LUCIANE LUCAS DOS SANTOS1 A FOME COMO CERCEAMENTO ...
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grupos constroem e afirmam suas identidades, bem como estabelecem condições de<br />
pertencimento e diferenciação social (Featherstone, 1994).<br />
Embora não se trate de um fenômeno novo, sua centralidade no mundo<br />
contemporâneo diz muito sobre os parâmetros de valoração social e, é claro, sua<br />
preponderância comunica algumas tendências importantes. Dois pontos merecem<br />
destaque, dado que o consumo constitui em torno de si uma semiótica e estabelece<br />
uma correlação com as engrenagens do mundo da produção: 1) toda a lógica de<br />
construção de sentido no consumo se alicerça na diferença simbólica que se<br />
estabelece a partir do seu exercício; 2) a força simbólica do consumo reside,<br />
principalmente, na sua condição atual de agir sobre os processos de subjetivação do<br />
indivíduo (Vaz, 1999), ou seja, sobre os modos de atribuição de valor socialmente<br />
aceitos e legitimados.<br />
O mundo do consumo, entretanto, não existe sem o mundo da produção, embora<br />
este último pareça adquirir uma certa invisibilidade no contexto contemporâneo.<br />
Conformando-se à máxima de obsolescência programada que caracteriza o<br />
funcionamento das engrenagens do consumo (Baudrillard, 1995), a produção,<br />
silenciosa, escava caminhos, plasma as condições subterrâneas de circulação do<br />
capital e dos sentidos a que dá suporte. Ou seja, o mundo da produção está erodindo<br />
a seu modo – e de acordo com os princípios de obsolescência que o caracteriza – os<br />
ativos invisíveis a partir dos quais o simbólico se traduz: estamos falando do tempo, do<br />
espaço (com seus recursos) e da tessitura simbólica.<br />
Dito de outro modo, o mundo da produção interpela permanentemente as<br />
temporalidades possíveis, introduzindo ritmos e cadências comprometidos com<br />
resultados economicamente produtivos. Do mesmo modo, uma produção estruturada<br />
globalmente redesenha a geografia em função de seus interesses e define valores<br />
segundo os quais nações e economias são validadas. Esta produção capitalista do<br />
espaço (Harvey, 2006) fica mais clara quando percebemos a velocidade com que o<br />
local perde sua condição de negociar sentidos: “os centros de produção de significado<br />
e valor são hoje extraterritoriais e emancipados de restrições locais - o que não se<br />
aplica, porém, à condição humana, à qual estes valores e significados devem informar<br />
e dar sentido” (Bauman, 1999, p. 9).<br />
Ou seja, em uma geopolítica capitalista - onde modos de expressão dominantes<br />
desenham espacialmente a distribuição do poder -, os sentidos são conferidos de<br />
‘fora’, imprimindo, muitas vezes, um processo de violência em relação àquilo que é de<br />
importância crucial: a autonomia simbólica, a condição de produzir e negociar<br />
sentidos. Este ponto merece atenção se considerarmos como os usos econômicos (e,<br />
por vezes, globais) do espaço podem acentuar fenômenos locais de desintegração