistério. Daí a referência<br />

feita, quando da outorga da Emenda 7/77:<br />

A mantença da regra constitucional proibitiva, de mesmo teor daquela outorgada<br />

em 1977, conduz, pelo menos num primeiro momento, ao entendimento<br />

de que não foi sem cuidado que se impôs a vedação nos expressos termos aproveitados<br />

pelo Constituinte de 87/88.<br />

Do elemento histórico se extrai que a norma constitucional posta no<br />

art. 95, parágrafo único, inciso I, vinculou-se a uma proibição geral, de acumulação<br />

do cargo de juiz com qualquer outro, de qualquer natureza ou feição, que<br />

não uma de magistério.<br />

19. Quanto ao fim buscado pelo constituinte, é de se realçar conter-se, na<br />

dicção aproveitada, a pretensão de abarcar todo e qualquer cargo ou função, de<br />

qualquer natureza, cuja acumulação com o cargo de juiz fica vedada, o que não<br />

pode ser desconhecido pelo intérprete e pelo aplicador da norma.<br />

Em primeiro lugar, porque o constituinte originário, a despeito de não ter<br />

dito expressamente que aqueles cargos ou funções seriam de natureza pública<br />

ou privada, afirmou o que pode ser exercido – uma função de magistério. Com<br />

isso, excluiu qualquer outro desempenho do titular de cargo de magistrado, que<br />

não uma daquelas, sendo que não destacou sequer essa de sua condição pública<br />

ou privada. Parece demasiado querer que fosse apenas público o que apenas público<br />

não foi tido no texto.<br />

Ademais, cargos e funções não são conceitos restritos à administração<br />

pública, pois podem ser igualmente ocupados ou desempenhadas em organizações<br />

privadas.<br />

Também, ao utilizar expressão genérica, silenciando-se quanto ao termo<br />

“público”, para fixar a vedação à ocupação de cargos ou funções, o constituinte<br />

brasileiro ampliou o que os magistrados não mais poderiam assumir<br />

profissionalmente.


288<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

20. Nem se cogite que, se houvesse compatibilidade de matérias e, principalmente,<br />

de tempo, estaria garantido o desempenho de outras atribuições próprias<br />

de cargo ou função privada ao juiz.<br />

A magistratura demanda exclusividade de desempenho, até mesmo porque<br />

com menos de oito horas não é possível se atender às demandas que o cargo de<br />

juiz reclama. E como se hão de manter as oito horas de sono, normalmente previstas<br />

pela Organização Mundial de Saúde, e oito horas de lazer (aí incluído o convívio<br />

familiar, social, etc.), seria impossível pensar, validamente, pudesse um juiz<br />

desempenhar atividades inerentes a outro cargo ou função – pública ou privada –<br />

sem retirar horas que seriam de dedicação própria e obrigatória ao desempenho<br />

do cargo de magistrado, em detrimento, pois, de suas atribuições constitucionais.<br />

21. Os taxativos termos da norma constitucional, na qual se embasou o<br />

Conselho Nacional de Justiça para expedir a Resolução 10/05, não propiciam<br />

muito espaço de interpretação ao juiz, pois onde a norma restringiu, não compete<br />

ao intérprete alargar os termos postos no sistema jurídico.<br />

É a lição de Carlos Maximiliano, segundo a qual, “embora se não trate de<br />

processos diferentes e, sim, de efeitos dessemelhantes, todavia a distinção entre<br />

extensiva e restritiva conserva importância prática (...) Realiza-se a primeira<br />

quando, em havendo dúvida razoável sobre a aplicabilidade de um texto, por extensão,<br />

ao caso em apreço, resolvem pela afirmativa; a segunda, ao verificar-se<br />

hipótese contrária, isto é, quando optam pela não aplicabilidade. Entretanto, em<br />

uma e outra emergência a escolha entre a amplitude e a estrutura depende do<br />

dever primordial de não tornar irrealizável o objetivo da regra em apreço. Tanto<br />

a exegese rigorosa como a liberal se inspiram na letra e no espírito e razão da lei:<br />

tomam cuidado com os males que o texto se propôs evitar ou combater, e com<br />

o bem que deveria proporcionar” (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e<br />

aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 203).<br />

No caso em pauta, a norma constitucional proibiu, de modo amplo e extreme<br />

de dúvidas, qualquer outra acumulação que não a do cargo de juiz com um cargo ou<br />

função de magistério. E não qualificou sequer esse, que haveria de ser apenas um.<br />

Qualquer outra formulação conduz mais que a uma interpretação a uma alteração<br />

do sentido e efeito buscado pela norma constitucional que a um encontro<br />

com o conteúdo nela posto.<br />

22. Daí porque, considerando-se o fundamento constitucional da Resolução<br />

10/05, tal como informado pela então nobre Presidente do Conselho<br />

Nacional de Justiça, Ministra Ellen Gracie, voto no sentido de ser denegada a<br />

segurança, em razão da ausência de qualquer eiva de inconstitucionalidade que<br />

pudesse ser vislumbrada nas disposições contidas naquele ato, a determinar o<br />

comportamento dos Impetrantes.<br />

Mais uma vez, Senhor Presidente, indago sobre a conveniência de ser<br />

julgado este ponto, que é prejudicial do seguimento de exame do quanto posto,<br />

relativamente à natureza das funções da Justiça Desportiva, a cujos quadros se<br />

integravam os magistrados-Impetrantes.


R.T.J. — <strong>207</strong> 289<br />

Da natureza quase-pública dos cargos e funções da Justiça Desportiva<br />

23. Superada a questão relativa à acumulação de cargo de juiz com outro<br />

que não seja público, resta, ainda, apreciar a natureza das funções da Justiça<br />

Desportiva, a fim de se concluir sobre a sua natureza e a sua inclusão, ou não, no<br />

rol de cargos ou funções acumuláveis com a de juiz.<br />

24. Dispõe o art. 217, § 1º, da Constituição brasileira:<br />

Art. 217. (...)<br />

§ 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições<br />

desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada<br />

em lei.<br />

§ 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da<br />

instauração do processo, para proferir decisão final.<br />

O <strong>Tribunal</strong> de Justiça Desportiva é órgão integrante da Justiça Desportiva,<br />

nos termos da Lei 9.615/98:<br />

Art. 52. Os órgãos integrantes da Justiça Desportiva são autônomos e<br />

independentes das entidades de administração do desporto de cada sistema,<br />

compondo-se do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça Desportiva, funcionando junto<br />

às entidades nacionais de administração do desporto; dos Tribunais de Justiça<br />

Desportiva, funcionando junto às entidades regionais da administração do desporto,<br />

e das Comissões Disciplinares, com competência para processar e julgar<br />

as questões previstas nos Códigos de Justiça Desportiva, sempre assegurados a<br />

ampla defesa e o contraditório.<br />

§ 1º Sem prejuízo do disposto neste artigo, as decisões finais dos Tribunais de<br />

Justiça Desportiva são impugnáveis nos termos gerais do direito, respeitados os pressupostos<br />

processuais estabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 217 da Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

(Grifos nossos.)<br />

Nesse sentido, na assentada de 27-5-98, no julgamento do Conflito de<br />

Atribuições 53/SP, Relator o Ministro Waldemar Zveiter, a Segunda Seção do<br />

Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, por unanimidade, decidiu:<br />

Conflito de atribuições – <strong>Tribunal</strong> de Justiça Desportiva – Natureza jurídica<br />

– Inocorrência de conflito. 1. <strong>Tribunal</strong> de Justiça Desportiva não se constitui<br />

em autoridade administrativa e muito menos judiciária, não se enquadrando a hipótese<br />

em estudo no art. 105, I, g, da CF/88.2. Conflito não conhecido.<br />

(DJ de 3-8-98.)<br />

25. Não se pode deixar de reconhecer que, conquanto não componha a administração<br />

pública, a Justiça Desportiva tem a peculiar condição de ser constitucionalmente<br />

prevista. Norma constitucional põe, impõe e dispõe sobre a sua<br />

atuação, a qual vincula órgãos e entes estatais, incluído o próprio Judiciário, que<br />

somente pode conhecer das matérias controvertidas submetidas à sua apreciação<br />

em condição de subsidiariedade. Ademais, não se há deixar de assinalar que<br />

aquela atuação é determinante quanto às decisões proferidas.<br />

A legislação brasileira que cuida dos órgãos e competências da Justiça<br />

Desportiva, por sua vez, é minudente, interventiva e vinculante, pelo que a


290<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

autonomia da estrutura, relativamente ao Estado, não pode ser tida como perfeitamente<br />

definida e assegurada.<br />

Daí se poder concluir que, tal como está na legislação infraconstitucional<br />

vigente, a Justiça Desportiva desempenha função quase-estatal, ou, no jargão<br />

mais contemporâneo, pública não estatal, distinguindo-se ela da perfeita natureza<br />

de atividade privada, mas também não se confundindo com atuação estatal.<br />

Leciona Sebastião José Roque que “a Justiça Desportiva é um sistema de<br />

julgamento que caminha de forma paralela à jurisdição normal; objetiva dirimir<br />

as lides surgidas no campo desportivo. Mais precisamente, envolve pessoas<br />

físicas e jurídicas registradas nas federações esportivas e atos praticados nas<br />

competições esportivas promovidas pelas federações. (...) Seu campo de ação é,<br />

portanto, restrito. O Código Brasileiro Disciplinar de Futebol – CBDF (Portaria<br />

702, de 18-12-81, do Ministério de Educação e Cultura), em seu art. 28, prevê<br />

os casos enquadrados na competência da Justiça Desportiva (...)” (Natureza<br />

da Justiça Desportiva. In Revista da Faculdade de Direito das Faculdades<br />

Metropolitanas Unidas, v. 5, n. 5, p. 181 et seq.).<br />

Em artigo específico sobre o tema (Justiça Comum x Justiça Desportiva),<br />

o eminente Ministro Gilmar Mendes acentua que “no Brasil, o tema foi discutido,<br />

em função da importância do esporte e da tendência à centralização. Há<br />

uma tentativa ou possibilidade de regular uma série de situações nesse âmbito,<br />

tanto que falamos em justiça desportiva. Ocorre que, entre nós, a questão mereceu<br />

disciplina legal, com definição quanto à composição da própria justiça e às<br />

várias instâncias, diferentemente do que ocorre nesses sistemas que reconhecem<br />

a autonomia não só da ordem jurídica desportiva, mas também da própria justiça<br />

desportiva. (...) O art. 217, § 1º, (da Constituição) não exclui a apreciação do Poder<br />

Judiciário, mas somente sinaliza, como condição de admissibilidade da intervenção<br />

do judiciário, o esgotamento das instâncias da justiça desportiva, desde que<br />

isso ocorra dentro de um prazo razoável de 60 dias, contados da instauração do<br />

processo, para proferir decisão (art. 217, § 2º). (...) Se queremos uma justiça desportiva<br />

autônoma, que parece ser a clara vontade do constituinte no art. 217, § 1º<br />

e § 2º, da CF/88, seria razoável cogitar, no plano material, de um ordenamento<br />

jurídico desportivo menos estatal. (...) A presença forte do Estado, com definição<br />

quanto à composição, recursos, etc., sem dúvida permite que muitos sustentem<br />

que se trata de um modelo de contencioso, embora no Superior <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça haja jurisprudência que repudia essa idéia, uma vez que a questão estaria<br />

a envolver entidades privadas típicas, não ocorrendo aí um conflito de atribuições<br />

entre entidades públicas. O texto chega a sugerir a idéia de um juízo arbitral.<br />

Talvez não se chegue ao resultado desse debate sem se fazer, de fato, uma reinstitucionalização<br />

e uma revitalização de todo o modelo, rediscutindo fórmulas e<br />

as próprias bases do estatuto jurídico formal do Estado, que é excessivamente<br />

detalhado e interventivo (...)” (Justiça Comum x Justiça Desportiva. In Curso de<br />

Direito Desportivo. São Paulo: Ícone, 2003. p. 128 et seq.).<br />

26. Não se há deixar de realçar, ainda uma vez, que, nos termos do art. 217,<br />

§ 1º e § 2º, da Constituição do Brasil, o Poder Judiciário poderá conhecer,<br />

ainda que subsidiária e sucessivamente ao exercício das funções da Justiça<br />

Desportiva, de controvérsias postas à decisão desta.


R.T.J. — <strong>207</strong> 291<br />

Nestes casos, se ao juiz fosse permitido integrar órgão da Justiça Despor<br />

tiva ficaria ele impedido de desempenhar o seu mister constitucional se sobreviesse<br />

ao órgão judicial por ele integrado de causa que já fora de seu prévio<br />

exame naquela. Tanto, por si só, patenteia dificuldades que sobreviriam se fosse<br />

admissível a acumulação pretendida pelos Impetrantes.<br />

A participação de magistrados em Tribunais de Justiça Desportivos, e<br />

em suas Comissões Disciplinares, sem qualquer dúvida pode vir a configurar<br />

prejuízo do desempenho imparcial de sua função judicante, pois questões já<br />

analisada poderão ser levadas à apreciação de órgão do Poder judiciário do qual<br />

eles façam parte.<br />

Diante disso, ficam espancadas eventuais dúvidas que pudessem prevalecer<br />

sobre a impossibilidade de os magistrados, ora Impetrantes, exercerem qualquer<br />

cargo ou função, sejam eles públicos ou privados, salvo a de magistério que<br />

desde primórdios constitucionais é reconhecido.<br />

Por tudo quanto posto, também pela natureza constitucional peculiar da Justiça<br />

Desportiva, voto no sentido de denegar a segurança pela incompatibilidade<br />

constitucional do cargo de juiz com cargo ou função da Justiça Desportiva.<br />

27. Realço, ao final, o prejuízo do agravo regimental interposto pelos<br />

Impetrantes (fls. 91-98), em 2-5-06, pelo qual se pleiteou a reconsideração da<br />

decisão agravada, por força da qual se indeferiu a liminar, pelo julgamento,<br />

agora, do mérito da ação impetrada.<br />

VOTO<br />

(Sobre preliminar)<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, também supero, até porque<br />

daria caráter preventivo ao mandado de segurança.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, quero, inicialmente,<br />

cumprimentar o eminente advogado Rubens Approbato Machado pela<br />

excelente sustentação oral feita da tribuna.<br />

Peço, no entanto, vênia, para acompanhar a eminente Ministra Cármen<br />

Lúcia, conhecendo do mandado de segurança, mas negando e indeferindo a ordem.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, também não posso deixar<br />

de fazer referência a esta figura exemplar de advogado que é o Dr. Rubens<br />

Approbato Machado.<br />

Vejo a Justiça Desportiva como uma expressão do fenômeno jurídico – entre<br />

as inúmeras outras expressões dele – fenômeno jurídico que não se esgota no<br />

direito posto pelo Estado.


292<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Aqui se trata de uma forma de justiça estruturada a partir de relações<br />

de comunhão de escopo, no âmbito da qual, excepcionalmente, é possível a<br />

auto-regulação.<br />

Nessas condições, vejo como vigoroso e rigorosamente fundamentado o<br />

voto da Relatora. Acompanho a Relatora.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, também saúdo o advogado<br />

e jurista Rubens Approbato Machado, figura emblemática da comunidade<br />

jurídica brasileira, foi um excelente Presidente da Ordem dos Advogados do<br />

Brasil, entre outros títulos de merecimento.<br />

Entretanto, perfilharei o entendimento da Relatora, a partir de uma interpretação<br />

que me parece rigorosamente teleológica, ou finalística, da norma<br />

constitucional que faz da inacumulabilidade de cargos, no plano da judicatura,<br />

uma regra, qual seja: os cargos não são acumuláveis; quando acumuláveis, os<br />

cargos são mal desempenhados. Penso que Hely Lopes Meirelles dizia exemplarmente:<br />

cargos acumulados são mal desempenhados em regra.<br />

A Constituição, então, estabelece uma exceção: a acumulação de um cargo<br />

de juiz com outro de magistério. Também, finalisticamente, explica-se essa exceção:<br />

magistério e magistratura são irmãs siamesas no sentido de que, de um<br />

lado, é ensinando que se aprende; de outro, como dizia Camões, há um saber que<br />

só de experiência é feito; vale dizer, o juiz tem muito a ganhar com o exercício<br />

do magistério, e o magistério tem muito a ganhar com a protagonização dos juízes.<br />

São atividades que se co-implicam, funcionalmente, porque, no plano da<br />

cognição, são mutuamente proveitosas. A razão de ser dessa exceção é exatamente<br />

a mutualidade de proveito. São duas funções geminadas, a magistratura e<br />

o magistério. Os juízes, na cátedra, em sala de aula, contribuem, e muito, para a<br />

formação dos futuros profissionais de Direito. A Constituição foi sábia.<br />

Entretanto, no tocante à cumulação aqui pretendida, embora não se trate a<br />

Justiça Desportiva de uma atividade pública, parece-me que ela acarretaria uma<br />

dispersividade da função judicante.<br />

É certo que a Justiça Desportiva recebeu da Constituição um tratamento<br />

para além do conferido ao processo simplesmente administrativo. Há um contencioso<br />

na Justiça Desportiva, que é previsto na Constituição, temperado por<br />

ela mesma, Constituição, na medida em que só permite o acesso às vias jurisdicionais<br />

com o exaurimento das instâncias dessa outra Justiça.<br />

Assim, conheço do mandado de segurança, mas, na linha do excelente<br />

voto da eminente Relatora, também indefiro a ordem.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Desejo registrar, Senhor Presidente, nos<br />

Anais desta Suprema Corte, um fato extremamente significativo.


R.T.J. — <strong>207</strong> 293<br />

Refiro-me ao fato de que o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, reunido em<br />

sessão plenária, teve o privilégio de ouvir, hoje, a palavra qualificada de um<br />

grande profissional do Direito, o eminente Advogado paulista, Dr. Rubens<br />

Approbato Machado, que, com tanto brilho, presidiu não apenas o Conselho<br />

Seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, mas, também, o E.<br />

Conselho <strong>Federal</strong> da OAB, destacando-se, nessa condição, como um dos seus<br />

grandes “Bâtonniers”.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: E ainda falta, na vida de S. Exa., uma presidência,<br />

a do Corinthians!<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: É verdade, mas tenho para mim que a concretização<br />

desse evento poderá não estar muito distante no tempo!<br />

Não obstante a belíssima sustentação oral que acabamos de ouvir, peço<br />

vênia ao eminente Advogado, Dr. Rubens Approbato Machado, para acompanhar,<br />

integralmente, o douto voto proferido pela eminente Relatora, Ministra<br />

CÁRMEN LÚCIA.<br />

É o meu voto.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, não fosse a ótica até<br />

aqui exteriorizada, já estaria me imaginando candidato ao <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Desportiva pelo clube de meu coração, o Flamengo.<br />

Mas, Presidente, a Carta de 1988, ao contrário da anterior, dispôs expressamente<br />

sobre fases que devem anteceder o ingresso em Juízo. Fê-lo no<br />

tocante ao dissídio coletivo na Justiça do Trabalho e, também, quanto à Justiça<br />

Desportiva, consideradas a disciplina e as competições.<br />

O que nos vem da Constituição e, mais especificamente, da Lei Orgânica<br />

da Magistratura? Vem-nos o princípio, de início, da concentração da atividade<br />

daquele que tem o ofício judicante. E, fora o magistério, e mesmo assim cargo<br />

único no magistério, não há a possibilidade de atuação em outras áreas.<br />

O art. 36 da Loman é categórico – e foi recepcionado pela Carta de 1988 –<br />

ao dispor:<br />

Art. 36. É vedado ao magistrado:<br />

I – exercer o comércio [não é o caso] ou participar de sociedade comercial,<br />

inclusive de economia mista, exceto como acionista ou quotista;<br />

Então, vem a vedação apropriada, adequada à situação concreta:<br />

II – exercer cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou<br />

fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo [e a situação concreta não está<br />

aqui incluída na exceção] de associação de classe, e sem remuneração;<br />

E o item III diz respeito às manifestações por meio de comunicação sobre<br />

processo pendente de julgamento.


294<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Penso que – e não me atrevo a definir a Justiça Desportiva sob o ângulo da<br />

natureza jurídica – não há campo para o recrutamento de magistrados visando<br />

integrar essa Justiça que atua na área não jurisdicional, mas administrativa.<br />

Louvo a preocupação do ilustre, proficiente, exemplar advogado, Dr.<br />

Approbato, mas subscrevo o que frisado pelo Ministro Cezar Peluso: exemplo<br />

de que a Justiça Desportiva não necessita de magistrados para bem operar está<br />

na presidência por um advogado – como disse, exemplar –, e presidência que<br />

aponto como das mais salutares em termos de independência, em termos de<br />

glosa de situações jurídicas que realmente desafiam essa glosa.<br />

Acompanho a Relatora, indeferindo a ordem.<br />

DEBATE<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Senhores Ministros, a Ministra<br />

Cármen Lúcia havia suscitado uma questão tendo em vista a situação peculiar<br />

do presidente do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> que também exerce as funções<br />

de presidente do Conselho Nacional de Justiça.<br />

Eu me lembrava de uma explicação, uma questão na ADC 12, em que o<br />

Ministro Nelson Jobim invocava uma situação similar à dos Ministros desta<br />

Corte que também atuam no <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral. Citava os vários precedentes<br />

e declarou não estar impedido.<br />

Ainda me socorro de outro precedente, MS 24.875, da relatoria do Ministro<br />

Sepúlveda Pertence. Foi aquele mandado de segurança impetrado por juízes<br />

aposentados desta Corte. Aí, colocou-se a questão da aplicação da regra, hoje<br />

ainda constante, do art. 205 do Regimento Interno. Neste mandado de segurança,<br />

averbou-se:<br />

VI – Mandado de segurança contra ato do Presidente do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong>:<br />

questões de ordem decididas no sentido de não incidência, no caso, do disposto<br />

no art. 205, parágrafo único e inciso II, do RISTF, que têm em vista hipótese de<br />

impedimento do Presidente do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong>, não ocorrente no caso concreto.<br />

1. O disposto no parágrafo único do art. 205 do RISTF só se aplica ao<br />

Ministro Presidente que tenha praticado o ato impugnado e não ao posterior<br />

ocupan te da Presidência.<br />

É uma questão sensível de política judicial que poderia levar, na verdade,<br />

ao impedimento de dois juízes, no caso: aquele que esteja eventualmente a<br />

exercer a função no Conselho Nacional de Justiça, como é o caso que agora se<br />

coloca, e aquele que eventualmente praticou o ato.<br />

E aqui ainda há uma sutileza que precisa ser destacada: na maioria dos<br />

casos do Conselho, o Presidente não vota, não tem voto; apenas vota para desempatar.<br />

Logo, pelo menos em relação a este caso, haveria esta tranqüilidade.<br />

Teríamos dois argumentos, portanto, o de não ter votado, porque o presidente<br />

não vota, além de se tratar da sucessão na função.


R.T.J. — <strong>207</strong> 295<br />

De modo que – acredito –, para o caso específico, não há falar em impedimento<br />

do Presidente.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Além de obedecer à norma constitucional,<br />

há um outro imperativo, o de viabilizar a própria administração dos órgãos do<br />

Poder Judiciário; ou seja, estamos num outro patamar, o de administração superior<br />

dos órgãos do Poder Judiciário. Isso precisava ser viabilizado de alguma<br />

forma. Então a própria Constituição resolveu a questão, fazendo, no caso do<br />

presidente do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, o Presidente do Conselho Nacional<br />

de Justiça.<br />

Quanto à Justiça Eleitoral, há outra explicação no plano teleológico, mas<br />

não vem ao caso discutir agora.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Claro, se se colocar uma outra<br />

questão em que o Presidente venha a desempatar, portanto, participar ativamente<br />

da decisão do Conselho, certamente nós teremos de nos pronunciar, neste<br />

caso, de maneira específica.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Nós não temos precedentes de resoluções<br />

votadas pelo Presidente do <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral?<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): No âmbito do Eleitoral, também<br />

se coloca a outra questão.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exatamente. O <strong>Tribunal</strong> nunca reconheceu<br />

impedimento dos Ministros que presidem e presidiram o <strong>Tribunal</strong> Superior<br />

Eleitoral.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Portanto, V. Exa. encaminharia<br />

nesse sentido.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Neste sentido.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Porque os Ministros do<br />

<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> também participam do julgamento dos recursos<br />

extraordinários.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Além dos recursos extraordinários, mas mostrando<br />

na função sobretudo do Presidente.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Na verdade, Senhor Presidente, em matéria<br />

de atuação dos Ministros do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> que participam<br />

de julgamentos em outro órgão judiciário (o <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral), há<br />

que se ter presente, nesse tema, a existência de norma regimental (RISTF,<br />

art. 277, parágrafo único) e, também, de enunciado sumular consubstanciado<br />

na Súmula 72 desta Suprema Corte, que assim dispõe:<br />

No julgamento de questão constitucional, vinculada a decisão do <strong>Tribunal</strong><br />

Superior Eleitoral, não estão impedidos os Ministros do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong><br />

que ali tenham funcionado no mesmo processo, ou no processo originário.<br />

(Grifei.)


296<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Isso é tradicional no Direito, assim como,<br />

nos embargos infringentes, jamais se levantou dúvida quanto à possibilidade de<br />

os mesmos juízes que participaram do julgamento embargado participarem dos<br />

embargos infringentes, ou de ação rescisória.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Não fosse assim, Senhor Presidente, o<br />

<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> ficaria impedido de exercer, com regularidade e em<br />

plenitude, as suas atribuições jurisdicionais.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Por isso entendo que essa<br />

questão, então, encaminha-se nesse sentido.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Eu também peço vênia aos<br />

eminentes Impetrantes e ao eminente Defensor Rubens Approbato Machado,<br />

por quem é notório o meu apreço pessoal, para acompanhar o magnífico, brilhante<br />

voto da Ministra Cármen Lúcia.<br />

Acredito haver aqui, realmente, sutilezas que precisam ser explicitadas<br />

e que podem afetar essa idéia básica de imparcialidade, de independência, a<br />

idéia central, chave, perseguida pelo texto constitucional, bem como pela Lei<br />

Orgânica da Magistratura.<br />

E, como já ressaltado também nos outros votos, pelo Ministro Cezar<br />

Peluso, depois, especialmente, pelo Ministro Marco Aurélio, a advocacia está<br />

prenhe de valores que poderão ocupar, de forma extremamente satisfatória, essas<br />

funções que podem se abrir nessa importante atividade da Justiça Desportiva.<br />

E, com isso, claro, eu não me afasto da posição externada numa aula proferida<br />

na Escola da Advocacia, em São Paulo, na qual eu dizia da peculiaridade desse<br />

Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça Desportiva, cujas decisões, muitas vezes, assumem<br />

uma repercussão que muitas Cortes Constitucionais não logram obter.<br />

Fazendo essas considerações, eu acompanho o voto da eminente Relatora.<br />

QUESTÃO DE ORDEM<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Senhor Presidente, ponho a<br />

Vossa Excelência uma questão inicial. Este mandado de segurança é contra o<br />

Conselho Nacional de Justiça, que é presidido hoje por V. Exa. É bem verdade<br />

que quem prestou as informações foi a Ministra Ellen Gracie, porém a autoridade<br />

coatora é quem está no cargo.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Já se decidiu que não há impedimento.<br />

Foi da época do Ministro Nelson Jobim, não é? Nós tivemos uma questão<br />

de ordem, invocando até a Loman quanto à situação do Presidente do Conselho.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): A autoridade coatora é o próprio<br />

Presidente do Conselho. Quem prestou informações foi ainda a Ministra Ellen<br />

Gracie, porque era ela a Presidente, mas claro, isso não a acompanha. E como é<br />

um ato concreto contra determinadas pessoas...


R.T.J. — <strong>207</strong> 297<br />

Em dois outros mandados de segurança em que a Presidente do Conselho<br />

era a autoridade coatora, ela se ausentou nas duas ocasiões. Inclusive num mandado<br />

que está com vista ao Ministro Marco Aurélio, ela se ausentou. Nas duas últimas<br />

vezes, nos mandados de minha relatoria, a Ministra preferiu não participar.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Agora, teríamos uma situação muito interessante.<br />

Estivesse presente a Ministra Ellen Gracie, que presidiu a sessão em<br />

que o Conselho deliberou, não estaria impossibilitada de participar; e o atual<br />

Presidente, que não presidiu, estaria?<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Sim, mas é porque a autoridade<br />

coatora é quem ocupa o cargo. Então, realmente, não acompanha.<br />

No MS 26.163, que está com vista para o eminente Ministro Marco<br />

Aurélio, a Ministra Ellen Gracie ausentou-se.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Estou com vista de um processo a envolver<br />

o Conselho Nacional de Justiça e não sei nem se posso participar do julgamento.<br />

Um certo partido veio a representar contra mim, por ato praticado na<br />

Presidência do <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral, ao próprio Conselho. E agora vou<br />

julgar ato do Conselho!<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Ministra Cármen Lúcia, faça<br />

o relatório, por favor.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

MS 25.938/DF — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Impetrantes: Antonio<br />

Augusto de Toledo Gaspar e outros (Advogado: Rubens Approbato Machado).<br />

Impetrado: Conselho Nacional de Justiça.<br />

Decisão: Preliminarmente, o <strong>Tribunal</strong> assentou que não há impedimento<br />

do Presidente do Conselho Nacional de Justiça, que fez a publicação da decisão,<br />

mesmo que tivesse participado eventualmente da própria sessão que deu<br />

ensejo à prática do ato. Em seguida, o <strong>Tribunal</strong>, por unanimidade e nos termos<br />

do voto da Relatora, indeferiu a segurança. Votou o Presidente, Ministro<br />

Gilmar Mendes. Declarou suspeição o Ministro Joaquim Barbosa. Ausente,<br />

justificadamente, a Ministra Ellen Gracie. Falou pelos Impetrantes o Dr. Rubens<br />

Approbato Machado.<br />

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros<br />

Celso de Mello, Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa,<br />

Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Procurador-Geral<br />

da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.<br />

Brasília, 24 de abril de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


298<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

REFERENDO EM MEDIDA CAUTELAR NO<br />

MANDADO DE SEGURANÇA 27.483 — DF<br />

(MS 27.483-MC na <strong>RTJ</strong> 206/)<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Impetrantes: Tim Celular S.A. e outros — Impetrado: Presidente da<br />

Comissão Parlamentar de Inquérito das Escutas Telefônicas Clandestinas<br />

1. Comissão Parlamentar de Inquérito. Interceptação telefônica.<br />

Sigilo judicial. Segredo de justiça. Quebra. Impossibilidade<br />

jurídica. Requisição de cópias das ordens judiciais e dos<br />

mandados. Liminar concedida. Admissibilidade de submissão<br />

da liminar ao Plenário, pelo Relator, para referendo. Precedentes<br />

(MS 24.832-MC, MS 26.307/MS e MS 26.900-MC). Voto<br />

vencido. Pode o relator de mandado de segurança submeter ao<br />

Plenário, para efeito de referendo, a liminar que haja deferido.<br />

2. Comissão parlamentar de inquérito (CPI). Prova. Interceptação<br />

telefônica. Decisão judicial. Sigilo judicial. Segredo de<br />

justiça. Quebra. Requisição, às operadoras, de cópias das ordens<br />

judiciais e dos mandados de interceptação. Inadmissibilidade.<br />

Poder que não tem caráter instrutório ou de investigação. Competência<br />

exclusiva do juízo que ordenou o sigilo. Aparência de<br />

ofensa a direito líquido e certo. Liminar concedida e referendada.<br />

Voto vencido. Inteligência dos arts. 5º, X e LX, e 58, § 3º,<br />

da CF, art. 325 do CP, e art. 10, c/c art. 1º da Lei federal 9.296/96.<br />

Comissão parlamentar de inquérito não tem poder jurídico de,<br />

mediante requisição, a operadoras de telefonia, de cópias de decisão<br />

nem de mandado judicial de interceptação telefônica, quebrar<br />

sigilo imposto a processo sujeito a segredo de justiça. Este<br />

é oponível a comissão parlamentar de inquérito, representando<br />

expressiva limitação aos seus poderes constitucionais.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro<br />

Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />

preliminarmente, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio, em<br />

entender cabível, a critério do Relator, o referendo da decisão concessiva da liminar<br />

em mandado de segurança. No mérito, o <strong>Tribunal</strong>, por maioria, referenda<br />

a liminar concedida, com as ressalvas aduzidas pelo Relator, vencido também<br />

neste ponto o Ministro Marco Aurélio, que negava o referendo. Votou o Presidente,<br />

Ministro Gilmar Mendes. Não participaram da votação a Ministra Ellen<br />

Gracie e o Ministro Eros Grau por não terem assistido ao relatório e ao voto.<br />

Ausente, justificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa.<br />

Brasília, 14 de agosto de 2008 — Cezar Peluso, Relator.


R.T.J. — <strong>207</strong> 299<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de mandado de segurança, com<br />

pedido de liminar, impetrado por Tim Celular S.A. e outras operadoras de<br />

telefonia fixa e móvel, todas nomeadas e qualificadas à inicial, contra ato do<br />

Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para Investigar Escutas<br />

Telefônicas Clandestinas, Deputado <strong>Federal</strong> Marcelo Itagiba, que lhes determinou<br />

remessa de informações cobertas por sigilo judicial.<br />

Alegaram as Impetrantes que ofício subscrito pelo Presidente da CPI requeria<br />

lhe fossem transferidos, até 3 de agosto corrente, em meio magnético, os<br />

sigilos referentes ao conteúdo de todos os mandados judiciais de interceptação<br />

telefônica cumpridos no ano de 2007.<br />

Sustentaram que o atendimento ao ofício revelaria clara colisão entre dois<br />

interesses públicos de alta relevância, quais sejam, o de mais bem investigar e<br />

apurar irregularidades (a) e o de preservar o segredo de justiça que recai sobre<br />

os mandados judiciais e sobre todos os processos em que foram essas ordens<br />

emitidas, reserva que tem por fim último a defesa da garantia constitucional da<br />

intimidade de todas as pessoas envolvidas (b).<br />

Requereram lhes fosse concedida liminar, para que pudessem recusar-se a<br />

prestar tais informações, sem que o ato, em relação a seus presentantes e diretores,<br />

configurasse crime de desobediência, ou violação dos segredos de justiça.<br />

No mérito, pediram a confirmação da liminar.<br />

Concedi a liminar, que submeto ao Plenário.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Concedi a liminar nestes termos:<br />

É entendimento firme e aturado desta Corte, e unânime da doutrina, que,<br />

nos termos da Constituição da República (art. 58, § 3º), as comissões parlamentares<br />

de inquérito têm todos os “poderes de investigação próprios das autoridades<br />

judiciais”, mas apenas esses, e nenhum além desses. Estão, portanto,<br />

submissas aos mesmos limites constitucionais e legais, de caráter formal e<br />

substancial, oponíveis aos juízes de qualquer grau, no desempenho de idênticas<br />

funções (MS 23.595, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática,<br />

DJ de 1º-2-00; MS 25.908, Rel. Min. Eros Grau, decisão monocrática, DJ de<br />

31-3-06; HC 86.232-MC, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 1º-8-05; HC 79.244,<br />

Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 24-3-00; HC 87.971-MC, Rel. Min.<br />

Gilmar Mendes, DJ de 21-2-06; HC 71.039, Rel. Min. Paulo Brossard,<br />

DJ de 6-12-96; HC 86.849-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 13-10-05;<br />

HC 95.279, decisão liminar, Min. Cezar Peluso, j. 25-7-08; na doutrina, cf.<br />

Raul Machado Horta, “Limitações constitucionais dos poderes de investigação”,<br />

in RDP 5/38; João de Oliveira Filho, “Inquéritos Parlamentares”, in<br />

Revista de Informação Legislativa, v. 2/73; Manoel Gonçalves Ferreira Filho,<br />

Comentários à Constituição Brasileira de 1988, Ed. Saraiva, 1992, v. 2/72,


300<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

apud voto do Min. Celso de Mello, no HC 71.039/RJ; Uadi Lamêgo Bulos,<br />

Comissão Parlamentar de Inquérito – Técnica e Prática, Saraiva, 2001, p. 200-<br />

208; Ovídio Rocha Barros Sandoval, CPI ao Pé da Letra, Millennium, 2001,<br />

p. 41-49, 46-48; Jessé Claudio Franco de Alencar, Comissões Parlamentares<br />

de Inquérito no Brasil, RJ, Renovar, 2005, p. 75-86).<br />

Daí vem, em linha reta, que, sob esse ponto de vista, o qual é o da qualidade<br />

e extensão dos poderes instrutórios das comissões parlamentares de inquérito,<br />

estas se situam no mesmo plano teórico dos juízes, sobre os quais, no exercício<br />

da jurisdição, que lhes não é compartilha às comissões, nesse aspecto, pela<br />

Constituição da República, não têm elas poder algum, até por força do princípio<br />

da separação dos poderes. Tampouco têm, por não menos direta conseqüência,<br />

poder sobre as decisões, jurisdicionais, proferidas nos processos, entre as quais<br />

relevam, para o caso, as que decretam o chamado segredo de justiça, previsto<br />

como exceção à regra de publicidade, a contrario sensu, no art. 5º, inciso LX, da<br />

Constituição <strong>Federal</strong>. Dito de maneira menos congestionada, as comissões parlamentares<br />

de inquérito carecem, ex autoritate propria, de poder jurídico para<br />

revogar, cassar, compartilhar, ou de qualquer outro modo quebrar sigilo legal e<br />

constitucionalmente imposto a processo judiciário. Trata-se de competência privativa<br />

do Poder Judiciário, ou seja, matéria da chamada reserva jurisdicional,<br />

onde o Judiciário tem, não apenas a primeira, mas também a última palavra.<br />

É coisa intuitiva:<br />

Não há como entender que a locução poderes de investigação próprios das<br />

autoridades judiciais permita ao Legislativo invadir competências privativas do<br />

Judiciário, isto é, funções típicas deste, senão admitindo-se o desrespeito a princípios<br />

basilares da República Federativa do Brasil, quais sejam: sua Constituição<br />

como Estado Democrático de Direito e a independência dos Poderes. Ora, os princípios<br />

e direitos fundamentais não podem, nem devem, ceder ante caprichos ou<br />

mesmo necessidades de um trabalho investigativo.<br />

(ALVES, José Wanderley Bezerra. Comissões Parlamentares de Inquérito<br />

– Poderes e Limites de Atuação. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris,<br />

2004. p. 158-159.)<br />

É intuitiva a razão última de a Constituição da República nem a lei haverem<br />

conferido às comissões parlamentares de inquérito, no exercício de suas<br />

relevantíssimas funções, poder de interferir na questão do sigilo dos processos<br />

jurisdicionais, porque se trata de medida excepcional, tendente a resguardar a<br />

intimidade das pessoas que lhe são submissas, enquanto garantia constitucional<br />

explícita (art. 5º, inciso X), cuja observância é deixada à estima exclusiva do<br />

Poder Judiciário, a qual é exercitável apenas pelos órgãos jurisdicionais competentes<br />

para as respectivas causas – o que implica que nem outros órgãos jurisdicionais<br />

podem quebrar esse sigilo, não o podendo, a fortiori, as CPIs. E é essa<br />

também a razão óbvia por que não pode violar tal sigilo nenhuma das pessoas<br />

que, ex vi legis, lhe tenham acesso ao objeto, assim porque intervieram nos processos,<br />

como porque doutro modo estejam, a título de destinatários de ordem<br />

judicial, sujeitas ao mesmo dever jurídico de reserva.


R.T.J. — <strong>207</strong> 301<br />

Ora, aplicadas essas breves noções ao caso, aparenta, para efeito deste juízo<br />

prévio, sumário e provisório, razoabilidade jurídica (fumus boni iuris) a pretensão<br />

das Impetrantes de se guardarem da pecha de ato ilícito criminoso, não<br />

apenas à vista do art. 325 do Código Penal, mas, sobretudo, perante o art. 10,<br />

cc. art. 1º, da Lei federal 9.296, de 1996, que tipifica como crime a quebra de segredo<br />

de justiça, sem autorização judicial, ou, ainda, por deixarem de atender<br />

ao que se caracterizaria como requisição da comissão parlamentar de inquérito.<br />

É a figura clássica do dilema.<br />

Escusa notar, porque é apodítico, que, se as impetrantes, segundo os termos<br />

do ofício, “transferissem” à Comissão, sem ordem judicial, o sigilo que<br />

recobre o conteúdo dos mandados judiciais de interceptação, com cópia das respectivas<br />

ordens, devassariam ipso facto a intimidade das pessoas partícipes das<br />

causas, sobre insultarem, em princípio, a obrigação legal de sigilo que lhes pesa.<br />

E há risco de dano grave (periculum in mora), porque nesta data se esgota o<br />

prazo outorgado, sob cominação implícita, no ato que impugnam as impetrantes,<br />

a cujo descumprimento pode corresponder medida imediata e suscetível de lhes<br />

acarretar constrangimento à liberdade. Não, porém, aos trabalhos da comissão<br />

e, pois, nem à autoridade, porque eventual mau sucesso das impetrantes no julgamento<br />

definitivo deste pedido de segurança não provocará prejuízo algum à<br />

consecução dos altos propósitos que decerto inspiraram a deliberação da CPI.<br />

2. Do exposto, concedo a liminar, autorizando, até decisão contrária nesta<br />

causa, as impetrantes a não encaminharem à comissão parlamentar de inquérito<br />

o conteúdo dos mandados judiciais de interceptação telefônica cumpridos no<br />

ano de 2007 e protegidos por segredo de justiça, exceto se os correspondentes<br />

sigilos forem quebrados prévia e legalmente.<br />

Comunique-se, com urgência, por ofício e fac-símile, o inteiro teor desta<br />

decisão à autoridade apontada como coatora, solicitando-lhe, ainda, que preste<br />

informações.<br />

PRELIMINAR<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Senhor Presidente, gostaria apenas<br />

de acrescentar, não obstante reconheça os altos propósitos da comissão parlamentar<br />

de inquérito, preordenada a investigar fatos relacionados a conhecidos<br />

abusos em interceptações e escutas telefônicas, que nem sequer as próprias<br />

atividades estatais de repressão a crimes podem, no Estado Democrático de<br />

Direito, desenvolver-se à margem ou à revelia da lei. Toda atividade estatal deve<br />

ser guiada e realizada nos quadros do ordenamento jurídico, que não é constituído<br />

só por leis, mas, sobretudo, pela Constituição.<br />

Reconhecendo aqueles altos propósitos da comissão parlamentar de inquérito,<br />

reavaliei, após a concessão da liminar que então me parecia e ainda<br />

parece necessária, alguns aspectos do caso para os submeter à consideração da<br />

Corte, nesta oportunidade.


302<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

A maneira que teria o Judiciário de colaborar com o trabalho da comissão,<br />

evidentemente, a meu ver, e com o devido respeito, não poderia estar na quebra<br />

dos sigilos judiciais que, segundo entendo, nem esta Corte tem poder para determinar<br />

no âmbito dos processos judiciais de competência de outros juízos. Mas<br />

pareceu-me que eventualmente a comissão parlamentar de inquérito, se tenha<br />

interesse, pode, sem tal quebra, receber algumas informações capazes de constituir<br />

subsídios para suas atividades.<br />

Nesse sentido, submeto à consideração de V. Exas. as seguintes informações<br />

que as operadoras poderiam transferir à Comissão.<br />

Em primeiro lugar, relação dos juízos que expediram os mandados de interceptação<br />

– só a relação dos juízos – e a quantidade dos mandados emitidos<br />

por cada juízo, ou seja, informar que o juízo da vara tal expediu, no ano de 2007,<br />

por exemplo, vinte mandados de interceptação, sem outras explicitações.<br />

Depois, relação dos órgãos policiais específicos destinatários das ordens judiciais.<br />

É que se alega que até a polícia rodoviária teria sido destinatária de ordens<br />

de interceptação, quando, em princípio, não tem competência de polícia judiciária.<br />

Então, seria, deveras, preciso saber se houve, ou não, alguma ordem judicial dirigida<br />

a órgão que não dispõe ou não dispunha de competência de polícia judiciária.<br />

Daí, identifica-se o órgão policial específico que seria destinatário da ordem.<br />

Em terceiro lugar, havendo elementos – que pode não havê-los em muitos<br />

casos –, relação dos órgãos que requereram as interceptações, enquanto providência<br />

tendente a informar quem teve interesse nas interceptações. Apenas isso.<br />

Em quarto lugar, relação da cidade ou das cidades em que se situam os<br />

termi nais telefônicos objeto das ordens de interceptação. É que outra das alegações<br />

está em que determinados juízos teriam expedido ordem de interceptação<br />

de terminais situados fora da sua jurisdição. Então, as operadoras podem simplesmente<br />

informar qual o juízo que expediu ordem de interceptação de terminais<br />

e quais as cidades em que estes se situam.<br />

Finalmente, a duração total de cada interceptação autorizada. Noutras<br />

palavras, informação do período total autorizado para cada interceptação, com<br />

indicação da quantidade de dias durante os quais foi realizada.<br />

Mas é preciso ficar absolutamente claro que não pode constar dessas informações<br />

nenhum dos seguintes dados:<br />

a) os números dos processos em que foram as ordens expedidas. Quando<br />

se transmite o número de identificação do processo, abre-se a porta para quebra,<br />

ainda que indireta, do sigilo. E não interessa à comissão parlamentar de inquérito<br />

saber os números dos processos, se não há interesse em conhecer-lhes o conteúdo<br />

protegido pelo sigilo. Isto é, não há interesse jurídico em conhecer o número do<br />

processo, se o seu conteúdo não pode ser objeto de acesso da comissão.<br />

b) o nome de qualquer das partes do processo ou dos titulares dos terminais<br />

interceptados. Não se pode revelar a quem pertença determinado terminal,<br />

nem o nome das partes dos processos.


R.T.J. — <strong>207</strong> 303<br />

c) os números dos terminais, pois que a transmissão da informação sobre<br />

o número dos terminais, objeto dos mandados de interceptação, quebra indiretamente<br />

o sigilo judicial.<br />

d) finalmente, em hipótese alguma, porque isso significaria a quebra mais<br />

ostensiva do segredo de Justiça, não podem as operadoras enviar cópias dos mandados,<br />

nem das decisões que os acompanharam, nem das que, embora não hajam<br />

acompanhado os mandados, são as ordens judiciais de que estes resultaram.<br />

Em suma, a meu ver, com o devido respeito, não pode haver nenhuma<br />

possibilidade de identificação nem dos processos, nem dos nomes das partes,<br />

nem dos terminais, nem das pessoas submetidas, como titulares dos terminais,<br />

à interceptação.<br />

A mim me parece que apenas aqueloutros dados, a que já me referi, podem<br />

dar à comissão elementos valiosos para a conclusão do seu trabalho, sem que,<br />

com isso, se fira o segredo de Justiça que recobre os processos judiciais.<br />

Senhor Presidente, é o que estou propondo à Corte, para efeito de referendo.<br />

VOTO<br />

(Sobre preliminar)<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, é muito difícil adotar duas<br />

posições. Refiro-me à circunstância de, como Relator, em impetrações, atuar<br />

sempre no campo individual e, ao mesmo tempo, no Plenário, vir a conceber<br />

que se possa transferir o ato, que o Regimento prevê expressamente no rol das<br />

atribuições do relator, ao Colegiado.<br />

Creio que o ministro Cezar Peluso – compreendo o intuito de S. Exa. – não<br />

submete ao <strong>Tribunal</strong>, a referendo, a liminar implementada ou está a submeter?<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Estou submetendo a referendo.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, peço vênia para reiterar o que<br />

tenho consignado no Plenário. A atribuição no campo acautelador, em se tratando<br />

de impetração, é, regimentalmente, do relator. Distingo o que se contém<br />

no art. 21 do Regimento Interno da norma autorizadora do art. 203, específica<br />

quanto ao mandado de segurança.<br />

Por isso, peço vênia e a compreensão, inclusive, de S. Exa. o Relator, para<br />

mostrar-me coerente com o que faço, diuturnamente, no <strong>Tribunal</strong>, e revelar que<br />

o processo e o implemento de qualquer medida estarão em ótimas mãos com<br />

S. Exa., o Relator.<br />

EXPLICAÇÃO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Senhor Presidente, estou de pleno<br />

acordo com o princípio que tem sido – aliás, sou testemunha disso – reiteradamente<br />

observado pelo eminente Ministro Marco Aurélio, como eu mesmo e os<br />

demais Ministros temos feito ordinariamente.


304<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Em dois ou três casos, porém – e este, provavelmente, deve ser o terceiro<br />

ou o quarto –, pela relevância da matéria, como já fiz isso noutras oportunidades,<br />

com a aprovação do Plenário, vencido o eminente Ministro Marco Aurélio,<br />

e, mais, diria, até em homenagem ao princípio da colegialidade, pela importância<br />

da decisão e a necessidade de que os demais Ministros tomem conhecimento<br />

dos termos de questão que me parece relevantíssima e lhe dê a solução da Corte,<br />

submeto ao Plenário o tema da liminar, que pode constituir objeto recorrente de<br />

outras causas.<br />

VOTO<br />

(Sobre preliminar)<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Senhor Presidente, como afirmou o<br />

Ministro Marco Aurélio, comungo também desse entendimento que é da alçada<br />

do Ministro Relator o exame da medida cautelar em mandado de segurança em<br />

habeas corpus. Tanto isso que, nas duas matérias, o <strong>Supremo</strong> tem assentado a<br />

jurisprudência sobre o descabimento de recurso. Mas o fato, como disse V. Exa,<br />

é que nós já, em outras oportunidades, abrimos ensanchas a que esta Corte referendasse<br />

a cautelar.<br />

Por essa razão, peço vênia ao Ministro Marco Aurélio apenas para acompanhar<br />

a jurisprudência da Corte.<br />

VOTO<br />

(Sobre preliminar)<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, também, eu, como já<br />

existem alguns poucos precedentes e pela relevância da matéria, penso muito<br />

recomendável o que foi feito pelo eminente Ministro Relator, razão pela qual<br />

o acompanho, com as vênias, evidentemente, do eminente Ministro Marco<br />

Aurélio.<br />

VOTO<br />

(Sobre preliminar)<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, pedindo vênia<br />

ao Ministro Marco Aurélio, entendo que é possível ao Relator, tendo em conta<br />

a relevância da matéria, trazê-la à apreciação do Plenário, como já foi feito em<br />

outras vezes.<br />

VOTO<br />

(Sobre preliminar)<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, também entendo que, no<br />

caso, quem pode decidir monocraticamente, levando em conta a importância da<br />

matéria, sua repercussão, a magnitude do tema, pode trazê-la à apreciação do<br />

Plenário, homenageando, assim, o princípio da colegialidade.


R.T.J. — <strong>207</strong> 305<br />

VOTO<br />

(Sobre preliminar)<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Também entendo nesse sentido.<br />

Até já ressaltei que, em muitos desses casos em que se dá a competência<br />

ao Relator, a meu ver, se tem, aqui, um fenômeno de metonímia processual. Na<br />

verdade, dá-se a competência ao Relator por razões funcionais, mas, na verdade,<br />

não se destitui a competência do Plenário, apenas por razões de mecânica processual.<br />

O mesmo se dá no que concerne, a meu ver, na suspensão de segurança<br />

ou à suspensão de liminar, em que a competência é conferida ao Presidente, mas<br />

não afasta a competência do Plenário.<br />

De modo que acompanho também o eminente Relator, com as vênias devidas<br />

ao Ministro Marco Aurélio.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Senhor Presidente, eu acompanho o<br />

eminente Relator, destacando a prudência da providência tomada. Realmente é<br />

muito relevante o papel da comissão parlamentar de inquérito, e esta Corte tem<br />

reconhecido, em diversas oportunidades, essa relevância, particularmente nesse<br />

trânsito da vida republicana brasileira em que essa questão dos grampos tem<br />

sido alardeada e, afinal, não se tem, efetivamente, um conhecimento adequado<br />

da extensão em que isso está sendo feito.<br />

E, evidentemente, cabe ao <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, nessa circunstância,<br />

velar pelo prestígio de dois princípios: o princípio do sigilo, que esta Corte<br />

tem sempre procurado seguir, e, agora, o Ministro Cezar Peluso reforça com<br />

essa idéia de que, sim, é possível dar alguns dados, desde que esses dados não<br />

quebrem o sigilo; e o segundo princípio que é o princípio da informação. E a<br />

junção e a ponderação desses dois princípios convergem para a solução que<br />

foi adotada.<br />

Por essas razões, acompanho o Ministro Cezar Peluso, confirmando a<br />

liminar nos termos de S. Exa.<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, acompanho o Relator,<br />

com as ponderações que considero da maior relevância, porque nem se pode impedir<br />

a Comissão do Poder Legislativo de cumprir o seu objetivo de investigar,<br />

nem se pode permitir que alguns dos direitos fundamentais, como o direito ao<br />

segredo, sejam de alguma forma ofendidos.<br />

Razão pela qual acompanho integralmente, com as ponderações todas feitas,<br />

pontuadamente, pelo Relator.


306<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, também acompanho<br />

o eminente Relator nessa prudente solução que S. Exa. deu ao caso,<br />

ressaltando que o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> tem admitido a quebra do sigilo<br />

bancário e fiscal, por parte das comissões parlamentares de inquérito, desde<br />

que em função de fatos por ela investigados e, também, desde que baseado em<br />

elementos concretos.<br />

A pretensão inicial da CPI era a de obter dados resultantes da quebra de<br />

sigilo, que foi determinada por diversos juízes, em situações distintas. Portanto,<br />

Sua Excelência, a meu ver, acertou plenamente ao indeferir o pedido. Mas, agora,<br />

entendo que a solução dada pelo Relator mostra-se bastante adequada porque,<br />

com o fornecimento dos dados que S. Exa. está liberando para a CPI, está-se<br />

permitindo que ela aprofunde e leve adiante o objeto de suas investigações.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, também entendo que o<br />

eminente Relator muito bem equacionou a causa, sobretudo fazendo uma distinção<br />

precisa, técnica, entre a natureza das funções de uma comissão parlamentar<br />

de inquérito e aquelas que são próprias dos órgãos judicantes.<br />

No que toca ao inciso XII do art. 5º da Constituição, versante sobre a inviolabilidade<br />

do sigilo, no caso que nos interessa, das comunicações telefônicas,<br />

também com S. Exa. o Ministro Cezar Peluso, entendo que a Constituição, para<br />

a quebra desse sigilo, só se refere ao poder judicial.<br />

Quando diz ordem judicial, a Constituição diz assim, salvo por ordem<br />

judicial e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, foi<br />

de rigor técnico. Só o Poder Judiciário se encaixa no âmbito significante dessas<br />

expressões. Evidente que as comissões parlamentares de inquérito ficam do lado<br />

de fora, nada obstante a valiosidade intrínseca do seu mister.<br />

Na sessão de hoje, o Ministro abranda um pouco os termos do seu provimento<br />

em sede cautelar para, decisivamente, colaborar com a comissão<br />

parlamentar de inquérito, mas sem devassar o conteúdo, sobretudo isso, das comunicações<br />

telefônicas compartilhadas ou interceptadas às escutas.<br />

E vejo um mérito muito grande numa das aberturas agora admitidas pelo<br />

Ministro Cezar Peluso: a Comissão Parlamentar de Inquérito fica em condições<br />

de fazer um confronto, uma avaliação entre o número autorizado judicialmente<br />

de interceptações de escuta telefônica e o número efetivamente concretizado,<br />

praticado, para ver se houve extrapolação policial da própria ordem judicial<br />

quanto à quantidade das escutas. Vejo nisso também um grande mérito no provimento<br />

que S. Exa., agora, submete a referendo desta nossa Corte.<br />

Acompanho S. Exa.


R.T.J. — <strong>207</strong> 307<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, estabeleço uma premissa: nem<br />

sempre, quando se parte para a quebra da privacidade de dados, existe o sigilo<br />

quanto ao processo como um grande todo, já que, segundo a Constituição, ele o<br />

é, de regra, público, devendo ganhar, portanto, publicidade.<br />

Então, o que ocorre na maioria das vezes? Quebra-se o sigilo, e os dados<br />

respectivos, esses sim, ficam guardados, tendo acesso a eles somente os representantes<br />

processuais das partes.<br />

É a primeira premissa que estabeleço. Não generalizo o sigilo a ponto de<br />

apanhar o processo como um todo.<br />

Tenho votado, no Plenário – e a beleza do Colegiado é justamente essa, o<br />

somatório de forças distintas –, invariavelmente, no sentido de tomar a cláusula<br />

autorizadora da quebra do sigilo como uma cláusula fechada. Explico melhor:<br />

há necessidade de ordem judicial e, mesmo assim, presente a ordem judicial, o<br />

escopo deve ser a investigação criminal ou a instrução de processo criminal.<br />

O <strong>Tribunal</strong> conclui de forma diversa, estabelecendo, após a quebra de<br />

sigilo em processo da respectiva competência, o compartilhamento de dados<br />

com outros órgãos, inclusive com órgãos incumbidos de atuar simplesmente no<br />

campo administrativo, que não são órgãos judiciais.<br />

Mantenho-me fiel ao disposto no rol das garantias constitucionais, à limitação<br />

que decorre – se não me falha a memória – do inciso XII do art. 5º da<br />

Carta da República.<br />

Então teria tudo para acompanhar, presentes esses votos anteriores, o Relator,<br />

mas não posso fazê-lo. E a razão é muito simples: consoante previsto no<br />

§ 3º do art. 58 da Constituição <strong>Federal</strong>, as comissões parlamentares de inquérito,<br />

atuando no campo da investigação, possuem poderes que não são próprios à polícia.<br />

Se a referência, no § 3º, fosse ao poder de investigação da polícia, não teria<br />

a menor dúvida em assentar, considerada esta comissão parlamentar de inquérito<br />

– para a investigação de escutas telefônicas clandestinas –, a impossibilidade<br />

do acesso aos dados pretendidos, que não são os levantados com a interceptação,<br />

mas os que visam a estampar, em última análise, aquelas interceptações que foram<br />

realmente autorizadas por órgão investido do ofício judicante e, portanto,<br />

pelo Judiciário, e as clandestinas, que dizem não serem poucas!<br />

Pretende-se os nomes das partes dos processos, e aqui se faz em jogo a<br />

publicidade – reporto-me ao início do meu voto –, e também os números dos<br />

terminais objeto das interceptações e estes não estão compreendidos sequer no<br />

próprio sigilo.<br />

Atravessamos uma época em que se fala muito em conflito entre as instituições.<br />

Exagera-se, inclusive, no conceito respectivo, porque, em certas situações<br />

concretas, não ocorre esse conflito. Ao contrário, as instituições funcionam<br />

nos campos reservados pela Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

No caso, sob a minha óptica, e com a devida vênia dos que entendem de<br />

forma diversa, se brecarmos o acesso da Comissão Parlamentar de Inquérito aos


308<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

dados pretendidos, em primeiro lugar, acabaremos esvaziando-a por completo,<br />

considerado o objetivo da instalação. Em segundo lugar, estaremos conferindo<br />

interpretação restritiva – e a única interpretação que cabe é a estrita, consoante<br />

se contém no preceito – ao § 3º do art. 58 do Diploma Maior, e gerando, permitome<br />

o desassombro, aqui sim, um conflito verdadeiramente institucional.<br />

Em síntese, assento que a regra prevista no inciso XII do art. 5º da Carta<br />

da República veio a ser temperada pelo próprio constituinte quando fez inserir,<br />

no § 3º do art. 58, o seguinte preceito, de natureza imperativa, como todos os<br />

demais constantes da Constituição <strong>Federal</strong>:<br />

§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação<br />

[que poderes] próprios das autoridades judiciais, (...)<br />

Entendo que, conforme pronunciamentos do próprio Plenário, uma comissão<br />

parlamentar de inquérito poderia até mesmo vir a formalizar a quebra do<br />

sigilo de dados, não havendo necessidade, ante a autorização contida no § 3º, de<br />

recorrer ao Judiciário.<br />

Ora, repito, o que pretendeu a comissão parlamentar de inquérito, ao<br />

dirigir-se às empresas telefônicas, foi justamente colher elementos para elucidar<br />

a existência da famigerada escuta clandestina. Certo ex-dirigente de operadora<br />

telefônica chegou mesmo a dizer, em depoimento à comissão parlamentar de<br />

inquérito – e não sei se estaria, por isso, impedido de votar neste processo – que<br />

meus telefones no Rio teriam sido objeto de interceptação! Ainda bem que sou<br />

um livro aberto.<br />

Então, Presidente, volto a afirmar: considerado o objeto da comissão<br />

parlamentar de inquérito, sem o fornecimento desses dados – e não se pediu o<br />

resultado das interceptações em si, ou seja, os dados levantados com as interceptações,<br />

mas os elementos formais que levaram ao levantamento desses elementos<br />

– estará manietada a comissão instaurada.<br />

Peço vênia ao Relator para, no caso, não referendar a liminar deferida por<br />

S. Exa.<br />

Vencido nessa parte – evidentemente agora S. Exa. mitiga a negativa inicial,<br />

propondo que sejam fornecidos certos elementos – e porque chego ao mais,<br />

defiro, obviamente, esse fornecimento.<br />

ESCLARECIMENTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Senhor Presidente, gostaria de fazer<br />

dois esclarecimentos apenas.<br />

O primeiro deles é que a CPI foi textual no ofício e na proposta aprovada.<br />

Exigiu e, como tal, requisitou às operadoras, não apenas cópias dos mandados,<br />

mas também cópias das ordens judiciais que os acompanharam. O que significa<br />

isso na prática? Como V. Exas. bem o sabem, alguns mandados não se exaurem<br />

num único documento, porque a decisão de que resultam é, às vezes, muito


R.T.J. — <strong>207</strong> 309<br />

longa e, assim, necessita de interpretação. Isto sucede, sobretudo, nesta Casa,<br />

onde se expede mandado e, com este, sempre segue cópia da decisão que lhe<br />

determinou a expedição. E foi o que requisitou a CPI.<br />

Quando se remete cópia de decisão que determinou interceptação, remetem-se<br />

todos os dados ali constantes, isto é, todas as razões que o juízo deduziu<br />

para determinar a interceptação. As cópias vão, pois, revelar quais os fatos,<br />

quais as pessoas, quais as suspeitas, quais as diligências, quais os outros dados<br />

em que se baseou a decisão. Enfim, as cópias devassam tudo, pondo fim ao sigilo.<br />

Encaminhando-se as cópias, já não há sigilo nenhum.<br />

Segundo, não tenho dúvida nenhuma de que, nos termos do art. 58, § 3º,<br />

da Constituição da República, as CPI têm, textualmente, os mesmos poderes<br />

instrutórios dos juízos. O caso aqui não é, todavia, de exercício de poder instrutório,<br />

de poder de investigação; é do poder de quebrar sigilo judicial de processo.<br />

Nenhum juiz tem tal poder em relação a processo alheio. Não é de poder<br />

instrutório que se trata. O que a CPI invoca é poder de quebrar sigilo judicial<br />

imposto pelos juízos. Nenhum juiz tem esse poder! E eu nego, com o devido<br />

respeito, nego a esta própria Corte o poder e a competência para quebrar sigilo<br />

de processos de outros juízos.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Entendo, Senhor Relator, que o <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> dispõe, por autoridade própria, de poder para requisitar informações<br />

e esclarecimentos sobre matéria posta sob sigilo judicial e veiculada em<br />

procedimentos judiciais e de investigação penal sobre os quais incida a nota do<br />

“segredo de justiça”, desde que os atos neles praticados estejam sob apreciação<br />

jurisdicional desta Suprema Corte.<br />

Em tais situações, não é oponível, ao Relator da causa nesta Corte Supre<br />

ma, bem assim a este próprio <strong>Tribunal</strong>, o sigilo judicial referente a matéria<br />

sob investigação penal ou veiculada em processo judicial, sob pena de as autoridades<br />

apontadas como coatoras – sejam elas autoridades judiciárias, policiais<br />

ou administrativas – criarem, em torno de si, um inadmissível círculo de<br />

proteção, que, encobrindo-lhes eventuais atos arbitrários, ilícitos ou abusivos,<br />

culmine por frustrar o exercício da jurisdição que a Constituição da República<br />

outorgou ao <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.<br />

Não tem qualquer sentido negar-se, ao <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, nos<br />

processos regularmente instaurados perante esta Corte, o acesso a dados sigilosos,<br />

se a “disclosure” das informações neles contidas revelar-se necessária à<br />

resolução do litígio.<br />

Em uma palavra: o sigilo judicial, especialmente quando decretado<br />

por órgãos investidos de jurisdição inferior, não pode representar obstáculo<br />

ao exercício, pelo <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, da jurisdição constitucional<br />

das liberdades, sob pena de se frustrarem os mecanismos que a própria<br />

Constituição da República concebeu e forjou em favor dos direitos e garantias<br />

individuais, buscando protegê-los contra comportamentos ilícitos e condutas<br />

abusivas de quaisquer agentes estatais.


310<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Exatamente. Isto é, não se pode reconhecer,<br />

na interpretação da Constituição, à luz da importância das tarefas de<br />

comissão parlamentar de inquérito, poder jurídico que sequer o Judiciário tem<br />

como tal.<br />

Estas foram as razões que me levaram a conceder a liminar e que nela deixei<br />

claras, ao negar à CPI aqueles dados.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: V. Exa. permite? Entendo que este art. 58,<br />

§ 3º, versante sobre comissões parlamentares de inquérito e seus poderes instrutórios,<br />

ou de investigação, nos termos da Constituição, está desafiando de<br />

nossa parte – mais cedo ou mais tarde teremos de enfrentar e superar esse desafio<br />

– uma interpretação, digamos, mais clara ainda, mais exauriente do que a<br />

que temos dado.<br />

Por enquanto, inclino-me por entender o seguinte: os poderes investigatórios<br />

ou instrutórios que são próprios dos juízes as CPI também têm, mas<br />

para cumprimento dos fins que são próprios das CPI. Dentre esses fins, não se<br />

encaixam, rigorosamente, a investigação criminal, a instrução criminal, usadas<br />

pela Constituição, para o específico fim de quebra de sigilo telefônico, mediante<br />

ordem judicial. É uma conclusão provisória, mas que me satisfaz.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): E, menos ainda, de corregedoria<br />

de decisões judiciais, como se fora lícito à comissão ter acesso ao conteúdo de<br />

ordens judiciais para que se pronuncie sobre elas!<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Nesse caso, quebra-se o princípio da separação<br />

de Poderes, inclusive.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Pois foi isso que invoquei. O princípio<br />

da separação de Poderes foi um dos que expressamente invoquei.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Eu também acompanho o<br />

eminente Relator, que acredito, agora – tal como já foi pontuado pelos diversos<br />

colegas –, logrou fazer uma belíssima concordância prática ao compatibilizar a<br />

questão do sigilo e sua necessária; no caso, também a especificidade relativa à<br />

autonomia do ato judicial de um lado, e os poderes da própria comissão parlamentar<br />

de inquérito.<br />

A rigor – como destacou bem o Ministro Celso de Mello –, esses poderes<br />

que são reconhecidos às comissões parlamentares de inquérito não envolvem alguns<br />

atos, típicos da atividade jurisdicional. Eles são confiados à CPI, para que<br />

possa realizar o seu mister básico, e é nesse sentido que o Relator acaba de fazer<br />

uma concepção de aproximação.


R.T.J. — <strong>207</strong> 311<br />

VOTO<br />

(Aditamento)<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Se a comissão tiver interesse, as<br />

operadoras deverão encaminhar as seguintes informações: primeiro, relação<br />

dos juízos que expediram os mandados, bem como a quantidade destes e dos<br />

terminais objeto das ordens – quantos mandatos e quantos terminais; segundo,<br />

relação dos órgãos policiais específicos destinatários das ordens judiciais; terceiro,<br />

havendo elementos, relação dos órgãos que requereram as interceptações;<br />

quarto, relação da cidade ou cidades em que se situam os terminais objeto das<br />

ordens de interceptações; e, quinto, duração total de cada interceptação.<br />

Ficando claro, outrossim, que não podem, de modo algum, constar das informações:<br />

primeiro, o número de cada processo; segundo, o nome de qualquer<br />

das partes ou dos titulares dos terminais interceptados; terceiro, os números dos<br />

terminais; e, quarto, cópias dos mandados e das decisões que os acompanharam<br />

ou que os determinaram.<br />

VOTO<br />

(Explicação)<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Eu vou até elaborar uma ementa<br />

sobre isso, para que fique bem claro neste julgamento de referendo.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

MS 27.483-MC-Referendo/DF — Relator: Ministro Cezar Peluso. Impetrantes:<br />

Tim Celular S.A. e outros (Advogados: David Marques Muniz<br />

Rechulski e outros). Impetrado: Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito<br />

das Escutas Telefônicas Clandestinas.<br />

Decisão: Preliminarmente, o <strong>Tribunal</strong>, por maioria, vencido o Ministro<br />

Marco Aurélio, entendeu cabível, a critério do Relator, o referendo da decisão<br />

concessiva da liminar em mandado de segurança. No mérito, o <strong>Tribunal</strong>,<br />

por maioria, referendou a liminar concedida, com as ressalvas aduzidas pelo<br />

Relator, vencido também neste ponto o Ministro Marco Aurélio, que negava o<br />

referendo. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Não participaram da<br />

votação a Ministra Ellen Gracie e o Ministro Eros Grau por não terem assistido<br />

ao relatório e ao voto. Ausente, justificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa.<br />

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros<br />

Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto,<br />

Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Vice-<br />

Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.<br />

Brasília, 14 de agosto de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


312<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

HABEAS CORPUS 81.321 — SP<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Paciente: João Luiz Rocco — Impetrantes: Alberto Zacharias Toron e<br />

outro — Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Ação penal. Crime tributário, ou crime contra a ordem tributária.<br />

Art. 1º da Lei 8.137/90. Delito material. Tributo. Inscrição<br />

mediante auto de infração. Cancelamento por decisão judicial<br />

em mandado de segurança. Crédito não lançado definitivamente.<br />

Falta irremediável de elemento normativo do tipo. Crime que se<br />

não tipificou. Trancamento do processo. Habeas corpus concedido<br />

para esse fim. Precedentes. Não se tipificando crime tributário<br />

sem o lançamento fiscal definitivo, não se justifica pendência de<br />

ação penal, quando foi cancelada, por decisão judicial em mandado<br />

de segurança, a inscrição do suposto débito exigido.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro<br />

Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />

por unanimidade de votos, deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do<br />

voto do Relator. Não participou, justificadamente, deste julgamento a Ministra<br />

Cármen Lúcia.<br />

Brasília, 4 de dezembro de 2007 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de habeas corpus impetrado em<br />

favor de João Luiz Rocco, contra acórdão proferido pelo Superior <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça que lhe denegou a ordem nos autos do HC 16.472.<br />

O paciente foi denunciado, perante o Juízo da 3ª Vara Criminal <strong>Federal</strong>,<br />

da Primeira Subseção Judiciária de São Paulo, sob acusação de prática do delito<br />

previsto no art. 1º, inciso I, da Lei 8.137/90.<br />

A inscrição do débito exigido mediante o auto de infração de pessoa física,<br />

que originou a ação penal movida contra o paciente (Processo-Crime<br />

2000.6181.00218-9), foi cancelada por ordem judicial nos autos do Mandado<br />

de Segurança 98.0018423-6, tendo o Magistrado determinado reabertura de<br />

prazo para apresentação de defesa administrativa, após a efetiva intimação do<br />

ora paciente para impugnar o auto de infração.<br />

Por isso, alegam os impetrantes que a ação penal movida contra o ora paciente<br />

carece de justa causa, em razão de ausência de materialidade de delito,<br />

porque não constituído definitivamente o crédito tributário.


R.T.J. — <strong>207</strong> 313<br />

Sob o mesmo argumento, a defesa impetrou habeas corpus no <strong>Tribunal</strong><br />

Regional <strong>Federal</strong> da 3ª Região, que denegou a ordem.<br />

Foi, então, impetrado habeas corpus ao Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, que,<br />

em ato aqui reputado configurador de constrangimento ilegal, lhe denegou a<br />

ordem, em acórdão assim ementado:<br />

Processual penal. Tributário. Trancamento de ação penal. Falta de justa<br />

causa. Condição de procedibilidade.<br />

1. O exaurimento da instância administrativa não é condição de procedibilidade<br />

para a Ação Penal (Lei 9430/96, art. 83). Ressalva da posição contrária do<br />

Relator.<br />

2. Habeas corpus conhecido. Pedido indeferido.<br />

(Fl. 42.)<br />

O pedido de liminar foi indeferido (fl. 18), e a Procuradoria-Geral da<br />

República opinou pela denegação da ordem (fls. 67-69).<br />

À vista de petição dos impetrantes (fl. 73), reapreciei a decisão de fl. 18 e<br />

deferi a suspensão do processo-crime contra o Paciente.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Consistente o pedido.<br />

Para a configuração do delito imputado ao paciente, deve-se apurar antes<br />

se o tributo é, ou não, devido. O art. 1º da Lei 8.137/90 fala expressamente em<br />

suprimir ou reduzir tributo, de sorte que o lançamento definitivo caracteriza<br />

elemento normativo do tipo, à míngua do qual a conduta do agente é atípica.<br />

Donde, a ação incriminada no art. 1º da Lei 8.137/90 só pode ser supressão<br />

ou redução do crédito tributário devido, ou seja, definitivamente constituído,<br />

líquido, certo e exigível, nos termos de lançamento definitivo.<br />

É o que o Plenário desta Corte, com largo voto vencedor por mim declarado,<br />

decidiu, no julgamento do HC 81.611 (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ<br />

de 13-5-05), assentando que os delitos tipificados no art. 1º da Lei 8.137/90 são<br />

de natureza material, consumando-se apenas com a efetiva ocorrência do resultado,<br />

qual seja, supressão ou redução de tributo devido, o que somente pode<br />

caracterizar-se com o lançamento definitivo do crédito tributário:<br />

I – Crime material contra a ordem tributária (Lei 8.137/90, art. 1º): lançamento<br />

do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta<br />

de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto<br />

obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo. 1. Embora não<br />

condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADI 1.571-MC),<br />

falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da<br />

Lei 8.137/90 – que é material ou de resultado –, enquanto não haja decisão definitiva<br />

do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento


314<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de<br />

tipo. 2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela<br />

satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (Lei 9.249/95,<br />

art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela<br />

antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei<br />

mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento<br />

provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda<br />

sorte do processo criminal. 3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte,<br />

o processo administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal<br />

por crime contra a ordem tributária que dependa do lançamento definitivo.<br />

(HC 81.611, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 13-5-05.)<br />

Carece, por conseqüência, de justa causa, toda ação penal destinada a<br />

perseguir ilícito penal tributário, enquanto o crédito tributário não esteja devidamente<br />

lançado pela autoridade administrativa.<br />

2. É o que convém ao caso. O auto de infração, que serve de sustentáculo<br />

ao ajuizamento da ação penal, foi desconstituído judicialmente.<br />

Assim, até que seja declarado, válida e definitivamente, se o tributo é,<br />

ou não, devido, não se admite ação penal contra o paciente, fundada no auto<br />

desconstituído:<br />

Habeas corpus. Penal Tributário. Crime contra a ordem tributária. Supressão<br />

ou redução de tributo devido (Lei 8.137/90, art. 1º, I e II). Denúncia oferecida<br />

antes da constituição definitiva de crédito tributário. Anulação por vício<br />

formal e substituição do lançamento durante o curso da ação penal. Ausência de<br />

justa causa. Antes da constituição definitiva do crédito tributário, não há justa<br />

causa para início da ação penal relativa aos crimes contra a ordem tributária<br />

(art. 1º da Lei 8.137/90). Precedente do Plenário do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong><br />

(HC 81.611, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 13-5-05). A substituição, por<br />

novos lançamentos, dos autos de infração anulados por vício formal não convalida<br />

a ação penal ajuizada antes do lançamento definitivo, porquanto a constituição do<br />

crédito tributário projeta um novo quadro fático e jurídico para o oferecimento<br />

da denúncia. Durante a pendência do julgamento de recurso administrativo no<br />

âmbito tributário, não há o início do curso do prazo prescricional (art. 111, I, do<br />

Código Penal). Ordem de habeas corpus concedida, para trancamento da ação<br />

penal, sem prejuízo do oferecimento de nova denúncia, com base em crédito tributário<br />

definitivamente constituído.<br />

(HC 84.345 – Rel. Min. Joaquim Barbosa – DJ de 24-3-06.)<br />

3. Ante o exposto, concedo a ordem, para determinar o trancamento do<br />

Processo-crime 2000.61.81.000218-9, em trâmite na 3ª Vara Criminal <strong>Federal</strong>,<br />

da Primeira Subseção Judiciária de São Paulo.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 81.321/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: João Luiz<br />

Rocco. Impetrantes: Alberto Zacharias Toron e outro. Coator: Superior <strong>Tribunal</strong><br />

de Justiça.


R.T.J. — <strong>207</strong> 315<br />

Decisão: A Turma adiou o julgamento do pedido de habeas corpus.<br />

Unânime. Falou pelo Paciente o Dr. André Gustavo Sales Damiani. Primeira<br />

Turma, 13-8-02.<br />

Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto<br />

do Relator. Unânime. Não participou, justificadamente, deste julgamento a<br />

Ministra Cármen Lúcia.<br />

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />

Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito.<br />

Compareceu o Ministro Cezar Peluso, a fim de julgar processos a ele vinculados,<br />

ocupando a cadeira da Ministra Cármen Lúcia. Subprocurador-Geral da<br />

República, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.<br />

Brasília, 4 de dezembro de 2007 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


316<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

HABEAS CORPUS 82.848 — SP<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Pacientes: Orestes Mazzariol Junior, Joaquim de Paula Barreto Fonseca,<br />

Renato Rossi e Alberto Liberman — Impetrantes: João Carlos de Lima Junior e<br />

outros — Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Ação penal. Crime tributário ou contra a ordem tributária.<br />

Apropriação indébita de verba previdenciária. Art. 198-A<br />

do Código Penal. Abolitio criminis. Não ocorrência. Mera inserção<br />

dos tipos no Código Penal. Justa causa reconhecida. Habeas<br />

corpus denegado. Inteligência do art. 3º da Lei 9.983/00, que revogou<br />

o art. 95, d, da Lei 8.212/91. Precedentes. O art. 3º da Lei<br />

9.983/00, que revogou o disposto no art. 95, d, da Lei 8.212/91,<br />

não operou abolitio criminis dos chamados delitos previdenciários,<br />

cuja tipificação foi inserida no Código Penal.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Celso<br />

de Mello, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade de votos, indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto<br />

do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Eros Grau.<br />

Brasília, 31 de outubro de 2006 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de habeas corpus impetrado em<br />

favor de Orestes Mazzariol Junior, Joaquim de Paula Barreto Fonseca, Renato<br />

Rossi e Alberto Liberman, contra decisão do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, que<br />

lhes denegou o HC 20.262, com o mesmo objeto deste writ, nos seguintes termos:<br />

Penal. Habeas corpus. Crime de omissão no recolhimento de contribuições<br />

previdenciárias. Lei 8.212/91, art. 95, d. revogação pela Lei 9.983/00. Abolitio<br />

criminis. Inocorrência.<br />

– A modificação legislativa introduzida pela Lei 9.983/00, que deu nova<br />

definição ao crime de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias<br />

não importou em abolitio criminis em relação aos fatos pretéritos, mas apenas deu<br />

nova moldura ao tipo, preservando a antijuricidade da conduta.<br />

– Habeas corpus denegado.<br />

(Fl. 41.)<br />

Os Pacientes estavam sendo investigados pela prática do delito previsto no<br />

art. 168-A, do Código Penal, em razão da Notificação Fiscal de Lançamento de<br />

Débito 32.687.757-6, segundo a qual, no período compreendido entre julho de


R.T.J. — <strong>207</strong> 317<br />

1994 e dezembro de 1998, a sociedade limitada de que eram diretores teria deixado<br />

de recolher aos cofres públicos, em época própria, importâncias relativas a<br />

contribuições sociais descontadas dos empregados.<br />

O impetrante pleiteia, em síntese, o reconhecimento de falta de justa<br />

causa, por entender que a Lei 9.983/00, que inseriu o art. 168-A no Código Penal,<br />

operou abolitio criminis em relação à conduta anteriormente descrita no art. 95,<br />

d e e, da Lei 8.212/91, vigente à época dos fatos.<br />

Idêntico pedido foi formulado perante o <strong>Tribunal</strong> Regional <strong>Federal</strong> da 3ª Região<br />

e ao Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, sendo o writ denegado em ambas as instâncias.<br />

Aqui, o pedido de liminar foi indeferido (fl. 49).<br />

A Procuradoria-Geral da República ofereceu parecer e, como o writ visava<br />

ao trancamento de inquérito policial, opinou pela denegação da ordem (fls. 52-<br />

54), nos seguintes termos:<br />

A finalidade do inquérito policial é apurar apenas a existência da infração<br />

penal e a respectiva autoria. A classificação de mencionada infração é encargo do<br />

Ministério Público e deverá ocorrer no momento do oferecimento da denúncia,<br />

nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal.<br />

Assim, ainda que o inquérito policial verse sobre o delito do art. 95, alínea<br />

d, da Lei 8.212/90. e ainda que o crime previsto nesse dispositivo houvesse<br />

sido abolido (o que não ocorreu), não haveria motivo para o trancamento do inquérito,<br />

vez que o Ministério Público, ao formalizar a denúncia, poderá, em tese,<br />

enquadrar a conduta apurada pela autoridade policial em outro tipo penal.<br />

[...]<br />

Por fim, embora o art. 95 da Lei 8.212/90 tenha sido revogado pelo art. 3º da<br />

Lei 9.983/00, não há que se falar em abolitio criminis, vez que o crime ali previsto,<br />

pela mesma Lei 9.983/00 passou a integrar o texto do Código Penal Brasileiro<br />

(art. 168-A).<br />

Ante o exposto, o parecer do Ministério Público <strong>Federal</strong> é pelo indeferimento<br />

do writ (fls. 53-54).<br />

Informações atualizadas noticiam que foi oferecida denúncia contra os<br />

pacientes, pela prática do crime previsto no art. 168-A, § 1º, inciso I, do Código<br />

Penal, perante a 1ª Vara <strong>Federal</strong> de Campinas/SP. A acusação havia sido rejeitada,<br />

mas o Ministério Público intentou recurso em sentido estrito, tendo então<br />

o <strong>Tribunal</strong> Regional <strong>Federal</strong> da 3ª Região dado provimento ao recurso, para que<br />

o juízo de 1º grau analisasse a presença dos requisitos do art. 41 do Código de<br />

Processo Penal (fl. 77). Foram interpostos recursos especial e extraordinário,<br />

ainda não apreciados pelo <strong>Tribunal</strong> a quo (fls. 78-79).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Não assiste razão ao Impetrante.<br />

Esta Corte tem entendido que o art. 3º da Lei 9.983/00 apenas transmudou<br />

a base legal de imputação de apropriação indébita previdenciária para o Código


318<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Penal, sem alterar a descrição da conduta anteriormente incriminada pela Lei<br />

8.212/90, de sorte que é impróprio falar-se em abolitio criminis:<br />

Habeas corpus – Crime contra a ordem previdenciária (apropriação indébita)<br />

– Alegação de ocorrência da abolitio criminis em virtude da revogação do<br />

art. 95, d, da Lei 8.212/91 – Pretendido reconhecimento de ausência de culpabilidade<br />

– Indagação de ordem probatória –Inadmissibilidade na via estreita do writ<br />

constitucional – Pedido indeferido. Habeas corpus e alegação de ausência de<br />

tipicidade penal e de culpabilidade.<br />

– O caráter sumaríssimo da via jurídico-processual do habeas corpus não<br />

permite que se proceda, no âmbito estreito desse writ constitucional, a qualquer<br />

indagação de ordem probatória, notadamente se a impetração objetivar a análise,<br />

discussão e valoração da prova penal. Não se revela viável, desse modo, em sede<br />

de habeas corpus, o exame da alegação de ausência de dolo na conduta imputada<br />

ao agente. Precedentes.<br />

Crime de apropriação indébita previdenciária. – O crime de apropriação<br />

indébita contra a Previdência Social continua tipificado no ordenamento positivo,<br />

nos termos do art. 168-A do Código Penal, não obstante a derrogação do art. 95, d,<br />

da Lei 8.212/91. A superveniência da Lei 9.983/00 (art. 3º) não implicou alteração<br />

na descrição normativa da conduta anteriormente incriminada, pois o art. 3º da<br />

referida Lei 9.983/00, longe de provocar a descaracterização típica do comportamento<br />

delituoso, “apenas transmudou a base legal de imputação para o Código<br />

Penal, continuando sua natureza especial em relação à apropriação indébita simples,<br />

prevista no art. 168 do CP”.<br />

(HC 84.021, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 20-4-06.)<br />

Recurso ordinário em habeas corpus. Não-recolhimento de contribuição<br />

previdenciária. Ausência de dolo específico. Abolitio criminis. Inocorrência.<br />

Dificuldade financeira. Matéria probatória. 1. O art. 3º da Lei 9.983/00 apenas<br />

transmudou a base legal da imputação do crime da alínea d do art. 95 da Lei<br />

8.212/91 para o art. 168-A do Código Penal, sem alterar o elemento subjetivo do<br />

tipo, que é o dolo genérico. Daí a improcedência da alegação de abolitio criminis<br />

ao argumento de que a lei mencionada teria alterado o elemento subjetivo, passando<br />

a exigir o animus rem sibi habendi. 2. A pretensão visando ao reconhecimento<br />

de inexigibilidade de conduta diversa, traduzida na impossibilidade de<br />

proceder-se ao recolhimento das contribuições previdenciárias, devido a dificuldades<br />

financeiras, não pode ser examinada em habeas corpus, por demandar<br />

reexame das provas coligidas na ação penal. Recurso ordinário em habeas corpus<br />

a que se nega provimento.<br />

(RHC 86.072, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 28-10-05). Cf., ainda,<br />

HC 87.107-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 16-2-06; RE 408.363,<br />

Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 18-4-05; RHC 87.303-MC, Rel. Min.<br />

Joaquim Barbosa, DJ de 15-12-05.<br />

Não é outra a opinião da doutrina, como pondera Alberto Silva Franco,<br />

ao comentar o disposto no art. 168-A, do Código Penal:<br />

Não há cogitar, no entanto, com a promulgação da Lei 9.983/2000, de<br />

abolitio criminis a não ser em relação à alínea j do art. 95 da Lei 8.212/91. Embora


R.T.J. — <strong>207</strong> 319<br />

houvesse explícita revogação, no art. 3.º da Lei 9.983/2000, em relação a todas<br />

as alíneas do art. 95 da Lei 8.212/91, força é convir que essa revogação não tem<br />

o condão de desconsiderar os crimes previdenciários praticados anteriormente<br />

à Lei 9.983/2000 para efeito de aplicação do art. 2.º do Código Penal, conforme<br />

o entendimento de Luiz Henrique Pinheiro Bittencourt (“A abolitio criminis do<br />

art. 95 da Lei 8.212/91, pela Lei 9.983, de 14 de julho de 2000”, in Boletim do<br />

Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, outubro de 2000, n. 95, p. 15). Este<br />

posicionamento é inaceitável. Os crimes previdenciários existiam antes e continuaram<br />

a existir depois da Lei 9.983/2000. Esta não é, portanto, lei posterior que<br />

descriminalizou os agravos contra a previdência social constantes do art. 95 da<br />

Lei 8.212/91. Pouco importa a existência de dificuldades no enquadramento das<br />

sanções relativas ao art. 95 da Lei 8.212/91 e que a Lei 9.983/2000 tenha reproduzido,<br />

com alterações, os tipos previdenciários anteriormente estruturados. A<br />

revogação do art. 95 da Lei 9.983/2000 significou apenas que, a partir da entrada<br />

em vigor da nova lei, os crimes previdenciários foram inseridos no Código Penal.<br />

Mas os fatos ocorridos antes dessa vigência continuam a ser regrados pelo art. 95<br />

da Lei 8.212/91, admitindo-se tão somente que a pena privativa de liberdade relativa<br />

à apropriação indébita previdenciária tenha retroatividade, mesmo no período<br />

da vacatio legis (sobre essa matéria, vide o art. 2.º, item 1.02 f) porque o máximo<br />

da sanção punitiva é inferior à cominada pelo art. 5.º da Lei 7.492/86, estabelecida<br />

como preceito sancionatório para as hipóteses das alíneas d, e e f em virtude do<br />

§ 1.º, do art. 95 da Lei 8.212/91.<br />

(FRANCO, Alberto Silva. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial.<br />

7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 2778.)<br />

2. Ante o exposto, denego a ordem.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 82.848/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Pacientes: Orestes<br />

Mazzariol Junior, Joaquim de Paula Barreto Fonseca, Renato Rossi e Alberto<br />

Liberman. Impetrantes: João Carlos de Lima Junior e outros. Coator: Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

Decisão: A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas<br />

corpus, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento,<br />

o Ministro Eros Grau.<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Gilmar Mendes, Cezar Peluso e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente,<br />

o Ministro Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco<br />

Adalberto Nóbrega.<br />

Brasília, 31 de outubro de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coor -<br />

denador.


320<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

RECURSO EM HABEAS CORPUS 86.190 — DF<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Recorrente: Carlos Antônio Coelho — Recorrido: Ministério Público<br />

<strong>Federal</strong><br />

Ação penal. Tráfico ilícito de entorpecentes. Sentença condenatória.<br />

Exame de dependência toxicológica. Inexistência.<br />

Irrelevância. Prova não requerida pela defesa e cuja necessidade<br />

dependeria de aferição do juízo da causa. Nulidade, ademais, só<br />

argüida em habeas corpus, após o trânsito em julgado da sentença.<br />

Preclusão consumada. Recurso improvido. Precedentes.<br />

A falta de exame de dependência toxicológica, cuja necessidade<br />

depende de requerimento da defesa e aferição do juízo da causa,<br />

constitui nulidade teórica que, argüida apenas após o trânsito<br />

em julgado da sentença condenatória, é coberta pela preclusão.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro<br />

Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />

por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso ordinário, nos termos<br />

do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro<br />

Eros Grau.<br />

Brasília, 31 de outubro de 2006 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de recurso ordinário em habeas<br />

corpus impetrado em favor de Carlos Antônio Coelho, contra decisão da Quinta<br />

Turma do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

O recorrente foi denunciado, perante a 4a Vara de Entorpecentes e Contravenções<br />

Penais do Distrito <strong>Federal</strong> (fls. 15-17), e condenado à pena de 3 (três)<br />

anos de reclusão, em regime integralmente fechado, pela prática do delito previsto<br />

no art. 12, caput, da Lei 6.368/76 (fls. 31-45), confirmada a decisão em<br />

recurso de apelação (fls. 46-56).<br />

Depois de transitada em julgado a condenação (fl. 221), foi impetrado<br />

habeas corpus no Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, argüindo-se a nulidade do processo<br />

por violação ao art. 22, § 5º, da Lei 6.368/76, porque, tendo o paciente declarado,<br />

em sede policial (fl. 21) e depois no interrogatório judicial (fls. 26-27),<br />

ser viciado no uso de tóxicos, não se procedeu ao exame pericial de dependência.<br />

A ordem foi denegada pelo Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, em decisão assim<br />

ementada:


R.T.J. — <strong>207</strong> 321<br />

Criminal. HC. Tráfico ilícito de entorpecentes. Supressão de instância.<br />

Acórdão de apelação. Inexistência. Nulidade.<br />

Ausência de exame de dependência toxicológica. Irrelevância.<br />

Fundamentação válida do decreto condenatório. Inércia da defesa. Preclusão.<br />

Ordem denegada.<br />

I. Tratando-se de habeas corpus impetrado contra acórdão proferido no<br />

julgamento de recurso de apelação, ocorre o efeito devolutivo amplo, ou seja, é<br />

prescindível constar expressamente no aresto a tese defendida na impetração.<br />

Precedentes do STF e deste <strong>Tribunal</strong>.<br />

II. Não se acolhe alegação de nulidade por ausência de exame de dependência<br />

toxicológica, pois o Julgador não está obrigado a determinar a realização do referido<br />

exame, se outros elementos de convicção vêm a justificar sua dispensa, especialmente<br />

se as provas dos autos apontam para a prática do crime de tráfico. Precedentes.<br />

III. Evidenciado que a defesa não requereu, na fase de conhecimento, a realização<br />

do exame de dependência toxicológica do paciente, quedando-se inerte<br />

sobre o assunto nas diversas oportunidades nas quais se manifestou no processo,<br />

inclusive quando da interposição do recurso de apelação, está preclusa a discussão<br />

sobre a propalada nulidade pela não realização da perícia.<br />

IV. Ordem denegada.<br />

(Fl. 113.)<br />

O presente recurso insiste na nulidade “do processo a partir do despacho<br />

saneador, inclusive, com a expedição de alvará de soltura. Entendendo a douta<br />

Turma que o caso não é de declarar a nulidade, que determine a submissão do<br />

recorrente a exame de dependência toxicológica, deixando assente que se a conclusão<br />

da perícia reconhecer a inimputabilidade ou semi-imputabilidade, que os<br />

autos retornem ao juízo monocrático para que profira outra decisão, com observância<br />

das regras contidas no art. 19 e seu parágrafo único da Lei n.º 6.368/76,<br />

por ser medida de Direito e de restrita Justiça” (fls. 122-123).<br />

A Procuradoria-Geral da República contra-arrazou e requereu não fosse o<br />

recurso conhecido; caso conhecido, requereu fosse desprovido (fls. 126-131). Em<br />

parecer, opina pelo desprovimento do recurso (fls. 140-143).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Cumpre notar desde logo que não<br />

houve, durante o trâmite do processo, requerimento da defesa para realização<br />

de exame de dependência toxicológica. Desse ângulo, não se descobre nulidade<br />

processual alguma, como já decidiu a Corte em caso análogo:<br />

Competência – Habeas corpus – Ato de <strong>Tribunal</strong> de Justiça. Na dicção da<br />

ilustrada maioria (seis votos a favor e cinco contra), em relação à qual guardo<br />

reservas, compete ao <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> julgar todo e qualquer habeas<br />

corpus impetrado contra ato de tribunal, tenha este, ou não, qualificação de superior.<br />

Habeas corpus – Prova. Se de um lado o julgamento de todo e qualquer<br />

habeas corpus pressupõe cotejo de certo fato com a ordem jurídica em vigor, de<br />

outro não menos correto é que se mostra imprópria tal via visando-se ao reexame


322<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

dos elementos probatórios e ao entendimento sobre a prática de delito menos<br />

grave. Tóxico – Exame. Descabe cogitar de constrangimento ilegal quando o<br />

exame toxicológico não foi requerido pela defesa e os contornos fáticos afiguram-se<br />

conducentes à conclusão sobre o tráfico e não uso de entorpecentes.<br />

(HC 74.484, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 13-12-96 – Grifei.)<br />

2. E da simples declaração do acusado de ser viciado no uso de tóxicos não<br />

se extrai exigência legal de submetê-lo a exame de dependência. Ademais, cabe<br />

ao juiz da causa aferir a necessidade, ou não, da produção de tal meio de prova.<br />

Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte:<br />

Habeas corpus. Condenação do paciente a três anos de reclusão, como<br />

incurso no art. 12 da Lei 6.368/76. Alegação de cerceamento de defesa, porque<br />

não determinado exame de dependência toxicologica. Improcedência. A circunstancia<br />

de o réu declarar-se viciado não leva, necessariamente, a obrigatoriedade<br />

de realização do exame, cabendo ao juiz aferir, em cada caso, da sua<br />

necessidade. Reapreciação de provas inviável em habeas corpus. Somente em<br />

revisão criminal seria possivel reexame do conjunto de provas considerado na sentença<br />

condenatória e no acórdão que a confirmou. Fixação das penas no minimo<br />

legal. Habeas corpus indeferido.<br />

(HC 69.733, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 21-5-93 – Grifei.)<br />

Habeas corpus. Tóxicos. Exame de dependência toxicologica. A aferição<br />

da conveniência da realização do exame de dependência toxicológica tendose<br />

declarado viciado o paciente cabe ao juiz condutor da instrução criminal.<br />

Precedentes do STF (RHC 61.716 e RHC 65.438, inter alia). Habeas corpus<br />

indeferido.<br />

(HC 69.995, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 25-6-93.)<br />

3. Ademais, a falta da prova, que se pretende obrigatória, constituiria nulidade<br />

processual sanada por força da preclusão, porque não argüida nas alegações<br />

finais, nos termos do disposto nos arts. 571, inciso II, e 572 do Código de<br />

Processo Penal. A nulidade só foi invocada pela defesa mediante habeas corpus,<br />

após o trânsito em julgado da decisão condenatória (fl. 221). É da jurisprudência<br />

da Corte:<br />

Exame de dependência toxicológica: a falta de sua determinação, quando<br />

exigível à vista das circunstâncias do caso concreto, constitui nulidade da instrução<br />

criminal, coberta pela preclusão, se só argüida após o trânsito em julgado da<br />

decisão condenatória.<br />

(HC 82.651, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 12-9-03.)<br />

4. Isto posto, nego provimento ao recurso.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

RHC 86.190/DF — Relator: Ministro Cezar Peluso. Recorrente: Carlos<br />

Antônio Coelho (Advogado: Divaldo Theóphilo de Oliveira Netto). Recorrido:<br />

Ministério Público <strong>Federal</strong>.


R.T.J. — <strong>207</strong> 323<br />

Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso<br />

ordinário, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento,<br />

o Ministro Eros Grau.<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Gilmar Mendes, Cezar Peluso e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente,<br />

o Ministro Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco<br />

Adalberto Nóbrega.<br />

Brasília, 31 de outubro de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


324<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

HABEAS CORPUS 87.375 — SC<br />

Relatora: A Sra. Ministra Ellen Gracie<br />

Paciente: Carlos Oslame ou Carlos Oselame — Impetrantes: Rodrigo<br />

Roberto da Silva e outros — Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Direito processual penal. Habeas corpus. Pena de inabilitação<br />

ao exercício de cargo ou função pública. Ausência de ameaça<br />

ou lesão à liberdade de locomoção. Inidoneidade do writ. Não<br />

conhecimento.<br />

1. A questão de direito tratada neste writ diz respeito à<br />

eventual nulidade do julgamento do recurso especial pelo Supe<br />

rior <strong>Tribunal</strong> de Justiça ao reconhecer que não se operou a<br />

prescrição relativamente à pretensão que ensejou a aplicação da<br />

pena de inabilitação do paciente para cargo ou função pública<br />

pelo prazo de 5 (cinco) anos.<br />

2. Esta Corte já teve oportunidade de apreciar a questão,<br />

concluindo no sentido da inidoneidade do habeas corpus para<br />

proteção de outros direitos que não relacionados à liberdade de<br />

locomoção do paciente (HC 84.816/PI, Rel. Min. Carlos Velloso,<br />

Segunda Turma, DJ de 6-5-05).<br />

3. Não conhecimento de habeas corpus quanto à alegação de<br />

o aresto do STJ haver mantido como válida a pena de inabilitação<br />

para função pública, por não constituir esse ponto ameaça à<br />

liberdade de ir e vir do paciente.<br />

4. A pena de inabilitação para exercício de cargo ou função<br />

pública tem natureza independente e autônoma em relação à<br />

pena estabelecida em razão da prática do crime de responsabilidade<br />

de prefeito municipal, tal como reconhecido pelo <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (AI 379.392-QO/SP, Primeira Turma, DJ de<br />

16-8-02).<br />

5. Habeas corpus não conhecido.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento<br />

e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, não conhecer do<br />

habeas corpus, nos termos do voto da Relatora.<br />

Brasília, 2 de setembro de 2008 — Ellen Gracie, Presidente e Relatora.


R.T.J. — <strong>207</strong> 325<br />

RELATÓRIO<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie: 1. Trata-se de habeas corpus impetrado contra<br />

ato do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça que, no julgamento de recurso especial<br />

interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, deu-lhe provimento,<br />

em acórdão assim ementado (fl. 15):<br />

Recurso especial. Penal e processo penal. Dissídio jurisprudencial.<br />

Alínea c do permissivo constitucional. Art. 1º, inciso II do Decreto-Lei 201/67.<br />

Inabilitação para o exercício de cargo público. Prescrição da pretensão punitiva.<br />

Extinção da punibilidade.<br />

“O Pretório Excelso, em situação semelhante, concluiu não ser a pena de<br />

inabilitação acessória da pena privativa de liberdade, por possuir natureza independente,<br />

prescrevendo, assim, cada qual a seu tempo.”<br />

Recurso conhecido e provido.<br />

Narra, o impetrante, que o paciente foi denunciado juntamente com outros<br />

co-denunciados por suposta prática do crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-<br />

Lei 201/67, c/c art. 29, do Código Penal (por sessenta e cinco vezes). Devido à<br />

informação de que o paciente assumira o cargo de prefeito municipal de Rio<br />

Rufino/SC, os autos foram encaminhados ao <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado de<br />

Santa Catarina.<br />

Esclarece que a 2ª Câmara Criminal da Corte local julgou parcialmente<br />

procedente o pedido, condenando o paciente nas sanções do art. 1º, I, do<br />

Decreto-Lei 201/67, em 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime<br />

aberto, posteriormente substituída por duas penas restritivas de direito, aplicando,<br />

ainda, a pena acessória de inabilitação para o exercício de cargo ou função<br />

pública pelo prazo de 5 (cinco) anos.<br />

Informa que, de ofício, declarou-se a extinção da punibilidade pela ocorrência<br />

da prescrição da pretensão punitiva. Inconformado, o Ministério Público<br />

do Estado de Santa Catarina interpôs recurso especial que foi, posteriormente,<br />

provido, ocasião em que o STJ reconheceu que a pena de inabilitação não é acessória<br />

à pena privativa de liberdade.<br />

Argumenta que o fato de o STJ haver reconhecido a pena de inabilitação<br />

como autônoma, afastando a prescrição da pretensão punitiva estatal, incorreu<br />

em supressão de instância, afrontando o princípio constitucional da ampla defesa.<br />

Afirma que o <strong>Tribunal</strong> de Justiça, ao fixar a pena de inabilitação, não adentrou no<br />

seu mérito. Assim, “há que se proceder a uma nova dosimetria da pena, momento<br />

em que, dadas as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, analisando-se a<br />

tipicidade, materialidade e culpabilidade, pode o paciente vir até a ser absolvido, o<br />

que, como é sabido, só poderá ser analisado pela instância a quo” (fl. 10).<br />

Requer a concessão da ordem para “remeter os autos da ação penal para o<br />

tribunal de justiça de Santa Catarina, a fim de que se proceda à análise de mérito<br />

da pena de inabilitação como autônoma, com nova dosimetria da pena anteriormente<br />

imposta ao paciente” (fl. 12).


326<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

2. Decisão de indeferimento do pedido de liminar (fls. 30/34).<br />

3. Manifestação da Procuradoria-Geral da República no sentido do nãoconhecimento<br />

do writ (fls. 36/41).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): 1. A questão de direito tratada<br />

neste writ diz respeito à eventual nulidade do julgamento do recurso especial<br />

pelo Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça ao reconhecer que não se operou a prescrição<br />

relativamente à pretensão que ensejou a aplicação da pena de inabilitação do<br />

paciente para cargo ou função pública pelo prazo de 5 (cinco) anos.<br />

Da manifestação do Subprocurador-Geral da República, Dr. Mário José<br />

Gisi, extraio o seguinte trecho (fls. 39/41):<br />

(...)<br />

Percebe-se claramente que rebelam-se os impetrantes contra a decisão que<br />

determinou a imediata aplicação da pena de inabilitação ao paciente, sem remessa<br />

dos autos ao <strong>Tribunal</strong> de Justiça Estadual, para fins de se proceder à nova dosimetria<br />

da pena.<br />

Ora, é cediço que o habeas corpus destina-se unicamente à tutela da liberdade<br />

física dos indivíduos, pois diz o art. 5º, LXVIII, da CF:<br />

“conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar<br />

ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por<br />

ilegalidade ou abuso de poder”.<br />

Nesse passo, haverá impossibilidade jurídica do pedido quando o writ for<br />

utilizado para tutelar bem-interesse diverso do direito de locomoção.<br />

Na hipótese dos autos, resta patente que o remédio volta-se contra decisão<br />

que determinou a aplicação ao paciente da pena de inabilitação para o exercício<br />

de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, pelo prazo de cinco anos.<br />

Inexiste, portanto, nem mesmo de modo reflexo, qualquer ofensa ou ameaça de<br />

violação à liberdade corporal, a ensejar a via do habeas corpus.<br />

2. Esta Corte já teve oportunidade de apreciar a questão, concluindo no<br />

sentido da inidoneidade do habeas corpus para proteção de outros direitos que<br />

não relacionados à liberdade de locomoção do paciente (HC 84.816/PI, Rel. Min.<br />

Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ de 6-5-05).<br />

A respeito exatamente da matéria relacionada à condenação à pena de<br />

inabilitação para o exercício de cargo ou função pública e a impossibilidade jurídica<br />

do emprego do habeas corpus para tratar da questão, aproveito para transcrever<br />

julgado desta Corte (HC 79.791/GO, Rel. Min. Néri da Silveira, Segunda<br />

Turma, DJ de 4-8-00):<br />

Habeas corpus. 2. Paciente condenado a dois anos de reclusão, em regime<br />

aberto, por infringir o art. 1º, inciso II, do Decreto-lei 201, de 1967. Inabilitação,<br />

pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, quer eletiva,<br />

quer por nomeação. Art. 1º, § 2º, do mencionado dispositivo legal. 3. Recurso


R.T.J. — <strong>207</strong> 327<br />

ordinário em habeas corpus contra o acórdão do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

não conhecido, em sessão de 9-11-99, pela Turma, porque desfundamentado.<br />

RHC 79.577-3/GO. 4. Cabimento de habeas corpus originário para impugnar o referido<br />

acórdão, à vista da norma geral do art. 102, I, i, da Constituição, na redação<br />

da Emenda Constitucional 22/99, eis que se aponta como coator tribunal superior.<br />

5. Habeas corpus não conhecido, quanto à alegação de o aresto do STJ haver mantido<br />

como válida a pena de inabilitação para função pública, por não constituir<br />

esse ponto ameaça à liberdade de ir e vir do paciente. 6. Análise de elemento subjetivo<br />

do delito. Inviabilidade do reexame de provas em habeas corpus. 7. Habeas<br />

corpus conhecido, em parte, e, nessa parte, indeferido.<br />

3. E, relativamente à matéria de fundo, o próprio impetrante reconhece que<br />

a pena de inabilitação para exercício de cargo ou função pública tem natureza<br />

independente e autônoma em relação à pena estabelecida em razão da prática<br />

do crime de responsabilidade de prefeito municipal, tal como reconhecido pelo<br />

<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (AI 379.392-QO/SP, Primeira Turma, DJ de 16-8-02),<br />

tal como foi reconhecido pelo Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça no julgamento do recurso<br />

especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina.<br />

4. Diante da circunstância do descabimento de habeas corpus para tratar<br />

de matéria atinente à pena de inabilitação do paciente para o exercício de cargo<br />

ou função pública, considero que não deve ser conhecido o writ.<br />

5. Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus.<br />

É como voto.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 87.375/SC — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Paciente: Carlos Oslame<br />

ou Carlos Oselame. Impetrantes: Rodrigo Roberto da Silva e outros. Coator:<br />

Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

Decisão: A Turma, à unanimidade, não conheceu do habeas corpus, nos<br />

termos do voto da Relatora. Ausentes, justificadamente, neste julgamento,<br />

os Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa. Presidiu, este julgamento, a<br />

Ministra Ellen Gracie.<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Ellen Gracie, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro<br />

Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto<br />

Nóbrega.<br />

Brasília, 2 de setembro de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


328<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

HABEAS CORPUS 91.161 — BA<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Paciente: Jessé de Santana Teles — Impetrante: Abdon Antônio Abbade<br />

dos Reis — Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Ação penal. Prisão preventiva. Excesso de prazo. Caracterização.<br />

Custódia que perdura por mais de um ano e dois<br />

meses depois de encerrada a instrução processual. Informações<br />

desencontradas do juízo sobre o estado da causa. Demora não<br />

imputável à defesa. Dilação não razoável. Constrangimento ilegal<br />

caracterizado. Habeas corpus concedido. Aplicação do art. 5º,<br />

LXXVIII, da CF. Precedentes. A duração prolongada e abusiva<br />

da prisão cautelar, assim entendida a demora não razoável, sem<br />

culpa do réu, nem julgamento da causa, ofende o postulado da<br />

dignidade da pessoa humana e, como tal, consubstancia constrangimento<br />

ilegal, ainda que se trate da imputação de crime grave.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Celso de<br />

Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade<br />

de votos, deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.<br />

Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Joaquim Barbosa.<br />

Brasília, 11 de dezembro de 2007 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de habeas corpus impetrado em<br />

favor de Jessé da Santana Teles, que alega constrangimento ilegal decorrente de<br />

excesso de prazo na duração da prisão preventiva.<br />

Policial civil, o paciente foi denunciado pela suposta prática do delito de<br />

tortura, que teria sido praticado contra detentos da Delegacia de Polícia local e<br />

contra familiares destes. Tendo-lhe sido decretada a prisão preventiva, a defesa<br />

impetrou habeas corpus perante o <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado da Bahia, que,<br />

segundo o impetrante, foi concedido. Contra o acórdão do <strong>Tribunal</strong> estadual, insurgiu-se<br />

o Ministério Público, interpondo o REsp 658.428, ao qual o Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça deu provimento, em dezembro de 2004, para determinar o<br />

restabelecimento da prisão preventiva imposta pelo Juízo da Vara Criminal da<br />

Comarca de Ibicaraí/BA.<br />

Contra tal decisão do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça foi aqui impetrado o<br />

HC 86.571, sob minha relatoria, com a alegação de que o decreto de prisão preventiva,<br />

porque indevidamente fundamentado, deveria ser revogado.


R.T.J. — <strong>207</strong> 329<br />

Em sessão realizada no último dia 10 de abril, a Segunda Turma desta<br />

Corte denegou a ordem, entendendo que a prisão preventiva, decretada contra o<br />

paciente, tem fundamentação que lhe confere caráter cautelar.<br />

Na sessão de julgamento, ao proferir sustentação oral, o impetrante inovou,<br />

ao invocar outro fundamento para a impetração: excesso de prazo para a<br />

formação da culpa, pedido que não foi apreciado, em razão de falta de elementos<br />

nos autos.<br />

Agora, neste pedido de writ, o impetrante alega excesso de prazo na duração<br />

da prisão preventiva do paciente, que já dura 2 (dois) anos e 3 (três) meses,<br />

estando, quando da impetração, em abril deste ano, o feito na fase a que alude o<br />

art. 499 do Código de Processo Penal.<br />

Requereu, por isso, fosse deferida liminar, para que o paciente aguardasse<br />

em liberdade o julgamento da presente impetração. No mérito, pleiteia a concessão<br />

da ordem, com a conseqüente revogação da prisão provisória do Paciente.<br />

Indeferi o pedido de liminar (fls. 45-46) e determinei fosse oficiado ao<br />

juízo da Vara Criminal do foro da comarca de Ibicaraí/BA, que prestou informações<br />

e atestou, em maio deste ano, que os autos estavam “no aguardo da<br />

apresentação das alegações finais pelas partes” (fls. 56-58).<br />

A Procuradoria-Geral da República opinou pela denegação da ordem (fls.<br />

60-63).<br />

Trouxe o feito a julgamento e, em sessão realizada em 7 de agosto p.p.,<br />

a Turma, por votação unânime, acolhendo proposta formulada pelo Ministro<br />

Gilmar Mendes, converteu o julgamento em diligência para solicitar a esse<br />

Juízo que informasse a fase em que se acha o Processo-crime 15/03, a que se<br />

refere a presente impetração (fl. 67).<br />

Em resposta, a Juíza informou que o feito está com vista às partes para<br />

requerimentos de diligência, na fase do art. 499 do Código de Processo Penal, à<br />

exceção do Co-réu Rômulo de Oliveira Martins, em relação a quem foi determinada<br />

a instauração de incidente de insanidade mental (fls. 76-77).<br />

Ante o desencontro das informações prestadas – em 14 de maio p.p., a juíza<br />

da causa noticiou que “os autos se encontram hoje com vista ao Ministério<br />

Público para apresentação de alegações finais, e em seguida será aberto [sic] vistas<br />

aos Senhores Advogados de defesa para o mesmo fim” (fl. 57) e, em setembro,<br />

encaminhou certidão datada de 31 de agosto p.p. que atesta que “os autos<br />

principais se encontra [sic] com vista as partes para requerimento de diligências,<br />

art. 499 do CPP” –, requisitei que a juíza informasse, de modo específico, a fase<br />

em que se acha o processo-crime a que responde o ora paciente, esclarecendo a<br />

contradição existente nas informações já prestadas (fl. 79).<br />

A juíza da causa prestou informações, por meio de envio de certidão,<br />

datada de 24 de outubro p.p., que informa que “os autos encontra-se [sic] com<br />

carga para o M.P. para apresentação das Alegações Finais” (fl. 87).<br />

É o relatório.


330<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Assiste razão ao Impetrante,<br />

porque caracterizado, efetivamente, excesso de prazo na duração da custódia<br />

cautelar do Paciente.<br />

Nas primeiras informações prestadas, a juíza afirmou que se trata de<br />

“processo com oito réus e por isso mesmo contou com muitos fatos criminosos<br />

a serem apurados e com muitas vítimas e testemunhas para serem ouvidas.<br />

Ademais, alguns dos réus não residem nesta Comarca, sendo necessária a expedição<br />

de cartas precatórias para intimação e ofícios para apresentação.<br />

Por fim, saliento que os acusados possuem advogados distintos, o que também<br />

contribui na demora processual. Desse modo, a instrução somente pode ser encerrada<br />

em setembro de 2006 e mesmo assim em Março de 2007 foi instaurado<br />

incidente de insanidade mental contra um dos acusados” (fl. 57).<br />

Em setembro de 2006, portanto, há um ano e dois meses, a instrução do<br />

processo foi encerrada, e isso parece claro das diversas certidões anexadas aos<br />

autos (fls. 31, 77 e 87). No mais, as informações sobre o andamento da causa<br />

são desencontradas e, até, injustificadas: em maio deste ano, informa a juíza, os<br />

autos estavam com vista com o Ministério Público para apresentação de alegações<br />

finais; depois, passados mais de três meses, em novas informações, envia<br />

certidão que atesta que os autos estavam com vista às partes, em fase processual<br />

prévia à anteriormente informada, ou seja, para requerimento de diligências,<br />

nos termos do art. 499 do Código de Processo Penal; e, agora, dois meses depois<br />

das segundas informações prestadas, informa que os autos estão com carga para<br />

o Ministério Público, para apresentação de alegações finais.<br />

Não informa a juíza, todavia, se, na fase do art. 499 do Código de Processo<br />

Penal, foi requerida diligência que justificasse a delonga processual, nem presta<br />

esclarecimentos sobre a causa de tal demora.<br />

Isso, porém, diante do quadro que se desenha, é de somenos importância:<br />

ainda que o feito seja complexo, conte com oito acusados, muitas vítimas e testemunhas,<br />

o fato é que, desde as primeiras informações prestadas – e já se vão<br />

ao menos seis meses –, a demora caracterizada não é razoável, e o acusado está<br />

preso há quase 2 (dois) anos e 11 (onze) meses, desde que a prisão preventiva foi<br />

restabelecida pelo Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

Nos termos do decidido no HC 85.894 (Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de<br />

22-6-05), “uma vez configurado o excesso de prazo na formação da culpa, a prisão<br />

preventiva há de ser afastada”. Colhe-se-lhe, aí, do voto condutor:<br />

Realmente, a prisão preventiva não pode ser projetada indefinidamente no<br />

tempo. Incumbe ao Estado aparelhar-se, para cumprir os prazos processuais, atendendo<br />

à garantia constitucional que se obrigou a observar, considerada a norma do<br />

art. 7º do Pacto de José da Costa Rica, sobre o direito de todo e qualquer acusado<br />

a um julgamento em tempo razoável.<br />

É o que hoje também prescreve o art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição<br />

da República.


R.T.J. — <strong>207</strong> 331<br />

E é a razão por que o Plenário já assentou que duração prolongada, abusiva<br />

e irrazoável da prisão cautelar do acusado, sem julgamento da causa, ofende o<br />

postulado da dignidade da pessoa humana e, como tal, substancia constrangimento<br />

ilegal, ainda que se trate de imputação de crime grave:<br />

Nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa<br />

formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de sua segregação<br />

cautelar (<strong>RTJ</strong> 137/287 – <strong>RTJ</strong> 157/633 – <strong>RTJ</strong> 180/262-264 – <strong>RTJ</strong> 187/933-934), considerada<br />

a excepcionalidade de que se reveste, em nosso sistema jurídico, a prisão<br />

meramente processual do indiciado ou do réu, mesmo que se trate de crime hediondo<br />

ou de delito a este equiparado.<br />

– O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário<br />

– não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente<br />

atribuível ao réu – traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo,<br />

pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão,<br />

frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do<br />

litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias<br />

reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio<br />

da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável<br />

ou superior àquele estabelecido em lei.<br />

– A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém<br />

ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa<br />

– considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) –<br />

significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira<br />

todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo<br />

expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana<br />

e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo.<br />

Constituição <strong>Federal</strong> (art. 5º, incisos LIV e LXXVIII). EC 45/04. Convenção<br />

Americana sobre Direitos Humanos (art. 7º, n. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência.<br />

– O indiciado ou o réu, quando configurado excesso irrazoável na duração<br />

de sua prisão cautelar, não podem permanecer expostos a tal situação de evidente<br />

abusividade, ainda que se cuide de pessoas acusadas da suposta prática de crime<br />

hediondo (Súmula 697/STF), sob pena de o instrumento processual da tutela cautelar<br />

penal transmudar-se, mediante subversão dos fins que o legitimam, em inaceitável<br />

(e inconstitucional) meio de antecipação executória da própria sanção<br />

penal. Precedentes.<br />

(HC 85.237, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 29-4-05.)<br />

No mesmo sentido, os julgados abaixo:<br />

Ação penal. Prisão preventiva. Excesso de prazo. Custódia que perdura por<br />

mais de dois anos. Instrução processual ainda não encerrada. Demora não imputável<br />

à defesa. Feito de certa complexidade. Gravidade do delito. Irrelevância. Dilação<br />

não razoável. Constrangimento ilegal caracterizado. Habeas corpus concedido.<br />

Aplicação do art. 5º, LXXVIII, da CF. Precedentes. A duração prolongada e abusiva<br />

da prisão cautelar, assim entendida a demora não razoável, sem culpa do réu, nem<br />

julgamento da causa, ofende o postulado da dignidade da pessoa humana e, como tal,<br />

substancia constrangimento ilegal, ainda que se trate da imputação de crime grave.<br />

(HC 84.931, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 16-12-05.)


332<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Ação penal. Prisão preventiva. Prisão em flagrante. Excesso de prazo.<br />

Caracterização. Custódia que perdura por mais de dois anos. Instrução processual<br />

ainda não encerrada. Requerimentos da defesa, deferidos quando já configurado o<br />

excesso. Demora não imputável à defesa. Dilação não razoável. Constrangimento<br />

ilegal caracterizado. Habeas corpus concedido. Aplicação do art. 5º, LXXVIII,<br />

da CF. Voto vencido do Relator original, Ministro Carlos Britto. A duração prolongada<br />

e abusiva da prisão cautelar, assim entendida a demora não razoável, sem<br />

culpa do réu, nem julgamento da causa, ofende o postulado da dignidade da pessoa<br />

humana e, como tal, consubstancia constrangimento ilegal, ainda que tenha<br />

defesa requerido diligências após caracterização do excesso de prazo.<br />

(HC 87.461, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 10-11-06.)<br />

2. Ante o exposto, concedo a ordem em favor do paciente, para determinar<br />

a expedição de alvará de soltura do paciente, se por al não esteja preso, para<br />

que aguarde em liberdade o julgamento do processo-crime.<br />

PROPOSTA DE DILIGÊNCIA<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, proponho a conversão<br />

do julgamento em diligência, para que se oficie ao Juiz de Direito da Comarca<br />

Ibicaraí/BA, a fim de informar, de modo específico, a fase que presentemente se<br />

acha o processo-crime a que se refere esta ação de habeas corpus.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 91.161/BA — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: Jessé de<br />

Santana Teles. Impetrante: Abdon Antônio Abbade dos Reis. Coator: Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

Decisão: A Turma, por votação unânime, acolhendo proposta formulada<br />

pelo Ministro Gilmar Mendes, converteu o julgamento em diligência, para que<br />

se oficie ao Juiz de Direito da Comarca de Ibicaraí/BA, para que informe, de<br />

modo específico, a fase que presentemente se acha o processo-crime a que se<br />

refere esta ação de habeas corpus. Falou, pelo paciente, o Dr. Abdon Antonio<br />

Abbade dos Reis. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Eros<br />

Grau. Segunda Turma, 7-8-07.<br />

Decisão: A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas<br />

corpus, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento,<br />

o Ministro Joaquim Barbosa.<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Gilmar Mendes, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o<br />

Ministro Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra<br />

Verônica Cureau.<br />

Brasília, 11 de dezembro de 2007 — Carlos Alberto Cantanhede, Coor -<br />

denador.


R.T.J. — <strong>207</strong> 333<br />

HABEAS CORPUS 92.791 — RS<br />

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio<br />

Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Menezes Direito<br />

Paciente: Vilmar Padilha Cardozo — Impetrante: Defensoria Pública da<br />

União — Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Habeas corpus. Execução penal. Remição de dias trabalhados.<br />

Falta grave. Discussão sobre a gravidade. Impossibilidade.<br />

Precedentes.<br />

1. A perda dos dias remidos pelo trabalho de que trata o<br />

artigo 127 da Lei de Execuções Penais não afronta os princípios<br />

da proporcionalidade, da isonomia, da individualização da pena<br />

ou do direito adquirido.<br />

2. Não é possível a esta Corte Suprema examinar a questão<br />

da gravidade da falta, porque isso depende de circunstâncias de<br />

fato que envolveram o episódio que motivou a penalidade.<br />

3. Habeas corpus denegado.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro<br />

Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />

por maioria de votos, indeferir o pedido de habeas corpus.<br />

Brasília, 26 de fevereiro de 2008 — Menezes Direito, Relator para o acórdão.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Eis como o Gabinete resumiu os parâmetros<br />

deste processo:<br />

O Paciente, condenado a 26 anos e 9 meses de reclusão, teria cometido falta<br />

grave no curso da execução da pena – negou-se a virar de costas durante revista<br />

corporal. O Juízo da execução decretou, então, a perda dos 311 dias remidos pelo<br />

trabalho. O <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, reconhecendo o direito<br />

adquirido aos dias remidos em virtude de decisão judicial, deu provimento ao<br />

agravo. O Ministério Público estadual interpôs recursos especial e extraordinário.<br />

Admitidos pelo Segundo Vice-Presidente do <strong>Tribunal</strong> de Justiça (fls. 103 a 107 do<br />

apenso), o processo foi remetido, primeiramente, ao Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça,<br />

que apreciou o recurso especial. A ementa do julgado restou assim redigida (fl. 118):<br />

Recurso especial. Execução penal. Falta grave. Perda dos dias remidos.<br />

Aplicação do art. 127 da LEP.<br />

1. Em razão do cometimento de falta grave pelo sentenciado, cabe ao<br />

Juízo da Execução decretar a perda dos dias remidos. Precedentes.


334<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

2. Recurso conhecido e provido para, reformando o acórdão recorrido,<br />

decretar a perda dos dias remidos.<br />

É esse o ato atacado nesta impetração. A Defensoria Pública da União sustenta<br />

que a remissão é direito privativo do condenado que exerceu atividade laboral,<br />

sendo um dos objetivos do instituto a reintegração e a readaptação ao convívio<br />

social. Ressalta o voto de V. Exa., proferido no RE 452.994/RS, publicado no Diário<br />

da Justiça de 29 de setembro de 2006. Afirma que a perda total dos dias remidos,<br />

pelo cometimento de falta grave, fere o princípio da dignidade da pessoa humana e<br />

o da individualização da pena, por não ser admissível a aplicação de sanção de tal<br />

magnitude àquele que eventualmente cometeu falta grave no âmbito do estabelecimento<br />

prisional. Ressalta a necessidade de ser observado o princípio da proporcionalidade,<br />

que, no caso, decorreria do acolhimento da noção de Justiça distributiva.<br />

Assevera incabível a penalidade, porquanto, em razão do mesmo fato, o<br />

paciente sofrera sanção disciplinar, bem como averbação de falta no prontuário,<br />

circunstância que constituirá óbice à fruição do benefício de progressão de regime.<br />

Diz da afronta ao princípio da não-duplicidade de imputação. Quanto ao art. 127 da<br />

Lei de Execuções Penais, sustenta que a aplicação do preceito há de fazer-se considerados<br />

o critério da interpretação sistemática e os parâmetros de razoabilidade.<br />

Requer o deferimento da ordem para, cassado o acórdão do Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça, declarar-se a impossibilidade da perda dos dias remidos pelo<br />

trabalho, sob pena de afronta aos princípios da individualização da pena, da dignidade<br />

da pessoa humana, da proporcionalidade e da razoabilidade. Se outro for<br />

o entendimento da Corte, pleiteia a concessão da ordem, reconhecendo-se a limitação<br />

temporal de 30 dias para a perda dos dias remidos, conforme o disposto no<br />

art. 58 da Lei de Execuções Penais.<br />

A Procuradoria-Geral da República, no parecer de fl. 14, manifesta-se pelo<br />

indeferimento do pedido. Argumenta que o <strong>Supremo</strong> proclamou a constitucionalidade<br />

do art. 127 da Lei de Execuções Penais, afastando a alegação de violação<br />

de direito adquirido. Menciona precedentes. Ressalta a inaplicabilidade do art. 58<br />

da Lei de Execuções Penais, que se refere ao isolamento, à suspensão e à restrição<br />

de direitos do preso.<br />

Lancei visto no processo em 19 de janeiro de 2008, liberando-o para ser<br />

julgado na Turma a partir de 19 de fevereiro seguinte, isso objetivando a ciência<br />

da Impetrante.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A situação é realmente emblemática<br />

considerada a razoabilidade, a ordem natural das coisas, a dinâmica da<br />

própria vida. O paciente perdeu, em sede extraordinária, 311 dias remidos. Vale<br />

dizer que, sob o ângulo da remição, 933 dias trabalhados foram por terra, já que a<br />

contagem do tempo para esse fim faz-se à razão de um dia de pena por três de trabalho<br />

– § 1º do art. 126 da Lei de Execução Penal. O motivo mostrou-se único: recusou-se<br />

a obedecer ordem no sentido de virar-se de costas para revista em cela.<br />

Tal postura, ante o disposto no inciso VI do art. 50 da citada lei, equiparase,<br />

em termos de enquadramento, a incitar ou participar de movimento para


R.T.J. — <strong>207</strong> 335<br />

subverter a ordem ou a disciplina, fugir, possuir, indevidamente, instrumento<br />

capaz de ofender a integridade física de outrem, provocar acidente de trabalho e<br />

descumprir, no regime aberto, as condições impostas. No entanto, deve-se levar<br />

em conta não só o princípio da razoabilidade, como também a regra de a remição<br />

ser paulatina. O mesmo art. 126 da Lei de Execução Penal, no § 3º, revela-a<br />

declarada pelo juiz da execução, ouvido o Ministério Público. Em síntese, surge<br />

situação aperfeiçoada quando, periodicamente, são levantados os dias trabalhados<br />

– chegando-se ao que remido –, o Ministério Público manifesta-se e o juiz<br />

da execução formaliza ato decisório. Há de interpretar-se sistematicamente, de<br />

modo integrativo e inteligente, considerada sadia política penitenciária, o disposto<br />

nos arts. 126 a 130 da Lei de Execução Penal, conferindo-se ao 127 – a<br />

prever a perda dos dias remidos em virtude de infração disciplinar grave – alcance<br />

consentâneo com o próprio sistema, não se chegando a exarcebação que,<br />

além de colocar em segundo plano decisão judicial – administrativa –, implique,<br />

em última análise, resultado inverso ao buscado, que inegavelmente é a ressocialização<br />

do preso. A perda diz respeito a situação concreta em que não tenha<br />

ainda a declaração pelo juiz da execução da remição, a qual, verificada, não<br />

pode ser afastada do cenário jurídico.<br />

Concedo a ordem para, reformando o acórdão proferido pelo Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça, restabelecer, não pelas razões lançadas, mas em face da<br />

compreensão supra, o pronunciamento do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado do Rio<br />

Grande do Sul, afastando a perda dos dias já compreendidos em remição sacramentada<br />

ante ato judicial. É como voto na espécie.<br />

DEBATE<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Ministro Marco Aurélio, só para minha<br />

orientação, estamos interpretando o art. 127 da Lei de Execuções Penais.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Numa interpretação<br />

sistemática dos artigos 126 a 130.<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Eu só quero perguntar o seguinte: como<br />

há precedentes, gostaria de saber se eles alcançaram essa hipótese, porque há<br />

precedentes da Ministra Cármen Lúcia, dos Ministros Eros Grau, Joaquim<br />

Barbosa e Ricardo Lewandowski?<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): De minha lavra certamente<br />

não há.<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Eu sei, e V. Exa. jamais faria uma apreciação<br />

dessa natureza, porque V. Exa. é muito atento.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): E este caso – foi o<br />

que disse – é emblemático, a começar pela infração.<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Eu sei que é emblemático, mas há<br />

precedentes.


336<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Neste caso, pode-se discutir se no caso houve<br />

falta grave.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): O enquadramento.<br />

Há a problemática do instituto disciplina, ou subordinação, ou – o antônimo –<br />

insubordinação. Será que – não sei há quantos anos o Paciente já estava preso –,<br />

por isso ou por aquilo, numa cela, com submissão total ao poder de polícia dos<br />

agentes penitenciários, a simples recusa de virar de costas para uma revista levaria<br />

a conseqüência tão drástica: ter de cumprir mais de trezentos e onze dias<br />

de prisão, praticamente mais um ano?<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Eu não entraria nesse mérito da análise<br />

da gravidade.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Sei que há precedentes,<br />

por isso estou considerando as peculiaridades do caso.<br />

A premissa de meu voto é esta: situação já sacramentada, após audição do<br />

Ministério Público e decisão do juiz, não pode estar compreendida na perda dos<br />

dias remidos.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Quer dizer que V. Exa. está sustentando<br />

que uma decisão administrativa desconstitui uma judicial?<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Há controvérsia se<br />

a decisão do Juiz da Vara de Execuções tem cunho judicial ou administrativo.<br />

Ministro Carlos Ayres Britto, sei que V. Exa. vem estudando esse tema.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Pedi vista até para estudar esse tema.<br />

Ministro Marco Aurélio, nesta questão, eu me inclino para conceder de<br />

ofício o habeas corpus, considerando que não houve falta grave; naquela que<br />

pedi vista, houve falta grave, foi uma rebelião. Penso que foi isso.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Veja, essa espécie<br />

de falta grave está em uma norma em branco, que cogita da indisciplina, da<br />

insubordinação.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu acho que não houve isso.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Dependendo da óptica,<br />

qualquer procedimento pode ser enquadrado em uma dessas vertentes.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Concederia de ofício. V. Exa. está concedendo<br />

de ofício?<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Ministro, julguei, no Tacrim, centenas<br />

ou até milhares desses agravos em execução.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Em processo jurisdicional<br />

e não administrativo. É interessante, porque se o agravo é em processo<br />

jurisdicional, a decisão impugnada também tem essa natureza.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Cabe recurso. V. Exa., no fundo, se<br />

eu bem compreendi, está dizendo que uma decisão da autoridade penitenciária


R.T.J. — <strong>207</strong> 337<br />

pode, por assim dizer, desconstituir uma decisão, porque quando se homologa o<br />

cálculo dos dias remidos, após a oitiva do Ministério Público, cuida-se de uma<br />

decisão do juiz.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Há um acerto, e a diminuição<br />

da pena é imediata. A pena não pode ser restabelecida ante uma falta<br />

grave. Cogitei de sanção retroativa.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Ministro Ricardo Lewandowski, se V. Exa.<br />

me permite, é muito rápido. No HC 89.784, disse que “os dias remidos são contabilizados,<br />

como em uma conta bancária, em favor do prisioneiro.”<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Ele não pode gastar<br />

o que foi creditado.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Os dias remidos são contabilizados, dia a<br />

dia, em favor do apenado, como em uma conta bancária, agora, esse registro<br />

contábil pode ser estornado. Como estornar o registro à contabilidade? Diante<br />

de uma falta grave. E qual é o objetivo desta contabilização? É levar o apenado<br />

a, conhecendo os benefícios gradativamente obtidos, motivar-se para não cometer<br />

nenhuma falta, pois ele sabe que, se cometer uma falta grave, a perda<br />

será enorme, a possibilidade de apenamento disciplinar será de monta, ele terá<br />

sua contabilidade zerada, ou seja, o estorno será radical. Então ele tem todas as<br />

motivações para não incidir em falta grave, porque o prejuízo dele será enorme.<br />

Agora, considerei essa contabilização como uma modalidade interessante de<br />

sanção premial. Ele recebe um prêmio pelo bom comportamento e pelos dias<br />

trabalhados. Porém, se ele cometer falta grave, deixará de receber o prêmio, ele<br />

abrirá mão do prêmio que recebeu.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Não é prêmio, Exa.,<br />

é uma complementação in natura do próprio salário que ele recebe pelo serviço.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: A sanção premial opera, no plano administrativo,<br />

como um mecanismo de política penitenciária. Institui-se esse prêmio<br />

como um mecanismo eficaz de política penitenciária para levar o apenado ao<br />

bom comportamento.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): É um incentivo ao<br />

bom comportamento, a não cometer falta grave.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: É um incentivo.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Se os colegas estão<br />

de acordo com a concessão de ofício, eu, vencido no provimento, acompanho e<br />

concedo a ordem de ofício.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Não houve falta grave no caso. Eu não estou<br />

entrando em contradição com o meu voto anterior.<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Vou votar e ficar vencido.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Não vamos chegar a<br />

um habeas de ofício negativo!


338<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, estou concedendo diante<br />

de um fundamento como pressuposto, é a flagrante ilegalidade desse enquadramento<br />

como falta grave. Penso que houve uma flagrante ilegalidade da autoridade<br />

administrativa ao enquadrar, como falta grave, essa recusa do apenado de<br />

se deixar revistar por um determinado modo.<br />

Daí a proposta de voto que faço, no sentido de conceder a ordem de ofício.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Senhor Presidente, eu agradeço as intervenções<br />

do Ministro Carlos Britto, que são sempre elucidativas, tal e qual<br />

o voto de V. Exa., com absoluta dedução de um raciocínio pleno de logicidade,<br />

mas vou pedir vênia a V. Exa. para divergir.<br />

O art. 127 da Lei 7.210/84, diz explicitamente:<br />

O condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo remido,<br />

começando o novo período a partir da data da infração disciplinar.<br />

Essa é a regra jurídica que incide na espécie.<br />

Esta Corte tem um precedente, Relator o eminente Ministro Sepúlveda<br />

Pertence, também na sessão do Pleno do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, cuja<br />

ementa é extremamente clara e permite alcançar a hipótese sob julgamento.<br />

Diz a ementa:<br />

É manifesto que, havendo dispositivo legal que prevê a perda dos dias remidos<br />

se ocorrer falta grave, não a ofende a aplicação desse dispositivo preexistente à<br />

própria sentença. Por isso mesmo, não há direito adquirido, porque se trata de expectativa<br />

resolúvel, contra a lei, pela incidência posterior do condenado em falta grave.<br />

Ou seja, o dispositivo é muito claro e o Pleno do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, em junho de 2005, entendeu não haver violação do direito adquirido,<br />

considerando o raciocínio de que a própria regra jurídica estabelece essa possibilidade<br />

na ocorrência do fato que ela indica.<br />

Tenho para mim, portanto, que não há violência ao direito adquirido, e<br />

nem há, por esse motivo, nenhuma violação do princípio da decisão judicial,<br />

como o próprio Plenário do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> assentou.<br />

Por outro lado, eu quero crer que não cabe à Suprema Corte examinar<br />

questão da gravidade da falta, porque isso depende de circunstâncias de fato que<br />

envolveram o episódio que motivou a penalidade. Não bastasse isso, a meu sentir,<br />

é preciso considerar a tipicidade do regime prisional, independentemente das<br />

enormes dificuldades do sistema penitenciário nacional. A questão da falta de<br />

cumprimento de uma ordem da autoridade penitenciária pode configurar, sim,<br />

em certas circunstâncias de fato, uma falta gravíssima a gerar situações que não<br />

são adequadas para um regime carcerário, ainda mais considerando um regime<br />

coletivo, como é o caso das prisões brasileiras, em celas que são múltiplas, não<br />

são apenas individuais.


R.T.J. — <strong>207</strong> 339<br />

Por essas razões, eu vou pedir vênia a V. Exa. e denego a ordem com base<br />

nesse precedente do Pleno do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, também vou pedir vênia<br />

para acompanhar a divergência por um motivo: eu tenho enorme dificuldade<br />

em superar a dicção do art. 127, que é muito taxativa e vem sendo interpretado<br />

pelo <strong>Supremo</strong>, pelo menos numa boa parte de sua jurisprudência, no sentido<br />

exatamente de ter o condenado ciência de que, se ele superar essas condições,<br />

voltará à estaca zero, razão pela qual ele, em momento algum, deixará de atender<br />

a esse regime. Por essa dificuldade – até aqui tenho-me manifestado num sentido<br />

oposto –, é que vou insistir – embora, neste caso específico e com a demonstração<br />

do Presidente – não tenha dúvida de que há alguns dados que nos fazem refletir<br />

sobre o tema – ser necessário o reestudo desse tema. Por outro lado não tenho,<br />

também, como superar essa questão – como disse o eminente Ministro Menezes<br />

Direito –, porque os dados de fato, de não ter voltado quando determinado, não<br />

são acompanhados, em sede de habeas corpus, de todos os elementos para que se<br />

soubessem, exatamente, todas as circunstâncias que levaram a isso.<br />

De toda sorte, mantenho, portanto, o meu ponto de vista, acompanhando<br />

a divergência com as vênias, evidentemente, do brilhante voto do eminente<br />

Ministro Presidente.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Presidente, sem prejuízo de reestudar<br />

a matéria, porque as ponderações de V. Exa. são realmente instigantes e<br />

merecem uma segunda reflexão de minha parte, eu, nesse aspecto, vou acompanhar<br />

o entendimento do Pleno. As minhas manifestações anteriores são no<br />

sentido da constitucionalidade do art. 127, da Lei de Execução Penal. No que<br />

tange à concessão da ordem de ofício, em atenção às peculiaridades do caso,<br />

peço vênia para observar que o art. 50 da Lei 7.210/84, que é a Lei de Execução<br />

Penal, consigna o seguinte:<br />

Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:<br />

I – incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina;<br />

Sem querer entrar na questão fática, até porque a Ministra Cármen Lúcia<br />

muito bem observou que o habeas corpus não se presta ao revolvimento de matéria<br />

dessa natureza, quer-me parecer, num primeiro exame, que o ato praticado<br />

pelo paciente amolda-se perfeitamente ao inciso I do art. 50, que corresponde a<br />

incitar a subversão da disciplina, pois não se virou para ser revistado, para que se<br />

constatasse se portava eventualmente alguma arma ou não, e, dessa maneira, rompendo<br />

a necessária disciplina que deve haver dentro do estabelecimento prisional.<br />

Portanto, com a devida vênia, e sem prejuízo de refletir novamente sobre a<br />

questão, eu vou acompanhar a divergência.


340<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, eu considero esse tema<br />

tormentoso. Sempre me incomodei com ele. Sempre me inquietou. Quando<br />

penso que minha reflexão já se fez de modo aturado, passo a duvidar da qualidade<br />

dessa reflexão e a buscar um fundamento que ainda não encontrei para<br />

perfilhar às completas – vamos homenagear o Ministro Menezes Direito – o<br />

ponto de vista de V. Exa.<br />

E, hoje, V. Exa. me surpreende ainda uma vez, Ministro Marco Aurélio,<br />

ao fazer esse cotejo entre uma decisão judicial e outra administrativa. É mais<br />

um elemento para o meu repensar. Espero em breve trazer a matéria, na minha<br />

expectativa e na minha vontade, com um ponto de vista diferente do que tenho<br />

me manifestado até agora.<br />

No caso, porém, mesmo conhecendo as limitações processuais do habeas<br />

corpus, estou com V. Exa. O ato não caracterizou uma falta grave. Ele podia até<br />

ser apenado, mas não com a perda dos dias remidos. Há outras modalidades de<br />

disciplinamento. Ele poderia ser exemplado de outra forma, não com a perda<br />

dos dias remidos. Eu achei também desproporcional.<br />

Como nós sabemos que, no devido processo legal, a proporcionalidade<br />

comparece como elemento conceitual, ou seja, o devido processo legal substancial<br />

incorpora os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, eu proponho<br />

à Turma a concessão do habeas corpus de ofício, porque entendo que o enquadramento<br />

dessa conduta como falta grave é flagrantemente inconstitucional.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Aí não seria bem de ofício,<br />

porque, na inicial, ele ataca o enquadramento da postura como a revelar falta grave.<br />

Então, V. Exa. concede, acompanhando-me?<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Concedo.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 92.791/RS — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:<br />

Ministro Menezes Direito. Paciente: Vilmar Padilha Cardozo. Impetrante:<br />

Defensoria Pública da União. Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

Decisão: A Turma, por maioria de votos, indeferiu o pedido de habeas<br />

corpus; vencidos os Ministros Marco Aurélio, Relator e Presidente, e Carlos<br />

Britto. Relator para o acórdão o Ministro Menezes Direito. Falou o Dr. Antonio<br />

de Maia e Pádua, Defensor Público da União, pelo Paciente.<br />

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />

Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito.<br />

Compareceu o Ministro Cezar Peluso, a fim de julgar processos a ele vinculados,<br />

ocupando a cadeira da Ministra Cármen Lúcia. Subprocurador-Geral da<br />

República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.<br />

Brasília, 26 de fevereiro de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


R.T.J. — <strong>207</strong> 341<br />

HABEAS CORPUS 92.941 — PI<br />

Relator: O Sr. Ministro Menezes Direito<br />

Paciente: Climácio Dias Gomes — Impetrante: Defensoria Pública da<br />

União — Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Habeas corpus. Processual penal. Negativa de liberdade provisória.<br />

Ausência de ilegalidade flagrante. Decisão devidamente<br />

fundamentada em elementos concretos. Habeas corpus denegado.<br />

1. A decisão que negou a liberdade provisória ao paciente<br />

funda-se em elementos concretos e não em mera presunção de<br />

periculosidade ou gravidade abstrata do crime, como sustenta a<br />

impetração.<br />

2. Habeas corpus denegado.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro<br />

Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />

por maioria de votos, indeferir o pedido de habeas corpus.<br />

Brasília, 11 de março de 2008 — Menezes Direito, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Habeas corpus, com pedido de liminar,<br />

impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de Climácio Dias Gomes,<br />

buscando a revogação da prisão preventiva do paciente ou, alternativamente, a<br />

concessão de liberdade provisória.<br />

Aponta como autoridade coatora a Quinta Turma do Superior <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça, que negou provimento ao RHC 21.875/PI, Relator o Ministro Napoleão<br />

Maia Nunes Filho, interposto perante aquele <strong>Tribunal</strong> com objetivo idêntico ao<br />

perseguido nesta oportunidade.<br />

Alega que:<br />

No caso concreto, a prisão cautelar do paciente vem se sustentando, desde<br />

o 1º grau de jurisdição e até o STJ, na alegação genérica de necessidade de preservação<br />

da ordem pública, sem indicação específica das circunstâncias do fato<br />

criminoso ou da conduta do agente que poderiam nos levar à conclusão – e não à<br />

presunção – de que o paciente poderá colocar em risco, se solto, a manutenção da<br />

ordem e da paz social.<br />

O modus operandi descrito pela denúncia na hipótese em testilha não foge<br />

à consumação das próprias elementares do delito de roubo, nada revelando de<br />

extraordinário em relação à conduta praticada ou às circunstâncias do crime pelo<br />

qual foi o paciente denunciado.


342<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Ora, é impossível praticar roubo sem grave ameaça, razão pela qual a consumação<br />

da conduta incriminada pela norma do art. 157 do CP não pode induzir ou<br />

criar presunção acerca da possível periculosidade elevada do agente, sob pena de<br />

decretação da prisão cautelar independentemente de qualquer circunstância mais<br />

gravosa ou elemento concreto da ação incriminada, levando-se em conta apenas a<br />

natureza do crime cometido.<br />

Ademais, a dita periculosidade do agente se fundamenta, no caso dos autos,<br />

na suposta confissão do próprio acusado de que teria sido processado pelo Juízo<br />

criminal de Remanso, na Bahia, o que, por si só, revela-se um absurdo.<br />

Não existem documentos nos autos, como, por exemplo, a folha de antecedentes<br />

criminais, que comprovem a existência de qualquer outro processo<br />

contra o paciente (o que, da mesma forma, não conduziria à obrigatoriedade<br />

da decretação da prisão preventiva), estando mais do que evidente, aqui, a<br />

ocorrência de presunção de periculosidade em abstrato que se pretende impor<br />

para justificar uma custódia provisória flagrantemente inconstitucional.<br />

(Fl. 6.)<br />

Ao final, requer “a concessão da ordem de habeas corpus para que seja declarada<br />

a nulidade da prisão cautelar imposta ao paciente nos autos do processo<br />

nº 1020/2006, da 4ª Vara Criminal de Teresina, no Piauí, eis que ausentes os<br />

requisitos da prisão preventiva, garantindo-se ao acusado o direito de aguardar o<br />

julgamento em liberdade até o trânsito em julgado da decisão final que vier a ser<br />

proferida nos autos do processo criminal em epigrafe” (fl. 10 – grifos no original).<br />

O pedido de liminar foi indeferido, tendo sido solicitadas informações à autoridade<br />

coatora e ao <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado da Bahia sobre possíveis processos<br />

em andamento contra o paciente naquela unidade da Federação (fls. 90 a 92).<br />

A autoridade coatora prestou informações às fls. 124 a 133 e o <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça da Bahia às fls. 111 a 118.<br />

A ilustre Subprocuradora-Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio<br />

Marques, opinou pela denegação da ordem (fls. 136 a 138).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: O Paciente foi preso em flagrante pela<br />

prática, em tese, de roubo circunstanciado pelo concurso de agentes.<br />

Narra a denúncia que “no dia 18.11.06, por volta das 23h30min, a vítima<br />

estava tentando fazer uma ligação de um orelhão próximo ao Tancredo Neves<br />

quando foi surpreendida pelos acusados, que mediante ameaça, exigiram que a<br />

mesma lhe entregasse sua motocicleta” (fl. 33).<br />

O pedido de liberdade provisória (fls. 35 a 42) foi negado com seguintes<br />

fundamentos:<br />

A despeito dos argumentos expendidos pelo ilustre defensor, entendo que<br />

a prisão sob exame deve ser mantida, por ora, pois além de tratar-se de crime não


R.T.J. — <strong>207</strong> 343<br />

afiançável, os pressupostos estão representados pela materialidade do delito e por<br />

suficientes indícios de autoria do roubo qualificado.<br />

Embora não se possa esconder que o sacrifício da prisão antecipada deve ser<br />

reduzido no mínimo de casos, não há como olvidar, por outro lado, que o modus<br />

operandi do acusado, neste caso representa, no mínimo uma possível periculosidade<br />

a determinar maior rigor na aplicação da lei.<br />

Nem vale o argumento da presunção da inocência, pois o art. 5º, inciso LVII,<br />

da Constituição <strong>Federal</strong> não tornou insubsistente a prisão provisória.<br />

(Fl. 46.)<br />

Contra essa decisão impetrou-se habeas corpus ao <strong>Tribunal</strong> de Justiça do<br />

Estado do Piauí, que denegou a ordem (fls. 65 a 63). Na oportunidade, considerou-se<br />

não apenas que a decisão denegatória do pedido de liberdade provisória<br />

estava devidamente fundamentada, mas, ainda, que existia, na Comarca de<br />

Remanso/BA, uma condenação criminal contra o paciente, noticiada por ele<br />

próprio durante o interrogatório.<br />

Sobreveio o RHC 21.875/PI, interposto ao Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça,<br />

que desproveu o recurso, afirmando que “[i]n casu, a prisão preventiva foi fundada<br />

na garantia da preservação da ordem pública, em vista da personalidade<br />

do acusado voltada para o crime, de sorte que, ao revés do asseverado pelo recorrente,<br />

a motivação não consistiu apenas em circunstâncias abstratas, como a<br />

gravidade do delito praticado, mas foram elencadas justificativas deveras concretas,<br />

aptas a embasar a medida constritiva” (fl. 92).<br />

Com efeito, a impressão firmada pelo <strong>Tribunal</strong> a quo sobre a fundamentação<br />

adequada das decisões que mantiveram a prisão cautelar do paciente não<br />

parece emergir de um Juízo flagrantemente contrário aos elementos de convicção<br />

constantes dos autos. Não é possível afirmar, a partir do exame do que se<br />

contém nos autos, que o paciente, solto, não representa perigo à ordem pública,<br />

como assinalaram as instâncias ordinárias.<br />

Demais disso, nas informações prestadas pelo <strong>Tribunal</strong> de Justiça da<br />

Bahia tem-se que o paciente responde a outras duas ações penais (Processo<br />

801/01 – furto e Processo 1.573/05 – uso de documento falso, ambas em fase de<br />

alegações finais), o que demonstra estar a decisão que negou a ele o pedido de<br />

liberdade provisória fundada em elementos concretos e não em mera presunção<br />

de periculosidade ou gravidade abstrata do crime, como sustenta a impetração.<br />

Como bem lembrou o Desembargador Jose Bonifácio Junior, no voto<br />

proferido no HC 07.000812-4, impetrado no <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Piauí, “devese<br />

observar o princípio da confiança no juiz da causa que, por estar mais próximo<br />

dos fatos, tem sem dúvida mais condições de avaliar a manutenção ou não<br />

da custódia provisória” (fl. 67).<br />

Ademais, ao contrário do que alega a impetração, não se verifica nenhuma<br />

condição favorável ao paciente a ensejar a concessão da sua liberdade<br />

provisória.<br />

Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus.


344<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Peço vênia para divergir.<br />

O decreto de prisão está baseado em circunstâncias relativas ao próprio<br />

crime. Claro que o crime do art. 157, § 2º, incisos I e II, ocorre mediante violência.<br />

Por isso é que se dá a majoração da pena.<br />

Além desse aspecto – ou seja, já se lançou no cenário jurídico, antes de<br />

ter-se a culpa formada, essa mesma culpa –, há o problema do excesso de prazo.<br />

O Paciente está preso desde 18 de novembro de 2006.<br />

Por isso, concedo a ordem.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 92.941/PI — Relator: Ministro Menezes Direito. Paciente: Climácio<br />

Dias Gomes. Impetrante: Defensoria Pública da União. Coator: Superior <strong>Tribunal</strong><br />

de Justiça.<br />

Decisão: A Turma, por maioria de votos, indeferiu o pedido de habeas<br />

corpus; vencido o Ministro Marco Aurélio, Presidente.<br />

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />

Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito.<br />

Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot.<br />

Brasília, 11 de março de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


R.T.J. — <strong>207</strong> 345<br />

HABEAS CORPUS 93.046 — RJ<br />

Relator: O Sr. Ministro Menezes Direito<br />

Paciente: Márcio Batista da Silva — Impetrante: Luiz Carlos da Silva<br />

Neto — Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Habeas corpus. Processual penal. Indeferimento das diligências<br />

requeridas pela defesa no momento da contrariedade ao<br />

libelo. Possibilidade. Cerceamento de defesa e nulidade da sentença<br />

de pronúncia não caracterizados. Precedentes.<br />

1. Todos os pedidos foram indeferidos, fundamentadamente,<br />

expondo o Magistrado a inconveniência e a desnecessidade<br />

da realização das diligências naquela fase processual, sem<br />

que tanto caracterize cerceamento de defesa.<br />

2. Cabe ao juiz da causa decidir sobre a conveniência e a imprescindibilidade<br />

da produção de outras provas, além daquelas<br />

que já foram produzidas nos autos da ação penal.<br />

3. Habeas corpus denegado.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro<br />

Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />

por unanimidade de votos, indeferir o pedido de habeas corpus.<br />

Brasília, 11 de março de 2008 — Menezes Direito, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Habeas corpus, com pedido de liminar,<br />

impetrado pelo advogado Luiz Carlos da Silva Neto em favor de Márcio Batista<br />

da Silva, Réu preso, buscando o deferimento de liminar para que seja “sobrestado<br />

o feito, até que seja apreciado o mérito da presente impetração, por estarem<br />

presentes os elementos autorizadores da medida de urgência” (fls. 42/43).<br />

Aponta como órgão coator a Quinta Turma do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça,<br />

que denegou a ordem no HC 67.976/RJ, Relatora a Ministra Laurita Vaz<br />

(fl. 2).<br />

O Impetrante traz extenso arrazoado sobre possível nulidade da sentença<br />

de pronúncia, em razão de terem sido indeferidas três das quatro diligências requeridas<br />

na fase de contrariedade ao libelo acusatório. São elas:<br />

(...)<br />

(1) Oitiva dos co-réus Eduardo Pessanha Rocha, Renato Pessanha Rocha e<br />

Alex Sandro Lima de Oliveira;


346<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

(2) Realização de perícia nas fitas VHS referentes à confissão extrajudicial<br />

dos co-réus Eduardo Pessanha Rocha, Renato Pessanha Rocha e Alex Sandro<br />

Lima de Oliveira e ainda alusiva à Reconstituição do delito imputado;<br />

(3) Realização de perícia no veículo em que foram encontrados os corpos<br />

das vítimas;<br />

(4) A consecução de nova reconstituição dos fatos narrados na peça acusa -<br />

tória<br />

(Fls. 5/6.)<br />

No mérito, pede que seja concedida a ordem “nos termos da impetração,<br />

para ratificar o pedido de liminar eventualmente deferido e, para que seja determinada<br />

a realização das diligências postuladas pela defesa em sua contrariedade<br />

ao libelo” (fl. 43).<br />

A liminar foi indeferida (fls. 197 a 199).<br />

As informações, acompanhadas dos documentos de fls. 208 a 222, foram<br />

prestadas pela autoridade apontada como coatora à fl. <strong>207</strong>.<br />

O ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. Mario José Gisi, opinou<br />

pela denegação do writ (fls. 240 a 244).<br />

Em 28-2-08, o Impetrante pediu a reconsideração da decisão indeferitória<br />

de liminar, informando que o Júri teria sido marcado para o dia 17-4-08<br />

(petição/STF 26.645/08).<br />

Em virtude de o processo já estar pronto para julgamento, deixei de apreciar<br />

o pedido de reconsideração para trazê-lo à sessão.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Consta nos autos ter o Paciente<br />

sido pronunciado pela prática de três homicídios duplamente qualificados<br />

(art. 121, § 2º, incisos I e IV, do Código Penal), em concurso de pessoas (art. 29<br />

do Código Penal), e associação para o tráfico (art. 14 da Lei 6.368/76 – fl. 74).<br />

Informa o Impetrante que, ofertado o libelo acusatório, foi aberto prazo<br />

para o oferecimento de contrariedade, momento em que a defesa do Paciente<br />

requereu diligências que julgava imprescindíveis ao julgamento do caso. Foram<br />

elas indeferidas pelo Juízo da 4ª Vara Criminal – IV <strong>Tribunal</strong> do Júri da Comar<br />

ca da Capital – Rio de Janeiro (fls. 177 a 179).<br />

Contra o indeferimento das diligências foi impetrado habeas corpus no<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, denegado pela Terceira Câmara<br />

Criminal daquele <strong>Tribunal</strong> (fl. 180).<br />

Com o mesmo objetivo, impetrou habeas corpus no Superior <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça, tendo a ordem sido denegada pela Quinta Turma daquele Superior <strong>Tribunal</strong><br />

(fl. 184).<br />

Alegando as mesmas nulidades suscitadas nas ações anteriormente impetradas,<br />

foi impetrado o presente habeas corpus.


R.T.J. — <strong>207</strong> 347<br />

Entendo que o caso é de denegação da ordem.<br />

Restou bem demonstrado, nos autos, especialmente pelas decisões dos habeas<br />

corpus antecedentes e pela decisão do Juiz da 4ª Vara Criminal – IV <strong>Tribunal</strong><br />

do Júri da Comarca da Capital (Rio de Janeiro), pela qual foram indeferidas as diligências<br />

requeridas pela defesa do Paciente por ocasião da contrariedade do libelo,<br />

não se estar diante de situação que represente flagrante constrangimento ilegal.<br />

A decisão do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, ora impugnada, teve a seguinte<br />

ementa:<br />

Habeas corpus. Processual Penal. Crimes de homicídios qualificados. Inde<br />

fe rimento de diligências requeridas pela defesa por ocasião da contrariedade<br />

do libelo. Alegação de cerceamento de defesa. Inocorrência. Diligências indeferidas<br />

de forma motivada pelo juízo processante.<br />

1. A teor do entendimento desta Corte, o Juiz pode indeferir, em decisão<br />

devidamente fundamentada, as diligências que entenda ser protelatórias ou desnecessárias,<br />

dentro de um juízo de conveniência, que é próprio do seu regular poder<br />

discricionário.<br />

2. Na presente hipótese, o Magistrado refutou um por um os pedidos de diligência<br />

formulados em favor do ora Paciente, apresentando, fundamentação consistente<br />

e lógica para o indeferimento, quer seja diante do caráter protelatório ou<br />

da destituição de interesse jurídico dos pedidos, não se afigurando demonstrado o<br />

possível constrangimento ilegal, por cerceamento de defesa.<br />

3. Ordem denegada.<br />

(Fl. 184.)<br />

Ressaltou a Ministra Laurita Vaz, em seu voto, que “o Magistrado refutou,<br />

um por um, os pedidos de diligência formulados em favor do ora Paciente,<br />

apresentando fundamentação consistente e lógica para o indeferimento, quer seja<br />

diante do caráter protelatório ou da destituição de interesse jurídico dos pedidos,<br />

não se afigurando, demonstrado o possível constrangimento ilegal, por cerceamento<br />

de defesa, ora alegado” (fl. 189).<br />

Pelo que se tem nas razões expostas pelo <strong>Tribunal</strong> a quo, não me parece<br />

haver flagrante ilegalidade a justificar a concessão da ordem para que sejam<br />

realizadas as diligências requeridas, seja pela ausência de razões jurídicas do<br />

pedido, seja porque teriam caráter protelatório.<br />

É certo que em nosso sistema processual penal não existe norma geral a<br />

respeito da exclusão de provas irrelevantes ou impertinentes, mas prevê, em dispositivos<br />

específicos, algumas restrições. Podemos citar, por exemplo, o art. 184,<br />

no qual é previsto a possibilidade do indeferimento de perícias quando não necessárias<br />

ao esclarecimento da verdade. O art. 212 possibilita ao Juiz recusar a<br />

pergunta formulada à testemunha, quando não tiver relação com o processo. A lei<br />

dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95), em seu art. 81, § 1º, permite ao Juiz limitar<br />

ou excluir as provas que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias.<br />

Essas observações bem demonstram que, se por um lado existe direito<br />

constitucional das partes ao contraditório e a produção de provas, por outro há


348<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

o livre convencimento do Magistrado, que, investido na função de julgar, deve<br />

pautar-se nessas mesmas garantias para, na condução do processo, aplicar o<br />

direito com base em elementos que realmente traduzem a verdade real, e não a<br />

verdade produzida ou dirigida a determinado fim, seja por interesse da acusação,<br />

seja por interesse da defesa.<br />

Não estou aqui, em sede de habeas corpus, fazendo exame sobre a pertinência<br />

ou não das provas requeridas pela defesa e recusadas pelo Magistrado<br />

de 1º grau. Apenas ressalto a possibilidade de o julgador da causa analisar o<br />

pedido e, verificando a desnecessidade ou impertinência das provas a serem<br />

produzidas, indeferi-las, visando sempre o bom andamento do processo e o justo<br />

julgamento dos fatos.<br />

No presente caso, o indeferimento das diligências deu-se por decisão que<br />

teve os seguintes fundamentos:<br />

(...)<br />

A defesa do acusado oferece contrariedade ao libelo requerendo várias diligências,<br />

requerimento este que passo a examinar.<br />

1 – Da oitiva dos co-réus Eduardo Pessanha Rocha, Renato Pessanha<br />

Rocha e Alex Sandro Lima de Oliveira, já condenados por este Juízo, como<br />

testemunhas além daquelas mencionadas na Defesa Prévia:<br />

Em primeiro lugar, conforme certidão de fls. 323, a Defesa do réu não ofereceu<br />

Alegações Preliminares, no tríduo legal.<br />

Quanto à oitiva dos co-réus, indefiro, já que os mesmos já foram julgados e<br />

condenados após dois interrogatórios judiciais, a despeito de confissão extrajudicial.<br />

Outrossim, ouvi-los como “testemunhas”, por óbvio não estariam eles obrigados<br />

a dizer a verdade, o que aponta para a inutilidade de suas oitivas.<br />

2 – Da perícia nas fitas VHS acauteladas e que foram apresentadas em<br />

Plenário no julgamento dos demais réus:<br />

Há muito a Defesa dos personagens envolvidos neste processo e nos autos<br />

desmembrados, vem tentando a não exibição das fitas, alegando, destacadamente,<br />

terem sido obtidas por meio ilícitos (v.g. fls. 531 e 1159 dos autos de nº.<br />

1999.01.014501-2), sendo que, adoto as mesmas razões dos ilustres magistrados<br />

que decidiram não restar configurada qualquer violação ao princípio inserto no<br />

artigo 5º., LVI, da CF.<br />

Agora, a Defesa fala “em estranheza” da gravação dos fatos, alegando que<br />

nunca foram periciados pelo ICCE.<br />

Em um dos apensos destes autos, às fls. 02⁄53, há um Laudo de Exame<br />

de Videofonograma com relação às duas fitas referentes às confissões dos coréus<br />

Eduardo Pessanha Rocha, Renato Pessanha Rocha e Alex Sandro Lima de<br />

Oliveira. Há também, Laudo de Reconstituição, às fls. 239⁄68. Ora, se nos autos<br />

principais, quando deferida a exibição nada se requereu, nada “se estranhou”, não<br />

há porque se retroceder para fazer perícia em material cuja regularidade da gravação<br />

nunca foi questionada. Assim, indefiro a perícia.<br />

3 – Da realização de perícia no veículo no qual foram encontrados os<br />

corpos das vítimas:<br />

No item 07 de fls. 1159 dos autos principais, por ocasião do julgamento<br />

de Levi Batista da Penha, co-réu de Márcio Batista da Silva, a Defesa, Dr. Luiz<br />

Carlos Silva Neto, argüiu a nulidade do processo apontando a imprescindibilidade


R.T.J. — <strong>207</strong> 349<br />

da perícia no veículo no qual teriam sido encontrados os corpos das vítimas, conforme<br />

Laudo de Exame em local de encontro de cadáveres (fls. 458⁄9 dos autos<br />

principais). Como lá se decidiu, aqui há que se decidir. É inviável, neste momento,<br />

a realização de tal perícia, até porque o referido veículo, conforme auto de depósito<br />

de fls. 59, se encontra desde 26.01.1999 na posse de Paulo Roberto Rodrigues<br />

de Oliveira, que até veiculou pedido para venda do automóvel. Assim, por tais razões,<br />

entendendo que este pleito tem fortes características de requerimento protelatório,<br />

indefiro.<br />

4 – Da nova reconstituição dos fatos:<br />

Como já se apontou alhures, é faticamente inviável a realização da nova<br />

reconstituição perseguida pela Defesa. A uma, porque não se poderia obrigar os<br />

co-réus, já condenados, com recurso interposto perante o <strong>Tribunal</strong>, a participarem<br />

desta nova reconstituição, na medida em que eles se retrataram durante a fase<br />

judicial. Como se poderia, por outro lado, se proceder a esta nova reconstituição<br />

dos fatos, se os co-réus afirmaram que jamais estiveram no local do crime e dele<br />

participaram.<br />

Diz, entretanto, a ilustre Defesa, como fez a Defesa dos co-réus às fls. 931⁄4,<br />

que o local objeto da reconstituição não é o local do crime, que teria ocorrido no<br />

Campo do Zé Viado, sendo certo que não há nenhum elemento nos autos, nestes<br />

ou nos desmembrados, que demonstrem ter sido a perícia realizada em local outro,<br />

“diverso”.<br />

Diante destes fatos, mais uma vez indefiro o pleito defensivo.<br />

(Fls. 177 a 179 – grifos no original.)<br />

Como se vê, todos os pedidos foram indeferidos, fundamentadamente,<br />

expondo a inconveniência e a desnecessidade da realização das diligências naquela<br />

fase processual, sem que tanto caracterize cerceamento de defesa. Frise-se,<br />

cabe ao Juiz da causa decidir sobre a conveniência e a imprescindibilidade da<br />

produção de outras provas, além daquelas que já foram produzidas nos autos da<br />

ação penal.<br />

Nesse sentido também é a jurisprudência desta Suprema Corte:<br />

Ementa: Habeas corpus. Alegação de nulidade pelo cerceamento de defesa<br />

decorrente do indeferimento de diligências. Inocorrência. Na fase do art. 499 não<br />

se tem a renovação da instrução criminal. Pelo que ao juiz do processo é conferido<br />

o poder de decidir sobre a conveniência e a imprescindibilidade da produção de<br />

outras provas, a par das que já foram coletadas. Decisão regularmente fundamentada.<br />

Habeas corpus indeferido.<br />

(HC 87.728/RJ, Primeira Turma, Relator o Ministro Carlos Britto, DJ de<br />

22-9-06.)<br />

Habeas corpus. Extorsão mediante seqüestro. Art. 499 do CPP. Pedido<br />

de extensão. Este <strong>Tribunal</strong> tem jurisprudência pacífica no sentido de não admitir<br />

a reiteração de habeas corpus. Não-conhecimento do habeas em relação ao<br />

último dos Pacientes. Não se configura identidade de situações a justificar a extensão.<br />

Enquanto na defesa prévia o pedido de diligência é um juízo de conveniência<br />

da parte, na fase do art. 499 do CPP pode o juiz, fundamentadamente,<br />

indeferir diligências que entender desnecessárias ou protelatórias. Precedentes.


350<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Impossibilidade de conhecimento da alegação de cerceamento de defesa para não<br />

caracterizar supressão de instância. Habeas corpus conhecido em parte e, nessa<br />

parte, indeferido.<br />

(HC 83.578/RJ, Segunda Turma, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de<br />

28-5-04 – Grifo nosso.)<br />

Habeas corpus. Alegações de cerceamento de defesa, de descumprimento<br />

de decisão do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> e de impedimento da Câmara Criminal.<br />

Alegações improcedentes. Não constitui cerceamento de defesa o indeferimento<br />

de diligências requeridas pela defesa, se foram elas consideradas desnecessárias<br />

pelo órgão julgador a quem compete a avaliação da necessidade ou conveniência<br />

do procedimento então proposto. É de repelir-se a alegação de haver sido<br />

descumprida a decisão proferida no HC 69.314. Com efeito, ao deferir o writ em<br />

favor do Paciente, esta Corte se limitou a anular o acórdão e determinar que outro<br />

fosse proferido após ouvida a defesa sobre as peças inseridas nos autos pelo<br />

órgão acusador. O que determinou a Corte foi cumprido pelo <strong>Tribunal</strong> a quo. Por<br />

fim, inocorre qualquer situação de impedimento de a Câmara Criminal realizar o<br />

novo julgamento do processo objeto de anulação, porquanto o inciso III do art. 252<br />

do Código de Processo Penal se refere ao impedimento de Juiz que, no mesmo<br />

processo, mas em outra instância, se houver pronunciado, de fato ou de direito,<br />

sobre a questão, o que, evidentemente, não é o caso dos autos. Habeas corpus<br />

indeferido.<br />

(HC 76.614/RJ, Primeira Turma, Relator o Ministro Ilmar Galvão, DJ de<br />

12-6-98 – Grifo nosso.)<br />

Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 93.046/RJ — Relator: Ministro Menezes Direito. Paciente: Márcio<br />

Batista da Silva. Impetrante: Luiz Carlos da Silva Neto. Coator: Superior Tribu<br />

nal de Justiça.<br />

Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime.<br />

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />

Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito.<br />

Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot.<br />

Brasília, 11 de março de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


R.T.J. — <strong>207</strong> 351<br />

HABEAS CORPUS 93.190 — RJ<br />

Relator: O Sr. Ministro Menezes Direito<br />

Pacientes: Isaías da Costa Rodrigues, Márcio dos Santos Nepomuceno,<br />

Márcio José Guimarães, Marco Antonio Pereira Firmino da Silva, Ricardo<br />

Chaves de Castro Lima, Cláudio José de Souza Fontarigo, Elias Pereira da Silva,<br />

Márcio Cândido da Silva, Charles da Silva Batista, Marcus Vinicius da Silva e<br />

Leonardo Marques da Silva — Impetrantes: Luis Lago dos Santos e outros —<br />

Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Habeas corpus. Processual penal. Transferência temporária<br />

dos pacientes do Rio de Janeiro para Prisão <strong>Federal</strong> em<br />

Catanduvas/PR. Mandado de segurança do Estado do Rio de<br />

Janeiro contra decisão que indeferiu o pedido de prorrogação da<br />

transferência. Liminar deferida para suspender os efeitos dessa<br />

decisão. Constrangimento ilegal não-configurado. Via inadequada<br />

para discussão sobre a necessidade ou não da transferência.<br />

Habeas corpus denegado.<br />

1. A transferência dos pacientes para o Presídio <strong>Federal</strong><br />

de Catanduvas/PR revelou cenário a indicar fatos de extrema<br />

gravidade, o que impõe análise apropriada que não guarda pertinência<br />

com o habeas corpus, como assentado em precedente da<br />

Corte em tudo semelhante (HC 93.003/RJ, da minha relatoria,<br />

julgado em 11-3-08).<br />

2. Não há litispendência entre o mandado de segurança<br />

impetrado na origem pelo Ministério Público e o impetrado pelo<br />

Estado do Rio de Janeiro.<br />

3. Habeas corpus denegado.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro<br />

Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />

por maioria de votos, indeferir o pedido de habeas corpus.<br />

Brasília, 13 de maio de 2008 — Menezes Direito, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Habeas corpus, com pedido de liminar,<br />

impetrado pelos advogados Luis Lago dos Santos e José Henrique Machado da<br />

Silva em favor de Isaías da Costa Rodrigues, Márcio dos Santos Nepomuceno,<br />

Márcio José Guimarães, Marco Antonio Pereira Firmino da Silva, Ricardo<br />

Chaves de Castro Lima, Cláudio José de Souza Fontarigo, Elias Pereira da Silva,


352<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Márcio Cândido da Silva, Charles da Silva Batista, Marcus Vinicius da Silva e<br />

Leonardo Marques da Silva, buscando o restabelecimento da decisão do Juiz da<br />

Vara de Execuções Penais do Rio de Janeiro/RJ, que indeferiu o pedido de prorrogação<br />

do prazo da transferência dos pacientes, juntamente com outros presos,<br />

para o Presídio <strong>Federal</strong> de Catanduvas/PR.<br />

Aponta como autoridade coatora a Sexta Turma do Superior <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça, que denegou a ordem no HC 83.737/RJ, Rel. Min. Paulo Gallotti.<br />

Alegam os Impetrantes que:<br />

A princípio elencamos os fatos com base no relatório e voto do Eminente<br />

Mi nis tro Paulo Gallotti, o qual em síntese relata: a uma, que afirmam os Impetrantes<br />

que a Sexta Turma do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, proferiu decisão unânime<br />

no Habeas Corpus nº 82.318/RJ, impetrado em favor dos mesmos Pacientes,<br />

o qual concedeu a ordem para cassar o efeito suspensivo a agravo de execução do<br />

Ministério Público, que prorrogaram por tempo indeterminado a permanência dos<br />

Pacientes na Penitenciária <strong>Federal</strong> de Catanduvas no Paraná; a duas, relatam os<br />

Pacientes que através do Estado do Rio de Janeiro foi impetrado um novo Mandado<br />

de Segurança, agora de nº 2007.078.0203, que ao invés de requerer que fosse<br />

atribuído ao agravo interposto pelo Ministério Público efeito suspensivo, usou de<br />

uma manobra judicial modificando o pólo ativo, isto é, indicando a Procuradoria<br />

do Estado do Rio de Janeiro e requereu que os Pacientes permanecessem em Catanduvas<br />

com base no princípio do interesse público, vez que a ida dos mesmos<br />

para aquela unidade, teria gerado um benefício à segurança pública.<br />

Diz o ministro Paulo Gallotti:<br />

“Acentuam os impetrantes que esse provimento está em confronto<br />

com o decidido pela Sexta Turma do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça no<br />

HC 82.318, dado que ‘em verdade, o artifício utilizado pelo Governo<br />

do Estado, através, agora, da Procuradoria-Geral (também órgão do<br />

Ministério Público) constitui bis in idem, pois trata do mesmo fato objeto<br />

do recurso em andamento) agravo e mandado de segurança)”.<br />

A três, relata também que o Mandado de Segurança impetrado pelo Estado<br />

do Rio de Janeiro tem objeto diverso do writ, almejado pelo Ministério Público, já<br />

que não pretende o novo atribuir efeito suspensivo ao agravo em execução, além<br />

disso alega o respeitável Ministro que ao contrário do que dizem os Impetrantes, a<br />

Procuradoria do Estado não se confunde com o Ministério Público.<br />

Para finalizar, esclarecemos que as palavras proferidas pelo imparcial<br />

Ministro Paulo Gallotti no final de seu voto justificam e alicerçam o recurso<br />

que ora impetramos, vez que ao afirmar que “(...) No que se refere a alegada<br />

litispendência, por igual sorte não tem a mínima procedência. (...) O Pedido<br />

no primeiro mandado se refere unicamente à atribuição de efeito suspensivo<br />

ao agravo em execução. Neste, o pedido é para fazer cessar os efeitos da decisão<br />

proferida em primeiro grau e a conseqüente permanência dos presos<br />

no Presídio <strong>Federal</strong> de Catanduvas (...) Logo não há repetição de ações (...)”.<br />

Nítido está que o Governo do Estado do Rio de Janeiro utilizou-se de<br />

uma artimanha para burlar, e conseguiu, uma decisão proferida pelo Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça, porque quando os mesmos Pacientes impetraram o Habeas<br />

Corpus nº 82.318, o próprio Relator e Turma deferiu liminar e concedeu a ordem,<br />

unanimemente, determinando a suspensão do efeito suspensivo no Mandado de


R.T.J. — <strong>207</strong> 353<br />

Segurança nº 2007.078.00199, com a cassação do efeito suspensivo os Pacientes<br />

retornariam para as prisões do Estado do Rio de Janeiro, inconformado com tal<br />

de decisão contra o Ministério Público, entra o Governo do Estado, através de<br />

sua Procuradoria com um novo mandado de segurança no <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

do Estado do Rio de Janeiro (2007.078.00203), desta vez, para requerer a prorrogação<br />

da estadia dos Pacientes por mais 12 (doze) meses na Penitenciária <strong>Federal</strong><br />

de Catanduvas, a 08ª Câmara Criminal do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado do Rio<br />

de Janeiro, ao invés de indeferir tal pleito, por se tratar de outro mandado de segurança,<br />

inacreditavelmente, concedeu liminar com efeito positivo prorrogando a<br />

permanência dos Pacientes até a decisão final do agravo em execução.<br />

A defesa dos Pacientes tentou demonstrar na 06ª Turma do Superior <strong>Tribunal</strong><br />

de Justiça que o <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Rio de Janeiro proferiu decisão em total<br />

desrespeito ao acórdão que por unanimidade cassou os efeitos do Mandado de<br />

Segurança acima já citado, tendo se utilizado de todos os argumentos legais possíveis,<br />

obtendo a graça de um voto do valor do eminente Ministro Presidente da<br />

06ª Turma que desde o início de sua exposição afirmou:<br />

“O que eu estou pensando é que se está deixando de cumprir<br />

decisão do Superior <strong>Tribunal</strong>. O que não se alcançou de um modo<br />

alcançou-se de outro, alcançou, aliás, por meio da utilização do mesmo<br />

instrumento – mandado de segurança. Se o primeiro mandado não valeu,<br />

valeu o segundo – o objetivo era o mesmo. Ora, já que concedia a<br />

ordem de habeas corpus (HC 82.318), a questão haveria de ter solução<br />

pelo agravo, não mediante outro mandado de segurança. Repetiu-se a<br />

ação, simples e indevidamente. Com isso, a autoridade da decisão do<br />

Superior <strong>Tribunal</strong> foi atingida. Impõe-se o reparo. Voto, assim, pela<br />

concessão da ordem”.<br />

(Grifo nosso.)<br />

Invocamos dessa iluminada, imparcial e justa Corte Suprema uma análise<br />

objetiva do trecho destacado pela defesa dos pacientes, quando o Ministro relator<br />

destaca os objetivos de ambos os Mandados de Segurança, em que afirma: “(...) O<br />

pedido no primeiro mandado se refere unicamente à atribuição do efeito suspensivo<br />

ao agravo em execução. Neste, o pedido é para fazer cessar os efeitos<br />

da decisão proferida em primeiro grau (...)”<br />

Sábio julgadores, quando no primeiro mandamus a 06ª Turma do Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça concedeu a ordem para manter os efeitos da decisão de primeiro<br />

grau, da mesma forma decidiu que a questão meritória da permanência ou<br />

não dos Pacientes em Catanduvas somente seria solucionada com o julgamento<br />

do agravo em execução, o que ainda não aconteceu. Ao conceder a liminar no<br />

Mandado de Segurança o qual fez cessar os efeitos da decisão de primeiro grau,<br />

da mesma forma em afronto completo ao acórdão acima referido, a 08ª Câmara do<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado do Rio de Janeiro repetiu a ação simples e indevida<br />

para dirimir uma questão que estava limitada ao preâmbulo do agravo.<br />

(Fls. 3 a 5 – Grifos no original.)<br />

Para fundamentar o pedido de liminar, sustentam que:<br />

Nas fartas razões retro articuladas é claro como o sol a presença do fumus<br />

boni juris e o periculum in mora.<br />

(Fl. 6.)


354<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Ao final, requerem que seja deferida a liminar “para cassar os efeitos<br />

do acórdão ora atacado e anular a decisão que determinou a permanência<br />

dos pacientes na penitenciária federal de catanduvas até que seja proferida<br />

decisão no agravo em execução” (fl. 6), e, no mérito, “a concessão da ordem<br />

cassando-se o constrangimento ilegal ao qual estão submetidos os pacientes”<br />

(fl. 6 – grifo no original).<br />

O pedido de liminar foi indeferido (fls. 87 a 97).<br />

As informações foram prestadas à fl. 107, que, na verdade, referem-se<br />

ao HC 91.462/RJ, também impetrado em favor dos Pacientes naquele Superior<br />

<strong>Tribunal</strong>, cuja liminar foi indeferida pelo Ministro Paulo Gallotti (fls. 108/109).<br />

O Ministério Público <strong>Federal</strong>, pelo parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral<br />

da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida, opinou pela denegação<br />

da ordem (fls. 112 a 116).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Os Pacientes, juntamente com o condenado<br />

Robson André da Silva, todos integrantes das facções criminosas conhecidas<br />

como “Comando Vermelho” e “Terceiro Comando Puro”, ligadas ao<br />

narcotráfico, foram transferidos para o Presídio <strong>Federal</strong> de Catanduvas/PR, a<br />

pedido do Secretário de Estado da Administração Penitenciária do Estado do<br />

Rio de Janeiro, pelo prazo de 120 dias.<br />

Em 11-3-08, a Primeira Turma desta Suprema Corte denegou a ordem no<br />

HC 93.003/RJ, cujo acórdão ainda não foi publicado, impetrado em favor do condenado<br />

Robson André da Silva com objetivo idêntico ao buscado no presente writ.<br />

Naquela oportunidade, proferi o seguinte voto:<br />

O Paciente, juntamente com outros onze condenados, todos integrantes<br />

das facções criminosas conhecidas como “Comando Vermelho” e “Terceiro<br />

Comando Puro”, ligadas ao narcotráfico, foi transferido para o Presídio <strong>Federal</strong> de<br />

Catanduvas/PR, a pedido do Secretário de Estado da Administração Penitenciária<br />

do Estado do Rio de Janeiro, pelo prazo de 120 dias.<br />

Transcrevo excerto do voto do Ministro Paulo Gallotti, pelo qual foi denegada<br />

a ordem no Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, que bem descreve os fatos constantes<br />

nos autos:<br />

“Em decisão datada de 5-1-07, o Juiz Carlos Augusto Borges, da Vara<br />

de Execuções Penais do Rio de Janeiro, acolhendo solicitação do Secretário<br />

de Administração Penitenciária daquele Estado, determinou a transferência<br />

temporária dos pacientes, que estavam recolhidos na Penitenciária<br />

Laércio da Costa Pellegrino, no Rio de Janeiro, para o Presídio <strong>Federal</strong> de<br />

Catanduvas, no Paraná, pelo prazo de 120 dias, com fundamento, em síntese,<br />

na necessidade de se preservar a segurança pública.<br />

Posteriormente, em petição datada de 11-4-07, o Ministério Público<br />

do Rio de Janeiro requereu a prorrogação do prazo de permanência dos


R.T.J. — <strong>207</strong> 355<br />

pacientes em Catanduvas, enfatizando que ‘após a transferência, a onda de<br />

violência gerada pelas organizações criminosas comandadas pelos presos<br />

se encerrou’, pleito que, todavia, restou indeferido pelo então magistrado da<br />

Vara de Execuções, Dr. Carlos Eduardo Carvalho de Figueiredo, em 18-4-07.<br />

Contra essa decisão o Ministério Público interpôs recurso de agravo<br />

em execução, pendente de julgamento no <strong>Tribunal</strong> de origem, bem como<br />

impetrou, perante aquela Corte, mandado de segurança, ali registrado sob<br />

o n. 2007.078.00199, visando a atribuir efeito suspensivo ao agravo, restando<br />

a liminar deferida ‘com a conseqüente manutenção dos apenados na<br />

Unidade <strong>Federal</strong> de Catanduvas pelo período de 120 dias, prorrogáveis, ou<br />

até a apreciação do recurso de agravo interposto pelo Ministério Público, o<br />

que primeiro ocorrer’.<br />

A Sexta Turma do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, ao apreciar o<br />

HC 82.318/RJ, concedeu a ordem para, na linha dos diversos precedentes<br />

desta Corte, cassar a referida liminar, atribuindo ao agravo em execução do<br />

parquet tão-somente o efeito devolutivo.<br />

Confira-se a ementa do julgado:<br />

‘Habeas corpus. Transferência temporária de presos do Rio<br />

de Janeiro para Catanduvas, no Paraná. Indeferimento, pelo Juiz<br />

das execuções, do pedido de prorrogação do prazo formulado pelo<br />

Ministério Público. Agravo em execução interposto pelo parquet.<br />

Impossibilidade de concessão de mandado de segurança para atribuir<br />

efeito suspensivo ao agravo. Art. 197 da Lei de Execuções<br />

Penais. Ordem concedida.<br />

1 – O Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça há muito pacificou o entendimento<br />

de que o mandado de segurança não pode ser utilizado para<br />

atribuir efeito suspensivo a agravo em execução, que, por expressa<br />

determinação legal, não o possui.<br />

2 – Em razão da determinação contida no artigo 197 da Lei<br />

de Execução Penal, cabe ao Ministério Público, instituição a quem<br />

incumbe a função de defender a ordem jurídica e o regime democrático,<br />

diante do indeferimento de pedido formulado perante o Juiz das<br />

Execuções, interpor e aguardar o desfecho do julgamento do agravo<br />

manejado.<br />

3 – O mandado de segurança, ação de índole constitucional<br />

cujo objetivo é o de proteger direito líquido e certo não amparado por<br />

habeas corpus ou habeas data, não pode servir de instrumento para,<br />

em confronto com expressa disposição legal e em dissonância com o<br />

princípio do devido processo, restringir direito de condenado conferido<br />

pela lei de execução penal.<br />

4 – Remarque-se que esta Corte não está a tecer qualquer consideração<br />

a respeito do mérito da necessidade de permanência ou<br />

não dos pacientes na Penitenciária de Catanduvas, mas, sim, muito<br />

embora se reconheça a dificuldade que tem enfrentado a segurança<br />

pública não só do Estado do Rio de Janeiro, mas dos grandes centros<br />

urbanos do País, que, na linha de precedentes desta Corte, o<br />

Ministério Público não tem legitimidade para propor ação mandamental<br />

com o fim de atribuir a agravo em execução efeito que ele não<br />

possui por expressa determinação legal.


356<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

5 – Habeas corpus concedido para cassar os efeitos da decisão<br />

proferida nos autos do MS nº 2007.078.00199, atribuindo ao agravo<br />

em execução interposto pelo Ministério Público tão-somente o efeito<br />

devolutivo.’<br />

Insurgem-se, desta vez, os impetrantes contra o acórdão da Oitava<br />

Câmara Criminal do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Rio de Janeiro que deferiu liminar<br />

no Mandado de Segurança 2007.078.00203, impetrado pelo Estado<br />

do Rio de Janeiro, determinando a permanência dos pacientes no Presídio<br />

<strong>Federal</strong> de Catanduvas.<br />

Veja-se, no que interessa, o teor do acórdão:<br />

‘Trouxe o Estado do Rio de Janeiro, no presente mandado de<br />

segurança, alentadas razões e justificativas de fato e de direito, em<br />

agasalho ao seu pleito, para demonstrar que os motivos ensejadores<br />

da transferência dos presos para o Presídio <strong>Federal</strong> de Catanduvas<br />

ainda persistem. A par disso, é notório que este Estado enfrenta clima<br />

de violência, insegurança e terror no seio da coletividade, tudo a justificar<br />

o acolhimento do pedido liminar.<br />

À guisa de exemplo, há mais de dez dias, vivem os habitantes<br />

do conhecido Morro do Alemão submetidos a verdadeira guerrilha<br />

urbana, causada por confronto entre policiais e traficantes Homens e<br />

mulheres subtraídos da liberdade de ir e vir, escolas fechadas, pessoas<br />

recolhidas em seus lares e impedidos de sair na rua, pessoas atingidas<br />

por balas perdidas.<br />

Revelam os noticiários a ocorrência de 15 mortes e 46 feridos<br />

nesses episódios.<br />

Notícia de hoje a revelar também confronto entre policiais e<br />

traficantes na favela da Chatuba, no Bairro da Penha, onde foram<br />

apreendidos 60 kg de maconha. A par disso, também é notório o clima<br />

de violência em outras regiões desta cidade.<br />

As estatísticas estão a revelar expressivas apreensões de substâncias<br />

entorpecentes, como seja: a) 2 toneladas e 400 kg de maconha<br />

no Morro da Mangueira; b) 245 kg de maconha na Vila Cruzeiro;<br />

c) 50 kg de maconha na Rodoviária Novo Rio; d) 1 tonelada e meia<br />

de maconha na Rodovia Presidente Dutra; e) 50 kg de maconha na<br />

Favela da Metral; f) 30 kg de maconha no Morro da Providência;<br />

g) 4,5 kg de cocaína da BR-393 e; h) 60 kg de pasta de cocaína em<br />

Conceição de Macabu, entre outras.<br />

Some-se a tanto a justificada preocupação do Estado na prevenção<br />

e repressão da violência e das conseqüências que da mesma resultam<br />

e a iminência de receber autoridades internacionais em evento de<br />

grande repercussão, com os jogos Panamericanos a iniciarem-se nos<br />

próximos dias e a exigir do Estado um nível de segurança competente,<br />

haja vista que sediará delegação e representação de 42 países. Por esta<br />

e outras circunstâncias se mostra a razoabilidade do pedido e a urgência<br />

da medida, presentes o fumus boni juris e o periculum in mora.<br />

Justifica-se à apreciação da matéria deduzida em sede de<br />

agravo, nesta sede, porquanto a demora procedimental do recurso<br />

implicaria em perecimento do direito invocado, em detrimento<br />

da substância da matéria que agora se examina, com objetivo de


R.T.J. — <strong>207</strong> 357<br />

garantir a ordem pública, no interesse coletivo, diante de circunstâncias<br />

excepcionais, de prevalência do interesse coletivo em face de<br />

interesses individuais.<br />

Ressalte-se, por derradeiro, que o ato de transferência de presos<br />

de um Estado para outro da Federação é de natureza administrativa,<br />

previsto em lei, fundado na conveniência e na oportunidade. O direito<br />

subjetivo do preso, direito individual, queda em face da supremacia<br />

do direito coletivo e do interesse público (aplicação do artigo 86 da<br />

LEP) e aos propósitos de prevenção geral e especial. De toda conveniência<br />

que se evite a presença de presos no meio em que exercem<br />

liderança sobre facção criminosa, ligada ao narcotráfico.<br />

Nestas condições, defere-se a liminar para suspender os efeitos<br />

da decisão atacada, decisão administrativa proferida pelo Juiz da<br />

Execução Penal e determinar a permanência dos presos transferidos<br />

na Penitenciária <strong>Federal</strong> de Catanduvas, até o julgamento do mérito a<br />

ser proferido neste mandamus’ (fls. 85/87).<br />

Acentuam os impetrantes que esse provimento está em confronto<br />

com o decidido pela Sexta Turma do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça no<br />

HC 82.318, dado que ‘em verdade, o artifício utilizado pelo Governo do<br />

Estado, através, agora, da Procuradoria-Geral (também órgão do Ministério<br />

Público) constitui bis in idem, pois trata do mesmo fato objeto do recurso em<br />

andamento (agravo e mandado de segurança)’.<br />

Argumentam, ainda, que ‘a Penitenciária <strong>Federal</strong> de Catanduvas é<br />

destinada a presos em regime disciplinar diferenciado, o que, a toda evidência,<br />

não se aplica aos pacientes que, como decidido pelo Juízo da VEP, não<br />

estão sujeitos a tais regras’ (fls. 14 a 16).<br />

Baseado nesses fatos, o Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça denegou a ordem de<br />

habeas corpus para manter o Paciente e os demais condenados na Penitenciária<br />

<strong>Federal</strong> de Catanduvas/PR, estando o acórdão assim ementado:<br />

“Habeas corpus. Transferência Temporária de Presos do Rio de<br />

Janeiro para Catanduvas, no Paraná. Mandado de segurança impetrado<br />

pelo Estado do Rio de Janeiro, perante o <strong>Tribunal</strong> de Justiça daquele Es ta do,<br />

contra a decisão do Juiz das execuções que indeferiu o pedido de prorrogação<br />

do prazo de transferência. Writ parcialmente conhecido e denegado.<br />

1 – O mandado de segurança impetrado pelo Estado do Rio de Janeiro<br />

no <strong>Tribunal</strong> de Justiça, procurando impedir o regresso dos presos transferidos<br />

para Catanduvas, no Paraná, tem objeto distinto do mandamus ali<br />

anteriormente impetrado pelo Ministério Público, em que se buscou atribuir<br />

efeito suspensivo ao agravo em execução interposto pelo parquet, cuja<br />

liminar foi cassada por esta Corte.<br />

2 – A alegação de que os pacientes estariam reclusos indevidamente<br />

em estabelecimento destinado a presos em regime disciplinar diferenciado<br />

não foi apreciada pelo <strong>Tribunal</strong> de origem, não podendo esta Corte enfrentála,<br />

pena de supressão de instância.<br />

3 – Habeas corpus parcialmente conhecido e denegado”<br />

(Fl. 21.)<br />

Essa é a decisão contra a qual se insurgem as impetrantes na presente ação.<br />

Não verifico nenhuma ilegalidade flagrante ou constrangimento ilegal a dar<br />

ensejo à concessão da ordem.


358<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Na hipótese vertente, verifica-se, porém, que, apesar dos argumentos da<br />

impetração, não há como ter-se como eivada de flagrante ilegalidade a decisão<br />

ora questionada, especialmente porque os fatos narrados nos autos são de extrema<br />

gravidade e demandam análise profunda do contexto em que se deu a transferência<br />

do paciente para o Presídio <strong>Federal</strong> no Estado do Paraná, a fim de verificar se<br />

é necessária, ou não, a sua permanência naquele presídio por mais algum tempo.<br />

Assim, não é o habeas corpus a via adequada para tal discussão, sendo esta reservada<br />

e recomendada às vias ordinárias.<br />

Quanto à alegação de possível litispendência dos mandados de segurança,<br />

transcrevo do parecer do Ministério Público <strong>Federal</strong> o seguinte trecho:<br />

“(...)<br />

8. (...) percebe-se que possuem objetos distintos, conforme consignou<br />

a Desembargadora Maria Raimunda T. de Azevedo, no Mandado de<br />

Segurança nº 2007.078.00203, impetrado pelo Estado do Rio de Janeiro (fls.<br />

97/104, apenso): ‘De trivial sabença, que há litispendência quando se repete<br />

ação que está em curso. Na hipótese, em tela, com referência ao mandado de<br />

Segurança nº 199, é impetrante o Ministério Público, enquanto no presente<br />

Mandado de Segurança é impetrante o Estado do Rio de Janeiro. O pedido<br />

no primeiro Mandado se refere unicamente à atribuição de efeito suspensivo<br />

ao Agravo em execução. Neste, o pedido é para fazer cessar os<br />

efeitos da decisão proferida em primeiro grau e a conseqüente permanência<br />

dos presos, no Presídio <strong>Federal</strong> de Catanduvas” (fl. 65).<br />

Ademais, não impressiona o argumento de que, por já terem-se encerrado os<br />

Jogos Pan-Americanos, não mais existiriam os motivos que ensejaram a transferência<br />

dos presos para o Paraná. É notória a violência urbana pelo qual passa não<br />

só a cidade do Rio de Janeiro, mas todos os grandes centros urbanos, decorrente<br />

da atuação das quadrilhas que se organizam em verdadeiros exércitos para a prática<br />

das mais variadas espécies de crime. Ressalte-se, ainda, o fato de serem os<br />

presos transferidos, entre eles o paciente, membros ativos e, alguns, chefes dessas<br />

facções criminosas, conforme mencionado no voto do Ministro Paulo Gallotti,<br />

acima transcrito.<br />

(...)<br />

Ante o exposto, conheço parcialmente do habeas corpus e denego a ordem.<br />

Com base nos mesmos fundamentos, denego a ordem de habeas corpus.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Peço vênia para reafirmar<br />

o que tenho sustentado nesses anos. Há de buscar-se, com a prisão de todo e<br />

qualquer acusado, de todo e qualquer cidadão, a ressocialização. Esta passa pela<br />

assistência da respectiva família, conforme previsto no rol das garantias constitucionais<br />

– incisos XLIX e LXIII do art. 5º. Essa premissa direciona à conclusão<br />

segundo a qual o local da custódia deve viabilizar o acesso dos familiares, descabendo<br />

isolamento em local a estes inacessível.<br />

Levando em conta esse dado, peço vênia para conceder a ordem.


R.T.J. — <strong>207</strong> 359<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 93.190/RJ — Relator: Ministro Menezes Direito. Pacientes: Isaías da<br />

Costa Rodrigues, Márcio dos Santos Nepomuceno, Márcio José Guimarães,<br />

Marco Antonio Pereira Firmino da Silva, Ricardo Chaves de Castro Lima,<br />

Cláudio José de Souza Fontarigo, Elias Pereira da Silva, Márcio Cândido da<br />

Silva, Charles da Silva Batista, Marcus Vinicius da Silva e Leonardo Marques<br />

da Silva. Impetrantes: Luis Lago dos Santos e outros. Coator: Superior <strong>Tribunal</strong><br />

de Justiça.<br />

Decisão: Por maioria de votos, a Turma indeferiu o pedido de habeas corpus;<br />

vencido o Ministro Marco Aurélio, Presidente. Ausente, justificadamente,<br />

a Ministra Cármen Lúcia.<br />

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />

Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e Menezes Direito. Ausente, justificadamente,<br />

a Ministra Cármen Lúcia. Subprocuradora-Geral da República, Dra.<br />

Cláudia Sampaio Marques.<br />

Brasília, 13 de maio de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


360<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

HABEAS CORPUS 93.291 — RJ<br />

Relator: O Sr. Ministro Menezes Direito<br />

Paciente: Renato Costa de Andrade e Silva — Impetrantes: Luiz Carlos da<br />

Silva Neto e outros — Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Habeas corpus. Penal e Processual Penal. Crime de quadrilha<br />

ou bando. Ausência de justa causa para o prosseguimento da<br />

ação penal não configurada. Materialidade. Reexame de provas.<br />

Inviabilidade. Precedentes. Ordem denegada.<br />

1. Tratando-se de crime de quadrilha ou bando, a denúncia<br />

que contém condição efetiva que autorize o denunciado a proferir<br />

adequadamente a defesa não configura indicação genérica<br />

capaz de manchá-la com a inépcia. No caso, a denúncia demonstrou<br />

claramente o crime na sua totalidade e especificou a conduta<br />

ilícita do Paciente.<br />

2. O trancamento de ação penal em habeas corpus impetrado<br />

com fundamento na ausência de justa causa é medida excepcional<br />

que, em princípio, não tem cabimento quando a denúncia ofertada<br />

narra suficientemente fatos que constituem o crime.<br />

3. A via estreita do habeas corpus não comporta dilação<br />

probatória, exame aprofundado de matéria fática ou nova valoração<br />

dos elementos de prova.<br />

4. Habeas corpus denegado.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro<br />

Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />

por unanimidade de votos, em indeferir o pedido de habeas corpus.<br />

Brasília, 18 de março de 2008 — Menezes Direito, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado<br />

pelos advogados Luiz Carlos da Silva Neto e Ricardo Gontijo Buzelin em<br />

favor de Renato Costa de Andrade e Silva, buscando a anulação do processo criminal<br />

instaurado contra o paciente e a expedição do correspondente alvará de soltura.<br />

Apontam como autoridade coatora a Sexta Turma do Superior <strong>Tribunal</strong><br />

de Justiça, que denegou a ordem no HC 75.430/RJ, Relatora a Ministra Maria<br />

Thereza de Assis Moura, impetrado àquele <strong>Tribunal</strong> com objetivo idêntico ao<br />

perseguido nesta oportunidade.


Alegam que:<br />

R.T.J. — <strong>207</strong> 361<br />

A sua prisão processual foi decretada pelo D. Magistrado, quando do recebimento<br />

da exordial acusatória, tendo sido o mandado regularmente cumprido e o<br />

acusado submetido a segregação cautelar desde o dia 13/10/2006, (doc. 02)<br />

Contra a higidez da denúncia ofertada e a prisão preventiva decretada<br />

foi impetrado habeas corpus perante o <strong>Tribunal</strong> de Justiça do estado do Rio de<br />

Janeiro, tendo sido a ordem denegada. (doc. 03)<br />

Foi então impetrada a ordem de habeas corpus perante o Superior <strong>Tribunal</strong><br />

de Justiça, que também denegou a ordem, (doc. 04).<br />

Nesse interregno o MM. Juízo de 1º grau declinou de sua competência (doc.<br />

05) para processo e julgamento do feito originário por entender que a competência<br />

seria da Justiça <strong>Federal</strong> para processo e julgamento do delito de “quadrilha armada”<br />

imputado na denúncia e que já estava sendo processado pelo MM. Juízo da<br />

4ª Vara <strong>Federal</strong> Criminal do <strong>Tribunal</strong> Regional <strong>Federal</strong> da 2ª Região, sob pena de<br />

se configura, segundo o Magistrado de 1º grau vedado bis in idem.<br />

Até a presente data o MM. Juízo da 4ª Vara <strong>Federal</strong> Criminal do <strong>Tribunal</strong><br />

Regional <strong>Federal</strong> da 2ª Região ainda não se manifestou sobre sua competência<br />

para processo e julgamento do feito que tramitava perante a Justiça Estadual.<br />

Item I – Da inépcia da denúncia/flagrante cerceamento de defesa<br />

Sucede que a peça acusatória manejada pelo Parquet estadual, s.m.j., não<br />

observou o comando dos artigos 41 e 43, III, do Código de Processo Penal, redundando,<br />

por conseguinte, em patente cerceamento de defesa em desfavor do<br />

paciente, assim como dando azo à persecução penal envolta em inaceitável periclitação<br />

do devido processo legal.<br />

Os termos da exordial acusatória merecem transcrição, sendo relevante notar<br />

a lacuna descritiva e o caráter genérico da peça, em passagens que a remarcam<br />

a expõe a sua ausência de minudências conforme preceitua abertamente a norma<br />

do art. 41, do Código de Processo Penal (...)<br />

(...)<br />

Do apanhado se consubstancia um verdadeiro, s.m.j., ensaio jornalístico,<br />

com personagens e acontecimentos narrados em tom estritamente noticioso e por<br />

isso descompromissado com a minudência objetiva que deve guarnecer uma peça<br />

acusatória processual penal.<br />

Interessante notar que ao longo de várias e várias linhas a denúncia oferecida<br />

não logrou identificar indiciariamente que fosse um único fato em um viés<br />

objetivo. Não declinou um eventual homicídio, que, em tese, poderia ser atribuído<br />

ao Paciente e a tal “guerra” na região. Como também não especificou indiciariamente<br />

que execução teria ocorrido à luz do dia seja pela identificação ao menos<br />

da vítima do modo e do meio pelo qual teria se consubstanciado o delito.<br />

Por certo que o jornal da data já deveria ter fornecido essa informação. Nada,<br />

nenhuma informação objetiva e/ou pormenorizada. Contudo, aduz estranhamente<br />

que tal fato (?) seria inconteste. Mas que fato esse que não a generalidade do narrado<br />

com lastro em “notícias” de imprensa?<br />

(Fls. 3 a 7 – grifos no original.)<br />

Ao final requerem, em caráter liminar, seja o paciente posto em liberdade<br />

até o julgamento definitivo do presente writ; e, no mérito, a anulação do processo,<br />

desde o recebimento da denúncia, com a conseqüente expedição de alvará<br />

de soltura.


362<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

A liminar foi indeferida (fls. 164 a 170).<br />

Em 18-12-07, o Impetrante suscitou a prevenção do Ministro Celso de<br />

Mello para a relatoria deste writ, em virtude de ele ter sido relator de outros dois<br />

habeas corpus impetrados nesta Corte, referentes à mesma ação penal (fls. 179<br />

a 181). Encaminhei os autos à Ministra Presidente para decidir sobre o pedido<br />

formulado.<br />

A Ministra Ellen Gracie decidiu pela manutenção da relatoria (fls.<br />

183/184).<br />

A autoridade impetrada prestou informações (fl. 186) e encaminhou os<br />

documentos de fls. 187 a 200.<br />

O Ministério Público <strong>Federal</strong>, pelo parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral<br />

da República Dr. Edson Oliveira de Almeida, opinou pela denegação<br />

da ordem (fls. 203 a 211).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: O Paciente, juntamente com outras 28<br />

pessoas, foi denunciado pela prática, em tese, do crime previsto no art. 288 do<br />

Código Penal, formação de quadrilha ou bando (fls. 31 a 37).<br />

Recebida a denúncia (fls. 58 a 76), o Ministério Público resolveu aditá-la,<br />

mencionando novos fatos e mais denunciados (fls. 97 a 105), no que foi atendido<br />

(fl. 106).<br />

Contra essas decisões teria sido impetrado habeas corpus ao <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça do Estado do Rio de Janeiro, sem êxito. Sobreveio, então, o HC 75.430/<br />

RJ, denegado pelo Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça em acórdão assim ementado:<br />

Processual Penal. Quadrilha. Grupo de extermínio. Disputa por pontos de<br />

caça-níqueis e bancas de aposta no jogo do bicho. 1. Inépcia da denúncia. Falta<br />

de individualização da função de cada acusado na quadrilha. Inexigibilidade.<br />

Fato narrado em todas as suas circunstâncias. 2. Ordem denegada.<br />

1. Em se tratando de imputação por crime de quadrilha, não se exige a individualização<br />

da função desempenhada por cada acusado, bastando a descrição do<br />

fato em todas as suas circunstâncias.<br />

2. Ordem denegada.<br />

(Fl. 16.)<br />

É firme a jurisprudência consagrada por esta Corte Suprema no sentido de<br />

que a concessão de habeas corpus com a finalidade de trancamento de ações penais<br />

em curso só é possível em situações excepcionais, quando estiverem comprovadas,<br />

de plano, a atipicidade da conduta, a causa extintiva da punibilidade<br />

ou a ausência de indícios de autoria.<br />

Nesse sentido:


R.T.J. — <strong>207</strong> 363<br />

Ação penal – Falta de justa causa – Trancamento.<br />

O trancamento da ação penal por falta de justa causa situa-se no campo da<br />

excepcionalidade, sendo indispensável que, da narração dos fatos na denúncia,<br />

surja a atipicidade.<br />

(HC 90.320/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de<br />

25-5-07.)<br />

Habeas corpus. Crime de apropriação indébita. Impossibilidade de modificação<br />

da capitulação no recebimento da denúncia. Concessão de sursis processual:<br />

impossibilidade. Não-aplicação analógica do art. 168-A, § 2º, do Código<br />

Penal. Arrependimento posterior. Pedido de trancamento da ação penal. Habeas<br />

corpus denegado.<br />

(...)<br />

3. O trancamento da ação penal, em habeas corpus, apresenta-se como<br />

medida excepcional, que só deve ser aplicada quando evidente a ausência de justa<br />

causa, o que não ocorre quando a denúncia descreve conduta que configura crime<br />

em tese.<br />

(...)<br />

(HC 87.324/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ de 18-5-07.)<br />

Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Inépcia da denúncia. Inexistência.<br />

Preenchimento dos requisitos do art. 41 do CPP. Trancamento da ação penal.<br />

Possibilidade de substituição do enquadramento legal descrito na inicial. Súmula<br />

524 do STF. Questões não apreciadas pelo tribunal a quo. Supressão de instância.<br />

I – Denúncia que bem individualiza as condutas, expondo de forma pormenorizada<br />

o fato criminoso, preenchendo, assim, os requisitos do art. 41 do CPP.<br />

Ademais, não se declara inepta a denúncia se o seu teor permitir o exercício do<br />

direito de defesa.<br />

II – O trancamento da ação penal, em habeas corpus, se apresenta como medida<br />

excepcional que só deve ser aplicada quando evidente a ausência de justa causa,<br />

o que não ocorre quando a denúncia descreve conduta que configura crime em tese.<br />

(...)<br />

(HC 85.496/SC, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ<br />

de 8-9-06.)<br />

Habeas corpus. Penal. Crime contra a ordem econômica. Atipicidade.<br />

Crime tributário. Exaurimento da via fiscal. Trancamento da ação penal. Reexame<br />

de provas. Inviabilidade.<br />

(...)<br />

3. O trancamento da ação penal, por falta de justa causa, é medida excepcional;<br />

justifica-se quando despontar, fora de dúvida, atipicidade da conduta, causa<br />

extintiva da punibilidade ou ausência de indícios de autoria.<br />

(...)<br />

(HC 86.583/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 27-4-07.)<br />

Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Juizado especial. Inépcia da denúncia.<br />

Falta de justa causa para a ação penal.<br />

I – Denúncia que atende aos requisitos do art. 41 do CPP.


364<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

II – A jurisprudência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> firmou-se no sentido de<br />

que não se tranca a ação penal quando a conduta descrita na denúncia configura,<br />

em tese, crime.<br />

III – Habeas corpus indeferido.<br />

(HC 85.066/GO, Segunda Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de<br />

20-5-05.)<br />

Não é o que se tem nos autos.<br />

A partir de um exame mais detido dos fundamentos que levaram à denegação<br />

da ordem pelo Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, acórdão ora impugnado, verifico<br />

que esse <strong>Tribunal</strong> não se equivocou ao afastar a alegada inépcia da denúncia.<br />

Confira-se, a propósito, o texto da exordial acusatória:<br />

Em data que não foi possível precisar, mas que ocorreu a partir de meados<br />

do ano 2000, uma grande disputa se iniciou em áreas da zona oeste da cidade, destacando-se<br />

os bairros de Bangu, Santíssimo, Anchieta, Vila Kennedy, Realengo,<br />

Padre Miguel, Sulacap, Senador Camará e demais bairros vizinhos a estes, tendo<br />

como objetivo principal o domínio e a exploração dos conhecidos “pontos” de<br />

anotação de “jogo-do-bicho”, bem como em toda a área de comércio existente da<br />

localidade supracitada, para a instalação e exploração das máquinas de jogos eletrônicos,<br />

conhecidas por “máquinas de caça-níqueis”.<br />

A disputa foi travada entre membros da família do falecido contraventor<br />

Castor de Andrade, que construiu e estabeleceu todo o seu império com a atividade<br />

contravencional e demais ações praticadas na esfera da ilicitude nas áreas<br />

acima citadas, permanecendo à frente de suas atividades ilegais e clandestinas até<br />

ser preso e condenado, momento em que a disputa pelo domínio do patrimônio<br />

angariado, como também da função de “chefia” se iniciou.<br />

O falecimento de Castor de Andrade, bem como de seu filho, Paulo de<br />

Andrade, foi o marco inicial da disputa pelo poder entre os seus “sucessores” no<br />

negócio clandestino, ensejando o início de uma guerra pelo poder na área da zona<br />

oeste, figurando como oponentes Fernando Ignácio de Miranda, de um lado, que<br />

formou um forte aparato para garantir sua atuação na empreitada acima citada,<br />

possuindo sob o seu comando um grande grupo que a ele obedece e cumpre suas<br />

ordens, estrutura que está em fase final de investigação. O bando age diretamente<br />

em confronto com a segunda quadrilha, chefiada pelos denunciados Rogério de<br />

Andrade, Renato de Andrade e Rinaldo de Andrade, que igualmente se estruturaram<br />

de forma idêntica, objetivando o combate aos ataques perpetrados, visando,<br />

assim, a conquista do domínio da área. Para tanto, organizaram-se, possuindo<br />

atualmente, como membros do seu grupo dos demais denunciados e outros que<br />

ainda estão sendo identificados.<br />

Os denunciados, consciente e voluntariamente, deliberaram se associar de<br />

forma estável, permanente, estruturando-se com o objetivo principal de enfrentar<br />

o grupo rival. Agindo na defesa das empresas denominadas Rio Oeste Games,<br />

exploram as conhecidas máquinas de caça-níqueis, bem como outros equipamentos<br />

de jogos eletrônicos, além de dominarem pontos conhecidos por “bancas de<br />

apostas de jogo-do-bicho”.<br />

A disputa entre os dois grupos pelo domínio e poder na exploração dos chamados<br />

“caça-níqueis” e “jogo-do-bicho” na localidade se transformou em uma<br />

verdadeira “guerra”, sendo esta a principal motivação dos vários crimes praticados


R.T.J. — <strong>207</strong> 365<br />

pelos denunciados, membros da quadrilha capitaneada por Rogério de Andrade,<br />

Renato de Andrade e Rinaldo de Andrade. Visam a conquista do poder, o domínio<br />

e a exclusividade na administração e exploração das atividades ilegais na região.<br />

A quadrilha se apresenta estruturada de forma a garantir a manutenção dos<br />

pontos de exploração da Oeste Games já instalados, bem como projeta e pratica<br />

ações direcionadas à obtenção e domínio das áreas exploradas pela empresa rival,<br />

denominada de “Adult Fifty Games” ou “Ivegê ”, que é explorada pelo contraventor<br />

Fernando Ignácio de Miranda.<br />

Para atingir os objetivos citados, criaram-se diversas “bases fixas”, denominadas<br />

de “escritórios”, que se encontram estrategicamente onde permanecem<br />

concrentrados os membros da quadrilha que atuam na segurança dos pontos de<br />

anotação de “jogo-do-bicho” e também zelando pelos estabelecimentos comerciais<br />

onde se encontram instalados equipamentos da empresa, permanecendo, ainda,<br />

funcionários que fazem a manutenção das máquinas eletrônicas também de áreas<br />

determinada. Essas bases fixas, os “escritórios”, ficam responsáveis pelo controle<br />

dos eventos e recolhimento do dinheiro dos pontos de exploração, incluindo a fiscalização<br />

e segurança contra eventuais “ataques” por parte da empresa rival.<br />

A estrutura da quadrilha é composta por funções escalonadas, atendendo<br />

a uma hierarquia, cabendo o comando das ações aos denunciados Rogério de<br />

Andrade, Renato de Andrade e Rinaldo de Andrade, este último com atuação um<br />

pouco maior nos contatos externos diretos com demais membros, tendo em vista<br />

serem os dois primeiros foragidos da justiça.<br />

Aos denunciados Rogério de Andrade, Renato de Andrade e Rinaldo de<br />

Andrade cabe a administração, gerência, bem como “ordens” e “determinações”<br />

que são repassadas aos demais denunciados, membros da quadrilha, por meio<br />

de comparsas seus que diretamente se comunicam com o “comando”, através de<br />

reuniões, em locais privados, ou com a colaboração de terceiros, na clandestinidade,<br />

face a existência de mandados de prisão em desfavor de Rogério e Renato de<br />

Andrade, por sentença condenatória de processo anterior, transitada em julgado.<br />

Os membros da quadrilha que diretamente recebem as ordens ou as autorizações<br />

para a prática das ações ilícitas e do mercado contravencional, repassam a<br />

membros que, dentre outras funções, atuam como executores dos crimes idealizados<br />

e determinados, ora com o objetivo da manutenção de seus pontos e áreas de<br />

atuação, disputando com a quadrilha rival, ora agindo de forma a invadir o “território”<br />

do opositor, tomando-lhes a área, matando seus “inimigos”, quebrando e<br />

danificando o patrimônio de terceiros, havendo, inclusive, o confronto armado em<br />

algumas ocasiões.<br />

Outros membros da quadrilha exercem, dentre outras tarefas secundárias, a<br />

função de segurança dos depósitos de material e armamento dos pontos de exploração<br />

dos produtos clandestinos, garantindo, assim, eventual revide e resistência<br />

quando do ataque do oponente.<br />

Atuam, também, na “segurança pessoal” de outros membros da quadrilha<br />

que desenvolvem atividades em outras ‘tarefas de risco’ como transporte de armamento,<br />

de dinheiro recolhido, ou mesmo aquele que figura como “supervisor”<br />

de determinada área, figurando ainda como ligação direta entre o “comando” e os<br />

“executores”. A “segurança pessoal” de determinados membros da quadrilha visa<br />

evitar ou impedir eventual ação do oponente, geralmente atentados e crimes de<br />

homicídios praticados mediante utilização de meios que impossibilitam sua defesa.<br />

Dentro da estrutura da quadrilha, figuram denunciados que têm por incumbência,<br />

ainda, a execução de crimes de homicídios; os delitos são cometidos não


366<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

só contra os seus rivais, visando o enfraquecimento do opositor e o domínio da<br />

área que visam obter. Os denunciados, que têm como função a execução de eventual<br />

adversário, igualmente eliminam os próprios membros da quadrilha, quando<br />

estes praticam atos de caráter duvidoso, ficando o julgamento e a ordem para matar<br />

a critério do “comando” e membros do “escalão superior”.<br />

Os crimes de homicídio praticados pela quadrilha têm a natureza de atividade<br />

de grupo de extermínio, eis que os denunciados atuam com o objetivo<br />

direto de eliminar os adversários que compõem o grupo rival, que com eles vem<br />

disputando o domínio das atividades ilícitas ligadas à contravenção e à máfia dos<br />

caça-níqueis.<br />

Os denunciados se mobilizam e agem em seus confrontos se utilizando de<br />

armamento de grosso calibre, fato este inconteste diante das notícias dos crimes<br />

oriundos da guerra por eles travadas há quase 05 (cinco) anos, bem como pelas<br />

apurações e investigações policiais realizadas quanto à identificação dos membros<br />

da quadrilha responsáveis pelas execuções.<br />

(...)<br />

Assim agindo, os denunciados, consciente e voluntariamente, se associaram<br />

de forma estável e permanente, com o objetivo de praticarem crimes, incluindo-se<br />

dentre os delitos os de natureza hedionda, atuando o bando, munido de armamento<br />

de grosso calibre (...)<br />

(Fls. 100 a 104.)<br />

Entendo que a melhor orientação doutrinária é a que exige que esteja na<br />

denúncia condição efetiva que autorize o denunciado a proferir adequadamente<br />

sua defesa. E é o que me parece ocorrer neste caso. Não se tratou, como alega a<br />

impetração, de indicação genérica. A peça de denúncia demonstrou claramente<br />

o crime na sua totalidade e especificou a conduta ilícita do paciente neste habeas<br />

corpus, consistente no comando de todo o esquema, agindo como verdadeiro<br />

comandante dos demais co-denunciados.<br />

Parece-me, portanto, que a denúncia, além de preencher todos os requisitos<br />

formais estatuídos no art. 41 do Código de Processo Penal, não incide nas<br />

hipóteses do art. 43 do mesmo diploma que determinariam a sua rejeição.<br />

É preciso ter presente que o delito imputado ao paciente é a formação de<br />

quadrilha ou bando, e não os crimes que teriam, supostamente, sido praticados<br />

por essa associação criminosa, conforme tentam induzir os impetrantes. Nessa<br />

medida, cumpre lembrar que o tipo posto no artigo 288 do Código Penal, prevê,<br />

simplesmente: “associarem-se, mais de três pessoas, em quadrilha ou bando,<br />

para a prática de crimes”. Trata-se, com efeito, de crime formal que se consuma<br />

mediante a simples “associação” qualificada pelo animus de praticar crimes.<br />

Há, portanto, elementos concretos suficientes com relação ao paciente,<br />

especialmente quando indica ser ele um dos líderes da quadrilha, juntamente<br />

com outros dois co-denunciados, para amparar a denúncia, nos moldes em que<br />

foi proposta, e ensejar a continuação da persecução penal.<br />

Foi nesse sentido, também, a manifestação do Ministério Público <strong>Federal</strong>,<br />

pelo parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. Edson<br />

Oliveira de Almeida:


R.T.J. — <strong>207</strong> 367<br />

(...)<br />

7. Da leitura da decisão supra vê-se que a denúncia, com base em inquérito<br />

policial previamente instaurado, narra, em tese, o crime tipificado no art. 288<br />

do Código Penal, contendo elementos necessários à formação típica da conduta.<br />

Demonstra que em meados do ano de 2000, uma grande disputa, entre dois grupos<br />

rivais, iniciou-se em diversas localidades da Cidade do Rio de Janeiro, visando o domínio,<br />

o poder e a exploração de atividades lucrativas denominadas jogo-de-bicho<br />

e jogos eletrônicos – máquinas de caça-níqueis –, apontando o paciente como um<br />

dos líderes do grupo – gerência, administração e comando. Descreve, com detalhes,<br />

a atuação das empreitadas da quadrilha, fortemente armada, como um verdadeiro<br />

grupo de extermínio, consignando que ‘dentro da estrutura da quadrilha, figuram<br />

denunciados que têm por incumbência, ainda, a execução de crimes de homicídios;<br />

os delitos são cometidos não só contra os seus rivais, visando o enfraquecimento do<br />

opositor e o domínio da área que visam obter. Os denunciados, que têm como função<br />

a execução de eventual adversário, igualmente eliminam os próprios membros da<br />

quadrilha, quando estes praticam atos de caráter duvidoso, ficando o julgamento e a<br />

ordem para matar a critério do ‘comando’ e membros do ‘escalão superior’.<br />

8. Portanto, não prospera a irresignação concernente à ausência de indicação<br />

objetiva das práticas criminosas para a formação de quadrilha (art. 288 do Código<br />

Penal), eis que demonstrado na peça acusatória a convergência/união de vontades<br />

de dezenas de pessoas, sendo o paciente apontado como um dos comandantes/<br />

chefes, na prática de diversos crimes, com a finalidade de manter o domínio e a<br />

exclusividade de outras atividades ilegais rentáveis, tais como a exploração do<br />

‘jogo-do-bicho’ e de máquinas eletrônicas denominadas ‘caça-níqueis’. Ficou evidenciado,<br />

assim, tanto o elemento subjetivo especial do tipo – finalidade de cometer<br />

crimes – como também o elemento estabilidade e permanência da associação.<br />

Logo, conforme asseverou o acórdão impugnado: ‘Nenhuma irregularidade há,<br />

portanto, na denúncia, que se baseou em inquérito policial devidamente instaurado,<br />

após notícia de crime. Aliás, verifica-se que a denúncia em nenhum momento faz<br />

referência a reportagens ou a telejornais, mencionando, ao contrário, em não poucas<br />

ocasiões, apurações de inquéritos policiais, inclusive dos homicídios supostamente<br />

praticados pela quadrilha da qual o paciente é acusado de participar’<br />

(Fls. 209/210.)<br />

Frise-se, por fim, que é na ação penal que deverá se desenvolver o contraditório,<br />

sendo, então, produzidos todos os elementos de convicção do julgador<br />

e garantido ao Paciente todos os meios de defesa constitucionalmente previstos.<br />

Não é o habeas corpus o instrumento adequado para o exame de questões controvertidas,<br />

inerentes ao processo de conhecimento.<br />

Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus pleiteada.<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, assim como acaba de<br />

expor, brilhantemente, como sempre, o eminente Ministro Menezes Direito,<br />

também não vislumbro dados que possam levar ao deferimento, à concessão<br />

desta ordem.<br />

Acompanho integralmente o Relator.


368<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, também eu, nada obstante<br />

o louvável esforço e a combatividade do Advogado, o Ministro Carlos Alberto<br />

Menezes Direito nos convence de sobejo que a situação é de indeferimento do<br />

habeas corpus.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 93.291/RJ — Relator: Ministro Menezes Direito. Paciente: Renato<br />

Costa de Andrade e Silva. Impetrantes: Luiz Carlos da Silva Neto e outros.<br />

Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Falaram:<br />

o Dr. Silva Neto, pelo paciente, e o Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas, Subprocurador-Geral<br />

da República, pelo Ministério Público <strong>Federal</strong>.<br />

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />

Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Subprocurador-Geral<br />

da República, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.<br />

Brasília, 18 de março de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


R.T.J. — <strong>207</strong> 369<br />

HABEAS CORPUS 93.782 — RS<br />

Relator: O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski<br />

Paciente: Aldomar Birajara de Quevedo Bitencourt — Impetrantes:<br />

Eduardo Pivetta Boeira e outros — Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Processual Penal. Habeas corpus. Regressão de regime<br />

prisional. Falta grave. Fato definido como crime. Soma ou unificação<br />

de penas. Benefícios da execução. Arts. 111 e 118 da Lei<br />

7.210/84. Remição. Súmula vinculante 9 do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>. Princípio da presunção de inocência. Dignidade da<br />

pessoa humana. Vetor estrutural. Ordem denegada na parte<br />

conhecida.<br />

I – A prática de falta grave pode resultar, observado o contraditório<br />

e a ampla defesa, em regressão de regime.<br />

II – A prática de “fato definido como crime doloso”, para<br />

fins de aplicação da sanção administrativa da regressão, não depende<br />

de trânsito em julgado da ação penal respectiva.<br />

III – A natureza jurídica da regressão de regime lastreada<br />

nas hipóteses do art. 118, I, da Lei de Execuções Penais é sancionatória,<br />

enquanto aquela baseada no incido II tem por escopo a<br />

correta individualização da pena.<br />

IV – A regressão aplicada sob o fundamento do art. 118, I,<br />

segunda parte, não ofende ao princípio da presunção de inocência<br />

ou ao vetor estrutural da dignidade da pessoa humana.<br />

V – Incidência do teor da Súmula vinculante 9 do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> quando à perda dos dias remidos.<br />

VI – Ordem denegada.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro<br />

Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />

por maioria de votos, indeferir o pedido de habeas corpus; vencido o Ministro<br />

Marco Aurélio, Presidente.<br />

Brasília, 16 de setembro de 2008 — Ricardo Lewandowski, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de habeas corpus, com<br />

pedido de liminar, impetrado por Eduardo Piveta Boeira e outros em favor de<br />

Aldomar Birajara de Quevedo Bitencourt, contra a Quinta Turma do Superior


370<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça, que denegou a ordem em habeas corpus impetrado contra<br />

decisão do <strong>Tribunal</strong> do Estado do Rio Grande do Sul que, em sede de Agravo em<br />

Execução, manteve decisão do Juízo das Execuções, que determinou a regressão<br />

do regime prisional e determinou a perda dos dias remidos.<br />

A decisão atacada possui a seguinte ementa (fl. 45):<br />

Execução penal. Habeas corpus. Decisão monocrática de desembargador.<br />

Trânsito em julgado. Cabimento do Writ. Regressão de regime prisional. Falta<br />

grave. Prática de crime doloso. Tráfico de entorpecentes. Trânsito em julgado da<br />

sentença condenatória. Desnecessidade.<br />

I – Esta Corte firmou o entendimento de que, com base no art. 105, inciso I,<br />

alínea c, da Carta Magna, é cabível habeas corpus contra decisão monocrática<br />

com trânsito em julgado (Precedentes).<br />

II – O art. 118, inciso I, da Lei de Execução Penal estabelece que o apenado<br />

ficará sujeito à transferência para o regime mais gravoso quando praticar fato<br />

definido como falta grave ou crime doloso, independentemente do trânsito em<br />

julgado de sentença condenatória. In casu, o e. <strong>Tribunal</strong> a quo reconheceu como<br />

falta grave, devidamente apurada em regular processo administrativo, o cometimento<br />

de crime doloso (tráfico de entorpecentes) no curso do cumprimento da<br />

reprimenda no regime semi-aberto, razão pela qual se mostra cabível a regressão<br />

de regime. (Precedentes).<br />

Habeas corpus denegado.<br />

Dizem os impetrantes que tal regressão se deu em virtude de o ora paciente,<br />

cumprindo pena em regime semi-aberto, ter sido acusado pela prática<br />

de novo delito, em processo no qual não existe decisão condenatória transitada<br />

em julgado.<br />

Alegam, então, que o fato de considerar-se a mera acusação de cometimento<br />

de novo crime como falta grave, apta a dar causa à regressão de regime e<br />

à perda dos dias remidos, atenta contra o princípio da presunção de inocência.<br />

Nesse sentido, requerem “seja deferida a medida liminar, a fim de que<br />

sejam suspensos os efeitos das decisões ora atacadas para que o Paciente possa<br />

cumprir sua pena em regime de origem (semi-aberto) até o julgamento do mérito<br />

do presente habeas corpus” (fl. 9).<br />

Indeferi a medida liminar (fls. 15-17), após o que vieram aos autos as informações<br />

prestadas pelo STJ (fls. 35-45).<br />

O Ministério Público <strong>Federal</strong>, em parecer da lavra do Subprocurador-<br />

Geral da República, Cláudio Lemos Fonteles, opinou pelo indeferimento do<br />

pedido (fls. 47-49).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Bem examinados os autos,<br />

tenho que a ordem é de ser denegada.


R.T.J. — <strong>207</strong> 371<br />

A presente impetração afirma a manifesta ilegalidade da regressão ba seada<br />

na prática de ato definido como crime, sem que haja o trânsito em julgado da<br />

decisão condenatória respectiva.<br />

Com efeito, observado o contraditório e a ampla defesa no processo administrativo,<br />

é pacífico tanto na doutrina quanto na jurisprudência, que a falta<br />

grave pode resultar, a critério do magistrado, fundado em sua livre convicção<br />

calcada nos elementos produzidos nos autos, na regressão de regime.<br />

Colho da doutrina, a lição de Carlos Vico Manãs, Sérgio Mazina Martins<br />

e Tatiana Viggiani Bicudo: 1<br />

As hipóteses de regressão de regime – isto é, de desajuste ao regime menos<br />

gravoso – são taxativas e não admitem ampliação. Mas elas não são automáticas<br />

e limitadas a um juízo sobre a sua materialidade e autoria. Por exemplo, não basta<br />

que o condenado cometa uma falta grave para que seja regredido: é imprescindível<br />

que sua falta seja de tal natureza que revele seu desajuste com o regime<br />

semi-aberto ou com o regime aberto. O mesmo pode ser repetido quanto a todas<br />

as demais situações do art. 118 da LEP, cujo enunciado – atente-se! – apenas “sujeita”<br />

o condenado à regressão em tais ou quais casos, em vez de prontamente<br />

dispor a regressão nesses casos. O “sujeitar”, aqui, traz a imagem de um “expor”,<br />

mas não a de um “impor”. A lei exige, dessa forma, a experiência do juiz da execução,<br />

forçado a ser, então, o juiz da individualização da pena. Em alguns casos,<br />

será aconselhável a regressão; em outros casos, eventualmente, encaminhamentos<br />

diversos serão mais apropriados. Não se descarta que uma simples transferência<br />

de estabelecimento pode ser o quanto concretamente baste.<br />

Na jurisprudência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> temos, por exemplo, o<br />

HC 76.271/SP, Rel. Min. Sydney Sanches, em que se assentou o seguinte:<br />

Direito Penal e Processual Penal. Regime semi-aberto de cumprimento de<br />

pena. Fuga: quebra de dever disciplinar. Sanção de regressão ao regime fechado<br />

(arts. 50, inciso II, e 118, inciso I e § 1º e § 2º, da Lei de Execuções Penais). Direito<br />

de defesa do sentenciado. Cabimento, porém, da medida cautelar de regressão.<br />

Habeas corpus.<br />

1. Se até antes da condenação, pode o denunciado ser preso preventivamente,<br />

para assegurar a aplicação da lei penal, não é de se inferir que o sistema<br />

constitucional e processual penal impeça a adoção de providências, do Juiz da<br />

Execução, no sentido de prevenir novas fugas, de modo a se viabilizar o cumprimento<br />

da pena já imposta, definitivamente, com trânsito em julgado. Essa providência<br />

cautelar não obsta a que o réu se defenda, quando vier a ser preso. O que<br />

não se pode exigir do Juiz da Execução é que, diante da fuga, instaure a sindicância,<br />

intime o réu por edital, para se defender, alegando o que lhe parecer cabível<br />

para justificar a fuga, para só depois disso determinar a regressão ao regime anterior<br />

de cumprimento de pena.<br />

2. Essa determinação pode ser provisória, de natureza cautelar, antes<br />

mesmo da recaptura do paciente, para que este, uma vez recapturado, permaneça<br />

1 MANÃS, Carlos Vico; MARTINS, Sérgio Mazina; BICUDO, Tatiana Vigiani. Execução<br />

Penal. In: FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui (coords.). Código de Processo Penal e sua<br />

Interpretação Jurisprudencial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 588.


372<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

efetivamente preso, enquanto justifica a grave quebra de dever disciplinar, como o<br />

previsto no art. 50, inciso II, da Lei de Execuções Penais, qual seja, a fuga, no caso.<br />

3. Tal medida não encontra obstáculo no art. 118, inciso I e § 1º e § 2º da<br />

mesma Lei. É que aí se trata da imposição definitiva da sanção de regressão. E não<br />

da simples providência cautelar, tendente a viabilizar o cumprimento da pena, até<br />

que aquela seja realmente imposta.<br />

4. Habeas corpus indeferido.<br />

Em específico, no que se refere à prática de “fato definido como crime doloso”,<br />

leciona Guilherme de Souza Nucci, 2<br />

a relação das faltas graves consta do art. 50 desta Lei. Por outro lado, cometer<br />

um fato (note-se que se fala em fato e não em crime, de modo que não há necessidade<br />

de se aguardar o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória) definido<br />

como crime doloso (despreza-se o delito culposo para tal finalidade), conforme<br />

a gravidade concreta auferida pelo juiz, pode levar o condenado do aberto ao semiaberto<br />

ou deste para o fechado, bem como do aberto diretamente para o fechado.<br />

As hipóteses enumeradas taxativamente no inciso I do art. 118 da LEP<br />

possuem natureza jurídica de sanção. Essa sanção tem cunho administrativo,<br />

uma vez que são aplicadas em decorrência do exercício do controle estatal sobre<br />

pessoa já definitivamente condenada ou, quando muito e que não é o caso dos<br />

autos, de pessoa recolhida sob a premissa da instrumentalidade da prisão. Tal<br />

conclusão é extraída da remansosa jurisprudência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong><br />

ao afirmar a interrupção dos prazos para a concessão de benefícios na execução<br />

criminal no caso de falta grave, em especial da fuga. 3<br />

Por sua vez, a determinação legal do inciso II do art. 118, que trata da soma<br />

e da unificação de penas, não possui essência sancionatória, muito embora possa<br />

acarretar a regressão do regime. Aqui, a norma visa à exata observância do disposto<br />

nos arts. 33 a 36 do Código Penal e tem por escopo a correta individualização<br />

da pena, em conformidade estrita aos preceitos constitucionais em geral e<br />

ao vetor da dignidade da pessoa humana em especial.<br />

Vê-se, pois, que não é necessário o trânsito em julgado da decisão para a aplicação<br />

da regressão de regime, uma vez que não há ofensa ao princípio da presunção<br />

da inocência ou violação ao vetor estrutural da dignidade da pessoa humana.<br />

Quanto à questão da perda dos dias remidos, aplica-se a Súmula vinculante<br />

9 deste <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.<br />

Isso posto, denego a ordem.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Peço vênia para divergir.<br />

2<br />

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2. ed. São Paulo:<br />

Revista dos Tribunais, 2007. p. 501.<br />

3<br />

O prazo recomeça a correr a partir da recaptura. Nesse sentido, entre outros: RHC 89.031/RS,<br />

Rel. p/ o ac. Min. Carlos Britto.


R.T.J. — <strong>207</strong> 373<br />

O princípio do terceiro excluído revela que uma coisa é ou não é. Ou bem se<br />

tem de forma alargada o princípio da não-culpabilidade, princípio constitucional,<br />

e, evidentemente, para haver a regressão no regime de cumprimento da pena, é<br />

preciso que haja a condenação criminal – é o caso – mas transitada em julgado,<br />

por crime posterior ao cometido e que ensejara o cumprimento da pena e a progressão<br />

no regime. Não posso temperar o princípio para dar de barato a culpa do<br />

envolvido no novo episódio. Prevalece o princípio da não-culpabilidade.<br />

Quando o art. 118 da Lei de Execuções Penais faz referência, para a regressão<br />

ao regime mais gravoso, à prática de fato definido como crime doloso<br />

ou falta grave – e se está no campo do crime doloso –, evidentemente remete à<br />

Constituição <strong>Federal</strong>. Em última análise, interpreto o citado inciso I do art. 118<br />

à luz do Diploma Maior, e não o preceito que encerra a garantia constitucional<br />

à luz da Lei de Execuções.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 93.782/RS — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Paciente:<br />

Aldomar Birajara de Quevedo Bitencourt. Impetrante: Eduardo Pivetta Boeira e<br />

outros. Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

Decisão: Por maioria de votos, a Turma indeferiu o pedido de habeas corpus;<br />

vencido o Ministro Marco Auréilio, Presidente.<br />

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />

Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Subprocurador-Geral<br />

da República, Dr. Rodrigo Janot.<br />

Brasília, 16 de setembro de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


374<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

HABEAS CORPUS 93.802 — RS<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Paciente: Deivide Sarote — Impetrante: PGE/RS – Tatiana Siqueira<br />

Lemos — Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Execução penal. Pena privativa de liberdade. Remição.<br />

Dias remidos. Perda. Licitude. Prática de falta grave. Constitucionalidade<br />

do art. 127 da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal).<br />

HC denegado. Decisão do Plenário no RE 452.994. Outros precedentes.<br />

É constitucional o art. 127 da Lei 7.210/84, que autoriza a<br />

decretação da perda dos dias remidos do condenado punido por<br />

prática de falta grave.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro<br />

Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />

por unanimidade de votos, denegar a ordem. Ausentes, justificadamente,<br />

neste julgamento, os Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa.<br />

Brasília, 26 de fevereiro de 2008 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor<br />

de Deivide Sarote contra acórdão da Quinta Turma do Superior <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça, que, unanimemente, deu provimento ao REsp 998.145, interposto pelo<br />

Ministério Público estadual, para determinar, por cometimento de falta grave, a<br />

perda dos dias remidos do apenado.<br />

O acórdão está assim ementado:<br />

Recurso especial. Execução penal. Falta grave. Perda dos dias remidos.<br />

Aplicação do art. 127 da LEP.<br />

1. Em razão do cometimento de falta grave pelo sentenciado, cabe ao Juízo<br />

da Execução decretar a perda dos dias remidos. Precedentes.<br />

2. Recurso conhecido e provido para, reformado o acórdão recorrido, decretar<br />

a perda dos dias remidos.<br />

(Fl. 11.)<br />

O Paciente, condenado à pena de 10 (dez) anos, 1 (um) mês e 15 (quinze)<br />

dias de reclusão, por cumprir em regime semi-aberto, cometeu falta disciplinar<br />

de natureza grave no curso da execução penal. Consta do termo de ocorrência,<br />

reproduzido à fl. 4 do apenso:<br />

No dia 18.03.2006, o denunciado deixou de apresentar-se de saída temporária<br />

autorizada pelo Juízo local, sendo considerado foragido da Justiça. Na


R.T.J. — <strong>207</strong> 375<br />

data de 15.04.2006, deu entrada no Presídio Estadual de Cerro Largo, autuado<br />

em flagrante delito, identificando-se com o nome de Leandro Cruz Villela, sendo<br />

posto em liberdade provisória em 26.04.2006, com nova entrada naquele presídio<br />

na data de 15.06.2006, cfe mandado de prisão preventiva decretada pelo Juízo<br />

daquela Comarca. Em 06.07.2006 removido [sic] de retorno a esta Penitenciária<br />

Modulada de Uruguaiana, para cumprimento de pena.<br />

O Juízo da Execução determinou a regressão do Paciente para o regime<br />

fechado e deixou de aplicar perda dos dias remidos, porque entendeu suficiente<br />

a regressão (fl. 18 do apenso).<br />

O Ministério Público estadual interpôs agravo, no qual alegou que a perda<br />

dos dias remidos pelo apenado seria conseqüência legal, segundo o art. 127 da<br />

Lei de Execuções Penais, do cometimento de falta disciplinar de natureza grave,<br />

e cuja aplicação não viola os princípios do direito adquirido e da coisa julgada,<br />

de modo que seria imperiosa a reforma da decisão de 1º grau.<br />

O <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul negou provimento<br />

ao recurso (fls. 53 do apenso).<br />

Irresignado, o órgão ministerial interpôs recursos especial e extraordinário,<br />

ambos admitidos. No especial, que ensejou o acórdão aqui reputado<br />

configurador de constrangimento ilegal, alegou que a perda dos dias remidos,<br />

declarada por prática de falta grave, não ofende o direito adquirido, “porquanto<br />

o instituto da remição, sendo prêmio concedido ao apenado em razão do tempo<br />

trabalhado, gera expectativa de direito” (fl. 67 do apenso).<br />

Nesta impetração, a defesa sustenta que a cumulação da penalidade de<br />

perda dos dias remidos com a reprimenda administrativa estabelecida na conclusão<br />

do procedimento administrativo afrontaria os princípios constitucionais<br />

do non bis in idem e da razoabilidade (fl. 6).<br />

Requer a Impetrante, ao fim, “seja concedida a ordem no presente habeas,<br />

para que seja cassado o acórdão proferido pelo STJ, e reconhecida a impossibilidade<br />

da perda dos dias remidos pelo trabalho, posto que direito adquirido<br />

do paciente, sob pena de afronta aos princípios da individualização da pena, da<br />

dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e razoabilidade” e, alternativamente,<br />

“que se conceda a ordem, reconhecendo a limitação temporal de 30<br />

dias, para a perda dos dias remidos, com a aplicação do art. 58 da LEP” (fl. 8).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Não assiste razão à Impetrante.<br />

Está assentada a jurisprudência desta Corte, e o Superior <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça decidiu em consonância com tal entendimento, a respeito da constitucionalidade<br />

do art. 127 da Lei de Execuções Penais.<br />

No julgamento do RE 452.994-7/RS (Rel. p/ o ac. Min. Sepúlveda<br />

Pertence), o Plenário, por maioria de votos, decidiu que o art. 127 da Lei de


376<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Execução Penal, cuja letra versa sobre a perda dos dias remidos por prática<br />

de falta grave, foi recebido pela nova ordem constitucional. Na oportunidade,<br />

acompanhei a divergência por entender que: “O direito foi adquirido sob clara<br />

condição legal resolutiva. A coisa julgada não é ofendida, porque não há aplicação<br />

de outra pena, nem outra qualquer alteração da sentença”.<br />

Consta da ementa:<br />

Ementa: Execução penal: o condenado que cometer falta grave perde o direito<br />

ao tempo remido: Lei 7.210/84, art. 127 – constitucionalidade.<br />

É manifesto que, havendo dispositivo legal que prevê a perda dos dias remidos<br />

se ocorrer falta grave, não a ofende a aplicação desse dispositivo preexistente à<br />

própria sentença. Por isso mesmo, não há direito adquirido, porque se trata de expectativa<br />

resolúvel, contra a lei, pela incidência posterior do condenado em falta grave.<br />

(DJ de 29-9-06.)<br />

2. Outrossim, quanto ao pedido alternativo de limitação da perda a um período<br />

de 30 (trinta) dias, nos termos do art. 58 da Lei de Execuções Penais, tem<br />

decidido esta Corte no sentido de sua inviabilidade.<br />

Confiram-se, a respeito, as seguintes ementas exemplares:<br />

Ementa: Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Falta grave. Perda de<br />

dias remidos. Art. 27 da Lei de Execução Penal. Ofensa aos principios da proporcionalidade,<br />

igualdade e individualização da pena. Inocorrência. Limitação temporal<br />

da sanção. Impossibilidade. Preceito da LEP aplicável a situação diversa.<br />

Ordem denegada. I – É assente a jurisprudência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> no<br />

sentido de que é legítima a sanção correspondente à perda total dos dias remidos<br />

pela prática de falta grave, nos termos do art. 127 da LEP, por ser medida consentânea<br />

com os objetivos da execução penal. II – Inaplicável ao caso o art. 58 do<br />

mesmo diploma legal por tratar de matéria distinta, não guardando pertinência<br />

com o objeto do presente writ. III – Precedentes. IV – Ordem denegada.<br />

(HC 90.107, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 27-4-07.)<br />

Ementa: agravo regimental. Lei de Execução Penal, arts. 127 e 58. Falta<br />

grave. Perda dos dias remidos. Ofensa aos princípios da individualização da<br />

pena e da proporcionalidade. Inocorrência. É pacífico o entendimento de ambas<br />

as Turmas desta Corte no sentido de que o cometimento de falta grave pelo preso<br />

durante o cumprimento da pena implica a perda dos dias remidos, sem que isso<br />

caracterize ofensa ao princípio da individualização da pena e ao direito adquirido.<br />

A remição da pena constitui mera expectativa de direito, exigindo-se ainda a observância<br />

da disciplina pelos internos. Inviável a aplicação do art. 58 da Lei de<br />

Execução Penal para limitar a perda a trinta dias, uma vez que tal norma trata de<br />

isolamento, suspensão e restrição de direito, não se confundindo com o tema relativo<br />

à remição da pena. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.<br />

(AI 580.259-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 26-10-07. No<br />

mesmo sentido: HC 89.784, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ de 2-2-07, e<br />

HC 89.528, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 13-10-06.)<br />

3. Em razão do exposto, denego a ordem.


R.T.J. — <strong>207</strong> 377<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 93.802/RS — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: Deivide<br />

Sarote. Impetrante: PGE/RS – Tatiana Siqueira Lemos. Coator: Superior <strong>Tribunal</strong><br />

de Justiça.<br />

Decisão: Denegada a ordem. Decisão unânime. Ausentes, justificadamente,<br />

neste julgamento, os Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa.<br />

Presidiu, este julgamento, o Ministro Gilmar Mendes.<br />

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros<br />

Cezar Peluso e Eros Grau. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de<br />

Mello e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo da<br />

Rocha Campos.<br />

Brasília, 26 de fevereiro de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


378<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

HABEAS CORPUS 93.803 — RJ<br />

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau<br />

Paciente: Ricardo Jorge Barbosa — Impetrante: Alexandre Moura Dumans<br />

e outros — Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Habeas corpus. Penal e Processual Penal. Tráfico ilícito de<br />

entorpecentes e lavagem de dinheiro. Prisão preventiva. Ausência<br />

de fundamentação reconhecida pelo órgão ad quem. Oportunidade<br />

dada pelo Desembargador <strong>Federal</strong> para que o órgão<br />

prolator da decisão a fundamentasse adequadamente, em lugar<br />

de, face à deficiência do decreto, deferir a liminar. Comportamento<br />

censurável. Fuga para impugnar prisão considerada injusta.<br />

Legitimidade.<br />

1. Ação penal por tráfico ilícito de entorpecentes e lavagem<br />

de dinheiro. Prisão cautelar decretada apenas com fundamento<br />

no artigo 312 do Código de Processo Penal, sem demonstração<br />

dos elementos necessários à constrição prematura da liberdade.<br />

Circunstância reconhecida por Desembargador <strong>Federal</strong> que, ao<br />

examinar habeas corpus, oficiou ao órgão a quo dando conta da<br />

ausência de fundamentação da decisão proferida por Juiz <strong>Federal</strong><br />

Substituto, possibilitando o agravamento da situação do paciente,<br />

em lugar de deferir a liminar. Comportamento censurável.<br />

2. É legítima a fuga com o objetivo de impugnar prisão cautelar<br />

considerada injusta (precedentes).<br />

Ordem concedida.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Celso<br />

de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade de votos, deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto<br />

do Relator.<br />

Brasília, 10 de junho de 2008 — Eros Grau, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar,<br />

impetrado contra ato do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça consubstanciado em<br />

acórdão cuja ementa é a seguinte:<br />

Habeas corpus. Paciente foragido acusado de tráfico internacional de drogas<br />

e lavagem de dinheiro, supostamente integrante de quadrilha organizada com


R.T.J. — <strong>207</strong> 379<br />

conexões no Uruguai, Colômbia, Estados Unidos e Europa. Fuga desde o início<br />

das investigações. Prisão preventiva justificada na proteção da Ordem Pública,<br />

da instrução criminal e para eventual aplicação da Lei Penal. Precedentes do STJ.<br />

Situação pessoal do Paciente diversa de outros co-réus que tiveram a custódia<br />

cautelar revogada pelo magistrado condutor da ação penal. Ordem denegada.<br />

1. Havendo fortes indícios de que o paciente pertence a extensa quadrilha<br />

internacional voltada para o tráfico de drogas e lavagem de dinheiro proveniente<br />

do tráfico, com ramificações em diversos continentes, justifica-se a prisão preventiva<br />

para a preservação da ordem pública.<br />

2. Especificamente em relação ao paciente, o fato de ele se encontrar foragido<br />

desde o início da instrução processual, não tendo sequer sido interrogado,<br />

denota a diferença de sua situação se comparada aos demais co-réus que tiveram<br />

o pedido de liberdade provisória acolhido. Segundo a orientação prevalecente no<br />

<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> e nesta Corte Superior de Justiça, a fuga do acusado é<br />

motivo suficiente para demonstrar a necessidade da prisão preventiva, como medida<br />

cautelar, para garantia da ordem pública, para garantia da instrução criminal<br />

e eventual aplicação da lei penal.<br />

3. Parecer do MPF pela denegação da ordem.<br />

4. Ordem denegada.<br />

2. Em extenso arrazoado os impetrantes alegam que o Juiz, ao decretar<br />

a prisão preventiva, limitou-se a reproduzir expressões da lei e a uma alusão<br />

vaga e genérica à denúncia e ao “material probante contido nos autos do inquérito<br />

policial”. Isso consubstanciaria afronta ao artigo 93, IX, da Constituição<br />

do Brasil.<br />

3. Sustentam que a ausência de fundamentação da custódia cautelar teria<br />

sido notada na decisão (rectius, despacho) do Juiz Convocado do TRF da 2ª<br />

Região, Marcelo Pereira da Silva, em habeas corpus requerido àquela Corte<br />

visando à liberdade provisória de co-réu. Não obstante, o magistrado, em vez<br />

de revogar o ato, solicitou informações e instou o Juízo a quo a complementá-lo<br />

com fundamentação adequada. A justificação foi a de que a decisão “se deu em<br />

sede de plantão no dia 28.03.2007, o que inviabiliza muitas vezes uma escorreita<br />

e adequada análise do caso”.<br />

4. Dizem que “ao impor a motivação de todas as decisões judiciais, o já<br />

mencionado art. 93, inciso IX, da Constituição da República não excepcionou<br />

as que fossem proferidas pelos juízos de plantão, o que torna injustificável a<br />

‘nova chance’ dada pelo insigne Juiz Convocado, porquanto decreto de prisão<br />

imotivado é decisão natimorta, por lhe faltar elemento essencial”. Daí que “ao<br />

determinar que o Juiz da 4ª Vara <strong>Federal</strong> Criminal fundamentasse a decisão<br />

constritiva, o Juiz Convocado deu azo a algo ainda mais inaceitável: a permissão<br />

para que uma medida de cunho inequivocamente defensivo como o habeas<br />

corpus pudesse agravar a situação dos réus” (fls. 24/25).<br />

5. Alegam que “o fato de o Paciente não ter-se entregado espontaneamente<br />

não pode servir como argumento retroativo a validade de um decreto constritivo<br />

eivado de nulidades. Se, como visto, a decisão desrespeitou, de forma flagrante,<br />

direitos individuais, é irrelevante que tenha sido cumprida ou não” (fl. 28).


380<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

6. Afirmam ainda que, apesar de inexistir alusão à garantia da ordem pública<br />

no decreto prisional originário, esse fundamento constou das várias decisões<br />

que indeferiram pleitos cautelares formulados pela defesa. Foi, todavia,<br />

revogada a prisão preventiva de co-réu cuja situação foi considerada idêntica a<br />

do paciente na decisão revocatória.<br />

7. Requerem a concessão de liminar a fim de que seja expedido alvará<br />

de soltura clausulado com a condição de que o paciente compareça semanalmente<br />

ao Juízo processante. Pugnam, no mérito, pelo deferimento da liberdade<br />

provisória.<br />

8. A liminar foi indeferida.<br />

9. Posteriormente ao parecer da Procuradoria-Geral da República, no sentido<br />

da denegação da ordem, os impetrantes protocolaram petição (fls. 417/419)<br />

alegando que o órgão ministerial opinou equivocadamente. Isso em razão de o<br />

Parquet ter abordado as razões da impetração sob o enfoque da isonomia entre<br />

o paciente e os co-réus beneficiados com a liberdade provisória. Afirmam que o<br />

que se sustenta, na verdade, é a completa ausência de fundamentos para a decretação<br />

da prisão cautelar do Paciente.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A prisão preventiva do Paciente<br />

e outros foi decretada por Juiz <strong>Federal</strong> de plantão nos seguintes termos (fls.<br />

181/181v):<br />

Tendo em vista os indícios de autoria e materialidade dos fatos claramente<br />

explicitados na denúncia oferecida, bem como pelo farto material probante<br />

contido nos Autos do Inquérito Policial, decreto a prisão preventiva dos acusados<br />

Alexandre Pareja Garcia, Yasmin Lorena Rodriguez Gallego, Ruy Delfim<br />

Ferreira Vasco, Ricardo Jorge Barbosa, Manoel Camilo Rodrigues Sales, José<br />

Cezar Pereira, Verônica Mattos da Costa, Luiz Carlos Mattos da Costa, Moysés<br />

Tomas de Oliveira e Lissy Jurliette Pareja Garcia, com fundamento no artigo 312<br />

do Diploma Processual Penal Brasileiro, já que presentes seus pressupostos.<br />

2. O Juiz não explicitou a base concreta da prisão cautelar, limitando-se a<br />

afirmar, vagamente, a presença de seus pressupostos.<br />

3. A deficiência do decreto prisional foi observada pelo Juiz convocado do<br />

TRF da 2ª Região, Marcelo Pereira da Silva, em decisão (rectius, despacho) pela<br />

qual requereu informações para decidir a respeito de pleito cautelar requerido<br />

por Co-réu:<br />

(...)<br />

A despeito da gravidade dos fatos apurados pela operação policial que foi<br />

denominada de “Platina”, que rendeu ensejo, inclusive, a decretação da prisão<br />

temporária de várias pessoas, dentre as quais o paciente, é de se ver que o decreto


R.T.J. — <strong>207</strong> 381<br />

judicial que acolheu o pedido ministerial e decretou a prisão preventiva do<br />

paciente carece da necessária fundamentação, uma vez que a mera justificação<br />

de que “presentes seus pressupostos” não preenche os requisitos legais de<br />

fundamentação específica ao caso concreto e para a pessoa do paciente. Não<br />

bastasse isso, a decisão que a esta se sucedeu, pela qual a denúncia foi recebida,<br />

também não traz nenhuma explicitação dos motivos pelos quais a prisão preventiva<br />

deve ser mantida, apenas mencionando aquele juízo que “durante a realização<br />

dos interrogatórios, decidirei a respeito da revogação da prisão dos acusados, que<br />

4 se encontram nessa condição”. (grifei.)<br />

Não se encontra sequer no pleito ministerial as razões pelas quais o decreto<br />

prisional cautelar deveria ser acolhido, pois o MPF faz genérica menção<br />

aos pressupostos previstos no art. 312 do CPP. (grifei.)<br />

De qualquer forma, considerando-se que descabe a este juízo de segunda<br />

instância proceder originalmente a adequada análise da necessidade desta prisão<br />

preventiva, apresentando os fundamentos que a sustentam, até porque se assim o<br />

fosse, suprimido estaria um grau de jurisdição para o paciente, e ainda considerando-se<br />

que a primeira decisão adotada (a que decretou a preventiva) se deu em<br />

sede de plantão no dia 28.03.2007, o que inviabiliza muitas vezes uma escorreita<br />

e adequada análise do caso, determino que se oficie o ilustre juízo impetrado para<br />

que este, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, não apenas preste informações<br />

cabíveis como fundamente adequadamente a necessidade da prisão preventiva<br />

decretada.<br />

(Grifei.)<br />

4. Percebe-se claramente que a situação do paciente daquele habeas corpus<br />

foi agravada pelo despacho do Juiz convocado do TRF da 2ª Região. Este,<br />

apesar de reconhecer a fragilidade do decreto prisional – diga-se de passagem,<br />

comum a todos os envolvidos –, determinou ao juízo de origem que fundamentasse<br />

adequadamente a decisão, quando o certo seria conceder a liminar.<br />

Em outras palavras, viabilizou-se, em habeas corpus, de forma esdrúxula, a<br />

oportunidade de reformatio in pejus.<br />

5. A Segunda Turma deste <strong>Tribunal</strong> decidiu, em tema de prisão preventiva,<br />

ser “indispensável a fundamentação do despacho que a decretou. As informações<br />

não substituem a fundamentação exigida em lei. Não há despacho, decisão<br />

ou sentença que adote fundamentação a posteriori, depois de produzir efeitos”<br />

(HC 44.499, Segunda Turma, Rel. Min. Evandro Lins e Silva, DJ de 23-2-68).<br />

A Primeira Turma adotou o mesmo entendimento ao afirmar que “[o] despacho<br />

que decreta a prisão preventiva, quando falho, não se considera sanado por<br />

fundamentação suplementar, depois e haver produzido efeitos” (HC 56.900,<br />

Primeira Turma, Rel. Min. Rafael Mayer, DJ de 27-4-79).<br />

6. A revogação da prisão preventiva do paciente foi indeferida, em três<br />

oportunidades, sempre sob o singelo fundamento de que ele se encontrava foragido<br />

desde a prolação da decisão que a decretou.<br />

7. A jurisprudência desta Corte está alinhada no sentido de que se o paciente<br />

foge para não se sujeitar a prisão considerada injusta não há razão nem<br />

necessidade da prisão cautelar para garantia da aplicação da lei penal. Nesse<br />

sentido a ementa do HC 91.971, DJ de 22-2-08, de que fui Relator:


382<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Habeas corpus. Penal e processual penal. Extorsão. Prisão preventiva.<br />

Fundamentação. Inidoneidade. Fuga: Avaliação, caso a caso.<br />

1. Residência fora do distrito da culpa. Circunstância que não autoriza a<br />

prisão preventiva por conveniência da instrução criminal, especialmente porque o<br />

endereço do paciente é conhecido, o que viabiliza a expedição de carta precatória.<br />

2. Prisão cautelar para garantia da ordem pública fundada no fato de o paciente<br />

ter tornado disponível sua conta-corrente para depósito de quantia resultante<br />

do crime de extorsão, advindo daí sua periculosidade.<br />

3. Tese da defesa visando a demonstrar, com argumentos factíveis, que o<br />

presidiário acusado do crime de extorsão, ex-cliente do paciente, utilizou a contacorrente<br />

deste para quitar dívida de honorários advocatícios, não para o recebimento<br />

do produto do crime.<br />

4. Controversa a autoria, a segregação cautelar, arrimada na suposta periculosidade<br />

do paciente, mostra-se temerária.<br />

5. Conveniência da instrução criminal, como forma de evitar ameaças às<br />

testemunhas. Ausência de base empírica.<br />

6. Fuga como justificativa da prisão cautelar para garantia da aplicação da lei<br />

penal. Necessidade de avaliá-la, caso a caso, para concluir-se se a intenção do paciente<br />

é frustrar o cumprimento da pena ou impugnar prisão que considera injusta.<br />

7. Ausente, no caso, demonstração de que o paciente pretende subtrair-se à<br />

aplicação da lei penal.<br />

Ordem concedida.<br />

8. O Paciente foi preso posteriormente e, quando interrogado, respondeu<br />

“(...) que soube do decreto de sua prisão em março deste ano [março/2007], que<br />

aguardou por algum tempo o julgamento de habeas corpus impetrados, sendo que<br />

ao final pediu aos seus advogados para que o apresentassem à Justiça, eis que nada<br />

tinha feito de errado e estaria pagando apenas por conhecer o acusado Alexander.”<br />

9. Insisto em que a decisão do Juiz convocado do TRF da 2ª Região não<br />

concedeu a liminar requerida, ensejando que írrito decreto de prisão fosse<br />

revigorado.<br />

Defiro o habeas corpus, concedendo a liberdade provisória do paciente.<br />

Em conseqüência, determino seja expedido alvará de soltura, a ser cumprido<br />

com as cautelas de estilo.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, também acompanho o voto<br />

do eminente Ministro Relator, dando relevo a esse fato para o qual o eminente<br />

advogado chamou atenção. Se o decreto de prisão é um só e não tinha fundamento<br />

– tanto não o tinha, que, por sua deficiência, todos os Réus estavam presos<br />

e, por força de lei, foram liberados –, não há razão nenhuma para a subsistência<br />

da prisão, porque não há decreto com fundamento em relação ao ora Paciente.<br />

Noutras palavras, ele está preso e, do ponto de vista jurídico, não se sabe<br />

nem o porquê. O decreto que lhe fundamenta a prisão é tão inválido que possibilitou<br />

a liberdade de todos os demais. Na verdade, o advogado não deixa de


R.T.J. — <strong>207</strong> 383<br />

ter certa razão ao dizer que isto, de certo modo, é capricho, pela simples circunstância<br />

de não ter-se apresentado. E a pergunta é esta: por que deveria ter-se<br />

apresentado diante de um decreto que não valia – tanto não valia que os demais<br />

réus foram soltos?<br />

Acompanho, integralmente, o voto do eminente Ministro Relator.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Na verdade, foi ele que decretou a prisão no<br />

habeas corpus. A decisão anterior não tinha fundamento.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 93.803/RJ — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: Ricardo Jorge<br />

Barbosa. Impetrantes: Alexandre Moura Dumans e outros. Coator: Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

Decisão: A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas corpus,<br />

nos termos do voto do Relator. Falou, pelo paciente, o Dr. Alexandre Moura<br />

Dumans e, pelo Ministério Público <strong>Federal</strong>, o Dr. Mário José Gisi. Ausente, justificadamente,<br />

neste julgamento, o Ministro Joaquim Barbosa.<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Ellen Gracie, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocurador-<br />

Geral da República, Dr. Mário José Gisi.<br />

Brasília, 10 de junho de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


384<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

HABEAS CORPUS 94.497 — RS<br />

Relatora: A Sra. Ministra Ellen Gracie<br />

Paciente: Osni Puzinski — Impetrante: Defensoria Pública da União —<br />

Coator: Relator do Recurso Especial 999.125 do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Direito Penal. Habeas corpus. Remição da pena. Falta grave.<br />

Súmula Vinculante 9, STF. Constitucionalidade do art. 127,<br />

LEP. Denegação.<br />

1. O tema em debate neste habeas corpus já foi objeto de<br />

consolidação da orientação desta Corte através da edição do<br />

enunciado da Súmula Vinculante 9: “O disposto no art. 127 da<br />

Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal) foi recebido pela ordem<br />

constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto<br />

no caput do art. 58”.<br />

2. Há orientação pacificada no <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong><br />

no sentido de que o cometimento de falta grave, durante a execução<br />

da pena privativa de liberdade, implica a perda dos dias<br />

remidos pelo trabalho, inexistindo motivo para se cogitar de<br />

eventual violação a direito adquirido (HC 89.784/RS, Rel. Min.<br />

Cármen Lúcia, DJ de 2-2-07), bem como não há possibilidade de<br />

limitação da pena a apenas trinta dias (HC 89.528/RS, Rel. Min.<br />

Joaquim Barbosa, DJ de 13-10-06).<br />

3. A perda do direito ao benefício da remição dos dias<br />

trabalhados em decorrência da falta grave não atenta contra o<br />

princípio da individualização da pena (AI 601.909-ED/RS, Rel.<br />

Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 6-10-06), bem como não viola<br />

dos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana<br />

(AI 580.543-AgR/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 1º-6-07).<br />

4. Habeas corpus denegado.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro<br />

Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />

por unanimidade de votos, indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do<br />

voto da Relatora.<br />

Brasília, 2 de setembro de 2008 — Ellen Gracie, Relatora.<br />

RELATÓRIO<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie: 1. Cuida-se de habeas corpus impetrado<br />

contra decisão monocrática do relator do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça que deu


R.T.J. — <strong>207</strong> 385<br />

provimento ao recurso especial e, assim, restabeleceu a decisão do juízo das<br />

execuções penais, decretando a perda do direito à remição pelo dias trabalhados<br />

devido à ocorrência de falta grave.<br />

Argumenta o impetrante que a perda total dos dias remidos fere os princípios<br />

da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e da individualização<br />

da pena. A regra do art. 127 da LEP deve respeitar direito adquirido,<br />

sendo certo que o benefício da remição da pena representa uma das formas de<br />

individualização da pena.<br />

Requer a concessão da ordem para o fim de ser reconhecido o direito do<br />

paciente aos dias já remidos, restabelecendo o acórdão do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do<br />

Rio Grande do Sul.<br />

2. Decisão que indeferiu o pedido de liminar (fls. 18/19).<br />

3. Manifestação da Procuradoria-Geral da República no sentido da denegação<br />

da ordem (fls. 22/24).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): 1. O tema em debate neste habeas<br />

corpus já foi objeto de consolidação da orientação desta Corte através da edição<br />

do enunciado da Súmula Vinculante 9, in verbis:<br />

O disposto no art. 127 da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal) foi recebido<br />

pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto<br />

no caput do art. 58.<br />

2. Como registrei na decisão que indeferiu o pedido de liminar, há orientação<br />

pacificada no <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> no sentido de que o cometimento<br />

de falta grave, durante a execução da pena privativa de liberdade, implica a<br />

perda dos dias remidos pelo trabalho, inexistindo motivo para se cogitar de<br />

eventual violação a direito adquirido (HC 89.784/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia,<br />

DJ de 2-2-07), bem como não há possibilidade de limitação da pena a apenas<br />

trinta dias (HC 89.528/RS, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 13-10-06).<br />

A perda do direito ao benefício da remição dos dias trabalhados em decorrência<br />

da falta grave não atenta contra o princípio da individualização da pena<br />

(AI-ED 601.909/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 6-10-06), bem<br />

como não viola dos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana<br />

(AI 580.543-AgR/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 1º-6-07).<br />

3. Transcrevo, apenas a título exemplificativo, dois julgados desta Corte<br />

que trataram do tema:<br />

Habeas corpus. Execução penal. Falta grave. Perda dos dias remidos.<br />

Ausência de ofensa aos princípios constitucionais da isonomia, da individualização<br />

da pena e da dignidade da pessoa humana.


386<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

O Pleno do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> reafirmou, no julgamento do<br />

RE 452.994, que o cometimento de falta grave resulta na perda dos dias remidos<br />

pelo trabalho, sem que isso implique ofensa aos princípios da isonomia, da individualização<br />

da pena e da dignidade da pessoa humana.<br />

Ordem denegada.<br />

(HC 94.445-1/RS, Rel. Min. Eros Grau.)<br />

Habeas corpus. Processual Penal. Falta grave. Perda dos dias remidos:<br />

aplicação do art. 127 da Lei de Execuções Penais. Precedentes.<br />

1. É entendimento pacífico neste <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> no sentido de que a<br />

prática de falta grave durante o cumprimento de pena implica a perda dos dias<br />

remidos pelo trabalho do sentenciado, sem que isso signifique violação de direito<br />

adquirido. Precedentes.<br />

2. Habeas corpus indeferido.<br />

(HC 93.160/RS, Min. Cármen Lúcia.)<br />

4. Ante o exposto, denego o habeas corpus.<br />

É como voto.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 94.497/RS — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Paciente: Osni Puzinski.<br />

Impetrante: Defensoria Pública da União. Coator: Relator do Recurso Especial<br />

999.125 do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

Decisão: A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas<br />

corpus, nos termos do voto da Relatora. Ausentes, justificadamente, neste julgamento,<br />

os Ministros Joaquim Barbosa e Eros Grau.<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Ellen Gracie, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro<br />

Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto<br />

Nóbrega.<br />

Brasília, 2 de setembro de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


R.T.J. — <strong>207</strong> 387<br />

HABEAS CORPUS 94.938 — RJ<br />

Relatora: A Sra. Ministra Cármen Lúcia<br />

Paciente: A.S.S. — Impetrante: DPE/RJ – Adalgisa Maria Steele<br />

Macabu — Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Habeas corpus. Estatuto da Criança e do Adolescente. Medida<br />

socioeducativa. Art. 121, § 5º, do Estatuto: Não-derrogação<br />

pelo novo Código Civil: Princípio da especialidade. Regime de<br />

semiliberdade. Superveniência da maioridade. Manutenção da<br />

medida: possibilidade. Precedentes. Habeas indeferido.<br />

1. Não se vislumbra qualquer contrariedade entre o novo<br />

Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente relativamente<br />

ao limite de idade para aplicação de seus institutos.<br />

2. O Estatuto da Criança e do Adolescente não menciona a<br />

maioridade civil como causa de extinção da medida socioeducativa<br />

imposta ao infrator: ali se contém apenas a afirmação de que<br />

suas normas podem ser aplicadas excepcionalmente às pessoas<br />

entre dezoito e vinte e um anos de idade (art. 121, § 5º).<br />

3. Aplica-se, na espécie, o princípio da especialidade, segundo<br />

o qual se impõe o Estatuto da Criança e do Adolescente,<br />

que é norma especial, e não o Código Civil ou o Código Penal,<br />

diplomas nos quais se contêm normas de caráter geral.<br />

4. A proteção integral da criança ou adolescente é devida<br />

em função de sua faixa etária, porque o critério adotado pelo<br />

legislador foi o cronológico absoluto, pouco importando se, por<br />

qualquer motivo, adquiriu a capacidade civil, quando as medidas<br />

adotadas visam não apenas à responsabilização do interessado,<br />

mas o seu aperfeiçoamento como membro da sociedade, a<br />

qual também pode legitimamente exigir a recomposição dos seus<br />

componentes, incluídos aí os menores. Precedentes.<br />

5. Habeas corpus indeferido.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro<br />

Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />

por maioria de votos, indeferir o pedido de habeas corpus, vencido o Ministro<br />

Marco Aurélio. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Britto.<br />

Brasília, 12 de agosto de 2008 — Cármen Lúcia, Relatora.


388<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

RELATÓRIO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: 1. Habeas corpus, sem pedido de liminar,<br />

impetrado pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro em favor de Admo Soares<br />

da Silva, contra decisão da Quinta Turma do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, que,<br />

em 21-2-08, denegou a ordem no HC 88.399 (fls. 35-41).<br />

2. Tem-se, na impetração, que “o Ministério Público ofereceu representação<br />

contra o Paciente pelo cometimento de ato infracional análogo ao tipificado<br />

no artigo 157, caput, do Código Penal, sendo ao final julgada procedente<br />

a pretensão punitiva estatal e ao Paciente aplicada medida sócio-educativa de<br />

semiliberdade (...)” (fl. 3 – grifos no original).<br />

3. Visando afastar a medida socioeducativa imposta ao Paciente pelo<br />

Juízo da 2ª Vara da Infância e Juventude da Comarca do Rio de Janeiro, por ter<br />

ele completado dezoito anos de idade, foi impetrado habeas corpus perante o<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça do Rio de Janeiro, que, em 22 de maio de 2007, denegou a<br />

ordem nos termos seguintes:<br />

Habeas corpus. Paciente representado por infração ao art. 157, caput, do<br />

Código Penal. Pretensão à extinção da medida sócio-educativa de semiliberdade<br />

imposta, em razão do advento da maioridade. Impossibilidade. Aplicação do<br />

art. 2º, parágrago único, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ausência de<br />

constrangimento ilegal. Denegação da ordem.<br />

(Fl. 31.)<br />

4. Objetivando a mesma medida, foi impetrada nova ação perante o Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça, sobrevindo a decisão objeto da presente impetração, da<br />

lavra do eminente Ministro Felix Fischer, que decidiu nos termos seguintes:<br />

Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Estatuto da Criança e do<br />

Adolescente. Ato infracional equiparado a roubo. Internação. Progressão para<br />

semiliberdade. Maioridade civil. Liberação compulsória. Impossibilidade.<br />

Não houve qualquer modificação na interpretação do art. 121, § 5º, da Lei nº<br />

8.069/90, frente à nova maioridade civil tratada no art. 5º da Lei nº 10.406/2002.<br />

Assim, deve permanecer a idade de 21 (vinte e um) anos como limite para a<br />

concessão da liberdade compulsória àqueles que estejam cumprindo as medidas<br />

sócio-educativas aplicadas com base no Estatuto da Criança e do Adolescente.<br />

(Precedentes).<br />

Habeas corpus denegado.<br />

(Fl. 41.)<br />

5. A presente ação tem a mesma finalidade das anteriormente impetradas.<br />

A Impetrante narra que o Paciente atingiu a maioridade civil em novembro<br />

de 2006, e que, por esta razão, considera descabida a manutenção da medida<br />

socioeducativa. Afirma ela que “não há previsão legal autorizadora de sua imposição<br />

ou mesmo de sua manutenção em se cuidando de maiores de 18 anos, os<br />

quais, ressabidamente, não se enquadram no conceito de adolescente como quer<br />

o Estatuto da Criança e do Adolescente” (fls. 4-5).


R.T.J. — <strong>207</strong> 389<br />

Assevera que o fundamento da decisão ora questionada “(...) importa em<br />

restrição à liberdade do Paciente, posto que, alcançada a imputabilidade penal,<br />

somente é possível continuar a ser executada se se tratar de medida socioeducativa<br />

de internação, em relação a qual há previsão legal expressa, descabendo<br />

estendê-la a qualquer outra medida (...)” (fl. 6).<br />

Pede seja concedida a ordem para que, “(...) cassado o v. aresto hostilizado,<br />

seja declarada extinta a medida sócio-educativa (...)” imposta ao Paciente (fl.<br />

10 – grifos no original).<br />

6. Em 5 de junho de 2008, determinei a manifestação da Procuradoria-<br />

Geral da República (fl. 45), que, em 23-6-08, opinou pela denegação da ordem<br />

(fls. 47-54).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): 1. Conforme relatado, pretendese<br />

com esta ação seja extinta a medida socioeducativa imposta ao Paciente pelo<br />

Juízo da 2ª Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro, por ter ele completado<br />

dezoito anos de idade.<br />

2. Sustenta a Impetrante que, por força do novo Código Civil – que fixou<br />

a maioridade em dezoito anos – nenhuma medida socioeducativa prevista no<br />

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) poderia ser aplicada após o reeducando<br />

atingir aquela idade.<br />

Segundo esse argumento, o art. 121, § 5º, do Estatuto teria sido revogado<br />

pelo Novo Código Civil, passando a ser considerada a idade de dezoito anos<br />

como limite para liberação compulsória do jovem infrator.<br />

3. Não tem razão de direito a Impetrante, pois não se vislumbra qualquer<br />

contrariedade entre o novo Código Civil e o Estatuto da Criança e do<br />

Adolescente relativamente ao limite de idade para aplicação de seus institutos.<br />

Em momento algum, o Estatuto da Criança e do Adolescente menciona a<br />

maioridade civil como causa de extinção da medida socioeducativa imposta ao<br />

infrator. O que ali se contém é apenas a afirmação de que suas normas podem<br />

ser aplicadas excepcionalmente às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de<br />

idade (art. 121, § 5º).<br />

Além disso, o Estatuto é norma especial que deve prevalecer sobre o<br />

Código Civil e o Código Penal, que são diplomas nos quais se contêm normas<br />

de caráter geral.<br />

4. Há de se realçar, ainda, que a proteção integral da criança e do adolescente<br />

é devida em função de sua faixa etária, porque o critério adotado pelo legislador<br />

foi o cronológico absoluto, pouco importando se, por qualquer motivo,<br />

adquiriu a capacidade civil, quando as medidas adotadas visam não apenas à<br />

responsabilização do interessado, mas o seu aperfeiçoamento como membro da


390<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

sociedade, a qual também pode legitimamente exigir a recomposição dos seus<br />

componentes, incluídos aí os menores.<br />

5. Conforme enfatizou o Subprocurador-Geral, Dr. Mário José Gisi, “(...)<br />

A análise conjunta dos arts. 120, § 2º, e 121, § 5º, do Estatuto da Criança e do<br />

Adolescente não nos parece afrontosa aos demais princípios emanados daquele<br />

diploma. Dá, sim, coerência sistêmica à aplicação da referida lei especial, razão<br />

por que comungamos do entendimento firmado no tribunal a quo, contra qual se<br />

insurge a impetrante” (fl. 50).<br />

Salientou ele, ainda, que “(...) Não se mostra indevida a manutenção de<br />

adolescente contando mais de 18 anos em regime socioeducativo, porquanto o<br />

ato infracional foi praticado em data anterior ao alcance da maioridade civil e<br />

penal. A possibilidade de extensão de medida socioeducativa até os 21 anos de<br />

idade, mais do que acompanhar a legislação civil anterior, denota o escopo de<br />

manter sob o sistema de proteção de que trata o ECA adolescentes que eventualmente<br />

tenham praticado atos análagos a crimes, ainda que às vésperas da<br />

atingirem a imputabilidade penal” (fl. 50).<br />

Nesse sentido, os julgados seguintes:<br />

Ementa: Habeas corpus. Estatuto da Criança e do Adolescente. Medida socioeducativa.<br />

Art. 121, § 5º, do Estatuto: não-derrogação pelo novo Código Civil:<br />

princípio da especialidade. Regime de semiliberdade. Superveniência da maioridade.<br />

Manutenção da medida: possibilidade. Precedentes. Ordem denegada.<br />

1. Não se vislumbra qualquer contrariedade entre o novo Código Civil e o<br />

Estatuto da Criança e do Adolescente relativamente ao limite de idade para aplicação<br />

de seus institutos.<br />

2. O Estatuto da Criança e do Adolescente não menciona a maioridade civil<br />

como causa de extinção da medida socioeducativa imposta ao infrator: ali se<br />

contém apenas a afirmação de que suas normas podem ser aplicadas excepcionalmente<br />

às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade (art. 121, § 5º).<br />

3. Aplica-se, na espécie, o princípio da especialidade, segundo o qual se impõe<br />

o Estatuto da Criança e do Adolescente, que é norma especial, e não o Código<br />

Civil ou o Código Penal, diplomas nos quais se contêm normas de caráter geral.<br />

4. A proteção integral da criança ou adolescente é devida em função de sua<br />

faixa etária, porque o critério adotado pelo legislador foi o cronológico absoluto,<br />

pouco importando se, por qualquer motivo, adquiriu a capacidade civil, quando as<br />

medidas adotadas visam não apenas à responsabilização do interessado, mas o seu<br />

aperfeiçoamento como membro da sociedade, a qual também pode legitimamente<br />

exigir a recomposição dos seus componentes, incluídos aí os menores. Precedentes.<br />

5. Habeas corpus denegado.<br />

(HC 91.491, de minha relatoria, DJ de 19-6-07);<br />

Habeas corpus. Adolescente. Infração aos arts. 12 e 14 da Lei 6.368/76, e 16<br />

da Lei 10.826/03. Internação. Progressão para o regime de semiliberdade. Atingimento<br />

da maioridade. Manutenção da medida. Possibilidade. Ofensa ao art. 121,<br />

§ 5º, do ECA não caracterizada. Alegação de interpretação extensiva ou analógica<br />

in pejus. Inocorrência. I – A aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente<br />

rege-se pela idade do infrator à época dos fatos. II – O atingimento da maioridade


R.T.J. — <strong>207</strong> 391<br />

não impede a permanência do infrator em regime de semiliberdade, visto que se<br />

trata de medida mais branda do que a internação. III – Alegação de interpretação<br />

extensiva e analógica in pejus que não pode ser acolhida. IV – Ordem denegada.<br />

(HC 90.129, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 18-5-07);<br />

Habeas corpus. Estatuto da Criança e do Adolescente. Medida socioeducativa<br />

de semiliberdade. Extinção aos dezoito anos de idade, diversamente da<br />

internação, que vai até os vinte e um anos. Improcedência.<br />

Salvo o disposto quanto ao prazo máximo de internação nos seus arts. 121,<br />

§ 3º, e 122, § 1º, o ECA não estipula limite máximo de duração da medida socioeducativa<br />

de semiliberdade (art. 120, § 2º). Daí por que, independentemente de o<br />

adolescente atingir a maioridade civil, esta, a exemplo do que ocorre com a internação,<br />

tem como limite temporal a data em que vier a completar vinte e um anos<br />

(art. 121, § 5º).<br />

A circunstância de o preceito do § 2º do art. 120 mandar aplicar à medida<br />

socioeducativa de semiliberdade as disposições relativas à internação “no que<br />

couber” não autoriza o entendimento de que, salvo o § 5º do art. 121, todos os demais<br />

parágrafos do art. 121 do ECA a ela se aplicam. O limite de vinte e um anos<br />

também sobre ela incide, ainda que o texto normativo não o diga expressamente.<br />

A projeção da medida socioeducativa de semiliberdade para além dos dezoito<br />

anos decorre da remissão às disposições legais atinentes à internação. Essa é uma<br />

maneira de a lei dizer precisamente o que afirmaria se fosse repetitiva. A remissão<br />

de um texto ao outro evita que aquele reproduza inteiramente o que este afirma.<br />

De mais a mais, o ECA não determinou, em nenhum dos seus preceitos, a<br />

extinção da medida socioeducativa de semiliberdade quando o adolescente completar<br />

dezoito anos de idade.<br />

A aplicação da medida de semiliberdade para além dos dezoito anos não<br />

decorre de interpretação sistemática, mas de texto expresso de lei. Isso resulta<br />

evidente na circunstância de o legislador, no que tange às medidas socioeducativas<br />

(ECA, arts. 112 a 121), ter disciplinado de forma idêntica apenas as restritivas de<br />

liberdade (semiliberdade e internação).<br />

Ordem denegada.<br />

(HC 90.248, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 27-4-07.)<br />

6. Pelo exposto, voto no sentido de denegar a ordem de habeas corpus.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): A toda evidência, de adolescente,<br />

de criança, não se trata mais. O que tenho sustentado é que a regência do<br />

Estatuto da Criança e do Adolescente era harmônica com o Código Civil pretérito,<br />

seguia, quanto à maioridade, o Código anterior.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): E que mudou.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): E, mesmo assim, repetiu-se a<br />

idade mínima para se alcançar a maioridade, 21 anos. Com a promulgação do Código<br />

Civil de 2002, houve uma derrogação necessária, implícita, do preceito do Estatuto<br />

da Criança o do Adolescente. Não concebo como se possa manter um maior<br />

de idade, que não é mais criança nem adolescente, nesse regime socioeducativo.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Mas ele passou exatamente pela<br />

representação ainda como menor de 18 anos.


392<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): É um fenômeno, já ter alcançado<br />

a maioridade. Vai continuar internado? É interessante a matéria.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Na minha compreensão, sim.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): V. Exa. se referiu a um precedente.<br />

Fiquei vencido?<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Eu não citei aqui, mas me lembro<br />

de discussões em que V. Exa. argúi exatamente isso, não sei se foi um caso<br />

meu, mas V. Exa. registra essa sua posição. Até não foi num caso como este.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Penso que a razão da referência<br />

a 21 anos – § 5º do art. 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente – era<br />

única, ou seja, retratar, à época, a maioridade.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Exatamente. São os arts. 120,<br />

§ 2º, e 121, § 5º.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Era a faixa etária exigida para<br />

se ter a maioridade. Se veio à balha a redução a 18 anos, implicitamente – sob<br />

pena de o sistema não ser mais único, de haver a maioridade, para efeitos em<br />

geral, aos 18 anos e de se continuar, no tocante ao adolescente que claudicou,<br />

com a maioridade só alcançada aos 21 –, deu-se a derrogação. Caso contrário, o<br />

sistema fica capenga.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Ocorre, Presidente, que, aqui, o<br />

Estatuto da Criança não fala em maioridade civil, fala “aos 21 anos”.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Mas, Ministra, a razão era<br />

única. Há 2500 anos, já diziam os filósofos materialistas gregos: nada surge sem<br />

uma causa.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Sim, mas temos uma legislação,<br />

uma norma em vigor à qual me submeto.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: V. Exa. me permite um aparte, eminente<br />

Ministra Cármen Lúcia, até adiantando meu ponto de vista?<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Por favor.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de uma medida socioeducativa.<br />

O sistema instituído pelo ECA é de proteção do menor e do adolescente,<br />

não é uma medida de caráter repressiva. E, na verdade, aqui ele continua sob a<br />

proteção do Estado.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Até porque, se fosse o contrário,<br />

o fato teria sido praticado quando ele tinha 17 anos.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): O aparte não seria à Ministra<br />

Cármen Lúcia, seria a mim.<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: A questão realmente é interessante,<br />

porque o Estatuto da Criança e do Adolescente realmente fala em 21 anos.


R.T.J. — <strong>207</strong> 393<br />

A referência evidentemente foi feita com relação à maioridade do Código Civil<br />

anterior. A discussão que se põe, a meu ver, é saber se essa medida socioeducativa<br />

é uma pena ou não. Se for uma pena, é evidente que tem de se fazer a aplicação<br />

dos 18 anos para liberar o menor da medida socioeducativa, mas todos os<br />

especialistas em Estatuto da Criança e do Adolescente entendem que a medida<br />

socioeducativa não é uma pena, por isso é que se chama medida socioeducativa.<br />

É uma medida de proteção do menor, dito infrator.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): De proteção.<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Ora, se é uma medida de proteção do menor<br />

dito infrator, pelo menos na minha compreensão, não se justifica a derrogação<br />

da medida pelo advento do novo Código. É possível aplicar essa medida até<br />

os 21 anos, como originariamente foi proposta. Se eventualmente houver uma<br />

aplicação posterior à edição do Código Civil, aí não me parece possível, por um<br />

motivo muito simples, porque como a maioridade foi reduzida para 18 anos, a<br />

maioridade inviabiliza o conceito de menor, de criança e de adolescente e, por<br />

essa razão, não caberia a aplicação até posterior à maioridade.<br />

Por essas razões, acompanho, pedindo vênia ao eminente Ministro Marco<br />

Aurélio, a eminente Ministra Cármen Lúcia e denego a ordem.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Em nota de rodapé no Theotônio,<br />

há menção a dois precedentes do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, inclusive de<br />

Ministros de peso – o Ministro Felix Fischer e o saudoso Ministro Quaglia.<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Saudoso é o Quaglia. V. Exa. falou dois<br />

de peso. Realmente.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Não. Em termo de judicatura.<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Perdão.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Passado e presente.<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: V. Exa. falou dois de peso.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Nesse caso, nós, aqui na Primeira<br />

Turma, temos vários habeas corpus julgados exatamente nesse mesmo<br />

sentido. Por exemplo, o HC 91.491 e o HC 90.129.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Mas os precedentes são nesse<br />

sentido que a Turma sustenta.<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Interessante.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 94.938/RJ — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Paciente: A.S.S. Impetrante:<br />

DPE/RJ – Adalgisa Maria Steele Macabu. Coator: Superior <strong>Tribunal</strong><br />

de Justiça.<br />

Decisão: Por maioria de votos, a Turma indeferiu o pedido de habeas corpus;<br />

vencido o Ministro Marco Aurélio, Presidente. Ausente, justificadamente,<br />

o Ministro Carlos Britto.


394<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />

Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Ausente, justificadamente,<br />

o Ministro Carlos Britto. Subprocurador-Geral da República, Dr.<br />

Rodrigo Janot.<br />

Brasília, 12 de agosto de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


R.T.J. — <strong>207</strong> 395<br />

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO<br />

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 179.075 — SP<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Embargante: Rio Negro Comercio e Indústria de Aço S.A. — Embargado:<br />

Estado de São Paulo<br />

1. Recurso. Embargos de declaração. Pretensão de alteração<br />

do teor decisório. Inexistência de omissão, obscuridade<br />

ou contradição. Inadmissibilidade. Reexame de fatos e provas.<br />

Súmula 279 do STF. Embargos rejeitados. Não se admitem embargos<br />

de declaração de decisão em que não há omissão, contradição<br />

nem obscuridade.<br />

2. Tributo. ICMS. Produtos semi-elaborados destinados à<br />

exportação. Alíquota. Período compreendido entre a entrada em<br />

vigor do sistema tributário nacional (art. 34, § 5º, do ADCT) e o<br />

advento da Resolução 22/89 do Senado <strong>Federal</strong>. Observância da<br />

Resolução 129/79. Embargos rejeitados. Precedentes. É assente<br />

o entendimento da Corte, no sentido da aplicabilidade da Res.<br />

SF 129/79 quanto ao período que antecedeu a entrada em vigor<br />

da Res. SF 22/89.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro<br />

Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />

por unanimidade de votos, negar provimento aos embargos de declaração<br />

no agravo regimental no recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator.<br />

Não participou, justificadamente, deste julgamento, a Ministra Cármen Lúcia.<br />

Brasília, 23 de setembro de 2008 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de embargos de declaração contra<br />

julgado assim ementado:<br />

Direito Constitucional, Tributário e Processual Civil.<br />

ICMS. Operação de exportação de produto semi-elaborado. Resolução 22,<br />

de 1º-12-89 do Senado <strong>Federal</strong>. alíquota.<br />

1. Como constou da inicial, o contrato de exportação de aço laminado foi<br />

celebrado, no caso, a 19-12-89.<br />

Nessa ocasião já estava em vigor a Resolução 22, de 1º-6-89, do Senado <strong>Federal</strong>,<br />

que fixara a alíquota na operação de exportação do produto semi-elaborado.<br />

Essa nova alíquota, portanto, haveria de ser observada na operação em cau-<br />

sa, tornando-se irrelevante, em tal circunstância, a questão relativa à inexistência


396<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

de alíquota válida, entre o período de entrada em vigor do novo sistema tributário<br />

(1º-3-89) e o advento da Resolução 22, de 1º-6-89.<br />

Enfim tal tema só haveria de ser considerado, se a exportação tivesse ocorrido<br />

no período referido (1º-3-89 a 1º-6-89).<br />

2. Adotados, ainda, os fundamentos da decisão agravada, que se reporta<br />

aos do precedente do plenário, no RE 205.634/RS, nega-se provimento ao agravo.<br />

(Fl. 300.)<br />

Alega a embargante que o contrato de exportação de aço laminado não<br />

teria sido celebrado em 19-12-89 (sob a égide da Res. SF 22/89), como afirmado<br />

pelo acórdão recorrido, e, sim, nos meses de março e abril de 1989, período este<br />

compreendido entre a entrada em vigor do sistema tributário nacional (art. 34,<br />

§ 5º, do ADCT) e a publicação da Resolução 22 do Senado <strong>Federal</strong>, de 1º-6-89,<br />

de modo que não haveria alíquota de ICMS por observar.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Não há como acolher os embargos.<br />

Estimar o momento da celebração do contrato de exportação demandaria<br />

reexame de matéria fático-probatória, o que encontra óbice na estreita via do<br />

recurso extraordinário (Súmula 279).<br />

2. Ainda que assim não fosse, melhor sorte não teria a embargante. É que<br />

esta Corte já assentou que, no período compreendido entre a entrada em vigor do<br />

sistema tributário instituído pela CF/88 (1º-3-89) e o advento da Resolução 22 do Senado<br />

<strong>Federal</strong>, de 1º-6-89, que definiu a alíquota de ICMS incidente sobre a exportação<br />

de produtos semi-elaborados, era válida a observância, pelos estados-membros,<br />

das alíquotas previstas na Resolução 129/79. É o que se vê às seguintes ementas:<br />

Agravo regimental no recurso extraordinário. Sistema Tributário Nacional.<br />

Vigência. Art. 34, § 5º, do ADCT. ICMS. Operação de exportação. Alíquota.<br />

Resolução 129/79 do Senado <strong>Federal</strong>. Ofensa ao art. 155, § 2º, IV, da CB/88.<br />

Alegação insubisitente. 1. O <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> fixou entendimento, à luz<br />

do art. 34, § 5º, do ADCT, no sentido de que, não havendo alíquota fixada pelo<br />

Senado <strong>Federal</strong> – período que antecedeu a edição da Resolução 22/89 –, a adoção,<br />

pelos Estados-membros, nas operações de exportação, da alíquota máxima<br />

anteriormente fixada pelo Senado no exercício da competência prevista no art. 23,<br />

§ 5º, da Constituição de 1969 [Resolução 129/79] não ofende o art. 155, § 2º, IV, da<br />

CB/88. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.<br />

(RE 501.189-AgR, Rel. Min. Eros Grau, DJE de 5-6-08);<br />

Agravo de instrumento – ICMS – Operações de exportação ocorridas entre<br />

1º de março de 1989 e 1º de junho de 1989 – Alíquota fixada por lei estadual com<br />

estrita observância do limite máximo permitido pela Resolução 129/79 do Senado<br />

<strong>Federal</strong> – Legitimidade constitucional do diploma legislativo estadual – Recurso<br />

de agravo improvido.<br />

(AI 314.587-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 2-2-07);


R.T.J. — <strong>207</strong> 397<br />

Agravo regimental no agravo de instrumento. ICMS. Incidente sobre exportação.<br />

Matéria fática. Súmula 279-STF. 1. Não havendo alíquota fixada pelo Senado<br />

<strong>Federal</strong>. Os Estados adotavam a alíquota máxima anteriormente fixada por<br />

aquela Casa Legislativa nas operações de exportação. Resolução 129/69. 2. ICMS<br />

incidente sobre exportação de produto semi-elaborado. O <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong><br />

firmou entendimento no sentido da validade da definição provisória do conceito<br />

de produto semi-elaborado, mediante convênio firmado pelos Estados (artigo<br />

34, § 8º, do ADCT). 3. Controvérsia decidida com fundamento em matéria fáticoprobatória.<br />

Incidência da Súmula n. 279-STF. Agravo regimental não provido.<br />

(AI 534.304-AgR, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 2-12-05);<br />

I – ICMS: alíquota do imposto incidente nas operações de exportação: Lei<br />

6.374/89 do Estado de São Paulo. Na falta de alíquota fixada pelo Senado <strong>Federal</strong><br />

(CF, art. 155, § 2º, IV), era lícito aos Estados adotar, nas operações de exportação,<br />

a alíquota máxima anteriormente fixada pelo Senado <strong>Federal</strong>, no exercício<br />

da competência prevista no art. 23, § 5º, da Carta de 1969 (Resolução 129/79).<br />

II – ICMS: exportação de produto semi-elaborado. Firmou-se o entendimento do<br />

STF, no sentido da validade da definição provisória do conceito de produto semielaborado,<br />

mediante convênio firmado pelos Estados, nos termos do art. 34, § 8º,<br />

ADCT (RE 205.634, Pleno, 7-8-97).<br />

(RE 200.799, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 6-8-99.)<br />

3. Do exposto, rejeito os embargos de declaração.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

RE 179.075-AgR-ED/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Embargante:<br />

Rio Negro Comércio e Indústria de Aço S.A. (Advogado: Mario Luiz Oliveira<br />

da Costa). Embargado: Estado de São Paulo (Advogado: PGE/SP – Marco<br />

Antonio Moraes Sophia).<br />

Decisão: A Turma negou provimento aos embargos de declaração no<br />

agravo regimental no recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator.<br />

Unânime. Não participou, justificadamente, deste julgamento a Ministra<br />

Cármen Lúcia.<br />

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />

Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Compareceram<br />

os Ministros Cezar Peluso e Eros Grau, ocupando as cadeiras da<br />

Ministra Cármen Lúcia e do Ministro Ricardo Lewandowski, respectivamente,<br />

para julgarem processos a eles vinculados. Subprocurador-Geral da República,<br />

Dr. Rodrigo Janot.<br />

Brasília, 23 de setembro de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


398<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

AGRAVO REGIMENTAL NO<br />

AGRAVO DE INSTRUMENTO 244.262 — PR<br />

Relator: O Sr. Ministo Cezar Peluso<br />

Agravante: Norconsil Construções Civis Ltda. — Agravada: União<br />

Recurso. Extraordinário. Inadmissibilidade. Contribuição<br />

Social. Cofins. Venda de imóveis. Incidência. Ofensa indireta à<br />

Constituição. Agravo regimental não provido. É pacífica a jurisprudência<br />

desta Corte no sentido de não tolerar em recurso<br />

extraordinário alegação de ofensa que, irradiando-se de má interpretação,<br />

aplicação, ou, até, de inobservância de normas infraconstitucionais,<br />

seria apenas indireta à Constituição da República.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro<br />

Cezar Peluso, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />

por unanimidade de votos, negar provimento. Ausentes, justificadamente, neste<br />

julgamento, os Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes.<br />

Brasília, 22 de abril de 2008 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de agravo regimental contra decisão<br />

do teor seguinte:<br />

1. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que, na instância de<br />

origem, indeferiu processamento de recurso extraordinário contra acórdão do<br />

<strong>Tribunal</strong> Regional <strong>Federal</strong> da 4ª Região e assim ementado:<br />

“Tributário. Cofins. LC 70/91. Incidência. Empresas.<br />

1. A contribuição social para o financiamento da seguridade social –<br />

Cofins – instituída pela LC 70/91 é devida pelas empresas construtoras ou<br />

incorporadoras de imóveis.<br />

2. Precedentes deste e de outros TRF’s.<br />

3. Apelação improvida.”<br />

2. Inviável o recurso.<br />

Observa-se claramente que o acórdão impugnado se limitou a aplicar a legislação<br />

infraconstitucional pertinente ao caso.<br />

Ora, é pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de se não admitir em<br />

recurso extraordinário alegação de ofensa que, irradiando-se de má interpretação,<br />

aplicação, ou, até, de inobservância de normas infraconstitucionais, seria apenas<br />

indireta à Constituição da República.<br />

3. Ante o exposto, nego seguimento ao agravo (art. 21, § 1º, do RISTF;<br />

art. 38 da Lei 8.038, de 28-5-90; e art. 557 do CPC).<br />

(Fl. 211.)


R.T.J. — <strong>207</strong> 399<br />

Alega a Agravante haver violação direta ao texto constitucional.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Inconsistente o recurso.<br />

A decisão agravada invocou e resumiu os fundamentos do entendimento<br />

invariável da Corte, cujo teor subsiste invulnerável aos argumentos do recurso,<br />

os quais nada acrescentaram à compreensão e ao desate da quaestio iuris.<br />

É que esta Corte assentou jurisprudência no sentido de que a questão da incidência,<br />

ou não, da Cofins sobre venda de imóveis, se resolve apenas na interpretação<br />

da legislação infraconstitucional (AI 515.709, Rel. Min. Gilmar Mendes,<br />

DJ de 31-3-05; AI 521.267, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 25-11-04;<br />

RE 279.705, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 28-4-04; AI 522.623, Rel. Min.<br />

Gilmar Mendes, DJ de 15-3-05; AI 451.522, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de<br />

28-11-05; AI 555.473, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 15-9-05; RE 429.326, Rel.<br />

Min. Carlos Britto, DJ de 9-8-05; RE 432.936, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 9-8-<br />

05; AI 506.515, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 12-4-05).<br />

2. Isso posto, nego provimento ao agravo regimental.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

AI 244.262-AgR/PR — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravante:<br />

Norconsil Construções Civis Ltda. (Advogados: José Machado de Oliveira e outros<br />

e Flávio Zanetti de Oliveira). Agravada: União (Advogado: PFN – Dolizete<br />

Fátima Michelin).<br />

Decisão: Negado provimento. Votação unânime. Ausentes, justificadamente,<br />

neste julgamento, os Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes.<br />

Presidiu este julgamento o Ministro Cezar Peluso.<br />

Presidência do Ministro Cezar Peluso. Presentes à sessão os Ministros<br />

Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso<br />

de Mello e Gilmar Mendes. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner<br />

Gonçalves.<br />

Brasília, 22 de abril de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


400<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO<br />

AGRAVO DE INSTRUMENTO 256.446 — DF<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Embargantes: Deodato Batista Fabrício e outro — Embargada: União<br />

1. Recurso. Embargos de declaração. Efeito modificativo.<br />

Contradição. Existência. Alteração do capítulo decisório. Admissibilidade.<br />

Embargos declaratórios prestam-se a modificar<br />

capítulo decisório, quando a modificação figure conseqüência<br />

inarredável do reconhecimento e sanação do vício que o mareie.<br />

2. Competência. Originária. Ação rescisória ajuizada perante<br />

o STJ. Pedido de rescisão de acórdão seu. Decisão que teria<br />

sido revista, no mérito, pelo STF. Impossibilidade de alteração<br />

do pedido. Extinção do processo, sem julgamento de mérito.<br />

Julgamento emitido no exercício da competência constitucional.<br />

Ofensa ao art. 102, I, j, e ao art. 105, I, e, da CF. Não-ocorrência.<br />

Negativa de seguimento a recurso extraordinário. Embargos<br />

declaratórios acolhidos para esse fim. Se, embora operando erro<br />

de direito, o Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça extinguiu processo de<br />

ação rescisória, sem julgamento de mérito, no exercício de sua<br />

competência constitucional, não se admite, contra tal decisão,<br />

recurso extraordinário.<br />

3. Recurso. Embargos de declaração. Multa aplicada em<br />

agravo regimental. Má-fé descaracterizada. Relevação da pena.<br />

Embargos acolhidos para esse fim. Merece relevada aplicação da<br />

multa, quando se não caracterize má-fé processual.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro<br />

Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />

por unanimidade de votos, dar provimento aos embargos de declaração no<br />

agravo regimental no agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator.<br />

Não participou, justificadamente, deste julgamento, a Ministra Cármen Lúcia.<br />

Brasília, 23 de setembro de 2008 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de embargos de declaração contra<br />

acórdão assim ementado:<br />

Ementas: 1. Recurso. Extraordinário. Inadmissibilidade. Jurisprudência<br />

assentada. Ausência de razões novas. Decisão mantida. Agravo regimental


R.T.J. — <strong>207</strong> 401<br />

improvido. Nega-se provimento a agravo regimental tendente a impugnar, sem<br />

razões novas, decisão fundada em jurisprudência assente na Corte.<br />

2. Recurso. Agravo. Regimental. Jurisprudência assentada sobre a matéria.<br />

Caráter meramente abusivo. Litigância de má-fé. Imposição de multa. Aplicação<br />

do art. 557, § 2º, c/c arts. 14, II e III, e 17, VII, do CPC. Quando abusiva a interposição<br />

de agravo, manifestamente inadmissível ou infundado, deve o <strong>Tribunal</strong><br />

condenar o agravante a pagar multa ao agravado.<br />

(Fl. 209.)<br />

Alegam os Embargantes que, apesar de a fundamentação da decisão impugnada<br />

ter-lhes sido favorável, o acórdão teria incorrido em contradição ao<br />

julgar procedente o recurso extraordinário interposto pela União.<br />

Instada a manifestar-se, a embargada pugnou pela aplicação de nova<br />

multa aos Embargantes e manutenção da decisão impugnada, por ausência de<br />

contradição.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Com razão os Embargantes.<br />

Nos termos da Súmula 249, “é competente o STF para a ação rescisória<br />

quando, embora não tendo conhecido do recurso extraordinário, ou havendo<br />

negado provimento a agravo, tiver apreciado a questão federal controvertida”.<br />

Aplicando tal orientação, o Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça acolheu embargos declaratórios<br />

com efeitos modificativos, para, reformando acórdão que dera pela<br />

procedência de ação rescisória promovida da União, extinguir o feito, sem julgamento<br />

de mérito.<br />

A União pretendeu, em síntese, com a interposição de recurso extraordinário,<br />

a reforma do acórdão recorrido, para que se restabelecesse o acórdão anterior,<br />

embargado, que lhe julgara procedente a ação rescisória (fl. 80).<br />

Posto sob análise o recurso extraordinário, assentei, em decisão confirmada<br />

pela Turma, que, em se tratando de ação rescisória contra acórdão do<br />

Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, somente a este caberia julgá-la, “até para dizer,<br />

em preliminar, se tinha, ou não, competência para conhecer da ação rescisória,<br />

sobretudo quando havia decisão monocrática ulterior de Ministro do STF sobre<br />

a questão de mérito, em sede de agravo (...)” (fl. 191).<br />

Mas, conquanto os fundamentos da decisão devessem conduzir a juízo<br />

de inviabilidade do recurso extraordinário, foi este, no capítulo decisório, provido,<br />

“para restabelecer o acórdão proferido, na ação rescisória, pelo Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça” (fl. 192).<br />

É manifesta a contradição.<br />

Na verdade, nada resta por restabelecer no âmbito do Superior <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça, pois este, ao acolher embargos de declaração para extinguir o processo,


402<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

sem julgamento de mérito, atuou nos limites da sua competência constitucional,<br />

como já assentei monocraticamente. É o que se vê da decisão de fls. 189-192:<br />

Por resumir, a petição inicial, cujo pedido e causa de pedir já não podem alterados<br />

de ofício nem por provocação, tem por objeto expresso o acórdão proferido<br />

pelo Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, no mandado de segurança. Logo, o <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> – manietado pelos limites do objeto do pedido de desconstituição<br />

– não tem competência para julgar ação rescisória de acórdão que não é seu.<br />

Logo, competente para apreciar o pedido – e, como tal, até para dizer, em preliminar,<br />

se tinha, ou não, competência para conhecer da ação rescisória, sobretudo<br />

quando havia decisão monocrática ulterior de Ministro do STF sobre a questão de<br />

mérito, em sede de agravo – era o Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, que deu pela procedência<br />

da rescisória. Se nisso acertou, ou não, é coisa que já não poderia nem<br />

pode remediada por via da decisão proferida nos embargos declaratórios, cujo<br />

acórdão, contra texto constitucional, atribui a esta Corte competência que, diante<br />

dos termos imodificáveis da causa, ela não tem, para desconstituir, em rescisória,<br />

acórdão do próprio Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, como pediu a autora.<br />

Eventual erro de direito no julgamento da rescisória só pode, em tese, corrigir-se<br />

doutro modo.<br />

Ressalto que se não discute, aqui, o acerto ou o desacerto da decisão do<br />

Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, que extinguiu o feito da rescisória, sem julgamento<br />

do mérito, até porque se não conceberia declinasse aquela Corte da competência,<br />

quando se cuidava de ação rescisória que tinha por objeto formal a desconstituição<br />

de acórdão do próprio Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

2. Pelo exposto, acolho os embargos de declaração, para, atribuindo-lhe<br />

efeito modificativo, negar seguimento ao recurso extraordinário e revogar a<br />

multa imposta no agravo regimental.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

AI 256.446-AgR-ED/DF — Relator: Ministro Cezar Peluso. Embargantes:<br />

Deodato Batista Fabrício e outro (Advogados: Éldi Rosin e outro). Embargada:<br />

União (Advogado: Advogado-Geral da União).<br />

Decisão: A Turma deu provimento aos embargos de declaração no agravo<br />

regimental no agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator. Unânime.<br />

Não participou, justificadamente, deste julgamento a Ministra Cármen Lúcia.<br />

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />

Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito.<br />

Compareceram os Ministros Cezar Peluso e Eros Grau, ocupando as cadeiras da<br />

Ministra Cármen Lúcia e do Ministro Ricardo Lewandowski, respectivamente,<br />

para julgarem processos a eles vinculados. Subprocurador-Geral da República,<br />

Dr. Rodrigo Janot.<br />

Brasília, 23 de setembro de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


R.T.J. — <strong>207</strong> 403<br />

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE<br />

DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE<br />

DIVERGÊNCIA NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO<br />

REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 386.847 — MG<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Embargante: Hélio da Costa Carvalho — Embargado: Instituto Nacional<br />

do Seguro Social – INSS<br />

Recurso. Embargos de declaração. Decisão que não conhece<br />

de embargos anteriores. Suspensão ou interrupção do prazo<br />

para interposição de outro recurso. Não-ocorrência. Trânsito em<br />

julgado da decisão embargada. Embargos não conhecidos. Não<br />

se conhece dos embargos de declaração, quando já transitada em<br />

julgado a decisão embargada.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar<br />

Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade, não conhecer dos embargos de declaração, nos termos do voto do<br />

Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello.<br />

Brasília, 14 de maio de 2008 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de embargos de declaração interpostos<br />

contra julgado, assim ementado:<br />

Ementa: Recurso. Embargos de declaração. Multa aplicada em agravo regimental.<br />

Depósito não efetuado. Não-satisfação da condição para interposição de<br />

recurso. Embargos não conhecidos. Aplicação do art. 557, § 2º, do CPC. Não se conhece<br />

do recurso, quando não satisfeita uma das condições para sua interposição.<br />

(Fl. 358.)<br />

O Embargante insiste no acolhimento dos embargos, por entender que<br />

“não pode a lei condicionar o manejo dos embargos declaratórios a prévio depósito<br />

de multa, sob pena de ofensa aos dispositivos supra transcritos” (fl. 368).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Incognoscíveis os embargos.<br />

Conforme assente jurisprudência desta Corte, embargos de declaração não<br />

conhecidos, porque inadmissíveis à falta de condição legal, não suspendem nem


404<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

interrompem o prazo para a interposição de outro recurso (AI 530.539-AgR,<br />

Rel Min. Ellen Gracie, DJ de 4-3-05; AI 418.285-AgR, Rel. Min. Gilmar<br />

Mendes, DJ de 15-4-05; RE 239.421-ED-ED-AgR, Rel. Min. Ilmar Galvão,<br />

DJ de 2-5-03).<br />

De modo que, como os embargos declaratórios, anteriormente opostos do<br />

acórdão proferido em agravo regimental, não foram conhecidos, já ocorreu o<br />

trânsito em julgado da decisão publicada em 26-8-05 (fl. 340).<br />

2. Isto posto, não conheço dos embargos declaratórios e declaro o trânsito<br />

em julgado da decisão exarada no agravo regimental e publicada em 26-8-05, determinando<br />

a imediata baixa dos autos, independentemente da publicação deste<br />

acórdão (cf. Inq 2.333-AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, j. 26-4-07).<br />

EXTRATO DA ATA<br />

AI 386.847-AgR-ED-EDv-AgR-ED-ED/MG — Relator: Ministro<br />

Cezar Peluso. Embargante: Hélio da Costa Carvalho (Advogados.: Hélio José<br />

Figueiredo e outro). Embargado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS<br />

(Advogado: Antônio Gercino Carneiro de Almeida).<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração,<br />

nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento,<br />

o Ministro Celso de Mello. Presidiu o julgamento o Ministro Gilmar<br />

Mendes. Plenário, 14-5-08.<br />

Decisão: Retificada a proclamação da assentada anterior, para constar<br />

que o <strong>Tribunal</strong>, por unanimidade, não conheceu dos embargos, nos termos<br />

do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Gilmar Mendes<br />

(Presidente), Joaquim Barbosa e Cármen Lúcia. Presidência do Ministro Cezar<br />

Peluso (Vice-Presidente).<br />

Presidência do Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Presentes à sessão<br />

os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Carlos Britto,<br />

Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Menezes Direito. Vice-Procurador-Geral da<br />

República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.<br />

Brasília, 5 de junho de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


R.T.J. — <strong>207</strong> 405<br />

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 398.165 — RO<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Recorrentes: Izolina Cruz de Sá e outros — Recorrida: União<br />

Recurso. Extraordinário. Repercussão geral do tema. Reconhecimento<br />

pelo Plenário. Recurso interposto contra acórdão<br />

publicado antes de 3-5-07. Irrelevância. Devolução dos autos ao<br />

<strong>Tribunal</strong> de origem. Aplicação do art. 543-B do CPC. Precedentes<br />

(AI 715.423-QO/RS, Rel. Min. Ellen Gracie, e RE 540.410-<br />

QO/RS, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 20-8-08). Aplica-se o<br />

disposto no art. 543-B do Código de Processo Civil aos recursos<br />

cujos temas constitucionais apresentem repercussão geral reconhecida<br />

pelo Plenário, ainda que interpostos contra acórdãos<br />

publicados antes de 3-5-07.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Celso<br />

de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade de votos, determinar a devolução dos autos ao <strong>Tribunal</strong> de origem,<br />

nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os<br />

Ministros Joaquim Barbosa e Eros Grau.<br />

Brasília, 2 de setembro de 2008 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de recurso extraordinário contra<br />

acórdão publicado antes de 3-5-07 que versa sobre tema cuja repercussão geral<br />

já foi reconhecida pela Corte.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. O recurso extraordinário versa<br />

sobre tema cuja repercussão geral já foi reconhecida (RE 565.089, Rel. Min.<br />

Marco Aurélio).<br />

Ocorre que esta Corte, ao acolher, por maioria, questão de ordem por mim<br />

suscitada no RE 540.410, em consonância com a decisão da questão de ordem<br />

proposta pelo Ministro Gilmar Mendes (AI 715.423-QO/RS, Rel. Min. Ellen<br />

Gracie, DJE de 14-8-08), entendeu ser aplicável o regime previsto no art. 543-B<br />

do CPC, na hipótese de já ter sido reconhecida, sobre a matéria, a existência<br />

de repercussão geral aos recursos extraordinários interpostos de acórdãos


406<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

publicados anteriormente a 3-5-07, e cujos autos já tenham sido distribuídos<br />

nesta Corte. É o que se vê do seguinte excerto (cf. Informativo 516):<br />

Na linha do que decidido no AI 715.423-QO/RS (j. 11-6-08), e, tendo em<br />

conta que o recurso extraordinário trata de tema — requisitos para a concessão de<br />

benefício de prestação continuada a necessitado, em face do disposto no art. 203,<br />

V, da CF — cuja repercussão geral já foi reconhecida (RE 567.985/MT, DJE de<br />

11-4-08), o <strong>Tribunal</strong>, por maioria, acolheu questão de ordem suscitada pelo Min.<br />

Cezar Peluso, em recurso extraordinário, do qual Relator, para, com fundamento<br />

no art. 328, parágrafo único, do RISTF (“Quando se verificar subida ou distribuição<br />

de múltiplos recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a Presidência<br />

do <strong>Tribunal</strong> ou o(a) Relator(a) selecionará um ou mais representativos da questão e<br />

determinará a devolução dos demais aos tribunais ou turmas de juizado especial de<br />

origem, para aplicação dos parágrafos do art. 543-B do Código de Processo Civil”)<br />

determinar a devolução dos autos, e de todos os recursos extraordinários que versem<br />

a mesma matéria, ao <strong>Tribunal</strong> de origem, para os fins do art. 543-B do CPC (...).<br />

(RE 540.410-QO/RS, da minha relatoria, j. em 20-8-08.)<br />

2. Diante do exposto, e com fundamento no art. 328, parágrafo único, do<br />

RISTF, determino a devolução dos autos ao <strong>Tribunal</strong> de origem, para os fins do<br />

art. 543-B do CPC.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

RE 398.165/RO — Relator: Ministro Cezar Peluso. Recorrentes: Izolina<br />

Cruz de Sá e outros (Advogado: José Jovino de Carvalho). Recorrida: União<br />

(Advogado: Advogado-Geral da União).<br />

Decisão: A Turma, por votação unânime, determinou a devolução dos autos<br />

ao <strong>Tribunal</strong> de origem, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente,<br />

neste julgamento, os Ministros Joaquim Barbosa e Eros Grau.<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Ellen Gracie, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro<br />

Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto<br />

Nóbrega.<br />

Brasília, 2 de setembro de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede,<br />

Coordenador.


R.T.J. — <strong>207</strong> 407<br />

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO<br />

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 482.606 — SP<br />

Relator: O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski<br />

Agravante: Brasanitas Empresa Brasileira de Saneamento e Comércio<br />

Ltda. — Agravada: União<br />

Agravo regimental em embargos de declaração em recurso<br />

extraordinário. Constitucional. Tributário. PIS. Art. 239 da Constituição.<br />

Lei 9.715/98. Constitucionalidade. Agravo improvido.<br />

I – O art. 239 da Constituição da República não implicou o<br />

engessamento da contribuição ao PIS, apenas recepcionou-a expressamente,<br />

podendo ser regularmente alterada pela legislação<br />

infraconstitucional ordinária. Precedentes.<br />

II – Agravo regimental improvido.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro<br />

Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />

por decisão unânime, negar provimento ao agravo regimental nos embargos de<br />

declaração no recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator. Ausentes,<br />

justificadamente, os Ministros Carlos Britto e Cármen Lúcia.<br />

Brasília, 2 de setembro de 2008 — Ricardo Lewandowski, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de agravo regimental interposto<br />

contra decisão que, ao rejeitar embargos declaratórios, manteve decisão<br />

que deu parcial provimento ao recurso extraordinário apenas para afastar a aplicação<br />

do art. 3º, § 1º, da Lei 9.718/98.<br />

A Agravante insiste no fundamento de inconstitucionalidade da Lei<br />

9.715/98, ante a constitucionalização da contribuição ao PIS pelo art. 239 da<br />

Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): A decisão agravada não<br />

merece reforma.<br />

Especificamente sobre o tema, destaco a seguir trecho do voto do Ministro<br />

Marco Aurélio no julgamento do RE 390.840/MG, de que foi Relator:


408<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

No mais, a norma do art. 239 em análise não implicou o engessamento do<br />

Programa de Integração Social. O teor do preceito revela, isso sim, a destinação<br />

do que arrecadado sem fazer alusão explícita à base de incidência, que continuou<br />

a ser a prevista na Lei Complementar 7, de 7 de setembro de 1970. Daí a inviabilidade<br />

de se dizer que houve, no caso, o empréstimo de envergadura constitucional<br />

aos parâmetros da citada contribuição.<br />

Também não procede o que asseverado no tocante à necessidade de lei<br />

complementar. É certo que, originariamente, a Lei Complementar 7/70 dispôs<br />

sobre a incidência da contribuição sobre o valor do imposto de renda ou como se<br />

devido fosse. Todavia, a alteração que veio à baila, via Medida Provisória 1.676-<br />

38/98, convertida na Lei 9.715/98, passando a ter-se como base o faturamento,<br />

fez-se ao abrigo do art. 195, inciso I, da Constituição <strong>Federal</strong>, no que consignava,<br />

à época, que a seguridade social seria financiada pelo empregador, considerado o<br />

faturamento. Então, forçoso é concluir que não se tem situação concreta a atrair a<br />

observância necessária do § 4º do art. 195 da Carta Política, segundo o qual a lei<br />

poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou a expansão da<br />

seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, inciso I. Note-se, mais, o que<br />

assentado no voto condutor do julgamento da ADC 1-1/DF, do Ministro Moreira<br />

Alves. Descabe partir para a exigência de lei complementar, fixando os parâmetros<br />

da contribuição, quando estes últimos se mostrem enquadráveis na previsão<br />

do art. 195, inciso I, da Constituição <strong>Federal</strong>, na redação primitiva. O recurso, no<br />

que tange à Lei 9.715/98, não está a merecer provimento, ficando afastada, assim,<br />

a possibilidade de se concluir pela ofensa à Carta da República.<br />

Esse entendimento é mantido por recentes decisões desta Corte. Confirase,<br />

a título exemplificativo, o julgamento do RE 430.523-AgR/RJ, Rel. Min.<br />

Joaquim Barbosa, assim ementado:<br />

Agravo regimental. PIS. Art. 239 da CF/88. Alteração de base de cálculo.<br />

Possibilidade.<br />

Como indicado na decisão agravada, o Pleno do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>,<br />

por ocasião do julgamento do RE 390.840, entendeu que o art. 239 da Constituição<br />

não implicou o engessamento da contribuição ao PIS.<br />

Agravo regimental de que se conhece, mas a que se nega provimento.<br />

No mesmo sentido, menciono as seguintes decisões, entre outras:<br />

RE 456.197-AgR/SP, Rel. Min. Eros Grau; RE 469.079-ED/SP e AI 617.899-<br />

AgR/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes.<br />

Isso posto, nego provimento ao agravo regimental.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

RE 482.606-ED-AgR/SP — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski.<br />

Agravante: Brasanitas Empresa Brasileira de Saneamento e Comércio Ltda.<br />

(Advogados: Ricardo Oliveira Godoi e outros e Estefânia Ferreira de Souza<br />

Viveiros). Agravada: União (Advogada: PFN – Maria Fernanda de Faro Santos).<br />

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental nos embargos<br />

de declaração no recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator.


R.T.J. — <strong>207</strong> 409<br />

Unânime. Ausentes, justificadamente, o Ministro Carlos Britto e a Ministra<br />

Cármen Lúcia.<br />

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão o Ministro<br />

Ricardo Lewandowski e Menezes Direito. Ausentes, justificadamente, os<br />

Ministros Carlos Britto e Cármen Lúcia. Subprocurador-Geral da República,<br />

Dr. Edson Oliveira de Almeida.<br />

Brasília, 2 de setembro de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


410<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO<br />

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 541.338 — MG<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Embargante: União — Embargado: Ministério Público <strong>Federal</strong> — Interessada:<br />

K. Ueno Agricultura e Pecuária Ltda.<br />

Recurso. Extraordinário. Legimidade recursal. Caracterização.<br />

Ministério Público. Impugnação de decisão proferida<br />

em mandado de segurança. Recurso provido. Incidência dos<br />

arts. 499, § 2º, do Código de Processo Civil, e 10 da Lei 1.533/51.<br />

Precedentes. Embargos recebidos como agravo, a que se negou<br />

provimento. O Ministério Público tem legitimidade para recorrer<br />

em processo de mandado de segurança, onde oficie na condição<br />

de fiscal da lei.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Celso<br />

de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, preliminarmente,<br />

por unanimidade de votos, conhecer dos embargos de declaração<br />

como recurso de agravo e, a ele, também por unanimidade, negar provimento,<br />

nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a<br />

Ministra Ellen Gracie.<br />

Brasília, 12 de agosto de 2008 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de embargos de declaração contra<br />

julgado cuja ementa dispõe:<br />

Recurso. Administrativo. Depósito prévio. Requisito de admissibilidade.<br />

Inconstitucionalidade das normas que o exigem. Violação ao art. 5º, LV,<br />

da CF. Recurso extraordinário provido. Precedentes do Plenário. É inconstitucional<br />

toda exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens,<br />

para admissibilidade de recurso administrativo.<br />

(Fl. 187. Grifos no original.)<br />

A Embargante sustenta omissão no julgado, pelo fato de não haver decisão<br />

sobre a ilegitimidade recursal do Ministério Público, argüida em contra-razões<br />

ao recurso extraordinário. Requer o acolhimento dos embargos, para que seja<br />

negado provimento ao recurso, porquanto “(...) a hipótese sob exame trata de<br />

direitos individuais homogêneos, de natureza tributária, consubstanciados na<br />

exigibilidade de depósito recursal em processo administrativo” (fl. 195).<br />

É o relatório.


R.T.J. — <strong>207</strong> 411<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Dado seu manifesto caráter infringente,<br />

recebo os embargos declaratórios como agravo regimental.<br />

Mas tenho-o por inconsistente.<br />

É que se trata de processo de mandado de segurança, em que o Ministério<br />

Público tem o dever de oficiar, nos termos do art. 10 da Lei 1.533/51. Assim, o recurso<br />

extraordinário interposto apóia-se no art. 499, § 2º, do Código de Processo<br />

Civil, que legitima o representante do Ministério Público a recorrer assim no<br />

processo em que seja parte, como naqueles em que oficie como fiscal da lei.<br />

Ademais, é nesse sentido mais que velha e aturada a jurisprudência desta<br />

Corte, como se vê às seguintes ementas exemplares:<br />

Direito Constitucional, Administrativo e Processual Civil. Pena de inabilitação<br />

permanente para o exercício de cargos de administração ou gerência de<br />

instituições financeiras. Inadmissibilidade: art. 5, XLVI, e, XLVII, b, e § 2º, da CF.<br />

Representação da União, pelo Ministério Público: legitimidade para interposição<br />

do recurso extraordinário. Recurso extraordinário. 1. À época da interposição do<br />

recurso extraordinário, o Ministério Público <strong>Federal</strong> ainda representava a União<br />

em Juízo e nos Tribunais. Ademais, em se tratando de mandado de segurança, o<br />

Ministério Público oficia no processo (art. 10 da Lei 1.533, de 31-12-51), e poderia<br />

recorrer, até, como custos legis. Rejeita-se, pois, a preliminar suscitada nas contrarazões,<br />

no sentido de que lhe faltaria legitimidade para a interposição. (...)<br />

(RE 154.134, Rel. Min. Sydney Sanches, Primeira Turma, DJ de 29-10-99.)<br />

Recurso – Ministério Público. O Ministério Público tem legitimidade para<br />

recorrer nos processos em que figure quer como parte, quer como fiscal da lei –<br />

artigo 499 do Código de Processo Civil. (...)<br />

(RE 195.774, Rel. Min. Marco Aurélio, Segunda Turma, DJ de 5-5-00.)<br />

2. Do exposto, recebo os embargos como agravo, mas lhe nego provimento.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

RE 541.338-ED/MG — Relator: Ministro Cezar Peluso. Embargante:<br />

União (Advogada: PFN – Marisa Albuquerque Mendes). Embargado: Ministério<br />

Público <strong>Federal</strong> (Advogada: Aurea Maria Etelvina Nogueira Lustosa Pierre).<br />

Interessada: K. Ueno Agricultura e Pecuária Ltda. (Advogado: Wilson dos Reis).<br />

Decisão: A Turma, preliminarmente, por votação unânime, conheceu dos<br />

embargos de declaração como recurso de agravo, a que, também por unanimidade,<br />

negou provimento, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente,<br />

neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie.<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, a Ministra<br />

Ellen Gracie. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo da Rocha Campos.<br />

Brasília, 12 de agosto de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


412<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

AGRAVO REGIMENTAL NO<br />

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 544.655 — MG<br />

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau<br />

Agravante: Município de Belo Horizonte — Agravado: Horacio Raúl<br />

Pérez Garcia<br />

Agravo regimental no recurso extraordinário. Constitucional.<br />

Administrativo. Estrangeiro. Acesso ao serviço público.<br />

Art. 37, I, da CB/88.<br />

O <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> fixou entendimento no sentido<br />

de que o art. 37, I, da Constituição do Brasil (redação após<br />

a EC 19/98) consubstancia, relativamente ao acesso aos cargos<br />

públicos por estrangeiros, preceito constitucional dotado de eficácia<br />

limitada, dependendo de regulamentação para produzir<br />

efeitos, sendo assim, não auto-aplicável. Precedentes.<br />

Agravo regimental a que se dá provimento.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência da Ministra Ellen<br />

Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade de votos, dar provimento ao agravo regimental, nos termos do<br />

voto do Relator.<br />

Brasília, 9 de setembro de 2008 — Eros Grau, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: A decisão agravada tem o seguinte teor:<br />

Decisão: Discute-se no presente recurso extraordinário a possibilidade de<br />

estrangeiro ser admitido por concurso público no quadro da administração direta<br />

municipal.<br />

2. O Recorrido impetrou mandado de segurança, com pedido de liminar,<br />

pleiteando o direito de inscrever-se no concurso. Obteve a liminar e, no mérito, a<br />

concessão da segurança.<br />

3. O acórdão impugnado confirmou a segurança ao fundamento de que a<br />

omissão legislativa não pode prejudicar os que residem regularmente no País.<br />

Afirmou que “[a] inércia da Administração pública em regulamentar a forma de<br />

acesso permitido aos estrangeiros não pode construir óbice ao ingresso a concurso<br />

para cargo que não encontra nenhum impedimento lógico ou legal aos mesmos”.<br />

4. Extrai-se dos autos que o estrangeiro já exerce cargo público há mais de<br />

quinze anos, reúne todas as condições para se naturalizar e tem família no Brasil,<br />

esposa e filhos brasileiros. O Recorrido teve deferida sua inscrição no concurso,<br />

foi aprovado e já se encontra empossado, no pleno exercício no cargo (fl. 139).


R.T.J. — <strong>207</strong> 413<br />

5. O Recorrente alega que o acórdão impugnado violou o disposto no art. 37,<br />

inciso I, da Constituição do Brasil.<br />

6. Este <strong>Tribunal</strong> fixou entendimento no sentido de que o aludido preceito<br />

constitucional – acesso de estrangeiros aos cargos públicos – é dotado de eficácia<br />

limitada, dependendo de regulamentação para produzir efeitos (RE 227.129, Rel.<br />

Min. Nelson Jobim, DJ de 11-11-99.<br />

7. Não há, no caso, lei municipal que discipline a forma de acesso pretendida.<br />

Por outro lado, este <strong>Tribunal</strong> decidiu que “a inércia estatal na efetivação<br />

da prestação legislativa não deve comprometer ou nulificar a situação subjetiva<br />

de vantagem criada pelo texto constitucional em favor dos seus beneficiários”<br />

(MI 20, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 22-11-96).<br />

8. O acórdão recorrido está em conformidade com os precedentes desta<br />

Corte. A deficiência de regulamentação tão-somente quanto à forma de acesso<br />

dos estrangeiros a cargos públicos não tem a virtude de subtrair direito constitucionalmente<br />

previsto.<br />

Nego seguimento ao recurso com fundamento no disposto no art. 21, § 1º,<br />

do RISTF.<br />

2. O Município de Belo Horizonte alega que a decisão agravada está em<br />

confronto com o entendimento deste <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> no sentido que o<br />

disposto no inciso I, do art. 37 da CB/88, por não ser auto-aplicável, só permite<br />

o ingresso de estrangeiros em cargos públicos após a edição de lei ulterior que<br />

discipline a matéria.<br />

3. Colaciona precedentes do STF no mesmo sentido e requer o provimento<br />

do agravo regimental.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O recurso merece provimento.<br />

2. O <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em casos semelhantes ao dos autos, fixou<br />

entendimento no sentido de que o art. 37, I, da Constituição do Brasil (redação<br />

após a EC 19/98), relativamente ao acesso aos cargos públicos por estrangeiros,<br />

consubstancia preceito constitucional dotado de eficácia limitada, dependendo<br />

de regulamentação para produzir efeitos, sendo assim, não auto-aplicável. Nesse<br />

sentido, o RE 227.129, Rel. Min. Nelson Jobin, DJ de 11-11-99, o RE 293.297, de<br />

minha relatoria, DJ de 29-5-06, e o RE 439.754, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de<br />

12-12-05, do qual transcrevo parte elucidativa:<br />

Ementa: Constitucional. Administrativo. Serviço público. Estrangeiro. CF,<br />

art. 37, I. A norma do inciso I do art. 37, CF, relativamente ao estrangeiro, é<br />

de eficácia limitada, porque dependente de normatização ulterior, assim não<br />

auto-aplicável. Recurso provido.<br />

(...)<br />

Decido.<br />

Destaco do parecer da Procuradoria-Geral da República, fls. 146-149, lavrado<br />

pelo ilustre Subprocurador-Geral, Prof. Geraldo Brindeiro:


414<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

“(...)<br />

6. O recurso merece ser conhecido pela afronta ao art. 37, I, da<br />

Constituição <strong>Federal</strong>, eis que devidamente prequestionado no acórdão recorrido<br />

e, no mérito, deve ser provido.<br />

7. Transcrevo o art. 37, I, da Constituição da República, na redação da<br />

Emenda Constitucional nº 19/1998, in verbis:<br />

‘Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer<br />

dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito <strong>Federal</strong> e dos<br />

Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,<br />

moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:<br />

I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos<br />

brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim<br />

como aos estrangeiros, na forma da lei ;’ (o grifo nosso).<br />

8. Da leitura do dispositivo constitucional em questão, válido concluir<br />

que a acessibilidade do cargo público aos estrangeiros é de eficácia<br />

limitada, dependendo de lei que a discipline para poder operar efeitos.<br />

9. Nesse sentido trago à colação o ensinamento de Alexandre de Moraes:<br />

‘O acesso de estrangeiros aos cargos, empregos e funções<br />

públicas não ocorrerá imediatamente a partir da EC nº 19/98, por<br />

tratar-se de norma constitucional de eficácia limitada à edição de<br />

lei, que estabelecerá a necessária forma.’ (Constituição do Brasil<br />

Interpretada, Editora Atlas, 2004, pág. 834).<br />

10. Outro não é o posicionamento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:<br />

‘Agora, com a Emenda Constitucional nº 19/98, que dá nova<br />

redação ao inciso I do artigo 37, o direito de acesso estende-se também<br />

aos estrangeiros ‘na forma da lei’; entende-se que se trata de lei<br />

de cada entidade da federação, já que a matéria de servidor público<br />

não é reservada à competência privativa da União. O dispositivo não<br />

é auto-aplicável, dependendo de lei que estabeleça as condições de<br />

ingresso do estrangeiro.’ (Direito Administrativo, Editora Atlas, 14ª<br />

edição, 2002, pág. 442).<br />

11. O acórdão recorrido, entretanto, conferiu incorreta exegese ao<br />

dispositivo em questão, ao permitir o empossamento do recorrido, de nacionalidade<br />

venezuelana, em cargo público estadual, sem que haja lei estadual<br />

disciplinando as condições de ingresso de estrangeiros aos cargos públicos.<br />

(...).”<br />

(Fls. 147-149.)<br />

Correto o parecer.<br />

A norma inscrita no inciso I do art. 37 da CF, relativamente aos estrangeiros,<br />

exige, para a sua eficácia plena, normatização ulterior. É dizer, tratase<br />

de dispositivo constitucional que não é auto-aplicável.<br />

Dou provimento ao presente agravo regimental, para dar provimento ao<br />

recurso extraordinário interposto pelo Município de Belo Horizonte.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

RE 544.655/MG — Relator: Ministro Eros Grau. Agravante: Município<br />

de Belo Horizonte (Advogada: Carolina Cardoso Guimarães Lisboa). Agravado:<br />

Horacio Raúl Pérez Garcia (Advogados: Maria Madalena Alves Carvalho e outros).


R.T.J. — <strong>207</strong> 415<br />

Decisão: A Turma, a unanimidade, deu provimento ao agravo regimental,<br />

nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o<br />

Ministro Celso de Mello. Presidiu, este julgamento, a Ministra Ellen Gracie.<br />

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Cezar<br />

Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro<br />

Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.<br />

Brasília, 9 de setembro de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


416<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

AGRAVO REGIMENTAL NO<br />

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 554.303 — RS<br />

Relator: O Sr. Ministro Menezes Direito<br />

Agravante: Pablo Lemos Santana — Agravado: Ministério Público do<br />

Estado do Rio Grande do Sul<br />

Agravo regimental. Execução penal. Remição de dias trabalhados.<br />

Falta grave. Limites. Precedentes.<br />

1. A perda dos dias remidos pelo trabalho de que trata o<br />

art. 127 da Lei de Execuções Penais não afronta os princípios da<br />

proporcionalidade, da isonomia, da individualização da pena ou<br />

do direito adquirido.<br />

2. Não é possível afirmar que a subtração em referência deva<br />

ser limitada à mesma quantidade de dias estabelecida para a duração<br />

máxima da sanção disciplinar de isolamento, suspensão e<br />

restrição de direitos prevista no art. 58 do mesmo diploma legal.<br />

3. Agravo regimental a que se nega provimento.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro<br />

Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />

por maioria de votos, negar provimento ao agravo regimental no recurso<br />

extraordinário.<br />

Brasília, 20 de maio de 2008 — Menezes Direito, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Pablo Lemos Santana interpõe agravo<br />

regimental contra decisão monocrática de fls. 125 a 127, assim exarada:<br />

O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul interpõe recurso<br />

extraordinário, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra<br />

acórdão da Sexta Câmara Criminal do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Rio Grande do Sul,<br />

assim ementado:<br />

“Agravo em execução. Cometimento de falta grave. Remição. Art. 127<br />

da Lei de Execução Penal. Inaplicabilidade por incompatibilidade material<br />

com a Constituição <strong>Federal</strong> de 1988.<br />

A perda da remição afronta a Constituição <strong>Federal</strong> no que tange ao<br />

direito social ao trabalho, o princípio da proporcionalidade e da isonomia,<br />

bem como afeta direito adquirido do apenado.<br />

Não incidência da regra do art. 127 da LEP, vez que não recepcionado<br />

pela CF/88.


R.T.J. — <strong>207</strong> 417<br />

Precedentes deste Colegiado.<br />

Agravo não provido.”<br />

(Fls. 79/80.)<br />

O Recorrente alega que o cometimento de falta disciplinar de natureza<br />

grave pelo interno deve implicar a perda dos dias remidos, sem que com isso se<br />

cogite de ofensa a direito adquirido, à dignidade do trabalhador ou de sua cidadania,<br />

ou, ainda, aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena.<br />

O recurso especial interposto (fls. 56 a 69) não foi conhecido pelo Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça (fl. 115).<br />

Decido.<br />

A irresignação colhe êxito.<br />

Esta Corte já se manifestou, por diversas vezes sobre a constitucionalidade<br />

do art. 127 da Lei de Execuções Penais, afirmando, assim, a possibilidade de o recluso<br />

perder o direito à remição dos dias trabalhados em função do cometimento<br />

de falta grave. Nesse sentido, anote-se:<br />

“Execução penal: o condenado que cometer falta grave perde o direito<br />

ao tempo remido: Lei 7.210/84, art. 127 – constitucionalidade. É manifesto que,<br />

havendo dispositivo legal que prevê a perda dos dias remidos se ocorrer falta<br />

grave, não a ofende a aplicação desse dispositivo preexistente à própria sentença.<br />

Por isso mesmo, não há direito adquirido, porque se trata de expectativa<br />

resolúvel, contra a lei, pela incidência posterior do condenado em falta grave.”<br />

(RE 452.994/RS, <strong>Tribunal</strong> Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 29-9-06.)<br />

“Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Falta grave. Perda de<br />

dias remidos. Arts. 27 da Lei de Execução Penal. Ofensa aos princípios da<br />

proporcionalidade, igualdade e individualização da pena. Inocorrência.<br />

Limitação temporal da sanção. Impossibilidade. Preceito da LEP aplicável<br />

a situação diversa. Ordem denegada. I – É assente a jurisprudência do<br />

<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> no sentido de que é legítima a sanção correspondente<br />

à perda total dos dias remidos pela prática de falta grave, nos termos<br />

do art. 127 da LEP, por ser medida consentânea com os objetivos da execução<br />

penal. II – Inaplicável ao caso o art. 58 do mesmo diploma legal por tratar<br />

de matéria distinta, não guardando pertinência com o objeto do presente<br />

writ. III – Precedentes. IV – Ordem denegada.”<br />

(HC 90.107/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de<br />

27-4-07.)<br />

“Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Matéria criminal.<br />

3. Cometimento de falta grave pelo preso. Perda dos dias remidos. Possibilidade.<br />

4. Violação ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada.<br />

Inocorrência. Precedentes. 5. Violação aos princípios constitucionais<br />

da isonomia, da individualização da pena e da dignidade da pessoa humana.<br />

Inocorrência. Precedente. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.”<br />

(AI 563.636-AgR/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de<br />

25-5-07.)<br />

Ante o exposto conheço do recurso extraordinário e lhe dou provimento<br />

para determinar que os dias trabalhados pelo preso recorrido não sejam computados<br />

para efeito de remição da pena a ele imposta.<br />

Intime-se.<br />

O Agravante sustenta, em síntese, que o cometimento de falta grave<br />

não pode implicar a perda de todos os dias remidos pelo trabalho. Alega que,


418<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

segundo critérios de razoabilidade, o art. 127 da Lei de Execuções Penais, que<br />

determina a referida subtração, deve ser interpretado em harmonia com o art. 58<br />

do mesmo diploma, que estabelece limite máximo de 30 dias para a duração das<br />

sanções disciplinares. Nesses termos, o cometimento de falta grave poderia determinar<br />

a perda de, no máximo, 30 dias remidos.<br />

O Subprocurador-Geral da República, Dr. Mário José Gisi, opinou pelo<br />

desprovimento do agravo regimental.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Pablo Lemos Santana foi condenado a 13<br />

anos e 11 meses de reclusão, pela prática de crimes capitulados nos arts. 157 e<br />

155, § 4º, do Código Penal (fls. 26 a 33).<br />

No curso da execução, o réu conduziu-se de forma desrespeitosa com os<br />

agentes penitenciários, pelo que restou caracterizado, após a instauração do<br />

competente inquérito administrativo disciplinar, o cometimento de falta grave<br />

(fls. 12 a 19). A Juíza da Vara de Execuções homologou a sanção disciplinar aplicada,<br />

deixando, no entanto, de decretar a perda dos dias remidos por entender<br />

que estes configurariam direito adquirido do apenado (fls. 23/24).<br />

O Ministério Público apresentou, então, agravo em execução (fls. 2 a 8)<br />

que não foi provido pelo <strong>Tribunal</strong> de Justiça estadual (fls. 48 a 51).<br />

Sobreveio recurso extraordinário a que se deu provimento pela decisão<br />

monocrática ora impugnada, decretando-se a perda dos dias remidos pelo trabalho<br />

anteriores ao cometimento da falta grave, nos termos do que dispõe o<br />

art. 127 da Lei de Execuções Penais.<br />

O presente agravo regimental não colhe êxito.<br />

A decisão impugnada está em sintonia com a jurisprudência desta Corte,<br />

que reiteradamente tem declarado a constitucionalidade do art. 127 da Lei de<br />

Execuções Penais.<br />

Anote-se:<br />

Execução penal: o condenado que cometer falta grave perde o direito ao<br />

tempo remido: Lei 7.210/84, art. 127 – constitucionalidade. É manifesto que, havendo<br />

dispositivo legal que prevê a perda dos dias remidos se ocorrer falta grave,<br />

não a ofende a aplicação desse dispositivo preexistente à própria sentença. Por isso<br />

mesmo, não há direito adquirido, porque se trata de expectativa resolúvel, contra<br />

a lei, pela incidência posterior do condenado em falta grave.<br />

(RE 452.994/RS, <strong>Tribunal</strong> Pleno, Rel. p/ o ac. Min. Sepúlveda Pertence,<br />

DJ de 29-9-06.)<br />

Agravo regimental em agravo de instrumento. Matéria penal. Falta grave.<br />

Perda dos dias remidos, nos termos do art. 127 da LEP. Inexistência de afronta<br />

ao direito adquirido, à coisa julgada e à garantia da individualização da pena.<br />

Precedentes. A possibilidade da remição da pena constitui expectativa de direito,


R.T.J. — <strong>207</strong> 419<br />

condicionada que está ao preenchimento de outros requisitos legais. O Plenário<br />

do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, ao julgar o RE 452.994, fixou o entendimento de<br />

que a falta grave acarreta a perda dos dias remidos, inexistindo ofensa ao direito<br />

adquirido e à coisa julgada. Ademais, esta Primeira Turma, no julgamento dos<br />

HC 86.173, HC 86.259 e HC 86.043, ao reexaminar a matéria, afirmou não haver<br />

violação à garantia constitucional da individualização da pena. Incide, ademais,<br />

no caso, o óbice das Súmulas 282 e 356 do STF. Agravo regimental desprovido.<br />

(AI 592.222-AgR/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de<br />

11-5-07.)<br />

Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Matéria criminal. 3.<br />

Cometimento de falta grave pelo preso. Perda dos dias remidos. Possibilidade.<br />

4. Violação ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada.<br />

Inocorrência. Precedentes. 5. Violação aos princípios constitucionais da isonomia,<br />

da individualização da pena e da dignidade da pessoa humana. Inocorrência.<br />

Precedente. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.<br />

(AI 563.636-AgR/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de<br />

25-5-07.)<br />

Agravo regimental. Lei de Execução Penal, art. 127. Falta grave. Perda dos<br />

dias remidos. Ofensa aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade.<br />

Inocorrência. É pacífico o entendimento de ambas as Turmas desta<br />

Corte no sentido de que o cometimento de falta grave pelo preso durante o cumprimento<br />

da pena implica a perda dos dias remidos, sem que isso caracterize ofensa<br />

ao princípio da individualização da pena e ao direito adquirido. A remição da pena<br />

constitui mera expectativa de direito, exigindo-se ainda a observância da disciplina<br />

pelos internos. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.<br />

(AI 513.810-AgR/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ<br />

de 26-10-07.)<br />

Especificamente no que diz com a possibilidade de limitação dos dias<br />

remidos cuja perda será decretada, verifico, de outra parte, que o art. 127 da<br />

norma de regência não estabelece nenhum limite, afirmando, ao contrário, que<br />

“o condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo remido,<br />

começando o novo período a partir da data da infração disciplinar”.<br />

Trata-se, com efeito, de omissão que não está sublinhada, nos precedentes<br />

citados, como ofensiva aos princípios constitucionais da proporcionalidade, da<br />

isonomia, da individualização da pena ou do direito adquirido.<br />

Esta Primeira Turma já teve a oportunidade de se manifestar sobre o tema<br />

no julgamento do HC 90.107/RS, que traz a seguinte ementa:<br />

Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Falta grave. Perda de dias remidos.<br />

Arts. 27 da Lei de Execução Penal. Ofensa aos princípios da proporcionalidade,<br />

igualdade e individualização da pena. Inocorrência. Limitação temporal<br />

da sanção. Impossibilidade. Preceito da LEP aplicável a situação diversa. Ordem<br />

denegada. I – É assente a jurisprudência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> no sentido<br />

de que é legítima a sanção correspondente à perda total dos dias remidos pela<br />

prática de falta grave, nos termos do art. 127 da LEP, por ser medida consentânea


420<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

com os objetivos da execução penal. II – Inaplicável ao caso o art. 58 do mesmo<br />

diploma legal por tratar de matéria distinta, não guardando pertinência com o objeto<br />

do presente writ. III – Precedentes. IV – Ordem denegada.<br />

(Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 27-4-07.)<br />

Na mesma direção se posicionou a Turma, em 26-2-08, no julgamento do<br />

HC 92.791/RS, do qual sou Relator para o acórdão.<br />

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Peço vênia ao Relator para prover<br />

o agravo, reportando-me ao voto proferido no RE 452.994-7/RS:<br />

O art. 127 da Lei de Execução Penal preceitua que o condenado que for<br />

punido com falta grave perderá o direito ao tempo remido, começando um novo<br />

período a partir da data da infração disciplinar. Cumpre, então, definir: ocorrida<br />

a fuga, iniludivelmente prevista como falta grave – inciso II do art. 50 da Lei de<br />

Execução Penal –, perde o condenado os dias remidos e assim declarados mediante<br />

pronunciamento do Juízo da Execução?<br />

O trabalho do preso tem como escopo maior a ressocialização, o retorno<br />

ao convívio social. A remição é forma de se alcançar a diminuição do tempo de<br />

execução da pena. Vale dizer que, a um só tempo, o preso tem ocupação, logrando<br />

o aporte de recurso viabilizador da ajuda a familiares e a repercussão dos dias<br />

trabalhados no tempo relativo à pena. Então, assento a primeira premissa: ante o<br />

trabalho prestado, tem-se forma mesclada de retribuição – aquela em pecúnia e o<br />

desconto de dias na pena imposta.<br />

A dinâmica da vida é conducente a concluir-se que, passo a passo, com o<br />

trabalho e na proporção de um dia de pena por três trabalhados, dá-se, em verdadeira<br />

ficção jurídica, o cumprimento da pena. Ora, esse aspecto já seria suficiente<br />

a ensejar o entendimento sobre a inviabilidade do retorno ao statu quo ante,<br />

afastando-se do cenário jurídico algo já ocorrido e em relação ao qual a sociedade<br />

é a maior interessada. Da mesma forma que a ordem natural das coisas impede<br />

a devolução da força despendida pelo preso, inviabilizado fica o cancelamento<br />

da retribuição, ainda que parcial. Mais do que isso, a remição é reconhecida mediante<br />

pronunciamento judicial, ouvido o Ministério Público. Surge, então, dado<br />

da maior importância e que há sempre de implicar segurança jurídica: a norma do<br />

art. 127 da Lei de Execução Penal, a revelar a perda do direito ao tempo remido,<br />

começando novo período a partir da data da infração disciplinar, não se coaduna<br />

com a ordem natural das coisas, resultando em retrocesso que contraria as balizas<br />

inerentes à dignidade do homem. Repita-se que, no dia-a-dia do cumprimento da<br />

pena, vai-se deixando para trás o tempo transcorrido, ao qual se adita, ante ficção<br />

legal, período em decorrência da prestação de serviços, do trabalho. Não se pode<br />

simplesmente elidir as conseqüências legais próprias.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu estou reestudando essa matéria para ver<br />

se aplico a pena de perda dos dias remidos no princípio da proporcionalidade.


R.T.J. — <strong>207</strong> 421<br />

Mas, por enquanto, vou acompanhar o eminente Relator.<br />

Estou reexaminando para ver se analiso o próprio conceito de falta grave e,<br />

depois, se existente a falta grave, se não é de se aplicar a ela o chamado princípio<br />

da proporcionalidade para que os dias remidos não sejam perdidos totalmente.<br />

Estabelecer uma gradação.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): É interessante. Examinamos<br />

um caso em que – fui inclusive o Relator – um presidiário perdeu novecentos dias<br />

remidos porque se recusou a virar de costas para ser revistado. Teria ocorrido<br />

uma insubordinação, enquadrada pela Lei de Execuções Penais como falta grave.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu acompanhei V. Exa. na perplexidade.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

RE 554.303-AgR/RS — Relator: Ministro Menezes Direito. Agravante:<br />

Pablo Lemos Santana (Advogada: Defensoria Pública da União). Agravado:<br />

Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul.<br />

Decisão: Por maioria de votos, a Turma negou provimento ao agravo<br />

regimental no recurso extraordinário; vencido o Ministro Marco Aurélio,<br />

Presidente. Ausente, justificadamente, a Ministra Cármen Lúcia.<br />

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />

Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e Menezes Direito. Ausente, justificadamente,<br />

a Ministra Cármen Lúcia. Subprocurador-Geral da República, Dr. Mário<br />

José Gisi.<br />

Brasília, 20 de maio de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


422<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

AGRAVO REGIMENTAL NO<br />

AGRAVO DE INSTRUMENTO 559.507 — SC<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Agravante: Banco Santander Meridional S.A. — Agravado: Luiz Mário<br />

Bratti<br />

1. Recurso. Extraordinário. Inadmissibilidade. Advogado<br />

que teve carga dos autos. Recurso inominado não conhecido, no<br />

âmbito do Juizado Especial, por intempestividade. Necessidade<br />

de reexame do conjunto fático-probatório. Inteligência da Súmula<br />

279. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Não cabe<br />

recurso extraordinário que tenha por objeto reexame de provas.<br />

2. Recurso. Extraordinário. Inadmissibilidade. Alegação<br />

de ofensa ao art. 5º, XXXVI, LIV e LV, da Constituição da<br />

República. Violação constitucional indireta. Não cabe recurso<br />

extraordinário que teria por objeto alegação de ofensa que,<br />

irradiando-se de má interpretação, aplicação, ou, até, de inobservância<br />

de normas infraconstitucionais, seria apenas indireta<br />

à Constituição da República.<br />

3. Recurso. Agravo. Regimental. Jurisprudência assentada<br />

sobre a matéria. Caráter meramente abusivo. Litigância de máfé.<br />

Imposição de multa. Aplicação do art. 557, § 2º, c/c art. 14, II<br />

e III, e o art. 17, VII, do CPC. Quando abusiva a interposição<br />

de agravo, manifestamente inadmissível ou infundado, deve o<br />

<strong>Tribunal</strong> condenar o agravante a pagar multa ao agravado.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Celso<br />

de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo e, por considerálo<br />

manifestamente infundado, impor, à parte agravante, multa de 5% sobre o<br />

valor corrigido da causa, nos termos do voto do Relator.<br />

Brasília, 4 de março de 2008 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de agravo regimental contra decisão<br />

do teor seguinte:<br />

1. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que indeferiu processamento<br />

de recurso extraordinário interposto contra acórdão da Primeira Turma<br />

Recursal do Estado de Santa Catarina e assim ementado:


R.T.J. — <strong>207</strong> 423<br />

“Ação de cobrança de honorários advocatícios. Pedido acolhido no<br />

juizado a quo. Ciência da decisão ao Procurador com substabelecimento<br />

mediante carga nos autos. Intimação inequívoca. Apelo intempestivo.<br />

Recurso não conhecido.”<br />

(Fl. 278.)<br />

O Agravante, com base no art. 102, III, a, alega violação ao disposto nos<br />

arts. 5º, XXXVII, LIV e LV, e 93, IX, da Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

2. Inviável o recurso.<br />

Os temas constitucionais suscitados no apelo extremo não foram objeto de<br />

consideração no acórdão recorrido, faltando-lhes, assim, o requisito do prequestionamento,<br />

que deve ser explícito (Súmulas 282 e 356).<br />

Ainda que superado esse óbice, o acórdão impugnado decidiu a causa com<br />

base no conjunto fático-probatório e na legislação infraconstitucional (Lei 9.099/95),<br />

de modo que eventual ofensa à Constituição <strong>Federal</strong> seria, aqui, apenas indireta.<br />

E, para dissentir do julgado quanto à tempestividade do recurso inominado,<br />

é rever a Corte as premissas de fato em que, para decidir a causa, se assentou o<br />

<strong>Tribunal</strong> de origem. E, evidente que, para adotar outra conclusão, seria mister<br />

reexame prévio do conjunto fático-probatório e norma subalterna, coisa de todo<br />

inviável (Súmulas 279 e 280).<br />

Quanto à alegação de ofensa ao art. 5º, LIV e LV, da Carta Magna, é de todo<br />

aplicável a jurisprudência desta Corte, no sentido de que “as alegações de desrespeito<br />

aos postulados da legalidade, do devido processo legal, da motivação dos<br />

atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional<br />

podem configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa<br />

ao texto da Constituição, circunstância essa que impede a utilização do recurso<br />

extraordinário” (AI 372.358-AgR – Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 11-6-02).<br />

E por fim, quanto à alegação de ofensa ao art. 93, IX, da Constituição da<br />

República, observo que o acórdão está devidamente fundamentado, e é o que basta,<br />

pois, como se decidiu no RE 140.370, relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence:<br />

“O que a Constituição exige, no art. 93, IX, é que a decisão judicial<br />

seja fundamentada; não, que a fundamentação seja correta, na solução das<br />

questões de fato ou de direito da lide: declinadas no julgado as premissas,<br />

corretamente assentadas ou não, mas coerentes com o dispositivo do acórdão,<br />

está satisfeita a exigência constitucional”.<br />

3. Ante o exposto, nego seguimento ao agravo (arts. 21, § 1º, RISTF, 38 da<br />

Lei 8.038, de 28-5-90, e 557 do CPC).<br />

(Fl. 437-438.)<br />

O Agravante insiste na alegação de violação direta e frontal à Constituição<br />

da República, especificamente aos arts. 5º, XXXV, LIV e LV, e 93, IX. Sustenta,<br />

ainda, estarem prequestionadas as matérias constitucionais apontadas no recurso.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Abusivo o recurso.<br />

A decisão agravada invocou e resumiu os fundamentos do entendimento<br />

invariável da Corte, cujo teor subsiste invulnerável aos argumentos do recurso,<br />

os quais nada acrescentaram à compreensão e ao desate da quaestio iuris.


424<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

Ademais, ainda que superado o óbice do prequestionamento, esta Turma já<br />

julgou causa idêntica, em que eram partes, inclusive, as mesmas de agora, com<br />

ementa no mesmo sentido da decisão ora agravada:<br />

Agravo regimental. Ação de cobrança de honorários advocatícios. Carga<br />

dos autos. Ciência inequívoca do conteúdo da decisão. Início do prazo recursal.<br />

Matéria infraconstitucional. Reexame de fatos e provas. Súmula 279. Alegação<br />

de violação direta e frontal do art. 5º, LV, da Constituição federal. Necessidade de<br />

exame prévio de norma infraconstitucional para a verificação de contrariedade ao<br />

Texto Maior. Caracterização de ofensa reflexa ou indireta. Para se chegar a conclusão<br />

diversa daquela a que chegou o acórdão recorrido, seria necessário reexaminar<br />

os fatos da causa, o que é vedado na esfera do recurso extraordinário, de acordo<br />

com a Súmula 279/STF. Agravo regimental a que se nega provimento.<br />

(AI 528.750-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 28-4-06.)<br />

É oportuno, aliás, advertir que o disposto no art. 544, § 3º e § 4º, e no<br />

art. 557, ambos do Código de Processo Civil, desvela o grau da autoridade que<br />

o ordenamento jurídico atribui, em nome da segurança jurídica, às súmulas e,<br />

posto que não sumulada, à jurisprudência dominante, sobretudo desta Corte, as<br />

quais não podem desrespeitadas nem controvertidas sem graves razões jurídicas<br />

capazes de lhes autorizar revisão ou reconsideração. De modo que o inconformismo<br />

sistemático, manifestado em recursos carentes de fundamentos novos,<br />

não pode deixar de ser visto senão como abuso do poder recursal.<br />

Ao presente agravo, que não traz argumentos consistentes para ditar eventual<br />

releitura da orientação assentada pela Corte, não sobra, pois, senão caráter<br />

só abusivo. Há, aqui, além de violação específica à norma proibitiva inserta no<br />

art. 557, § 2º, do Código de Processo Civil, desatenção séria e danosa ao dever<br />

de lealdade processual (arts. 14, II e III, e 17, VII), até porque recursos como este<br />

roubam à Corte, já notoriamente sobrecarregada, tempo precioso para cuidar de<br />

assuntos graves. A litigância de má-fé não é ofensiva apenas à parte adversa,<br />

mas também à dignidade do <strong>Tribunal</strong> e à alta função pública do processo.<br />

2. Isso posto, nego provimento ao agravo, mantendo a decisão agravada<br />

por seus próprios fundamentos, e condeno a parte agravante a pagar à parte<br />

agravada multa de 5% (cinco por cento) do valor corrigido da causa, ficando<br />

condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito da respectiva<br />

quantia, tudo nos termos do art. 557, § 2º, c/c. arts. 14, II e III, e 17, VII, do<br />

Código de Processo Civil.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

AI 559.507-AgR/SC — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravante: Banco<br />

Santander Meridional S.A. (Advogados: Isabela Braga Pompílio e outros).<br />

Agravado: Luiz Mário Bratti (Advogados: Luiz Mário Bratti e outros).<br />

Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de<br />

agravo e, por considerá-lo manifestamente infundado, impôs, à parte agravante,<br />

multa de 5% sobre o valor corrigido da causa, nos termos do voto do Relator.


R.T.J. — <strong>207</strong> 425<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocurador-<br />

Geral da República, Dr. Francisco Adalberto Nóbrega.<br />

Brasília, 4 de março de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


426<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

AGRAVO REGIMENTAL NO<br />

AGRAVO DE INSTRUMENTO 651.364 — RJ<br />

Relator: O Sr. Ministro Menezes Direito<br />

Agravante: Mineração Rio Pomba Cataguases Ltda. — Agravada:<br />

Rosilene Medeiros do Nascimento França<br />

Agravo regimental no agravo de instrumento. Juizados<br />

Especiais. Turma Recursal. Remissão aos fundamentos da sentença.<br />

Lei 9.099/95. Possibilidade.<br />

1. Não viola a exigência constitucional de motivação a fundamentação<br />

de turma recursal que, em conformidade com a Lei<br />

9.099/95, adota os fundamentos contidos na sentença recorrida.<br />

2. Agravo regimental desprovido.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro<br />

Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />

por unanimidade de votos, negar provimento ao agravo regimental no agravo de<br />

instrumento, nos termos do voto do Relator.<br />

Brasília, 26 de agosto de 2008 — Menezes Direito, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito: Mineração Rio Pomba Cataguases Ltda.<br />

interpõe agravo regimental contra decisão de fls. 165/166, que negou provimento<br />

ao agravo de instrumento, com a seguinte fundamentação:<br />

Vistos.<br />

Mineração Rio Pomba Cataguases Ltda. interpõe agravo de instrumento<br />

contra a decisão que não admitiu recurso extraordinário assentado em contrariedade<br />

aos artigos 5º, inciso LV, e 93, inciso IX, da Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

Insurge-se, no apelo extremo, contra acórdão da Turma Recursal dos<br />

Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio de Janeiro que manteve, por seus<br />

próprios fundamentos, a sentença de 1º grau que entendeu devida indenização por<br />

danos morais em virtude de acidente ambiental configurado no vazamento de material<br />

poluente que causou prejuízo à atividade de pesca exercida pela agravada.<br />

Opostos embargos de declaração (fls. 130 a 135), foram rejeitados (fl. 138).<br />

Decido.<br />

Anote-se, primeiramente, que o acórdão dos embargos declaratórios, conforme<br />

expresso na certidão de fl. 138v, foi publicado em 24-11-06, não sendo exigível,<br />

conforme decidido no AI 664.567-QO, Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda<br />

Pertence, DJ de 6-9-07, a demonstração da existência de repercussão geral das<br />

questões constitucionais trazidas no recurso extraordinário.<br />

A irresignação não merece prosperar.


R.T.J. — <strong>207</strong> 427<br />

Não há falar em negativa de prestação jurisdicional ou violação do art. 5º,<br />

inciso LV, e 93, inciso IX, da Constituição <strong>Federal</strong>. A Agravante teve acesso aos<br />

recursos cabíveis na espécie e a jurisdição foi prestada, no caso, mediante decisão<br />

suficientemente motivada, não obstante contrária à pretensão da recorrente, tendo<br />

o <strong>Tribunal</strong> de origem justificado suas razões de decidir.<br />

Além disso, o acórdão atacado se limitou a aplicar a legislação infraconstitucional<br />

pertinente ao caso. A alegada violação dos dispositivos constitucionais<br />

invocados seria, se ocorresse, indireta ou reflexa, o que não enseja reexame em<br />

recurso extraordinário. Nesse sentido, anote-se:<br />

“Agravo regimental no agravo de instrumento. Ação de cobrança.<br />

Despesas condominiais. Agravo regimental ao qual se nega provimento. 1.<br />

Impossibilidade da análise da legislação infraconstitucional e do reexame<br />

de provas na via do recurso extraordinário. 2. A jurisprudência do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> firmou-se no sentido de que as alegações de afronta aos<br />

princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório,<br />

dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se dependentes de<br />

reexame de normas infraconstitucionais, podem configurar apenas ofensa<br />

reflexa à Constituição da República”.<br />

(AI 594.887-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ de 30-11-07.)<br />

“Agravo de instrumento – Alegação de ofensa ao postulado da motivação<br />

dos atos decisórios – Inocorrência – Ausência de ofensa direta à<br />

Constituição – Recurso improvido. O <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> deixou<br />

assentado que, em regra, as alegações de desrespeito aos postulados da<br />

legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do<br />

contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional podem<br />

configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa ao<br />

texto da Constituição, circunstância essa que impede a utilização do recurso<br />

extraordinário. Precedentes”.<br />

(AI 360.265-AgR/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de<br />

20-9-02.)<br />

Nego provimento ao agravo.<br />

Intime-se.<br />

Insiste a agravante na violação dos arts. 5º, inciso LV, e 93, inciso IX, da<br />

Constituição <strong>Federal</strong>, uma vez que a Turma Recursal “pronunciou-se no sentido<br />

de simplesmente manter a sentença proferida pelo juiz de Primeiro grau por seus<br />

próprios fundamentos, servindo conseqüentemente a súmula do julgamento<br />

como acórdão, a teor do que determina o art. 46 da Lei 9.099/95” (fl. 171). Desse<br />

modo, “em nenhum momento restou apreciada, e conseqüentemente fundamentadas<br />

as matérias elencadas pela agravante em seu recurso inominado, bem como<br />

nos embargos de declaração, não tendo aquele Orgão Julgador apresentado a<br />

prestação jurisdicional de forma mais completa e convincente possível” (fl. 171).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Não merece prosperar o<br />

inconformismo.<br />

Reafirmo que não houve violação dos arts. 5º, inciso LV, e 93, inciso IX,<br />

da Constituição <strong>Federal</strong>, uma vez que a agravante teve acesso aos recursos


428<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

cabíveis na espécie e a jurisdição foi prestada mediante decisão suficientemente<br />

motivada, tendo o <strong>Tribunal</strong> de origem justificado suas razões de decidir, sendo<br />

certo que não viola a exigência constitucional de motivação a fundamentação de<br />

turma recursal que, em conformidade com a Lei 9.099/95, adota os fundamentos<br />

contidos na sentença recorrida. Sobre o tema, anote-se:<br />

Agravo regimental no agravo de instrumento. Matéria infraconstitucional.<br />

Ofensa reflexa. Juizado especial. Remissão aos fundamentos da sentença.<br />

Ausência de fundamentação. Inocorrência. Reexame de provas. Impossibilidade<br />

em recurso extraordinário. 1. Controvérsia decidida à luz de legislações infraconstitucionais.<br />

Ofensa indireta à Constituição do Brasil. 2. O § 5º do art. 82<br />

da Lei 9.099/95 faculta ao Colégio Recursal do Juizado Especial a remissão aos<br />

fundamentos adotados na sentença, sem que isso implique afronta ao art. 93, IX,<br />

da Constituição do Brasil. 3. Reexame de fatos e provas. Inviabilidade do recurso<br />

extraordinário. Súmula 279 do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>. Agravo regimental a<br />

que se nega provimento.<br />

(AI 649.140-AgR/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJ de<br />

17-8-07.)<br />

Decisão – Turma recursal – Fundamentação. A Lei 9.099/95 viabiliza a<br />

adoção pela turma recursal dos fundamentos contidos na sentença proferida, não<br />

cabendo cogitar de transgressão do art. 93, inciso IX, da Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

(AI 453.483-AgR/PB, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de<br />

8-6-07.)<br />

Nego provimento ao agravo regimental.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

AI 651.364-AgR/RJ — Relator: Ministro Menezes Direito. Agravante:<br />

Mineração Rio Pomba Cataguases Ltda. (Advogados: Cláudio Fernandes<br />

Duarte da Silva e outros e Antônio Rufino Neto e outros). Agravada: Rosilene<br />

Medeiros do Nascimento França (Advogados: Alex Daflon dos Santos e outros).<br />

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no agravo de<br />

instrumento, nos termos do voto do Relator. Unânime. Ausentes, justificadamente,<br />

o Ministro Carlos Britto e a Ministra Cármen Lúcia.<br />

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />

Ricardo Lewandowski e Menezes Direito. Ausentes, justificadamente, o<br />

Ministro Carlos Britto e a Ministra Cármen Lúcia. Subprocurador-Geral da<br />

República, Dr. Rodrigo Janot.<br />

Brasília, 26 de agosto 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


R.T.J. — <strong>207</strong> 429<br />

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE<br />

INSTRUMENTO 688.587 — MG<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Embargante: Estado de Minas Gerais — Embargado: Lafarge Brasil S.A.<br />

Recurso. Embargos de declaração. Caráter infringente.<br />

Embargos recebidos como agravo regimental. Interposição contra<br />

decisão que converte agravo de instrumento regular em recurso<br />

extraordinário. Inexistência de preclusão e de prejuízo.<br />

Agravo não conhecido. Aplicação da Súmula 289. Da decisão que<br />

provê agravo de instrumento e o converte em recurso extraordinário,<br />

não cabe agravo regimental, salvo quando se afirme incognoscível<br />

o agravo de instrumento.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro<br />

Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />

preliminarmente, por unanimidade, conhecer dos embargos de declaração<br />

como recurso de agravo, e, também por unanimidade, não conhecer do agravo,<br />

nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o<br />

Ministro Gilmar Mendes.<br />

Brasília, 15 de abril de 2008 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de embargos de declaração opostos<br />

à decisão do teor seguinte:<br />

Presentes os requisitos formais de admissibilidade, dou provimento ao<br />

agravo. Converta-se em recurso extraordinário.<br />

À Secretaria para reautuação e registro.<br />

(Fl. 490.)<br />

O Embargante sustenta a inadmissibilidade do recurso extraordinário,<br />

pois haveria óbice ao conhecimento e provimento deste. Aduz haver omissão<br />

na decisão embargada, pois “(...) o agravante deixou de impugnar alguns dos<br />

fundamentos da decisão de recorribilidade, o que, segundo a juripsrudência<br />

remansosa deste Excelso <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong>, impede que seja dado provimento<br />

ao agravo (...)” (fl. 494).<br />

É o relatório.


430<br />

R.T.J. — <strong>207</strong><br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Dado o manifesto caráter infringente,<br />

processo os embargos declaratórios como agravo regimental.<br />

Mas tenho-o por incognoscível.<br />

A decisão que provê agravo de instrumento regular e o converte em recurso<br />

extraordinário não envolve juízo de admissibilidade deste, de modo que<br />

não gera preclusão a respeito, nem gravame a nenhuma das partes. É o que já<br />

se inferia à Súmula 289: “O provimento do agravo, por uma das Turmas do<br />

<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, ainda que sem ressalva, não prejudica a questão do<br />

cabimento do recurso extraordinário”.<br />

Questão diversa seria eventual argüição de vício capaz de impedir a cognição<br />

do agravo de instrumento, caso em que se legitimaria uso de agravo regimental.<br />

Mas não é disso que trata a espécie, pois o Agravante apenas insiste<br />

na tese da inadmissibilidade e improcedência do recurso extraordinário, não<br />

trazendo qualquer óbice quanto ao conhecimento do recurso que ora se julga;<br />

portanto, não há impedimento à conversão em recurso extraordinário.<br />

A hipótese é de falta absoluta de lesividade.<br />

2. Ante o exposto, recebo os embargos como agravo, mas dele não conheço.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

AI 688.587-ED/MG — Relator: Ministro Cezar Peluso. Embargante: Esta<br />

do de Minas Gerais (Advogada: Advocacia-Geral do Estado/MG – Amélia<br />

Josefina Alves Nogueira da Fonseca). Embargado: Lafarge Brasil S.A. (A dvogada:<br />

Cláudia Horta de Queiroz).<br />

Decisão: A Turma, preliminarmente, por votação unânime, conheceu dos<br />

embargos de declaração como recurso de agravo, de que, no entanto, também<br />

por unanimidade, não conheceu, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente,<br />

neste julgamento, o Ministro Gilmar Mendes.<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o<br />

Ministro Gilmar Mendes. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner<br />

Gonçalves.<br />

Brasília, 15 de abril de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


ÍNDICE ALFABÉTICO


A<br />

Pn Abolitio criminis: inocorrência. (...) Crime contra a ordem tributária.<br />

HC 82.848 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/316<br />

PrPn Abordagem direta de eleitor: ausência. (...) Inquérito. Inq 2.008<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/201<br />

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Cabimento. Ato normativo autônomo.<br />

Portaria de <strong>Tribunal</strong> de Justiça. ADI 2.907 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/220<br />

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Decisão. Efeito ex nunc.<br />

ADI 2.907 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/220<br />

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Processamento imediato.<br />

Identidade de objeto com outra ADI. Ações subseqüentes: apensamento.<br />

Julgamento simultâneo. Jurisprudência do STF. ADI 3.895<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/242<br />

PrPn Ação penal. Trancamento: descabimento. Justa causa. HC 93.291<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/360<br />

PrSTF Ação rescisória. (...) Recurso extraordinário. AI 256.446-AgR-ED<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/400<br />

Adm Acesso por estrangeiro. (...) Cargo público. RE 544.655-AgR<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/412<br />

PrSTF Ações subseqüentes: apensamento. (...) Ação direta de inconstitucionalidade.<br />

ADI 3.895 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/242<br />

PrCv Acórdão. Fundamentação suficiente. Turma recursal. Fundamentos da<br />

sentença: adoção. Lei 9.099/95, art. 82, § 5º. CF/88, arts. 5º, LV; e 93,<br />

IX. AI 651.364-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/426<br />

Adm Acumulação vedada. (...) Cargo público. MS 25.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/276


434<br />

ADC-Ass — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

Trbt ADCT da Constituição <strong>Federal</strong>/88, art. 34, § 5º. (...) Imposto sobre<br />

Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). RE 179.075-AgR-ED<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/395<br />

PrSTF ADI 1.104: perda superveniente do objeto. (...) Reclamação. Rcl<br />

2.121-AgR-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/205<br />

PrCv ADI 3.395: julgamento do mérito. (...) Agravo regimental. Rcl<br />

4.903-AgR-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/260<br />

Adm Administração pública indireta. Empresa estatal. Serviço público<br />

e atividade econômica. Regime jurídico estrutural e regime jurídico<br />

funcional. ADI 1.642 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/194<br />

Adm Administração pública indireta. Entidades. Presidente: escolha. Assembléia<br />

Legislativa: aprovação prévia. Autarquia e fundação pública:<br />

aplicação restrita. Sociedade de economia mista e empresa pública:<br />

regime jurídico de empresa privada. CF/88, arts. 2º e 173, § 1º. Constituição<br />

do Estado de Minas Gerais/89, art. 62, XXIII, d: interpretação<br />

conforme à Constituição. ADI 1.642 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/194<br />

PrCv Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL). (...) Competência<br />

jurisdicional. Rcl 5.171 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/266<br />

PrCv Agravo regimental. Caráter abusivo. Litigância de má-fé. Multa.<br />

CPC/73, art. 557, § 2º, c/c arts. 14, II e III; e 17, VII. AI 559.507-AgR<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/422<br />

PrCv Agravo regimental. Descabimento. Decisão de relator. Provimento<br />

de agravo de instrumento. Recurso extraordinário: processamento.<br />

Preclusão e prejuízo: inexistência. Súmula 289. AI 688.587-ED<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/429<br />

PrCv Agravo regimental. Prejudicialidade. Reclamação: admissibilidade.<br />

ADI 3.395: julgamento do mérito. Rcl 4.903-AgR-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/260<br />

Trbt Alíquota. (...) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços<br />

(ICMS). RE 179.075-AgR-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/395<br />

Ct Alternativa normativa: legitimidade de adoção. (...) Greve. MI 670<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Ct Apelo ao legislador. (...) Controle concentrado de constitucionalidade.<br />

ADI 1.351 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116<br />

Pn Apropriação indébita previdenciária. (...) Crime contra a ordem tributária.<br />

HC 82.848 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/316<br />

PrPn Arquivamento. (...) Inquérito. Inq 2.008 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/201<br />

Adm Assembléia Legislativa: aprovação prévia. (...) Administração pública<br />

indireta. ADI 1.642 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/194


ÍNDICE ALFABÉTICO — Ati-Car 435<br />

Pn Atipicidade da conduta. (...) Crime contra a ordem tributária.<br />

HC 81.321 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/312<br />

Ct Ato impugnado: resolução do CNJ. (...) Impedimento. MS 25.938<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/276<br />

PrSTF Ato normativo autônomo. (...) Ação direta de inconstitucionalidade.<br />

ADI 2.907 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/220<br />

PrSTF Atuação como fiscal da lei. (...) Recurso extraordinário. RE 541.338-<br />

ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/410<br />

Adm Autarquia e fundação pública: aplicação restrita. (...) Administração<br />

pública indireta. ADI 1.642 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/194<br />

Pn Autonomia. (...) Pena. HC 87.375 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/324<br />

Ct Autonomia parcial. (...) Justiça Desportiva. MS 25.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/276<br />

PrSTF Autos: devolução ao tribunal de origem. (...) Recurso extraordinário.<br />

RE 398.165 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/405<br />

B<br />

Trbt Base de cálculo: alteração. (...) Programa de Integração Social (PIS).<br />

RE 482.606-AgR-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/407<br />

Pn Base legal: transmutação. (...) Crime contra a ordem tributária.<br />

HC 82.848 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/316<br />

C<br />

PrSTF Cabimento. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 2.907<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/220<br />

PrCv Cabimento. (...) Mandado de segurança. MS 25.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/276<br />

PrSTF Cabimento. (...) Reclamação. Rcl 4.903-AgR-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/260<br />

PrCv Capítulo decisório: modificação. (...) Embargos de declaração.<br />

AI 256.446-AgR-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/400<br />

PrCv Caráter abusivo. (...) Agravo regimental. AI 559.507-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/422<br />

PrCv Caráter infringente. (...) Embargos de declaração. RE 541.338-ED<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/410<br />

Adm Cargo em comissão. (...) Servidor público. Rcl 4.903-AgR-AgR<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/260<br />

Adm Cargo público. Acesso por estrangeiro. Norma constitucional: eficácia<br />

limitada. Regulamentação: necessidade. CF/88, art. 37, I, redação da<br />

EC 19/98. RE 544.655-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/412


436<br />

Car-CF/ — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

Adm Cargo público. Magistrado. Exercício de função em <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Desportiva. Acumulação vedada. Resolução 10/05-CNJ. CF/88,<br />

art. 95, parágrafo único, I. MS 25.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/276<br />

PrSTF Celebração: momento. (...) Recurso extraordinário. RE 179.075-AgR-<br />

ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/395<br />

PrPn Cerceamento de defesa: ausência. (...) Decisão judicial. HC 93.046<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/345<br />

El CF/88, arts. 1º, IV e parágrafo único; e 17, IV e § 1º. (...) Partido político.<br />

ADI 1.351 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116<br />

Adm CF/88, arts. 2º e 173, § 1º. (...) Administração pública indireta.<br />

ADI 1.642 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/194<br />

Ct CF/88, arts. 5º, X e LX; e 58, § 3º. (...) Comissão Parlamentar de Inquérito<br />

(CPI). MS 27.483-REF-MC <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/298<br />

PrCv CF/88, arts. 5º, LV; e 93, IX. (...) Acórdão. AI 651.364-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/426<br />

Ct CF/88, art. 5º, LXXI. (...) Mandado de injunção. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

PrPn CF/88, art. 5º, LXXVIII. (...) Prisão preventiva. HC 91.161 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/328<br />

Ct CF/88, art. 9º, caput, c/c art. 37, VII. (...) Greve. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Ct CF/88, art. 9º, § 1º. (...) Greve. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Ct CF/88, art. 22, XX. (...) Competência legislativa. ADI 3.895<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/242<br />

Adm CF/88, art. 37, I, redação da EC 19/98. (...) Cargo público. RE 544.655-<br />

AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/412<br />

Ct CF/88, art. 37, VII. (...) Greve. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Ct CF/88, art. 37, VII. (...) Mandado de injunção. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Adm CF/88, art. 95, parágrafo único, I. (...) Cargo público. MS 25.938<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/276<br />

Ct CF/88, art. 96, I, a e b: ofensa. (...) Poder Judiciário. ADI 2.907<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/220<br />

PrSTF CF/88, arts. 102, I, j; e 105, I, e: ofensa inocorrente. (...) Recurso extraordinário.<br />

AI 256.446-AgR-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/400<br />

Adm CF/88, art. 114, I, redação da EC 45/04. (...) Servidor público. Rcl<br />

4.903-AgR-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/260<br />

Ct CF/88, art. 217, § 1º. (...) Justiça Desportiva. MS 25.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/276<br />

Trbt CF/88, art. 239: ofensa inocorrente. (...) Programa de Integração Social<br />

(PIS). RE 482.606-AgR-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/407


ÍNDICE ALFABÉTICO — “Cl-Con 437<br />

El “Cláusula de barreira” ou “de desempenho” ou “de exclusão”. (...) Partido<br />

político. ADI 1.351 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116<br />

El “Cláusula de diferenciação”: possibilidade. (...) Partido político.<br />

ADI 1.351 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116<br />

Pn Código Civil: norma de caráter geral. (...) Medida socioeducativa.<br />

HC 94.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/387<br />

PrPn Código Eleitoral/65, art. 299. (...) Inquérito. Inq 2.008 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/201<br />

Ct Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Poderes de investigação:<br />

limite. Quebra de sigilo de processo judicial: impossibilidade. Requisição<br />

de cópia de ordem judicial e de mandado de interceptação telefônica:<br />

inadmissibilidade. Competência exclusiva do juízo que ordenou o<br />

sigilo. Lei 9.296/96, art. 1º, c/c art. 10. CP/40, art. 325. CF/88, arts. 5º, X<br />

e LX; e 58, § 3º. MS 27.483-REF-MC <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/298<br />

Ct Competência constitucional: fixação. (...) Dissídio de greve. MI 670<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Ct Competência exclusiva do juízo que ordenou o sigilo. (...) Comissão<br />

Parlamentar de Inquérito (CPI). MS 27.483-REF-MC <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/298<br />

PrCv Competência jurisdicional. Justiça <strong>Federal</strong>. Agência Nacional de<br />

Telecomunicações (ANATEL). Contrato temporário. Regime jurídico<br />

administrativo. Decisão na ADI 3.395-MC: descumprimento. Rcl 5.171<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/266<br />

Ct Competência legislativa. União <strong>Federal</strong>. Sistemas de consórcios e<br />

sorteios: loteria e bingo. CF/88, art. 22, XX. Súmula Vinculante 2. Lei<br />

estadual 12.519/07/SP: inconstitucionalidade. ADI 3.895 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/242<br />

PrSTF Competência originária do STJ. (...) Recurso extraordinário.<br />

AI 256.446-AgR-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/400<br />

PrCv Condição legal: ausência. (...) Embargos de declaração.<br />

AI 386.847-AgR-ED-EDv-AgR-ED-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/403<br />

Ct Conhecimento. (...) Mandado de injunção. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Adm Constituição do Estado de Minas Gerais/89, art. 62, XXIII, d: interpretação<br />

conforme à Constituição. (...) Administração pública indireta.<br />

ADI 1.642 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/194<br />

PrPn Constrangimento ilegal: caracterização. (...) Prisão preventiva.<br />

HC 91.161 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/328<br />

PrPn Constrangimento ilegal inocorrente. (...) Habeas corpus. HC 93.190<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/351<br />

PrCv Contradição. (...) Embargos de declaração. AI 256.446-AgR-ED<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/400


438<br />

Con-Cri — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

PrSTF Contrato de exportação. (...) Recurso extraordinário. RE 179.075-AgR-<br />

ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/395<br />

PrCv Contrato temporário. (...) Competência jurisdicional. Rcl 5.171<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/266<br />

PrSTF Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS).<br />

(...) Recurso extraordinário. AI 244.262-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/398<br />

Ct Controle concentrado de constitucionalidade. Técnica. Interpretação<br />

conforme à Constituição. Apelo ao legislador. Efeito aditivo.<br />

Norma aplicável. Regra de transição: eficácia projetada no tempo. Lei<br />

9.096/95, arts. 56 e 57. ADI 1.351 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116<br />

PrCv Conversão em agravo regimental. (...) Embargos de declaração.<br />

RE 541.338-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/410<br />

PrPn Corrupção eleitoral: atipicidade da conduta. (...) Inquérito. Inq 2.008<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/201<br />

Pn CP/40, art. 168-A, redação da Lei 9.983/00, art. 3º. (...) Crime contra a<br />

ordem tributária. HC 82.848 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/316<br />

Ct CP/40, art. 325. (...) Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).<br />

MS 27.483-REF-MC <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/298<br />

PrSTF CPC/73, art. 499, § 2º. (...) Recurso extraordinário. RE 541.338-ED<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/410<br />

PrSTF CPC/73, art. 543-B: aplicação. (...) Recurso extraordinário. RE 398.165<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/405<br />

PrCv CPC/73, art. 557, § 2º, c/c arts. 14, II e III; e 17, VII. (...) Agravo regimental.<br />

AI 559.507-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/422<br />

Pn Crédito tributário não constituído. (...) Crime contra a ordem tributária.<br />

HC 81.321 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/312<br />

Pn Criança ou adolescente. (...) Medida socioeducativa. HC 94.938<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/387<br />

Pn Crime contra a ordem tributária. Apropriação indébita previdenciária.<br />

Abolitio criminis: inocorrência. Base legal: transmutação. CP/40,<br />

art. 168-A, redação da Lei 9.983/00, art. 3º. HC 82.848 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/316<br />

Pn Crime contra a ordem tributária. Atipicidade da conduta. Crédito tributário<br />

não constituído. Inscrição do suposto débito: cancelamento por<br />

decisão judicial. Lei 8.137/90, art. 1º. HC 81.321 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/312<br />

Pn Crime de responsabilidade. (...) Pena. HC 87.375 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/324<br />

PrPn Crime de responsabilidade de prefeito. (...) Habeas corpus. HC 87.375<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/324


ÍNDICE ALFABÉTICO — Cri-Dir 439<br />

Pn Critério adotado: cronológico absoluto. (...) Medida socioeducativa.<br />

HC 94.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/387<br />

D<br />

PrSTF Data de publicação do acórdão: irrelevância. (...) Recurso extraordinário.<br />

RE 398.165 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/405<br />

PrSTF Decisão. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 2.907<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/220<br />

Adm Decisão anterior: superação pela ADI 2.323-MC. (...) Servidor público<br />

estadual. Rcl 3.066-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/239<br />

PrSTF Decisão cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. (...) Reclamação.<br />

Rcl 4.903-AgR-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/260<br />

PrCv Decisão de relator. (...) Agravo regimental. AI 688.587-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/429<br />

PrCv Decisão de relator: concessão de liminar. (...) Mandado de segurança.<br />

MS 27.483-REF-MC <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/298<br />

PrCv Decisão embargada: trânsito em julgado. (...) Embargos de declaração.<br />

AI 386.847-AgR-ED-EDv-AgR-ED-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/403<br />

PrPn Decisão judicial. Fundamentação suficiente. Diligência: indeferimento.<br />

Cerceamento de defesa: ausência. Princípio do livre convencimento<br />

do juiz. HC 93.046 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/345<br />

PrCv Decisão na ADI 3.395-MC: descumprimento. (...) Competência jurisdicional.<br />

Rcl 5.171 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/266<br />

Adm Decisão na ADI 3.395-MC: ofensa. (...) Servidor público.<br />

Rcl 4.903-AgR-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/260<br />

PrPn Denegação. (...) Liberdade provisória. HC 92.941 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/341<br />

PrPn Denúncia. Inépcia inocorrente. Quadrilha ou bando. Narração suficiente<br />

do fato. Direito de defesa: exercício. HC 93.291 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/360<br />

PrCv Descabimento. (...) Agravo regimental. AI 688.587-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/429<br />

PrPn Descabimento. (...) Habeas corpus. HC 87.375 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/324 − HC 93.190<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/351<br />

PrSTF Descabimento. (...) Recurso extraordinário. AI 256.446-AgR-ED<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/400<br />

Int Detração penal. (...) Extradição. Ext 1.115 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/110<br />

PrPn Diligência: indeferimento. (...) Decisão judicial. HC 93.046 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/345<br />

Pn Direito adquirido e coisa julgada: ofensa inocorrente. (...) Remição.<br />

HC 93.802 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/374<br />

PrPn Direito de defesa: exercício. (...) Denúncia. HC 93.291 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/360


440<br />

Dir-Est — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

Ct Direito de greve: limites. (...) Dissídio de greve. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Ct Dissídio de greve. Servidor público civil. Processamento e julgamento.<br />

Direito de greve: limites. Competência constitucional: fixação. Procedimento<br />

mínimo: definição. Pagamento de dias parados e medida<br />

cautelar incidente: juízo competente. Lei 7.701/88, arts. 2º, I, a; e 6º. Lei<br />

7.783/89, art. 7º. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

PrPn Dolo específico: necessidade. (...) Inquérito. Inq 2.008 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/201<br />

Int Dupla tipicidade. (...) Extradição. Ext 1.115 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/110<br />

E<br />

Ct Efeito aditivo. (...) Controle concentrado de constitucionalidade.<br />

ADI 1.351 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116<br />

PrSTF Efeito ex nunc. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 2.907<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/220<br />

PrCv Efeito modificativo. (...) Embargos de declaração. AI 256.446-AgR-<br />

ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/400<br />

PrSTF Efeito vinculante. (...) Reclamação. Rcl 4.903-AgR-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/260<br />

PrPn Elemento concreto. (...) Liberdade provisória. HC 92.941 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/341<br />

PrCv Embargos de declaração. Caráter infringente. Conversão em agravo<br />

regimental. RE 541.338-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/410<br />

PrCv Embargos de declaração. Contradição. Efeito modificativo. Capítulo<br />

decisório: modificação. AI 256.446-AgR-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/400<br />

PrCv Embargos de declaração. Inadmissibilidade. Condição legal: ausência.<br />

Prazo para interposição de outro recurso. Suspensão ou interrupção:<br />

ausência. Decisão embargada: trânsito em julgado. AI 386.847-AgR-<br />

ED-EDv-AgR-ED-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/403<br />

PrCv Embargos de declaração. Multa em agravo regimental: revogação.<br />

Litigância de má-fé: ausência. AI 256.446-AgR-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/400<br />

PrCv Embargos de declaração. Obscuridade, contradição e omissão: ausência.<br />

RE 179.075-AgR-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/395<br />

Adm Empresa estatal. (...) Administração pública indireta. ADI 1.642<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/194<br />

Adm Entendimento da ADI 1.797: aplicação restrita aos membros e servidores<br />

do TRT da 6ª Região. (...) Servidor público estadual. Rcl 3.066-<br />

AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/239<br />

Adm Entidades. (...) Administração pública indireta. ADI 1.642 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/194<br />

Int Estado requerente: compromisso. (...) Extradição. Ext 1.115 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/110


ÍNDICE ALFABÉTICO — Est-Fun 441<br />

Pn Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), art. 121, § 5º. (...) Medida<br />

socioeducativa. HC 94.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/387<br />

PrPn Exame de dependência toxicológica. (...) Prova criminal. RHC 86.190<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/320<br />

PrPn Excesso de prazo. (...) Prisão preventiva. HC 91.161 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/328<br />

Adm Exercício de função em <strong>Tribunal</strong> de Justiça Desportiva. (...) Cargo público.<br />

MS 25.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/276<br />

Trbt Exportação de produto semi-elaborado. (...) Imposto sobre Circulação<br />

de Mercadorias e Serviços (ICMS). RE 179.075-AgR-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/395<br />

PrSTF Extinção do processo sem julgamento de mérito. (...) Recurso extraordinário.<br />

AI 256.446-AgR-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/400<br />

Int Extradição. Detração penal. Estado requerente: compromisso. Lei<br />

6.815/80, redação da Lei 6.964/81, art. 91, II. Ext 1.115 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/110<br />

Int Extradição. Extradição instrutória. Dupla tipicidade. Tráfico de entorpecente.<br />

Prescrição inocorrente. Pena superior a um ano. Promessa<br />

de reciprocidade. Lei 6.815/80, art. 77. Lei 11.343/06, art. 33. Ext 1.115<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/110<br />

Int Extradição. Extradição passiva. Mandado de prisão: autoridade<br />

competente. Tratado Brasil–Portugal. Lei 6.815/80, art. 80. Ext 1.115<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/110<br />

Int Extradição instrutória. (...) Extradição. Ext 1.115 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/110<br />

Int Extradição passiva. (...) Extradição. Ext 1.115 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/110<br />

F<br />

Pn Faixa etária. (...) Medida socioeducativa. HC 94.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/387<br />

Pn Falta grave. (...) Regime prisional. HC 93.782 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/369<br />

Pn Falta grave. (...) Remição. HC 92.791 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/333 − HC 93.802<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/374 − HC 94.497 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/384 − RE 554.303-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/416<br />

PrPn Fuga do réu: legitimidade. (...) Prisão preventiva. HC 93.803<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/378<br />

Ct Função pública não-estatal. (...) Justiça Desportiva. MS 25.938<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/276<br />

El Funcionamento parlamentar: requisitos. (...) Partido político. ADI 1.351<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116<br />

PrPn Fundamentação insuficiente. (...) Prisão preventiva. HC 93.803<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/378


442<br />

Fun-Hab — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

PrPn Fundamentação insuficiente: reconhecimento pelo órgão ad quem. (...)<br />

Prisão preventiva. HC 93.803 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/378<br />

PrCv Fundamentação suficiente. (...) Acórdão. AI 651.364-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/426<br />

PrPn Fundamentação suficiente. (...) Decisão judicial. HC 93.046<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/345<br />

PrPn Fundamentação suficiente. (...) Liberdade provisória. HC 92.941<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/341<br />

PrCv Fundamentos da sentença: adoção. (...) Acórdão. AI 651.364-AgR<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/426<br />

El Fundo partidário: rateio. (...) Partido político. ADI 1.351 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116<br />

G<br />

PrPn Gravidade da falta: análise. (...) Habeas corpus. HC 92.791 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/333<br />

Ct Greve. (...) Mandado de injunção. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Ct Greve. Servidor público civil. Lei regulamentadora: inexistência. Mora<br />

legislativa do Congresso Nacional: reconhecimento. Lei 7.783/89:<br />

aplicação até a edição de lei específica. CF/88, art. 37, VII. MI 670<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Ct Greve. Servidor público civil. Omissão legislativa inconstitucional.<br />

Plenário do STF: declaração de mora por diversas vezes. Risco de consolidação<br />

de omissão judicial. Alternativa normativa: legitimidade de<br />

adoção. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Ct Greve. Servidor público civil. Serviço público: imperativo de continuidade.<br />

Serviço ou atividade essencial: possibilidade de regime de greve<br />

mais severo. Parâmetro de controle judicial: fixação. Lei 7.783/89,<br />

arts. 9º, 10 e 11, parágrafo único. CF/88, art. 9º, caput, c/c art. 37, VII.<br />

CF/88, art. 9º, § 1º. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

H<br />

PrPn Habeas corpus. Descabimento. Liberdade de locomoção: ameaça inocorrente.<br />

Crime de responsabilidade de prefeito. Pena de inabilitação<br />

para o exercício de função pública. HC 87.375 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/324<br />

PrPn Habeas corpus. Descabimento. Mandado de segurança. Litispendência:<br />

ausência. Pedidos diversos. HC 93.190 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/351<br />

PrPn Habeas corpus. Matéria de prova. Questão controvertida. HC 93.291<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/360<br />

PrPn Habeas corpus. Matéria de prova. Remição. Gravidade da falta: análise.<br />

HC 92.791 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/333


ÍNDICE ALFABÉTICO — Hab-Int 443<br />

PrPn Habeas corpus. Matéria de prova. Transferência temporária de preso<br />

para presídio federal. Prazo. Pedido de prorrogação: indeferimento.<br />

Liminar: suspensão dos efeitos da decisão. Constrangimento ilegal<br />

inocorrente. HC 93.190 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/351<br />

Ct Horário de trabalho de servidor do Judiciário: alteração. (...) Poder Judiciário.<br />

ADI 2.907 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/220<br />

I<br />

PrSTF Identidade de objeto com outra ADI. (...) Ação direta de inconstitucionalidade.<br />

ADI 3.895 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/242<br />

Ct Impedimento. Inocorrência. Presidente do STF. Mandado de segurança.<br />

Ato impugnado: resolução do CNJ. MS 25.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/276<br />

Trbt Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Alíquota.<br />

Exportação de produto semi-elaborado. Período anterior à Resolução<br />

22/89-Senado <strong>Federal</strong>. Resolução 129/79-Senado <strong>Federal</strong>: aplicação.<br />

ADCT da Constituição <strong>Federal</strong>/88, art. 34, § 5º. RE 179.075-AgR-<br />

ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/395<br />

Pn Inabilitação para o exercício de função pública. (...) Pena. HC 87.375<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/324<br />

PrCv Inadmissibilidade. (...) Embargos de declaração. AI 386.847-AgR-ED-<br />

EDv-AgR-ED-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/403<br />

PrSTF Incidência sobre venda de imóvel. (...) Recurso extraordinário.<br />

AI 244.262-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/398<br />

PrPn Inépcia inocorrente. (...) Denúncia. HC 93.291 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/360<br />

El Infidelidade partidária: conseqüência. (...) Mandato eletivo. ADI 1.351<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116<br />

PrPn Informações sobre os motivos justificadores do excesso: discrepância.<br />

(...) Prisão preventiva. HC 91.161 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/328<br />

Ct Inocorrência. (...) Impedimento. MS 25.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/276<br />

PrPn Inquérito. Arquivamento. Corrupção eleitoral: atipicidade da conduta.<br />

Dolo específico: necessidade. Abordagem direta de eleitor: ausência.<br />

Código Eleitoral/65, art. 299. Inq 2.008 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/201<br />

Pn Inscrição do suposto débito: cancelamento por decisão judicial. (...)<br />

Crime contra a ordem tributária. HC 81.321 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/312<br />

Ct Interpretação conforme à Constituição. (...) Controle concentrado de<br />

constitucionalidade. ADI 1.351 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116


444<br />

Juí-Lei — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

J<br />

PrPn Juízo da causa: aferição da necessidade. (...) Prova criminal.<br />

RHC 86.190 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/320<br />

PrSTF Julgamento simultâneo. (...) Ação direta de inconstitucionalidade.<br />

ADI 3.895 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/242<br />

PrSTF Jurisprudência do STF. (...) Ação direta de inconstitucionalidade.<br />

ADI 3.895 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/242<br />

Ct Jurisprudência do STF: evolução. (...) Mandado de injunção. MI 670<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

PrPn Justa causa. (...) Ação penal. HC 93.291 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/360<br />

Ct Justiça Desportiva. Autonomia parcial. Função pública não-estatal.<br />

CF/88, art. 217, § 1º. MS 25.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/276<br />

Adm Justiça do Trabalho: incompetência. (...) Servidor público. Rcl<br />

4.903-AgR-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/260<br />

PrCv Justiça <strong>Federal</strong>. (...) Competência jurisdicional. Rcl 5.171 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/266<br />

L<br />

PrSTF Legitimidade ativa. (...) Recurso extraordinário. RE 541.338-ED<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/410<br />

PrSTF Lei 1.533/51, art. 10. (...) Recurso extraordinário. RE 541.338-ED<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/410<br />

Int Lei 6.815/80, art. 77. (...) Extradição. Ext 1.115 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/110<br />

Int Lei 6.815/80, art. 80. (...) Extradição. Ext 1.115 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/110<br />

Int Lei 6.815/80, redação da Lei 6.964/81, art. 91, II. (...) Extradição. Ext<br />

1.115 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/110<br />

Ct Lei 7.701/88, arts. 2º, I, a; e 6º. (...) Dissídio de greve. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Ct Lei 7.783/89: aplicação até a edição de lei específica. (...) Greve. MI 670<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Ct Lei 7.783/89, art. 7º. (...) Dissídio de greve. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Ct Lei 7.783/89, arts. 9º, 10 e 11, parágrafo único. (...) Greve. MI 670<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Pn Lei 8.137/90, art. 1º. (...) Crime contra a ordem tributária. HC 81.321<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/312<br />

El Lei 9.096/95, arts. 13; 41, caput, expressão, I e II; 48; e 57, II, expressão:<br />

inconstitucionalidade. (...) Partido político. ADI 1.351 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116


ÍNDICE ALFABÉTICO — Lei-Lim 445<br />

El Lei 9.096/95, art. 49, caput, expressão: inconstitucionalidade com redução<br />

de texto. (...) Partido político. ADI 1.351 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116<br />

El Lei 9.096/95, arts. 56, caput; e 57, caput: interpretação conforme à<br />

Constituição. (...) Partido político. ADI 1.351 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116<br />

El Lei 9.096/95, art. 56, II: constitucionalidade. (...) Partido político.<br />

ADI 1.351 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116<br />

Ct Lei 9.096/95, arts. 56 e 57. (...) Controle concentrado de constitucionalidade.<br />

ADI 1.351 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116<br />

PrCv Lei 9.099/95, art. 82, § 5º. (...) Acórdão. AI 651.364-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/426<br />

Ct Lei 9.296/96, art. 1º, c/c art. 10. (...) Comissão Parlamentar de Inquérito<br />

(CPI). MS 27.483-REF-MC <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/298<br />

Trbt Lei 9.715/98. (...) Programa de Integração Social (PIS).<br />

RE 482.606-AgR-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/407<br />

Int Lei 11.343/06, art. 33. (...) Extradição. Ext 1.115 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/110<br />

Pn Lei de Execução Penal (LEP), art. 58: inaplicabilidade. (...) Remição.<br />

HC 93.802 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/374<br />

Pn Lei de Execução Penal (LEP), arts. 58 e 127. (...) Remição. HC 94.497<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/384 − RE 554.303-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/416<br />

Pn Lei de Execução Penal (LEP), art. 118, I. (...) Regime prisional.<br />

HC 93.782 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/369<br />

Pn Lei de Execução Penal (LEP), art. 127. (...) Remição. HC 92.791<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/333<br />

Pn Lei de Execução Penal (LEP), art. 127: recepção pela CF/88. (...) Remição.<br />

HC 93.802 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/374<br />

Ct Lei estadual 12.519/07/SP: inconstitucionalidade. (...) Competência<br />

legislativa. ADI 3.895 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/242<br />

Ct Lei regulamentadora: inexistência. (...) Greve. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

PrPn Liberdade de locomoção: ameaça inocorrente. (...) Habeas corpus.<br />

HC 87.375 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/324<br />

El Liberdade partidária: preservação. (...) Partido político. ADI 1.351<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116<br />

PrPn Liberdade provisória. Denegação. Fundamentação suficiente. Elemento<br />

concreto. HC 92.941 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/341<br />

PrPn Liminar: suspensão dos efeitos da decisão. (...) Habeas corpus.<br />

HC 93.190 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/351<br />

PrPn Liminar em habeas corpus: ausência de concessão. (...) Prisão preventiva.<br />

HC 93.803 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/378


446<br />

Lim-Man — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

Pn Limitação temporal da sanção: impossibilidade. (...) Remição.<br />

HC 93.802 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/374 − HC 94.497 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/384 − RE 554.303-AgR<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/416<br />

Adm Limitação temporária: impossibilidade. (...) Servidor público estadual.<br />

Rcl 3.066-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/239<br />

PrCv Litigância de má-fé. (...) Agravo regimental. AI 559.507-AgR<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/422<br />

PrCv Litigância de má-fé: ausência. (...) Embargos de declaração.<br />

AI 256.446-AgR-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/400<br />

PrPn Litispendência: ausência. (...) Habeas corpus. HC 93.190 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/351<br />

M<br />

Adm Magistrado. (...) Cargo público. MS 25.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/276<br />

Pn Maioridade civil superveniente: irrelevância. (...) Medida socioeducativa.<br />

HC 94.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/387<br />

Ct Mandado de injunção. Conhecimento. Greve. Servidor público civil.<br />

Mora legislativa do Congresso Nacional. CF/88, art. 5º, LXXI. MI 670<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Ct Mandado de injunção. Greve. Servidor público civil. Jurisprudência<br />

do STF: evolução. CF/88, art. 37, VII. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Ct Mandado de injunção. Mora legislativa do Congresso Nacional: reconhecimento.<br />

Prazo para legislar: fixação. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Int Mandado de prisão: autoridade competente. (...) Extradição. Ext 1.115<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/110<br />

PrCv Mandado de segurança. Cabimento. Resolução do Conselho Nacional<br />

de Justiça (CNJ). Norma de efeito concreto. Resolução 10/05-<br />

CNJ: auto-executoriedade. Súmula 266: inaplicabilidade. MS 25.938<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/276<br />

PrCv Mandado de segurança. Decisão de relator: concessão de liminar. Referendo<br />

do Plenário: possibilidade. MS 27.483-REF-MC <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/298<br />

PrPn Mandado de segurança. (...) Habeas corpus. HC 93.190 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/351<br />

Ct Mandado de segurança. (...) Impedimento. MS 25.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/276<br />

PrSTF Mandado de segurança. (...) Recurso extraordinário. RE 541.338-ED<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/410<br />

El Mandato eletivo. Sistema proporcional. Infidelidade partidária: conseqüência.<br />

ADI 1.351 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116


ÍNDICE ALFABÉTICO — Mat-Nor 447<br />

Ct Matéria de competência do tribunal. (...) Poder Judiciário. ADI 2.907<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/220<br />

PrPn Matéria de prova. (...) Habeas corpus. HC 92.791 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/333 −<br />

HC 93.190 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/351 − HC 93.291 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/360<br />

PrSTF Matéria de prova. (...) Recurso extraordinário. RE 179.075-AgR-ED<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/395 − AI 559.507-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/422<br />

PrSTF Matéria infraconstitucional. (...) Recurso extraordinário. AI 244.262-<br />

AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/398 − AI 559.507-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/422<br />

PrSTF Medida liminar em ação direta de inconstitucionalidade: indeferimento.<br />

(...) Reclamação. Rcl 2.121-AgR-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/205<br />

Pn Medida socioeducativa. Criança ou adolescente. Proteção integral.<br />

Faixa etária. Critério adotado: cronológico absoluto. Estatuto da Criança<br />

e do Adolescente (ECA), art. 121, § 5º. HC 94.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/387<br />

Pn Medida socioeducativa. Regime de semiliberdade: possibilidade de<br />

manutenção. Maioridade civil superveniente: irrelevância. Princípio da<br />

especialidade. Código Civil: norma de caráter geral. Nulidade: alegação<br />

tardia. Preclusão. HC 94.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/387<br />

PrSTF Ministério Público. (...) Recurso extraordinário. RE 541.338-ED<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/410<br />

Ct Mora legislativa do Congresso Nacional. (...) Mandado de injunção.<br />

MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Ct Mora legislativa do Congresso Nacional: reconhecimento. (...) Greve.<br />

MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Ct Mora legislativa do Congresso Nacional: reconhecimento. (...) Mandado<br />

de injunção. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

PrCv Multa. (...) Agravo regimental. AI 559.507-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/422<br />

PrCv Multa em agravo regimental: revogação. (...) Embargos de declaração.<br />

AI 256.446-AgR-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/400<br />

N<br />

PrPn Narração suficiente do fato. (...) Denúncia. HC 93.291 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/360<br />

Pn Natureza jurídica: sanção administrativa. (...) Regime prisional.<br />

HC 93.782 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/369<br />

Ct Norma aplicável. (...) Controle concentrado de constitucionalidade.<br />

ADI 1.351 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116<br />

Adm Norma constitucional: eficácia limitada. (...) Cargo público.<br />

RE 544.655-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/412


448<br />

Nor-Pen — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

PrCv Norma de efeito concreto. (...) Mandado de segurança. MS 25.938<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/276<br />

Pn Nulidade: alegação tardia. (...) Medida socioeducativa. HC 94.938<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/387<br />

PrPn Nulidade: alegação tardia. (...) Prova criminal. RHC 86.190 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/320<br />

O<br />

PrCv Obscuridade, contradição e omissão: ausência. (...) Embargos de declaração.<br />

RE 179.075-AgR-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/395<br />

Ct Omissão legislativa inconstitucional. (...) Greve. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

PrPn Órgão a quo: oportunidade para adequação. (...) Prisão preventiva.<br />

HC 93.803 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/378<br />

P<br />

Ct Pagamento de dias parados e medida cautelar incidente: juízo competente.<br />

(...) Dissídio de greve. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Ct Parâmetro de controle judicial: fixação. (...) Greve. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

El Partido político. Funcionamento parlamentar: requisitos. Propaganda<br />

eleitoral gratuita: distribuição de tempo. Fundo partidário: rateio.<br />

“Cláusula de barreira” ou “de desempenho” ou “de exclusão”. Pluralismo<br />

político e direito das minorias. Princípio da autonomia partidária.<br />

Princípio da igualdade de chances: ofensa. CF/88, arts. 1º, IV e parágrafo<br />

único; e 17, IV e § 1º. Lei 9.096/95, arts. 13; 41, caput, expressão,<br />

I e II; 48; e 57, II, expressão: inconstitucionalidade. Lei 9.096/95,<br />

art. 49, caput, expressão: inconstitucionalidade com redução de texto.<br />

Lei 9.096/95, arts. 56, caput; e 57, caput: interpretação conforme à<br />

Constituição. Lei 9.096/95, art. 56, II: constitucionalidade. ADI 1.351<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116<br />

El Partido político. Liberdade partidária: preservação. “Cláusula de<br />

diferenciação”: possibilidade. Princípio da igualdade de chances.<br />

ADI 1.351 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116<br />

PrPn Pedido de prorrogação: indeferimento. (...) Habeas corpus. HC 93.190<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/351<br />

PrPn Pedidos diversos. (...) Habeas corpus. HC 93.190 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/351<br />

Pn Pena. Crime de responsabilidade. Inabilitação para o exercício de função<br />

pública. Autonomia. HC 87.375 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/324<br />

PrPn Pena de inabilitação para o exercício de função pública. (...) Habeas<br />

corpus. HC 87.375 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/324<br />

Int Pena superior a um ano. (...) Extradição. Ext 1.115 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/110


ÍNDICE ALFABÉTICO — Per-Pri 449<br />

Trbt Período anterior à Resolução 22/89-Senado <strong>Federal</strong>. (...) Imposto sobre<br />

Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). RE 179.075-AgR-ED<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/395<br />

Ct Plenário do STF: declaração de mora por diversas vezes. (...) Greve.<br />

MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

El Pluralismo político e direito das minorias. (...) Partido político.<br />

ADI 1.351 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116<br />

Ct Poder Judiciário. Horário de trabalho de servidor do Judiciário: alteração.<br />

Matéria de competência do tribunal. CF/88, art. 96, I, a e b: ofensa.<br />

Portaria 954/01-TJAM: inconstitucionalidade. ADI 2.907 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/220<br />

Ct Poderes de investigação: limite. (...) Comissão Parlamentar de Inquérito<br />

(CPI). MS 27.483-REF-MC <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/298<br />

Ct Portaria 954/01-TJAM: inconstitucionalidade. (...) Poder Judiciário.<br />

ADI 2.907 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/220<br />

PrSTF Portaria de <strong>Tribunal</strong> de Justiça. (...) Ação direta de inconstitucionalidade.<br />

ADI 2.907 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/220<br />

PrPn Prazo. (...) Habeas corpus. HC 93.190 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/351<br />

PrSTF Prazo: termo inicial. (...) Recurso extraordinário. AI 559.507-AgR<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/422<br />

PrCv Prazo para interposição de outro recurso. (...) Embargos de declaração.<br />

AI 386.847-AgR-ED-EDv-AgR-ED-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/403<br />

Ct Prazo para legislar: fixação. (...) Mandado de injunção. MI 670<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Pn Preclusão. (...) Medida socioeducativa. HC 94.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/387<br />

PrPn Preclusão. (...) Prova criminal. RHC 86.190 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/320<br />

PrCv Preclusão e prejuízo: inexistência. (...) Agravo regimental. AI 688.587-<br />

ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/429<br />

PrCv Prejudicialidade. (...) Agravo regimental. Rcl 4.903-AgR-AgR<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/260<br />

PrSTF Prejudicialidade. (...) Reclamação. Rcl 2.121-AgR-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/205<br />

Int Prescrição inocorrente. (...) Extradição. Ext 1.115 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/110<br />

Adm Presidente: escolha. (...) Administração pública indireta. ADI 1.642<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/194<br />

Ct Presidente do STF. (...) Impedimento. MS 25.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/276<br />

El Princípio da autonomia partidária. (...) Partido político. ADI 1.351<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116


450<br />

Pri-Pro — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

PrPn Princípio da dignidade da pessoa humana: ofensa. (...) Prisão preventiva.<br />

HC 91.161 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/328<br />

Pn Princípio da dignidade da pessoa humana e da presunção de inocência:<br />

ofensa inocorrente. (...) Regime prisional. HC 93.782 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/369<br />

Pn Princípio da especialidade. (...) Medida socioeducativa. HC 94.938<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/387<br />

El Princípio da igualdade de chances. (...) Partido político. ADI 1.351<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116<br />

El Princípio da igualdade de chances: ofensa. (...) Partido político.<br />

ADI 1.351 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116<br />

Pn Princípio da individualização da pena, da proporcionalidade e da igualdade:<br />

ofensa inocorrente. (...) Remição. HC 93.802 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/374<br />

Pn Princípio da proporcionalidade, da isonomia, da individualização<br />

da pena e do direito adquirido: ofensa inocorrente. (...) Remição.<br />

HC 92.791 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/333 − RE 554.303-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/416<br />

PrPn Princípio do livre convencimento do juiz. (...) Decisão judicial.<br />

HC 93.046 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/345<br />

PrPn Prisão preventiva. Excesso de prazo. Responsabilidade da defesa:<br />

ausência. Constrangimento ilegal: caracterização. Informações sobre<br />

os motivos justificadores do excesso: discrepância. Princípio da dignidade<br />

da pessoa humana: ofensa. CF/88, art. 5º, LXXVIII. HC 91.161<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/328<br />

PrPn Prisão preventiva. Fundamentação insuficiente. Fuga do réu: legitimidade.<br />

HC 93.803 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/378<br />

PrPn Prisão preventiva. Fundamentação insuficiente: reconhecimento pelo<br />

órgão ad quem. Liminar em habeas corpus: ausência de concessão.<br />

Órgão a quo: oportunidade para adequação. Reformatio in pejus.<br />

HC 93.803 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/378<br />

Ct Procedimento mínimo: definição. (...) Dissídio de greve. MI 670<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Ct Processamento e julgamento. (...) Dissídio de greve. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

PrSTF Processamento imediato. (...) Ação direta de inconstitucionalidade.<br />

ADI 3.895 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/242<br />

Trbt Programa de Integração Social (PIS). Base de cálculo: alteração. Lei<br />

9.715/98. CF/88, art. 239: ofensa inocorrente. RE 482.606-AgR-ED<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/407<br />

Int Promessa de reciprocidade. (...) Extradição. Ext 1.115 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/110


ÍNDICE ALFABÉTICO — Pro-Rec 451<br />

El Propaganda eleitoral gratuita: distribuição de tempo. (...) Partido político.<br />

ADI 1.351 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116<br />

Pn Proteção integral. (...) Medida socioeducativa. HC 94.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/387<br />

PrPn Prova criminal. Tráfico de entorpecente. Exame de dependência<br />

toxicológica. Juízo da causa: aferição da necessidade. RHC 86.190<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/320<br />

PrPn Prova criminal. Tráfico de entorpecente. Exame de dependência<br />

toxicológica. Requerimento da defesa: ausência. Trânsito em julgado<br />

da sentença condenatória. Nulidade: alegação tardia. Preclusão.<br />

RHC 86.190 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/320<br />

PrCv Provimento de agravo de instrumento. (...) Agravo regimental.<br />

AI 688.587-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/429<br />

Q<br />

PrPn Quadrilha ou bando. (...) Denúncia. HC 93.291 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/360<br />

Ct Quebra de sigilo de processo judicial: impossibilidade. (...) Comissão<br />

Parlamentar de Inquérito (CPI). MS 27.483-REF-MC <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/298<br />

PrPn Questão controvertida. (...) Habeas corpus. HC 93.291 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/360<br />

R<br />

PrSTF Reclamação. Cabimento. Decisão cautelar em ação direta de inconstitucionalidade.<br />

Efeito vinculante. Rcl 4.903-AgR-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/260<br />

PrSTF Reclamação. Prejudicialidade. Medida liminar em ação direta de inconstitucionalidade:<br />

indeferimento. ADI 1.104: perda superveniente do<br />

objeto. Rcl 2.121-AgR-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/205<br />

PrCv Reclamação: admissibilidade. (...) Agravo regimental. Rcl 4.903-AgR-<br />

AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/260<br />

PrSTF Recurso extraordinário. Descabimento. Ação rescisória. Competência<br />

originária do STJ. Extinção do processo sem julgamento de mérito.<br />

CF/88, arts. 102, I, j; e 105, I, e: ofensa inocorrente. AI 256.446-AgR-<br />

ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/400<br />

PrSTF Recurso extraordinário. Legitimidade ativa. Ministério Público. Mandado<br />

de segurança. Atuação como fiscal da lei. Lei 1.533/51, art. 10.<br />

CPC/73, art. 499, § 2º. RE 541.338-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/410<br />

PrSTF Recurso extraordinário. Matéria de prova. Contrato de exportação.<br />

Celebração: momento. Súmula 279. RE 179.075-AgR-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/395<br />

PrSTF Recurso extraordinário. Matéria infraconstitucional. Contribuição<br />

para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS). Incidência sobre<br />

venda de imóvel. AI 244.262-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/398


452<br />

Rec-Rem — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

PrSTF Recurso extraordinário. Matéria infraconstitucional. Matéria de prova.<br />

Recurso inominado. Prazo: termo inicial. Súmula 279. AI 559.507-<br />

AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/422<br />

PrSTF Recurso extraordinário. Repercussão geral: reconhecimento. Data de<br />

publicação do acórdão: irrelevância. Autos: devolução ao tribunal de<br />

origem. CPC/73, art. 543-B: aplicação. Regimento Interno do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (RISTF), art. 328, parágrafo único. RE 398.165<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/405<br />

PrCv Recurso extraordinário: processamento. (...) Agravo regimental.<br />

AI 688.587-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/429<br />

PrSTF Recurso inominado. (...) Recurso extraordinário. AI 559.507-AgR<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/422<br />

PrCv Referendo do Plenário: possibilidade. (...) Mandado de segurança.<br />

MS 27.483-REF-MC <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/298<br />

PrPn Reformatio in pejus. (...) Prisão preventiva. HC 93.803 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/378<br />

Pn Regime de semiliberdade: possibilidade de manutenção. (...) Medida<br />

socioeducativa. HC 94.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/387<br />

PrCv Regime jurídico administrativo. (...) Competência jurisdicional. Rcl<br />

5.171 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/266<br />

Adm Regime jurídico estrutural e regime jurídico funcional. (...) Administração<br />

pública indireta. ADI 1.642 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/194<br />

Pn Regime prisional. Regressão. Natureza jurídica: sanção administrativa.<br />

Falta grave. Sentença condenatória. Trânsito em julgado: desnecessidade.<br />

Princípio da dignidade da pessoa humana e da presunção de<br />

inocência: ofensa inocorrente. Lei de Execução Penal (LEP), art. 118, I.<br />

HC 93.782 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/369<br />

PrSTF Regimento Interno do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (RISTF), art. 328,<br />

parágrafo único. (...) Recurso extraordinário. RE 398.165 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/405<br />

Ct Regra de transição: eficácia projetada no tempo. (...) Controle concentrado<br />

de constitucionalidade. ADI 1.351 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116<br />

Pn Regressão. (...) Regime prisional. HC 93.782 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/369<br />

Adm Regulamentação: necessidade. (...) Cargo público. RE 544.655-AgR<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/412<br />

Pn Remição. Falta grave. Limitação temporal da sanção: impossibilidade.<br />

Princípio da individualização da pena, da proporcionalidade e da<br />

igualdade: ofensa inocorrente. Lei de Execução Penal (LEP), art. 58:<br />

inaplicabilidade. HC 93.802 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/374


ÍNDICE ALFABÉTICO — Rem-Sen 453<br />

Pn Remição. Falta grave. Tempo remido: perda. Direito adquirido e coisa<br />

julgada: ofensa inocorrente. Lei de Execução Penal (LEP), art. 127:<br />

recepção pela CF/88. HC 93.802 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/374<br />

Pn Remição. Falta grave. Tempo remido: perda. Limitação temporal da<br />

sanção: impossibilidade. Lei de Execução Penal (LEP), arts. 58 e 127.<br />

Súmula Vinculante 9. HC 94.497 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/384<br />

Pn Remição. Falta grave. Tempo remido: perda. Limitação temporal da<br />

sanção: impossibilidade. Princípio da proporcionalidade, da isonomia,<br />

da individualização da pena e do direito adquirido: ofensa inocorrente.<br />

Lei de Execução Penal (LEP), arts. 58 e 127. RE 554.303-AgR<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/416<br />

Pn Remição. Falta grave. Tempo remido: perda. Princípio da proporcionalidade,<br />

da isonomia, da individualização da pena e do direito<br />

adquirido: ofensa inocorrente. Lei de Execução Penal (LEP), art. 127.<br />

HC 92.791 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/333<br />

PrPn Remição. (...) Habeas corpus. HC 92.791 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/333<br />

PrSTF Repercussão geral: reconhecimento. (...) Recurso extraordinário.<br />

RE 398.165 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/405<br />

PrPn Requerimento da defesa: ausência. (...) Prova criminal. RHC 86.190<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/320<br />

Ct Requisição de cópia de ordem judicial e de mandado de interceptação<br />

telefônica: inadmissibilidade. (...) Comissão Parlamentar de Inquérito<br />

(CPI). MS 27.483-REF-MC <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/298<br />

Adm Resolução 10/05-CNJ. (...) Cargo público. MS 25.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/276<br />

PrCv Resolução 10/05-CNJ: auto-executoriedade. (...) Mandado de segurança.<br />

MS 25.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/276<br />

Trbt Resolução 129/79-Senado <strong>Federal</strong>: aplicação. (...) Imposto sobre Circulação<br />

de Mercadorias e Serviços (ICMS). RE 179.075-AgR-ED<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/395<br />

PrCv Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). (...) Mandado de<br />

segurança. MS 25.938 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/276<br />

PrPn Responsabilidade da defesa: ausência. (...) Prisão preventiva. HC 91.161<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/328<br />

Ct Risco de consolidação de omissão judicial. (...) Greve. MI 670<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

S<br />

Pn Sentença condenatória. (...) Regime prisional. HC 93.782 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/369


454<br />

Ser-Téc — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

Ct Serviço ou atividade essencial: possibilidade de regime de greve mais<br />

severo. (...) Greve. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Ct Serviço público: imperativo de continuidade. (...) Greve. MI 670<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Adm Serviço público e atividade econômica. (...) Administração pública<br />

indireta. ADI 1.642 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/194<br />

Adm Servidor público. Cargo em comissão. Vínculo jurídico-administrativo.<br />

Justiça do Trabalho: incompetência. Decisão na ADI 3.395-MC:<br />

ofensa. CF/88, art. 114, I, redação da EC 45/04. Rcl 4.903-AgR-AgR<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/260<br />

Ct Servidor público civil. (...) Dissídio de greve. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Ct Servidor público civil. (...) Greve. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Ct Servidor público civil. (...) Mandado de injunção. MI 670 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/11<br />

Adm Servidor público estadual. Vencimentos. URV. Limitação temporária:<br />

impossibilidade. Entendimento da ADI 1.797: aplicação restrita aos<br />

membros e servidores do TRT da 6ª Região. Decisão anterior: superação<br />

pela ADI 2.323-MC. Rcl 3.066-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/239<br />

El Sistema proporcional. (...) Mandato eletivo. ADI 1.351 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116<br />

Ct Sistemas de consórcios e sorteios: loteria e bingo. (...) Competência<br />

legislativa. ADI 3.895 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/242<br />

Adm Sociedade de economia mista e empresa pública: regime jurídico de<br />

empresa privada. (...) Administração pública indireta. ADI 1.642<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/194<br />

PrCv Súmula 266: inaplicabilidade. (...) Mandado de segurança. MS 25.938<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/276<br />

PrSTF Súmula 279. (...) Recurso extraordinário. RE 179.075-AgR-ED<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/395 − AI 559.507-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/422<br />

PrCv Súmula 289. (...) Agravo regimental. AI 688.587-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/429<br />

Ct Súmula Vinculante 2. (...) Competência legislativa. ADI 3.895<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/242<br />

Pn Súmula Vinculante 9. (...) Remição. HC 94.497 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/384<br />

PrCv Suspensão ou interrupção: ausência. (...) Embargos de declaração.<br />

AI 386.847-AgR-ED-EDv-AgR-ED-ED <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/403<br />

T<br />

Ct Técnica. (...) Controle concentrado de constitucionalidade. ADI 1.351<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/116


ÍNDICE ALFABÉTICO — Tem-Vín 455<br />

Pn Tempo remido: perda. (...) Remição. HC 92.791 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/333 −<br />

HC 93.802 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/374 − HC 94.497 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/384 − RE 554.303-AgR<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/416<br />

Int Tráfico de entorpecente. (...) Extradição. Ext 1.115 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/110<br />

PrPn Tráfico de entorpecente. (...) Prova criminal. RHC 86.190 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/320<br />

PrPn Trancamento: descabimento. (...) Ação penal. HC 93.291 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/360<br />

PrPn Transferência temporária de preso para presídio federal. (...) Habeas<br />

corpus. HC 93.190 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/351<br />

Pn Trânsito em julgado: desnecessidade. (...) Regime prisional. HC 93.782<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/369<br />

PrPn Trânsito em julgado da sentença condenatória. (...) Prova criminal.<br />

RHC 86.190 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/320<br />

Int Tratado Brasil–Portugal. (...) Extradição. Ext 1.115 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/110<br />

PrCv Turma recursal. (...) Acórdão. AI 651.364-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/426<br />

U<br />

Ct União <strong>Federal</strong>. (...) Competência legislativa. ADI 3.895 <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/242<br />

Adm URV. (...) Servidor público estadual. Rcl 3.066-AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/239<br />

V<br />

Adm Vencimentos. (...) Servidor público estadual. Rcl 3.066-AgR<br />

<strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/239<br />

Adm Vínculo jurídico-administrativo. (...) Servidor público. Rcl 4.903-AgR-<br />

AgR <strong>RTJ</strong> <strong>207</strong>/260


ÍNDICE NUMÉRICO


ACÓRDÃOS<br />

670 (MI) Rel. p/ o ac.: Min. Gilmar Mendes <strong>207</strong>/11<br />

1.115 (Ext) Rel.: Min. Cezar Peluso <strong>207</strong>/110<br />

1.351 (ADI) Rel.: Min. Marco Aurélio <strong>207</strong>/116<br />

1.642 (ADI) Rel.: Min. Eros Grau <strong>207</strong>/194<br />

2.008 (Inq) Rel.: Min. Cezar Peluso <strong>207</strong>/201<br />

2.121 (Rcl-AgR-AgR) Rel.: Min. Eros Grau <strong>207</strong>/205<br />

2.907 (ADI) Rel.: Min. Ricardo Lewandowski <strong>207</strong>/220<br />

3.066 (Rcl-AgR) Rel.: Min. Ricardo Lewandowski <strong>207</strong>/239<br />

3.895 (ADI) Rel.: Min. Menezes Direito <strong>207</strong>/242<br />

4.903 (Rcl-AgR-AgR) Rel.: Min. Ricardo Lewandowski <strong>207</strong>/260<br />

5.171 (Rcl) Rel.: Min. Cármen Lúcia <strong>207</strong>/266<br />

25.938 (MS) Rel.: Min. Cármen Lúcia <strong>207</strong>/276<br />

27.483 (MS-REF-MC) Rel.: Min. Cezar Peluso <strong>207</strong>/298<br />

81.321 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso <strong>207</strong>/312<br />

82.848 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso <strong>207</strong>/316<br />

86.190 (RHC) Rel.: Min. Cezar Peluso <strong>207</strong>/320<br />

87.375 (HC) Rel.: Min. Ellen Gracie <strong>207</strong>/324<br />

91.161 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso <strong>207</strong>/328<br />

92.791 (HC) Rel. p/ o ac.: Min. Menezes Direito <strong>207</strong>/333<br />

92.941 (HC) Rel.: Min. Menezes Direito <strong>207</strong>/341<br />

93.046 (HC) Rel.: Min. Menezes Direito <strong>207</strong>/345<br />

93.190 (HC) Rel.: Min. Menezes Direito <strong>207</strong>/351<br />

93.291 (HC) Rel.: Min. Menezes Direito <strong>207</strong>/360<br />

93.782 (HC) Rel.: Min. Ricardo Lewandowski <strong>207</strong>/369<br />

93.802 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso <strong>207</strong>/374<br />

93.803 (HC) Rel.: Min. Eros Grau <strong>207</strong>/378<br />

94.497 (HC) Rel.: Min. Ellen Gracie <strong>207</strong>/384<br />

94.938 (HC) Rel.: Min. Cármen Lúcia <strong>207</strong>/387


460<br />

ÍNDICE NUMÉRICO<br />

179.075 (RE-AgR-ED) Rel.: Min. Cezar Peluso <strong>207</strong>/395<br />

244.262 (AI-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso <strong>207</strong>/398<br />

256.446 (AI-AgR-ED) Rel.: Min. Cezar Peluso <strong>207</strong>/400<br />

386.847 (AI-AgR-ED-EDv-AgR-ED-ED) Rel.: Min. Cezar Peluso <strong>207</strong>/403<br />

398.165 (RE) Rel.: Min. Cezar Peluso <strong>207</strong>/405<br />

482.606 (RE-AgR-ED) Rel.: Min. Ricardo<br />

Lewandowski <strong>207</strong>/407<br />

541.338 (RE-ED) Rel.: Min. Cezar Peluso <strong>207</strong>/410<br />

544.655 (RE-AgR) Rel.: Min. Eros Grau <strong>207</strong>/412<br />

554.303 (RE-AgR) Rel.: Min. Menezes Direito <strong>207</strong>/416<br />

559.507 (AI-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso <strong>207</strong>/422<br />

651.364 (AI-AgR) Rel.: Min. Menezes Direito <strong>207</strong>/426<br />

688.587 (AI-ED) Rel.: Min. Cezar Peluso <strong>207</strong>/429

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