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Por uma normatização ortográfica de palavras latinas ... - UFF

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Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Letras da <strong>UFF</strong> – Dossiê: Patrimônio cultural e latinida<strong>de</strong>, n o 35, p. 37-48, 2008 37<br />

POR UMA NORMATIZAÇÃO ORTOGRÁFICA DE<br />

PALAVRAS LATINAS INCORPORADAS AO<br />

PORTUGUÊS 1<br />

RESUMO<br />

João Batista Toledo Prado 2<br />

a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> o padrão culto da língua portuguesa escrita<br />

no Brasil contar, há já bastante tempo, com normas<br />

que <strong>de</strong>finem como <strong>de</strong>vem ser grafados vocábulos tomados<br />

eruditamente ao latim, muitos com indicação da sílaba<br />

tônica por meio <strong>de</strong> acento gráfico (p. ex.: lápis, ônus,<br />

vírus), alguns termos latinos, há tempo já incorporados,<br />

ainda não recebem o mesmo tratamento, embora <strong>de</strong>vessem<br />

fazê-lo.<br />

PALAVRAS-CHAVE: <strong>palavras</strong> <strong>latinas</strong>; ortografia do português;<br />

<strong>normatização</strong>.<br />

1. <strong>Por</strong> <strong>uma</strong> nova convenção, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já autorizada.<br />

O<br />

ponto <strong>de</strong> partida para as consi<strong>de</strong>rações que se lerão a seguir foi<br />

um pequeno texto, <strong>de</strong> autoria do conceituado jornalista Carlos<br />

Brickmann, publicado em <strong>uma</strong> seção da Revista Digital Observatório<br />

da Imprensa, chamada “Circo da Notícia”, em que ele escreve costumeiramente.<br />

Aquela seção é, <strong>de</strong> hábito, ocupada com pequenos textos que versam sobre<br />

<strong>de</strong>poimentos e frases <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>s brasileiras veiculadas pela imprensa<br />

1 Os argumentos da maior parte <strong>de</strong>ste artigo foram publicados com o título “Para não<br />

per<strong>de</strong>r o latim – Análise Total”, na seção “Jornal <strong>de</strong> Debates” da Revista Digital<br />

Observatório da Imprensa (ISSN 1519-7670 - ANO 12 - Nº 276 - 11/5/2004): http://<br />

www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=276J DB005 (acesso em<br />

26/02/2008).<br />

2 Pesquisador da Área <strong>de</strong> Língua e Literatura Latinas da FCL, UNESP, Câmpus <strong>de</strong> Araraquara,<br />

e membro do Grupo LINCEU - Visões da Antiguida<strong>de</strong> Clássica.


38<br />

Prado, João Batista Toledo.<br />

<strong>Por</strong> <strong>uma</strong> <strong>normatização</strong> <strong>ortográfica</strong> <strong>de</strong> <strong>palavras</strong> <strong>latinas</strong> incorporadas ao português<br />

e também sobre processos jornalísticos, que Brickmann usualmente critica<br />

com proprieda<strong>de</strong>, motivo pelo qual sua leitura é <strong>de</strong> praxe instrutiva e interessante.<br />

Naquela edição, havia, entretanto, o microtexto que vai a seguir<br />

reproduzido:<br />

Falando latim. E errado.<br />

Deu no jornal: “Faltam professores em vários campus da<br />

Unesp”. Faltam mesmo – e faltam professores também nos<br />

jornais. “Campus” é latim; em latim, o plural é “campi”.<br />

Há quem aportuguese a palavra e utilize o plural<br />

“campuses”. Mas usar o singular com “vários” é a mesma<br />

coisa que dizer que a notícia saiu em “vários jornal”. Tudo<br />

muito bom, tudo muito bem, afinal <strong>de</strong> contas temos gente<br />

importante falando “menos”, mas a imprensa não <strong>de</strong>veria<br />

usar <strong>uma</strong> linguagem, no mínimo, mais ou menos correta? 3<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do fato <strong>de</strong> <strong>uma</strong> notícia que tenha mencionado<br />

a Unesp – universida<strong>de</strong> em que trabalho – provocar meu interesse, como<br />

é possível imaginar, o texto captou <strong>de</strong> imediato minha atenção, por fazer<br />

a crítica <strong>de</strong> um erro na convenção da escrita <strong>de</strong> termos latinos em vernáculo,<br />

cometido pelo jornalista do não-nomeado diário e, assim, colocar<br />

em causa a questão normativa que rege o emprego <strong>de</strong> termos latinos em<br />

português que já se tornaram muito correntes, pelo menos nos meios<br />

universitários e nos círculos da intelligentzia nacional.<br />

A <strong>de</strong>speito do tempo <strong>de</strong>corrido entre o momento da primeira redação<br />

<strong>de</strong>ste texto e o presente, os argumentos, mantenho-os todos, porque<br />

são, naturalmente, aquilo que penso ainda agora, bem como o que julgo<br />

ser necessário dizer a respeito do tema. Além disso, proponho este texto e<br />

não outro, em primeiro lugar, por julgá-lo a<strong>de</strong>quado à temática <strong>de</strong>ste volume<br />

35 dos Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Letras da <strong>UFF</strong>, que se ocupa <strong>de</strong> Patrimônio Cultural<br />

e Latinida<strong>de</strong>, pensando em que termos latinos empregados em português<br />

<strong>de</strong>certo fazem parte do patrimônio cultural <strong>de</strong> nosso idioma; em segundo<br />

porque, como <strong>uma</strong> <strong>de</strong>sejada conseqüência do ato <strong>de</strong> dar um texto a<br />

3 Seção “Circo da Notícia”. Observatório da Imprensa (ISSN 1519-7670 - ANO 12 - Nº 274 - 27/<br />

4/2004): http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=276JDB005 (acesso<br />

em 26/02/2008).


Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Letras da <strong>UFF</strong> – Dossiê: Patrimônio cultural e latinida<strong>de</strong>, n o 35, p. 37-48, 2008 39<br />

público é influenciar práticas lingüísticas dos usuários da língua – neste<br />

caso, a <strong>ortográfica</strong> – oxalá aí inclusas também as dos dicionaristas, acredito<br />

que não importa quantas vezes sejam asseveradas, tais opiniões precisam<br />

ser continuamente reenunciadas e reafirmadas; finalmente, em terceiro<br />

lugar, porque este texto jamais foi publicado em papel, muito menos<br />

em <strong>uma</strong> conhecida revista da área <strong>de</strong> Letras, como é a Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Letras da<br />

<strong>UFF</strong> e, por isso, este artigo, revisado e parcialmente reescrito, po<strong>de</strong> ser<br />

consi<strong>de</strong>rado ainda inédito.<br />

De resto, julgo ser muitíssimo interessante dar a publicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vida<br />

a tais idéias, que propugnam por <strong>uma</strong> racionalização na ortografia <strong>de</strong> termos<br />

latinos já incorporados ao vernáculo português, como câmpus e córpus,<br />

porque – nunca é <strong>de</strong>mais insistir – embora questões <strong>de</strong> <strong>normatização</strong> <strong>ortográfica</strong><br />

possam ser consi<strong>de</strong>radas, em geral, “menores”, vez por outra<br />

latinistas são “tomados <strong>de</strong> assalto” e atormentados por pedidos recorrentes<br />

para justificar o emprego <strong>de</strong> termos latinos em nossa língua, como se<br />

ainda fossem ocorrências legítimas da língua latina dos antigos romanos,<br />

mesmo quando é nítido tratar-se <strong>de</strong> termos já totalmente incorporados ao<br />

vocabulário nacional. <strong>Por</strong> discordar <strong>de</strong>sses que querem sempre que algum<br />

latinista justifique seja o que pensam seja o que seguem (sc. a norma até agora vigente),<br />

creio que seja mister fazer <strong>uma</strong> contribuição a esse aspecto das questões<br />

terminológicas.<br />

Dessa forma, o ponto <strong>de</strong> vista aqui adotado preten<strong>de</strong> representar não<br />

apenas <strong>uma</strong> mera opinião <strong>de</strong> leitor, mas a posição <strong>de</strong> um profissional das<br />

Letras, mais especificamente das Letras Clássicas, que se tem esforçado em<br />

refletir a respeito do estatuto lingüístico presente do latim, no contexto <strong>de</strong><br />

seus empregos mo<strong>de</strong>rnos, motivado pela prática docente nessa área. Para tornar<br />

ainda mais claro, o que será aqui discutido é a censura, feita no texto <strong>de</strong><br />

Brickmann, ao emprego da palavra campus na frase “Faltam professores em<br />

vários campus [sic] da Unesp”.<br />

Embora seja eu próprio, como já disse, um professor da Área <strong>de</strong> Língua<br />

e Literatura Latinas na Unesp, e ainda que, lamentavelmente, a política<br />

neoliberal dos dois governos FHC (seguida, parece-me, em algum grau, ainda<br />

agora pelo governo petista) tenha, no campo das reformas previ<strong>de</strong>nciárias,<br />

precipitado verda<strong>de</strong>ira “enxurrada” <strong>de</strong> aposentadorias nas universida<strong>de</strong>s<br />

públicas <strong>de</strong> SP e do país, o que, aliado à escassez <strong>de</strong> verbas para a educação,<br />

limitou a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> as universida<strong>de</strong>s públicas reporem essas perdas e


40<br />

Prado, João Batista Toledo.<br />

<strong>Por</strong> <strong>uma</strong> <strong>normatização</strong> <strong>ortográfica</strong> <strong>de</strong> <strong>palavras</strong> <strong>latinas</strong> incorporadas ao português<br />

<strong>de</strong>ixou tais universida<strong>de</strong>s, em particular as do Estado <strong>de</strong> São Paulo, com<br />

<strong>uma</strong> carência <strong>de</strong> docentes pesquisadores como nunca antes na história,<br />

embora, dizia-se, tudo isso seja mesmo verda<strong>de</strong>, é no mínimo discutível o<br />

aparente “erro” citado pelo jornalista C. Brickmann, com relação à palavra<br />

campus, pelas razões que exponho a seguir:<br />

1) Em primeiro lugar, parte-se, naquele texto, da alegação <strong>de</strong> que campus seja<br />

latim; seria, <strong>de</strong> fato, um disparate discordar <strong>de</strong> que sejam latinos os étimos<br />

da maioria das <strong>palavras</strong> empregadas em português; porém, diante da mera<br />

afirmação <strong>de</strong> que, no contexto contemporâneo <strong>de</strong> seu uso português,<br />

“campus é latim”, caberia perguntar: em que sentido, “latim”? No <strong>de</strong> que a<br />

imensa maioria das <strong>palavras</strong> da língua portuguesa também o seja? Se for<br />

isso, então, teríamos <strong>de</strong> reivindicar a latinização <strong>de</strong> todas aquelas <strong>palavras</strong><br />

<strong>latinas</strong> que sigam o mesmo paradigma e, aí, haveria pelo menos dois<br />

grupos:<br />

1.a) o das <strong>palavras</strong> que <strong>de</strong>rivaram do grupo temático –o–, ou<br />

seja, aquelas que, no latim clássico, assumiam, por mecanismo<br />

<strong>de</strong> flexão, a forma -us no nominativo singular, cujo plural<br />

equivale, <strong>de</strong> fato, à forma terminativa –i (p. ex.: campus/campi;<br />

dominus/domini; uilicus/uilici, etc.); nesse grupo, entraria a maior<br />

parte das <strong>palavras</strong> do léxico português em –o (p. ex.: lobo, criado,<br />

carneiro, etc.) que, mesmo tendo <strong>de</strong>rivado <strong>de</strong> étimos<br />

pertencentes ao latim vulgar (cf.: lupu-; creatu-; carnariu- 4 , etc.),<br />

variante do latim aristocrático – chamado clássico – e que partilha<br />

com ele as mesmas sincronias, <strong>de</strong>veria, por acaso, fazer também<br />

um excêntrico plural em –i (cf. lobi, criadi, carneiri, etc.)?!? <strong>Por</strong><br />

óbvio, sabemos que não se trata disso, o que sugere se passe<br />

diretamente a consi<strong>de</strong>rar o próximo grupo;<br />

1.b) o das <strong>palavras</strong> que são tomadas, em qualquer momento da<br />

história do português, diretamente <strong>de</strong> <strong>palavras</strong> <strong>latinas</strong>, o que,<br />

no caso em tela, equivaleria ao rol das <strong>palavras</strong> cujas terminações<br />

<strong>de</strong> nominativo singular sejam –us (p. ex.: ângelus, ânus, <strong>de</strong>us, etc.,<br />

mas também Vênus – computado, aí, também o adjetivo venéreo<br />

– ônus, vírus, etc.) ou seja, àquelas que, como se constata pelos<br />

4 Cf. informações etimológicas nos verbetes correspon<strong>de</strong>ntes (i. e.: lobo, criado, carneiro) do<br />

Dicionário Eletrônico HOUAISS da Língua <strong>Por</strong>tuguesa (versão 1.0 – Dezembro <strong>de</strong> 2001).


Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Letras da <strong>UFF</strong> – Dossiê: Patrimônio cultural e latinida<strong>de</strong>, n o 35, p. 37-48, 2008 41<br />

exemplos listados – e vale, já aqui, a ressalva <strong>de</strong> que, para o<br />

primeiro grupo, não se foi, aqui, além dos primeiríssimos<br />

exemplos listados no verbete A do dicionário Houaiss, e, para o<br />

segundo, daqueles que me assaltaram <strong>de</strong> pronto a memória,<br />

sem qualquer esforço – são comuns e numerosas; além disso,<br />

quando não oxítonas, recebem todas sem exceção, na grafia, o<br />

acento que melhor cabe à expressão da tonicida<strong>de</strong> e do timbre,<br />

motivo pelo qual – cumpre ressaltar já <strong>de</strong> saída – se não fazem<br />

tais exemplos, iguais ao campus criticado em na matéria<br />

jornalística, o plural em –i ali reivindicado (o plural <strong>de</strong> ângelus<br />

não é, afinal, ângeli, nem o <strong>de</strong> ânus, âni, e assim por diante), por<br />

que <strong>de</strong>veria fazê-lo a palavra campus, já tão empregada e difundida<br />

em português?<br />

Melhor seria, não se po<strong>de</strong> hesitar em dizê-lo, aportuguesá-lo <strong>de</strong> imediato<br />

com a colocação <strong>de</strong> um graficamente saudável acento circunflexo: câmpus,<br />

fazendo com que, assim, ele siga o mesmo paradigma das formas ângelus<br />

e ânus, cujos plurais são expressos pelas idênticas formas <strong>de</strong> seus singulares:<br />

um ângelus, muitos ângelus / um câmpus, dois câmpus;<br />

2) Em segundo, se se tivesse mesmo, por força <strong>de</strong> coerência etimológica,<br />

que praticar, em português, as flexões <strong>latinas</strong> sugeridas pelo jornalista<br />

naquela matéria, ter-se-ia, no caso <strong>de</strong> certos itens do segundo grupo<br />

<strong>de</strong> <strong>palavras</strong> listadas nos exemplos <strong>de</strong> 1.b., ou seja, no daquelas<br />

<strong>palavras</strong> que apresentam a terminação latina -us <strong>de</strong> nominativo singular,<br />

mas que ou não pertencem ao tema –o– (p. ex.: Vênus) ou apresentam<br />

gênero neutro (ônus), ter-se-ia, como se estava dizendo, <strong>de</strong><br />

praticar também nelas seus plurais latinos (Veneres e onera; importante<br />

lembrar que o plural <strong>de</strong> Vênus é possível também em português, quando,<br />

por metonímia, tomamo-lo como sinônimo <strong>de</strong> amor)?<br />

3) Em terceiro lugar – mas, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> só aparecer na terceira posição,<br />

talvez seja este o argumento mais importante <strong>de</strong> todos – se se evoca <strong>uma</strong><br />

parte do paradigma flexional do latim, no caso, o das flexões <strong>de</strong> nominativo<br />

singular/plural, não seríamos obrigados também a recorrer a todo o resto?<br />

Quer se trate <strong>de</strong> <strong>uma</strong> ocorrência <strong>de</strong> câmpus que <strong>de</strong>sempenhe a função<br />

sintática <strong>de</strong> sujeito, teríamos <strong>de</strong> empregar campus/campi? Quer se trate do<br />

objeto direto, campum/campos? Quer se trate <strong>de</strong> objeto indireto, campo/<br />

campis? Quer <strong>de</strong> adjunto adnominal, campi/camporum? Quer <strong>de</strong> adjunto<br />

adverbial, <strong>de</strong> novo campo/campis? E isso só para mencionar as mais fre-


42<br />

Prado, João Batista Toledo.<br />

<strong>Por</strong> <strong>uma</strong> <strong>normatização</strong> <strong>ortográfica</strong> <strong>de</strong> <strong>palavras</strong> <strong>latinas</strong> incorporadas ao português<br />

qüentes possibilida<strong>de</strong>s ocorrenciais. Nesse caso, sim, ao menos no que<br />

respeita à ocorrência <strong>de</strong> <strong>uma</strong> morfologia que é a mesma seguida por <strong>palavras</strong><br />

do sistema lingüístico da língua da Roma antiga, seria forçoso admitir<br />

que ISSO seria, <strong>de</strong> fato, LATIM;<br />

4) Quanto ao emprego <strong>de</strong> campuses, também citado na matéria como forma<br />

<strong>de</strong> aportuguesar o latim campus, trata-se, muito ao invés, do plural canônico<br />

(previsto em dicionário) do inglês campus 5 ; tal flexão é prova cabal <strong>de</strong> que,<br />

na língua inglesa, o termo latino já foi incorporado ao acervo <strong>de</strong> <strong>palavras</strong><br />

(sc. léxico) daquele idioma que, por isso, com razão e justiça, lhe aplica o<br />

mesmo paradigma <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> plural usado em <strong>palavras</strong> comuns e<br />

consubstanciais ao inglês (exatamente o que se está reivindicando aconteça<br />

também entre nós, no vernáculo português, com a adoção das grafias<br />

câmpus, córpus e assemelhados), ou seja, no idioma <strong>de</strong> Shakespeare se emprega<br />

o morfema -s que, quando ocorre em <strong>palavras</strong> já terminadas igualmente<br />

por -s no singular, <strong>de</strong>senvolve, no caso da formação do plural, <strong>uma</strong><br />

epêntese vocálica -e- (campus/campuses; virus/viruses, etc.).<br />

A<strong>de</strong>mais, são correntes em inglês as formas do nominativo singular latino,<br />

porque, naquela língua, <strong>de</strong>u-se, por convenção histórica, a adoção das<br />

formas do nominativo sg./pl. latino (fato constatável em qualquer dicionário<br />

<strong>de</strong> uso da língua inglesa; cf., p. ex., o par datum/data 6 , que o inglês<br />

importou diretamente das formas <strong>de</strong> nominativo sg./pl. neutro da mesma<br />

palavra, que, por sua vez, é <strong>uma</strong> substantivação do particípio latino do<br />

verbo dare) e, para isso, basta que se pense, por exemplo, nos nomes latinos<br />

das personagens e títulos <strong>de</strong> peças <strong>de</strong> motivos romanos <strong>de</strong><br />

5 Para o propósito <strong>de</strong>ste artigo, julguei oportuno consultar, sempre que disponíveis, as versões<br />

on-line dos dicionários <strong>de</strong> uso dos idiomas mencionados no texto, a fim <strong>de</strong> permitir o rápido<br />

cotejo das informações. Foi o que se fez com o Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa,<br />

embora o acesso on-line, nesse caso, <strong>de</strong>penda da assinatura do servidor <strong>de</strong> conteúdo UOL.<br />

Alguns dicionários <strong>de</strong> inglês que indicam a forma plural da palavra campus são o Dictionary.com<br />

Unabridged - v. 1.1 (baseado no Random House Unabridged Dictionary, Random House, 2006) e o<br />

The American Heritage - Dictionary of the English Language (4th Edition. Published by Houghton<br />

Mifflin Company, 2006). Ambos disponíveis em: http://dictionary.reference.com/browse/<br />

campus (acesso em 10/03/2008).<br />

6 Cf. Dictionary.com Unabridged - v. 1.1, disponível em http://dictionary.reference.com/browse/<br />

datum (acesso em 10/03/2008).


Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Letras da <strong>UFF</strong> – Dossiê: Patrimônio cultural e latinida<strong>de</strong>, n o 35, p. 37-48, 2008 43<br />

Shakespeare: Titus Andronicus, Julius Caesar, Coriolanus, etc. (em português,<br />

ao contrário, a convenção histórica é a do aportuguesamento: Tito<br />

Andrônico, Júlio César, Coriolano, etc.). Assim, os anglófonos têm por<br />

hábito e convenção tradicional adotar apenas o par nominativo sg./pl.<br />

para <strong>palavras</strong> que provêm do latim; já em português, o caso lexicogênico<br />

é o acusativo (com a perda do –m final das formas do latim vulgar ao<br />

português 7 ), mais um motivo pelo qual a distinção campus/campi não serve:<br />

é contrária aos hábitos e convenções do português e mero servilismo<br />

provinciano em relação aos EUA;<br />

5) Resta dizer ainda <strong>uma</strong> palavra ou duas sobre a ocorrência <strong>de</strong> campus nos<br />

dicionários portugueses. Como se sabe, o tipo <strong>de</strong> obra <strong>de</strong> referência lexical<br />

mais comum e freqüentemente consultada, em todas as nações, são os<br />

dicionários <strong>de</strong> uso, que se preocupam em registrar os termos do léxico e<br />

as acepções que eles recebem n<strong>uma</strong> dada sincronia; em geral, a do momento<br />

em que o dicionário foi confeccionado. Entre nós, o utilíssimo<br />

Houaiss – hoje, talvez, o melhor dicionário <strong>de</strong> usos do português – ao<br />

trazer informações que permitem avaliar o momento em que um item<br />

começou a entrar em circulação no léxico, não traz, infelizmente, tais<br />

dados a respeito <strong>de</strong> campus, mas é <strong>de</strong> crer-se que seu emprego seja <strong>de</strong> fato<br />

recente em português, visto que até o início da década <strong>de</strong> 1970 os dicionários,<br />

mesmo os mais completos como o <strong>de</strong> Caldas Aulete, não registravam<br />

seu emprego. É interessante notar que o dicionário italiano Zingarelli,<br />

a <strong>de</strong>speito da evi<strong>de</strong>nte origem latina do italiano, que se <strong>de</strong>u inclusive nas<br />

mesmas terras ocupadas pela mo<strong>de</strong>rna Itália, registra campus como palavra<br />

inglesa (e, por isso, instrui a pronúncia anglófona do termo) e como<br />

7 Cf. o que afirma Mattoso Câmara Jr., no Capítulo IX, “O Léxico <strong>Por</strong>tuguês”, <strong>de</strong> sua História<br />

e Estrutura da Língua <strong>Por</strong>tuguesa: “[...] a estrutura morfológica [do léxico português] foi <strong>de</strong>terminada<br />

pelos termos populares, provenientes do latim vulgar. Ela é que estabeleceu os padrões<br />

<strong>de</strong> temas nominais e verbais, das <strong>de</strong>sinências <strong>de</strong> plural e <strong>de</strong> feminino no nome, das<br />

<strong>de</strong>sinências número-pessoais e modo-temporais no verbo. É expressivo neste particular que<br />

os empréstimos feitos ao latim literário, em qualquer época, nos nomes, tenham partido, em<br />

princípio, da forma <strong>de</strong> acusativo e façam plural em -s, <strong>de</strong> acordo com o acusativo latino; isto<br />

porque a forma do acusativo latino é que se fixou como forma única nominal no latim vulgar<br />

ibérico [...]. São muito raros nomes eruditos portugueses tirados do nominativo, que <strong>de</strong>ntro<br />

da gramática latina é a forma central e por assim dizer primária. Ainda assim, a sua flexão se<br />

adapta à tipologia flexional portuguesa, criada nos termos populares.” (MATTOSO CÂMA-<br />

RA JR, 1975: 192).


44<br />

Prado, João Batista Toledo.<br />

<strong>Por</strong> <strong>uma</strong> <strong>normatização</strong> <strong>ortográfica</strong> <strong>de</strong> <strong>palavras</strong> <strong>latinas</strong> incorporadas ao português<br />

substantivo masculino invariável, o que significa que sua forma permanece<br />

a mesma no plural.<br />

Esse último fato sugere que a entrada do termo no léxico <strong>de</strong> culturas <strong>de</strong><br />

línguas novi<strong>latinas</strong>, além <strong>de</strong> ser recente e a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> ser tomada diretamente<br />

do latim, <strong>de</strong>u-se pela via <strong>de</strong> seu emprego em inglês (como ocorreu há já<br />

algum tempo com o verbo americano to <strong>de</strong>lete, que, assumindo flexão verbal da<br />

língua nacional, se tornou “<strong>de</strong>letar”, na língua portuguesa do Brasil), porém,<br />

apesar <strong>de</strong>, em inglês, o termo ter-se anglicizado, e <strong>de</strong> ter-se cristalizado como<br />

forma invariável em italiano, em português po<strong>de</strong>-se supor que algum acadêmico<br />

que teve latim em sua formação, <strong>de</strong> todo bem intencionado, mas equivocado<br />

nesse ponto, lembrou-se <strong>de</strong> que o latim é <strong>uma</strong> língua <strong>de</strong>clinatória e,<br />

por isso, resolveu que o “correto” seria evocar o paradigma do nominativo<br />

singular/plural também em português, esquecendo-se ou mesmo ignorando<br />

que a evocação <strong>de</strong> apenas um par do paradigma <strong>de</strong>clinatório do latim implica<br />

todo o resto da <strong>de</strong>clinação possível.<br />

Os dicionários <strong>de</strong> uso da língua portuguesa, como registram os empregos<br />

e acepções <strong>de</strong> <strong>palavras</strong> que compõem o léxico português, não podiam <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

registrar tal ocorrência que foi implantada, como se diz popularmente, <strong>de</strong> cima<br />

para baixo, ou seja, <strong>de</strong> <strong>uma</strong> prática acadêmica e/ou escolar irrefletida para a<br />

norma geral dos dicionários que, também irrefletidamente, passaram a adotar<br />

tal prática sem ressalvas, sem senso <strong>de</strong> relativo e sem fazer-lhe a merecida crítica.<br />

Afinal, para a consciência do falante comum da língua, o plural <strong>de</strong> câmpus<br />

será também câmpus e, para o falante bem alfabetizado, <strong>de</strong>veria grafar-se com<br />

acento circunflexo, assim como já acontece com bônus, cáctus, célsius, cítrus, fícus,<br />

húmus, lócus, lúpus, ônibus, pínus, rébus e tantos outros termos latinos já<br />

aportuguesados, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> serem, ao que tudo indica, muito menos freqüentes<br />

do que câmpus, córpus, etc.<br />

Já está mais do que na hora <strong>de</strong> os dicionários <strong>de</strong> uso da língua portuguesa<br />

terem um mínimo <strong>de</strong> coerência em relação à forma com que registram <strong>palavras</strong><br />

<strong>de</strong> origem latina já incorporadas ao léxico nacional, e consignarem, por isso e <strong>de</strong><br />

<strong>uma</strong> vez por todas, as formas acentuadas câmpus, córpus e congêneres, por favor!<br />

<strong>Por</strong>ém, se os dicionários regulam o uso a partir do usado, usemos nós, doravante,<br />

tais grafias, perfeitamente autorizadas pela coerência com a história da ortografia<br />

adotada para <strong>palavras</strong> com características semelhantes, e cujo caminho se<br />

encontra já apontado nos próprios dicionários, como acabou <strong>de</strong> ficar <strong>de</strong>monstrado.<br />

Proce<strong>de</strong>r assim terminará por disseminá-las, até que passem a fazer parte


Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Letras da <strong>UFF</strong> – Dossiê: Patrimônio cultural e latinida<strong>de</strong>, n o 35, p. 37-48, 2008 45<br />

da prática <strong>ortográfica</strong> da imprensa escrita, o que levará futuras edições <strong>de</strong> bons<br />

dicionários, como o Houaiss, a registrá-las.<br />

2. Falando... “latim”?!?<br />

Como <strong>uma</strong> das últimas observações, é preciso dizer ainda algo acerca <strong>de</strong><br />

“falar latim”, que envolve também o título dado pelo jornalista C. Brickmann à<br />

matéria veiculada no Observatório da Imprensa (“Falando latim. E muito mal”;<br />

grifo nosso). Cumpre acrescentar que, do latim, se conhecem apenas a gramática<br />

e os textos escritos. Muito pouco, levando-se em conta ter sido o latim <strong>uma</strong><br />

língua natural <strong>de</strong> comunicação, ou seja, um idioma que era, <strong>de</strong> fato, falado tanto<br />

pelos romanos como pelos habitantes das terras conquistadas, a que eles chamavam<br />

colônias 8 . Isso implica que, por mais que se sonhe, romanceie ou que se<br />

projetem nossas impressões, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a articulação necessária <strong>de</strong> textos lidos em<br />

sala <strong>de</strong> aula até os mais bem acabados produtos da indústria cinematográfica <strong>de</strong><br />

nossos dias, a verda<strong>de</strong> científica é <strong>uma</strong> só: não se sabe como o latim era falado,<br />

portanto, ninguém se encontra, nos dias que correm, em posição suficientemente<br />

privilegiada para po<strong>de</strong>r dizer com justiça e razão que fala ou sabe falar<br />

latim. Todo o latim passível <strong>de</strong> prolação hoje será indissociável do sotaque que<br />

o carrega necessariamente e, por isso, certamente muito diverso da prosódia<br />

justa do idioma articulado oralmente pelos antigos romanos.<br />

E isso para não mencionar que, mesmo em se tratando da produtivida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> enunciados em contexto <strong>de</strong> comunicação oral, o que envolve a competência<br />

lingüística dos falantes, todas as frases <strong>latinas</strong> que po<strong>de</strong>riam ser enunciadas<br />

hoje seriam: ou a) <strong>de</strong>calques <strong>de</strong> estruturas empregadas em línguas mo<strong>de</strong>rnas<br />

e, por essa mesma razão, equivocadas, <strong>uma</strong> vez que não pertencem ao uso<br />

do latim dos antigos romanos; ou b) cópias <strong>de</strong> estruturas presentes em textos<br />

literários latinos, que, por existirem nesse registro especializado – o literário<br />

– não são a<strong>de</strong>quadas à expressão do coloquial.<br />

Aliás, sobre isso, convém dizer também que, quando se trata <strong>de</strong> latim,<br />

muitos daqueles que tiveram a hoje rara oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> terem tido educação<br />

esmerada, seja porque ela se <strong>de</strong>u antes da <strong>de</strong>liberada <strong>de</strong>sconstrução por que<br />

passou a educação <strong>de</strong>ste país, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o golpe militar <strong>de</strong> 1964 até hoje, seja<br />

porque pu<strong>de</strong>ram estudar em escolas <strong>de</strong> elite, tanto no país como fora <strong>de</strong>le,<br />

8 Cf. o verbete colonia,-ae, por exemplo, no Oxford Latin-English Dictionary: “1. a settlement or colony<br />

of citzens sent from Rome or the people composing it” (GLARE, 1968, s.v. colonia, ~ae).


46<br />

Prado, João Batista Toledo.<br />

<strong>Por</strong> <strong>uma</strong> <strong>normatização</strong> <strong>ortográfica</strong> <strong>de</strong> <strong>palavras</strong> <strong>latinas</strong> incorporadas ao português<br />

cost<strong>uma</strong>m ser presas da impressão <strong>de</strong> que se lida com o morto – visão que<br />

advém <strong>de</strong> um preconceito, afinal, línguas não morrem, visto que não são seres<br />

vivos; quem morre são seus falantes 9 , e, a <strong>de</strong>speito disso, as línguas seguem<br />

vivas, em estado <strong>de</strong> suspensão, nos textos produzidos pelas culturas que elas<br />

veiculam e animam – e, já que mortos não reclamam, são tentados a fazer<br />

pouco da ignorância alheia, porque o alheio, nesse caso, representa a imensa<br />

parcela da população (mesmo que se isole e se compute apenas a população<br />

<strong>de</strong> leitores do país) sem qualquer condição <strong>de</strong> aferir dados lingüísticos <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />

língua antiga e <strong>de</strong>saparecida, como é o caso do latim.<br />

Está-se pensando, aqui, em particular e para ficar num único <strong>de</strong>ntre<br />

numerosos exemplos, no caso <strong>de</strong> artigos veiculados em prestigiados meios <strong>de</strong><br />

comunicação escrita, como aquele publicado no dia 15 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2000, no<br />

jornal Folha <strong>de</strong> São Paulo, logo após o conhecido escândalo nacional, em que a<br />

esposa <strong>de</strong> Celso Pitta, então prefeito <strong>de</strong> São Paulo, conce<strong>de</strong>u <strong>uma</strong> entrevista à<br />

TV Globo, em que <strong>de</strong>latava um alastrado esquema <strong>de</strong> corrupção e enriquecimento<br />

ilícito, praticado por membros do partido <strong>de</strong> Pitta, a mando, segunda<br />

ela, do presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> seu partido, ex-governador e também ex-prefeito, Paulo<br />

Maluf. Não pretendo, aqui, entrar em <strong>de</strong>talhes, já que o fato é, presume-se,<br />

bem conhecido <strong>de</strong> todos. Para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se da parte que lhe cabia nas implicações<br />

do caso, Maluf escreveu, poucos dias após o ocorrido, um artigo cujo<br />

título era Quis pro<strong>de</strong>st, e que ele próprio ali traduziu por “A quem favorece?”.<br />

Tal tradução é equivocada, porque o pronome interrogativo latino quis<br />

não significa a quem, mas, simplesmente, quem, com função subjetiva. A tradução<br />

está errada, porque errada está, antes, a citação feita pelo político: trata-se,<br />

<strong>de</strong> fato, <strong>de</strong> <strong>uma</strong> parte <strong>de</strong> um verso da tragédia Medéia, do filósofo e dramaturgo<br />

latino Sêneca, mais especificamente da parte em que a própria feiticeira da<br />

Tessália, irada com o esposo Jasão, que a trocou pela filha do rei <strong>de</strong> Tebas,<br />

afirma: [...] cui pro<strong>de</strong>st scelus,/ is fecit [...], algo como “[...] aquele a quem interessa<br />

o crime, / foi esse que o cometeu [...]” (vv. 500-501) 10 .<br />

9 A esse propósito, cf.: “O primeiro gran<strong>de</strong> equívoco em que se incidiu no estudo da língua<br />

latina foi aceitar o preconceito <strong>de</strong> que se lidava com o morto; sob esse princípio, todo o<br />

legado da literatura latina, por exemplo, transformou-se em um imenso ‘terreno sacrossanto’<br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong>, vez por outra, se procuravam (e ainda se procuram) ressuscitar alg<strong>uma</strong>s idéias ou<br />

pensamentos adormecidos; talvez por isso mesmo, haja os que confundam h<strong>uma</strong>nismo com<br />

verda<strong>de</strong>s eternas” (BRUNO, 1992: 75).<br />

10 SENECA IUNIOR. Me<strong>de</strong>a. In: PHI-5.3, 1991.


Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Letras da <strong>UFF</strong> – Dossiê: Patrimônio cultural e latinida<strong>de</strong>, n o 35, p. 37-48, 2008 47<br />

3. Bom senso e compromisso com a verda<strong>de</strong>.<br />

A questão, aqui, é que, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> muitíssimo bem educado e formado,<br />

o político em questão não julgou necessário cotejar, com as fontes<br />

<strong>latinas</strong>, o excerto do verso senequiano, retida na memória <strong>de</strong> alg<strong>uma</strong> lição<br />

<strong>de</strong> latim, recebida provavelmente em sua juventu<strong>de</strong>, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> ter ele,<br />

sem dúvida, todas as condições intelectuais e, sobretudo, materiais <strong>de</strong> fazêlo,<br />

simplesmente porque – como sói acontecer muito amiú<strong>de</strong> com citações<br />

<strong>latinas</strong> feitas nos gran<strong>de</strong>s jornais <strong>de</strong> nossos dias, salvo honrosas exceções –<br />

sabia que quase não haveria leitor capaz <strong>de</strong> glosar sua citação, dado o fato <strong>de</strong><br />

o latim não ser mais oferecido na escola da cidadania, e <strong>de</strong> os professores <strong>de</strong><br />

latim que restaram não somarem mais que uns poucos punhados, e <strong>de</strong> serem,<br />

por isso, numericamente inexpressivos (provavelmente até como eleitores!).<br />

A gravida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse caso está em que todos que assim proce<strong>de</strong>rem estarão<br />

subestimando a inteligência e a formação dos leitores dos veículos <strong>de</strong><br />

comunicação em que tais citações aparecem: embora seja mesmo verda<strong>de</strong> que<br />

se conte apenas um punhado <strong>de</strong> leitores capazes <strong>de</strong> glosar tais citações, a<br />

atitu<strong>de</strong> mais séria, ilibada e comprometida com a verda<strong>de</strong>, em todos os níveis,<br />

será sempre a <strong>de</strong> oferecer ao leitor nada menos que o melhor das informações<br />

e dos dados <strong>de</strong> que um escritor ou articulista é capaz – sempre – ainda que os<br />

leitores não tenham como cotejar as informações, pois tal é o trabalho formativo<br />

dos órgãos <strong>de</strong> imprensa que, quando se preten<strong>de</strong> séria, <strong>de</strong>ve caminhar lado a<br />

lado com a ativida<strong>de</strong> informativa. Não se po<strong>de</strong> esperar menos <strong>de</strong> ninguém que<br />

<strong>de</strong>tenha, por que meio for, o privilégio <strong>de</strong> expor suas idéias num órgão <strong>de</strong><br />

imprensa, ainda mais num <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> circulação.<br />

<strong>Por</strong> tudo isso, por acreditar também na serieda<strong>de</strong> que <strong>de</strong>ve nortear o<br />

trabalho jornalístico e, sobretudo, porque a língua é o que <strong>de</strong>la fizermos todos<br />

nós, principalmente escritores e jornalistas, e porque convenções <strong>de</strong> escrita<br />

mudam e/ou sedimentam-se, como se sabe, a partir da pressão exercida por<br />

seus usuários, acredito que fazemos nossa parte ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o uso<br />

aportuguesado <strong>de</strong> câmpus, <strong>de</strong> córpus e <strong>de</strong> tudo o mais que siga o mesmo<br />

paradigma e que esteja implicado no universo semântico e vocabular dos meios<br />

acadêmicos e universitários, mas que, em muitos casos e felizmente, também<br />

transitam e freqüentam o acervo vocabular do mais comum dos falantes<br />

<strong>de</strong> português <strong>de</strong>ste país.


48<br />

Prado, João Batista Toledo.<br />

<strong>Por</strong> <strong>uma</strong> <strong>normatização</strong> <strong>ortográfica</strong> <strong>de</strong> <strong>palavras</strong> <strong>latinas</strong> incorporadas ao português<br />

ABSTRACT:<br />

in spite of having very well-known rules that <strong>de</strong>fine how<br />

should be written those words which have been taken<br />

directly from the old Latin, words whose tonic syllable<br />

is usually indicated by graphic accents (e.g.: lápis, ônus,<br />

vírus, etc.), the cult <strong>Por</strong>tuguese language written in Brazil<br />

still does not treat likewise some Latin terms (although<br />

it should), even though they have been incorporated to<br />

the <strong>Por</strong>tuguese a long time ago (as campus, e.g.).<br />

KEYWORDS: Latin words; <strong>Por</strong>tuguese orthography;<br />

standardization.<br />

Recebido em 10/12/2007<br />

Aprovado em 05/06/2008

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