Sessão Comemorativa 20 Anos Provedor de Justiça
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Há alguns anos um célebre administrativista francês referiu-se à provocação <strong>de</strong> uma "dupla moral no seio da<br />
socieda<strong>de</strong>" a propósito da eficácia dos direitos, liberda<strong>de</strong>s e garantias na or<strong>de</strong>m jurídica privada. No espaço do<br />
público político proclama-se o pecado mortal dos actos públicos violadores dos direitos fundamentais; no<br />
domínio do privado reivindica-se energicamente a bonda<strong>de</strong> dos comportamentos emocionais mais ou menos<br />
atentatórios dos mesmos direitos, liberda<strong>de</strong>s e garantias.<br />
Para um jurista atento não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser significativo que o Código <strong>de</strong> Procedimento Administrativo tenha<br />
consi<strong>de</strong>rado – e bem – como nulos os actos que ofen<strong>de</strong>m o conteúdo essencial dos direitos fundamentais<br />
(Artigo 133º/2/d) e que o Decreto-Lei nº446/85, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> Outubro – referente a cláusulas gerais dos contratos<br />
– não contenha em parte alguma uma norma semelhante, qual seja a da proibição <strong>de</strong> cláusulas gerais <strong>de</strong><br />
contratos violadores do núcleo essencial <strong>de</strong> direitos, liberda<strong>de</strong>s e garantias!<br />
Também, neste domínio, o <strong>Provedor</strong> <strong>de</strong> <strong>Justiça</strong> tem uma palavra a dizer no sentido <strong>de</strong> assegurar a unida<strong>de</strong> da<br />
or<strong>de</strong>m jurídica no campo sensível dos direitos, liberda<strong>de</strong>s e garantias. Mas não haja equívocos quanto à<br />
unida<strong>de</strong> aqui referida e <strong>de</strong>sejada. Bem sabemos que o espaço do privado é ainda o regaço dos nossos amores e<br />
<strong>de</strong>samores, a vinha das nossas iras, o refúgio das nossa emoções, o espaço da nossa autonomia. Seria mau<br />
que ele se transformasse em arena <strong>de</strong> política absoluta com os direitos-mitos e o mito-direitos.<br />
No entanto, a "cegueira cega" e estaríamos verda<strong>de</strong>iramente cegos se não víssemos que o novo estilo civil<br />
po<strong>de</strong> ocultar nos interstícios do privado alguns gestos cruéis e arbitrariamente <strong>de</strong>sumanos. Compreen<strong>de</strong>r a<br />
conflitualida<strong>de</strong> das estruturas subjectivas é, afinal, a tarefa que se impõe a um órgão, como o <strong>Provedor</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Justiça</strong>, na sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garante dos direitos fundamentais dos cidadãos.<br />
Se ele, nos espaços comunicativos do Estado <strong>de</strong> Direito, pu<strong>de</strong>r contribuir para a solidificação <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> homens livres on<strong>de</strong> os espaços <strong>de</strong> autonomia sejam entretecidos pelos princípios básicos <strong>de</strong> justiça, terá<br />
cumprido a sua missão.<br />
Pulsate et aperietur vobis