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A PEDAGOGIA ANTIAUTORITÁRIA EM CÉLESTIN FREINET Mildon ...

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A <strong>PEDAGOGIA</strong> <strong>ANTIAUTORITÁRIA</strong> <strong>EM</strong> <strong>CÉLESTIN</strong> <strong>FREINET</strong><br />

<strong>Mildon</strong> Carlos Calixto dos Santos 1<br />

Ada Augusta Celestino Bezerra 2<br />

Grupo de pesquisa: GPGFOP/UNIT<br />

Eixo Temático: 2. Educação, Sociedade e Práticas Educativas<br />

Agencia Financiadora: sem financiamento<br />

RESUMO<br />

Este artigo tem como objeto de estudo a pedagogia de Célestin Freinet, a partir de suas<br />

obras e de autores da História da Educação. Seu objetivo é aprofundar o conhecimento<br />

dessa pedagogia , especialmente nos seu traços antiautoritários, de modo a configurá-la<br />

em relação à Escola Nova. A metodologia adotada na investigação foi a pesquisa<br />

bibliográfica, centrada na obra de Célestin Freinet e na sua contribuição para superação<br />

da pedagogia tradicional, ainda hoje instalada em sala de aula. A motivação central da<br />

pesquisa reside na inspiração socialista de Freinet que o fez colocar como pano de fundo<br />

de seus estudos a possibilidade de uma sociedade sem exploração e a vida do aluno,<br />

fazendo valer suas experiências. Nas considerações finais afirma-se que a contribuição<br />

político-pedagógica de Freinet está para além da Escola Nova quando enfatiza o<br />

trabalho, a atividade do aluno, a participação e a construção do conhecimento, num<br />

clima antiautoritário e de prevalência do bom senso de alunos e professores.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Célestin Freinet; Pedagogia Antiautoritária; Materialismo<br />

Escolar.<br />

ABSTRACT<br />

This article has as object the pedagogy of Celestin Freinet, from his works and authors<br />

of the History of Education. Your goal is to deepen the knowledge of pedagogy,<br />

especially in its anti-authoritarian traits in order to set it in relation to the New School.<br />

The methodology used in research was the literature search, focusing on the work of<br />

Celestin Freinet and his contribution to overcoming the traditional pedagogy, still<br />

installed in the classroom. The motivation of the research lies in the socialist inspiration<br />

that Freinet did put in the background of his studies the possibility of a society without<br />

exploitation and student life, enforcing their experiences. In closing remarks said that<br />

the political and pedagogical contribution of Freinet lies beyond the New School when<br />

they emphasize the work, the activity of student participation and knowledge<br />

construction in a climate of anti-authoritarian and prevalence of the common sense of<br />

students and teachers .


KEYWORDS: Celestin Freinet, anti-authoritarian pedagogy, school supplies.<br />

<strong>FREINET</strong> NO SEU CONTEXTO HISTÓRICO, FAZENDO-SE EDUCADOR<br />

A literatura revela que Célestin Freinet (1896-1966) foi um jovem camponês dos Alpes<br />

Marítimos franceses, que teve sua infância e juventude marcadas pela vivência em meio rural,<br />

portanto, sentindo na pele todas as implicações culturais e econômicas dos campesinos de sua<br />

região, inclusive tendo pastoreado ovelhas. Nesse sentido, a escola elementar que freqüentou<br />

não era equipada com materiais e/ou livros didáticos. Apesar disso, sempre obteve bons<br />

resultados nos estudos, sendo considerado bom aluno. Completou seus estudos em Gars,<br />

povoado na região da Provença, sul da França, onde ingressou na escola normal, conquistando o<br />

ideal de ser professor primário.<br />

Uma retomada histórica elucida que desde 1879 ocorrera na França um fato novo e<br />

determinante: instauração definitiva da República, tendo como base política a pequena e a<br />

média burguesia (comerciantes, artesãos, pequenos e médios empresários ou proprietários<br />

rurais, profissionais liberais e funcionários públicos). De acordo com a filosofia política do<br />

partido, os republicanos se definiram à direita dos liberais (predominantes na alta burguesia,<br />

valorizavam, antes de tudo, a manutenção integral da ordem social) e à esquerda dos socialistas<br />

(portadores de um novo projeto de sociedade, o que implica uma mudança revolucionária das<br />

relações sociais). De fato, os republicanos rejeitavam o ideal socialista, pois, na ótica dos seus<br />

interesses, que acreditavam serem os interesses de todos, a sociedade era fundamentalmente<br />

boa, mesmo que importantes aperfeiçoamentos fossem necessários, visando à concretização dos<br />

ideais de 1789.<br />

Os governantes republicanos, à frente da França desde 1879, não tinham propriamente<br />

uma teoria política específica. Como herança da Revolução Francesa, duas correntes filosóficas<br />

se acrescentam para exercer uma influência preponderante na formação dos mesmos: o<br />

pensamento político de Augusto Comte e a moral de Immanuel Kant. Do positivismo, adotam a<br />

famosa visão dos três “estados” sucessivos da sociedade ( teológico, metafísico e cientifico ).<br />

Com isto pretendem liberar a sociedade francesa de toda e qualquer influência religiosa. Isto<br />

porque toda a centralidade da educação, como os costumes e valores estavam nas mãos da<br />

Igreja, que ditava as normas para a sociedade sem perder de vista a hierarquia do estado<br />

(laicização da sociedade). A influência do Kantismo é mais sutil e menos evidenciada<br />

habitualmente nos estudos, embora se reconheça que os republicanos adotaram sua idéia da<br />

moral presente em todos os homens, fundada nas exigências da consciência livre (independente<br />

da influência religiosa).<br />

No interior da doutrina positiva e propriamente na sua origem, os republicanos que<br />

eram mais agnósticos que ateus, fieis à revolução de 1789, quiseram abolir os dois poderes da<br />

igreja na França, nessa época: o temporal (econômico) e o espiritual (ideológico). A intenção<br />

era efetivar a independência da Nação, arrancando-a da força da igreja e, claro, subordinando-a<br />

à outra, o “estado neutro e laico”. Assim, a ideologia republicana francesa, nascida das correntes<br />

de pensamento dos séculos XVII e XVIII, cresce e consolida-se a partir da revolução de 1789.<br />

Sua plena afirmação se faz após 1879, quando a republica é definitivamente proclamada no país.<br />

Suas características próprias surgem do fato de ser a ideologia da pequena e média burguesia,<br />

apesar dos percalços históricos e do impacto causado pela revolução industrial.<br />

Conforme o movimento pendular que caracteriza as ideologias, estabelece-se no seio da<br />

ideologia burguesa, uma segunda corrente, com as mesmas ideias e mais próximas do ideal<br />

republicano, calcada no iluminismo, em meados do século XVIII, com o mesmo objetivo de<br />

estabelecer uma ordem igualitária socialmente justa e questionar os fundamentos das relações<br />

vigentes. Fiéis a uma visão idealista, que lhes era comum, católicos e republicanos acreditavam


que, estabelecendo seu poder sobre as consciências, conseguiriam dominar a sociedade. Era a<br />

realidade que atormentava os socialistas, pois o artifício da igreja era muito forte, a visão do céu<br />

e inferno difundida junto ao povo e comparada com os partidos republicanos e socialistas.<br />

A predominância do governo republicano em toda a França foi o pano de fundo de toda<br />

formação de Freinet, que, desse modo, conviveu com uma grande aliança, que incluía até<br />

partidos de oposição. O que era diverso no campo de partidos políticos, tornava-se uma das<br />

forças presentes na sociedade francesa. “Evidentemente, cada uma tem suas matizes, suas<br />

frações, mais ou menos radicais. Mas não convém perder de vista o que as separa na essência”<br />

(OLIVEIRA, 1996:23). A primeira dessas forças dominantes, desde a revolução, é a classe<br />

burguesa, cuja fração republicana torna-se preponderantemente. A segunda surgiu do próprio<br />

triunfo da burguesia que, ao constituir-se como classe predominante, constituiu também uma<br />

classe dominada para sua sustentação: a massa dos proletários, onde os movimentos anarco–<br />

socialistas vão encontrar um terreno favorável de expansão.<br />

Esse cenário político da França de então era assinalado pela convivência com idéias<br />

socialistas e, predominantemente, republicanas. Foi nesse contexto que emergiram as aspirações<br />

pedagógicas e o pensamento pedagógico de Freinet, que veio a tornar-se critico ferrenho dos<br />

dogmas das teorias tradicionais. Em 1915, quando faria o terceiro ano de estágio supervisionado<br />

na escola de aplicação, foi convocado para servir na batalha, durante a 1ª guerra mundial. A<br />

história indica ter Freinet recebido condecorações por seu desempenho no campo de batalha, o<br />

que, sem dúvida, acrescentou-lhe experiência, embora acarretasse sua saúde: foi ferido no<br />

pulmão pela ação dos gases tóxicos, o que lhe impôs longo período de convalescença e<br />

questionamentos de sua fé nos dias republicanos, abalando especialmente seu patriotismo e<br />

confiança na educação como fator de progresso moral e social, como se pode observar em suas<br />

palavras:<br />

Percebíamos nas trincheiras que os deuses que os nossos mestres<br />

exaltavam – a ciência, a instrução, a família, a pátria – eram falsos<br />

deuses, sanguinários e criminosos; que esta moral não era a moral e que<br />

esta pátria era por demais madrasta para ser nossa verdadeira pátria<br />

(<strong>FREINET</strong>, 1968:8).”<br />

A partir dos anos de 1920, Freinet mostrou-se um internacionalista militante,<br />

demonstrando a face da ideologia republicana que exalta o estado, inclusive sua forte<br />

incursão sobre a educação, alicerçada numa política de desigualdades. Sua perspectiva<br />

de então têm base bases históricas que estão inseridas nas concepções socialistas e<br />

republicanas. À antiga divisão oficial da sociedade francesa em “três estados”. Nobreza,<br />

Clero e “Terceiro – Estado” (este último congregando todos os demais componentes da<br />

sociedade ) sucede todo um espectro político novo que se cristaliza após a instauração<br />

da República e que permaneceu intacto durante quase todo o período em que Freinet<br />

desenvolveu sua obra: à direita, uma minoria de monarquista e de liberais; no centro os<br />

republicanos; e à esquerda, cuja ala integra no final do século XIX, o partido radical: à<br />

esquerda, os socialistas, dos quais se separam, em 1920, os comunistas, que vão<br />

construir a extrema esquerda do movimento operário. Foi em 1925 que se filiou ao<br />

Partido Comunista Francês.<br />

Realizou seu sonho de ser professor primário. Quando exonerado desse cargo<br />

(com cinco anos de experiência), construiu uma escola em Vence (1935), cujas<br />

atividades foram interrompidas com a Segunda Guerra Mundial (quando foi preso – por<br />

sua filiação ao partido comunista e por suas ações pedagógicas – e adoeceu em campo<br />

de concentração alemão; após sua liberdade aderiu à resistência francesa ao nazismo).<br />

Em 1927 fundou a Cooperativa do Ensino Leigo, onde militou juntamente com Élise<br />

Freinet (esposa); uma de suas campanhas foi a Campanha 25 Alunos por Classe<br />

(considerada vitoriosa, em 1956). Em 1957 seus seguidores fundaram a Federação


Internacional dos Movimentos da Escola Moderna (FIM<strong>EM</strong>), que atualmente congrega<br />

educadores de, aproximadamente, 40 países.<br />

Não obstante tenha evoluído para um caminho próprio e original, foi expressão<br />

das ideologias e dos movimentos da sua época, especialmente que permeavam as<br />

organizações de professores primários. Suas ideias foram ser amplamente difundidas<br />

pelas escolas normais e formaram a base da moral laica, aliadas ao empirismo. Para os<br />

republicanos, o ensino é um direito de todos os cidadãos. A escola deve formar cada um<br />

para que se ajuste perfeitamente a um destino social. Até pelo menos a metade do século<br />

XX, pode-se dizer que a escola constitui um sistema fechado em si mesmo, inclusive<br />

oferecendo ao aluno, no final do curso: o ingresso no campo de trabalho, no ensino<br />

profissionalizante. Nesse quadro situa-se a criação das escolas normais pelo regime<br />

governamental na França, destacando-se que a figura do professor gozava de privilégios<br />

e era respeitada por todos. Essa situação social favorável ao magistério trouxe a<br />

proposta de administração das escolas por “casais pedagógicos”, surgindo numa<br />

tradição de endogamia no corpo docente francês, como ilustra o casal: Célestin Freinet e<br />

Élise Freinet. .<br />

Como os demais homens de sua geração, Freinet foi profunda e duradouramente<br />

marcado pela primeira guerra mundial. Ao longo de toda sua obra, é possível ver as<br />

cicatrizes deixadas pelo conflito nas mentes de toda uma sociedade, principalmente dos<br />

que, como ele, participavam diretamente dos combates. Países vizinhos, como Espanha,<br />

em guerra, provocavam uma nova ordem imigratória, agora sob discursos patrióticos<br />

estivessem os interesses capitalistas, de fato situados na raiz do conflito. Freinet,<br />

denunciava esse fato veementemente. A primeira guerra deixou seqüelas graves,<br />

principalmente, na vida de Freinet, como a perda de um de seus pulmões, o que, mais<br />

tarde, exigiu-lhe isolamento, quando cuidou da saúde e aprofundou suas idéias<br />

pedagógicas, representando passo decisivo para seu amadurecimento reflexivo.<br />

Aprofundou-se nos escritos teóricos dos pensadores como Teilhard Chardin,<br />

Rousseau, Marx e Lênin, esses últimos muito presentes no início de sua carreira. Sua<br />

base teórica alcançou outros pensadores da educação como Montaigne, Rabelais e<br />

Pestalozzi, que também exerceram influência no seu pensamento inicial, haja vista que<br />

ele entra em contato com as obras desses autores, buscando encontrar o seu grande<br />

recurso intelectual.<br />

A <strong>PEDAGOGIA</strong> DA PRÁXIS<br />

Freinet teve como eixo de suas preocupações a práxis, destacando-se a<br />

influência do marxismo na sua visão social e pedagógica. Seu pensamento pode ser<br />

caracterizado por três traços: 1º. Sua pedagogia não é dogmática; dá oportunidades de<br />

reflexão e de acordo em comum; 2º. Sua compreensão da sociedade apresenta um<br />

fortalecimento do compromisso com as classes populares; 3º. O materialismo escolar,<br />

em que proclama a preeminência das condições e meios materiais em todo e qualquer<br />

projeto pedagógico.<br />

Conforme demonstra Oliveira (1926) Freinet criticou a escola pública tradicional<br />

da democracia capitalista do inicio do século XX devido ao fosso que a separava das<br />

concretas necessidades de toda uma classe, considerando poder extrair dessa escola<br />

velha, a nova estrutura da escola sem a participação da burguesia:<br />

É do velho que nasce o novo, e não de um hipotético outro. É a partir<br />

de dentro da velha escola classista liberal que é preciso iniciar a


econstrução da nova escola para a futura sociedade sem classes que<br />

já começa a surgir da velha ordem burguesa. Isto, também, já dizia<br />

Lênin. (OLIVEIRA, 1996:102).<br />

Defensor da autonomia de consciência e da educação laica, Freinet não adotava<br />

as teses vanguardistas do leninismo sobre o papel do partido, mas preconizava um<br />

ensino que assumisse opção pelo proletariado, não como aparelhamento em favor de<br />

uma proposta política partidária, como salienta Oliveira (1996) para demonstrar que ele<br />

propunha uma escola de uma classe e não de um determinado partido político. Nesse<br />

sentido, destaca-se também que Freinet considerava a religião, assim como o poder<br />

republicano dominantes da educação, na busca do domínio da sociedade.<br />

Para compreender os princípios pedagógicos e o processo educativo que Freinet<br />

propõe, na direção de uma pedagogia que se aproxima da Escola Nova, voltada para a<br />

atividade e integridade do educando, bem como para a superação da lesão provocada<br />

pelos princípios ideológicos da escolástica, é preciso retomar suas próprias palavras:<br />

Mas você tem certeza de que a maior parte dessas idéias que os<br />

intelectuais julgam ter descoberto não correm desde sempre entre o<br />

povo, e de que não foi o erro escolástico que lhe minimizou e deformou<br />

a essência, para monopolizá-la e subjugá-la? (...) Veja então como,<br />

entre o povo, são tratados e educados os pequenos animais: você<br />

encontrará aí a origem dos grandes princípios educativos aos quais<br />

estamos voltando lentamente, quase que de má vontade...” (Freinet,<br />

1966:1).<br />

BASES FILOSÓFICAS DA <strong>PEDAGOGIA</strong> DE <strong>CÉLESTIN</strong> <strong>FREINET</strong><br />

A Pedagogia de Célestin Freinet, como toda e qualquer outra pedagogia ou<br />

filosofia, foi influenciada por bases teóricas de pensadores que visavam à construção do<br />

pensamento pedagógico – filosófico, nem sempre explicitamente. Suas indagações<br />

filosóficas do inicio de sua carreira estiveram baseadas em teóricos da educação como<br />

Montaigne, Rabelais, Rousseau e Pestallozi. A revisão teórica elucida também a<br />

influência de outros estudiosos como Maria Montessori, Ovídio Decroly, Washburme, o<br />

pedagogo de Winetka, em quem encontrou elementos para a educação popular.<br />

Foi nas obras de Marx e Lênin que Freinet fundou, no início de sua carreira, uma<br />

visão social da educação e sua repulsa a qualquer traço de exploração na sociedade. Ora,<br />

a partir desse contato, o pensamento dialético no seu dinamismo, o cativou e reforçou<br />

sua recusa das filosofias estabelecidas, principalmente a filosofia positivista, que visava<br />

à idéia dos fatos analisados pela experiência e recusava toda a espécie de explicação<br />

idealista. O materialismo histórico está em destaque na obra de Freinet, revelando-se<br />

através de três grandes traços já informados, que seguem explicitados.<br />

A pedagogia freinetiana, é por excelência, uma pedagogia do movimento que<br />

nasce, cresce e avança através do desafio, da contradição, da superação de obstáculos.<br />

Esses obstáculos têm presente e visível o poder político republicano e o poder temporal<br />

da Igreja. Sampaio (1989) afirma que para Freinet a escolástica não prepararia para o<br />

enfrentamento desses desafios; teria uma validade limitada aos muros escolares. Tanto é<br />

assim que se verifica em toda produção de Freinet a educação escolástica não tem os


privilégios estabelecidos pela ideologia republicana, mas direciona-se aos teóricos<br />

citados, que se encaminham para o pensamento escolanovista.<br />

Freinet avança em relação à Escola Nova mediante o aprofundamento das obras<br />

de Marx e Engels, que o levaram a ter a compreensão da sociedade, fornecendo-lhe<br />

instrumentos, para o compromisso com as classes populares, dando ainda mais,<br />

motivos, para sua permanência no partido comunista, mesmo que depois tenha vindo a<br />

sofrer retaliações. Seu pensamento influencia o sindicato e todas as instituições, o que<br />

mais tarde contribuirá para uma verdadeira resistência, de dentro, às pressões da própria<br />

instituição. É correto, portanto, afirmar-se que Freinet tem suas raízes no pensamento<br />

marxista, o que foi de fundamental importância para a construção da sua pedagogia,<br />

como educação que leva à construção do pensamento e da vida. Trata-se aqui do<br />

terceiro traço de sua pedagogia, que é o mais célebre na vida de Freinet. Baseado na<br />

literatura marxista, ele mesmo fala de um suposto materialismo escolar, onde proclama<br />

a preeminência das condições e meios materiais em todo e qualquer projeto pedagógico.<br />

Obviamente Freinet não ficou somente na teoria, buscando só nos livros a<br />

resposta para a construção da sua pedagogia. Era necessário ver na prática como<br />

acontecia essa práxis de educação libertária, que tem o materialismo histórico como<br />

fundamento. É convidado, por um colega alemão, a visitar as escolas de Hamburgo ( na<br />

Alemanha), que tinham o ideal de educação libertária, o que pouco lhe teria<br />

acrescentado conforma Oliveira (1996).<br />

Freinet, ainda de acordo com Oliveira (1996), buscava na práxis a teoria para o<br />

enriquecimento de uma nova pedagogia, cuja prática transforme e valorize a escola,<br />

assim como assegure a participação do aluno, encaminhando-se progressivamente de<br />

uma educação situada em uma sociedade capitalista para sua plena realização na<br />

sociedade socialista, na busca do verdadeiro progresso e da libertação. Esse pensamento<br />

freinetiano, está dentro dos ideais do pensamento marxista, que por sua vez declara, na<br />

“Ideologia Alemã”, nas teses a Feubarch, valorizando a práxis como ação mantenedora<br />

do homem:<br />

A questão de atribuir ao pensamento humano uma verdade objetiva não<br />

é uma questão teórica, mas sim uma questão prática. È na práxis que o<br />

homem precisa provar a verdade, isto é, realidade e a força, a<br />

terrenalidade do seu pensamento. (...) A doutrina materialista que<br />

pretende que os homens sejam produto da circunstância e de uma<br />

educação, e que conseqüentemente homens transformados sejam<br />

produtos de outras circunstâncias e de uma educação modificada,<br />

esquece que são precisamente os homens que transformam as<br />

circunstâncias e que o próprio educador precisa ser educado. È por isso<br />

que ele tende a dividir a sociedade em duas partes, uma das quais está<br />

acima da sociedade. A coincidência da mudança das circunstâncias e da<br />

atividade humana ou automudanças só pode ser considerada e<br />

compreendida racionalmente como práxis revolucionária” (MARX E<br />

ENGELS, 1998:100).<br />

Do contato com a pedagogia nova, Freinet não teme reconhecer as contribuições<br />

dos pioneiros da Escola Nova à progressiva construção de sua obra. De Cousinet, por<br />

exemplo, ele adota o trabalho em equipes; de Decroly, aproveita parcialmente a noção<br />

de “centros de interesses”, de Ferriérre, a noção de escola ativa. Mas está claro que


Freinet não se inspira somente na escola nova. Busca em outras fontes, como a escola<br />

de Winnetka, nos seus métodos de instrução, assegura posição central à criança no<br />

processo da educação, da qual compartilha. O escolanovismo, na prática, só confirma a<br />

visão da prática em oposição à tradicional, onde o professor é o centro.<br />

Oliveira (1996) menciona que, no verão de 1925, Freinet integra a primeira<br />

delegação de docentes que vai visitar a União Soviética. Diante das bases russas, tendo<br />

em vista a pedagogia, descobrem que a preocupação deles era centrar na formação do<br />

“homem comunista. Assim, buscou os ideais da primeira escola russa, só que revendo a<br />

metodologia e as noções libertárias. Diante desse fato, a relação e observação feita nas<br />

escolas russas levaram-no a idealizar a “Escola do Trabalho”, assim como o fez Pistrak<br />

na Rússia, ao lado de Makarenko e Nadezhda Krupskaya, das oficinas escolares ao trabalho<br />

na fábrica. A práxis que Freinet busca para a sua pedagogia, está claro que é a vivência<br />

do cotidiano, em que a criança traz à sala de aula. Quando ele afirma: “Se soubéssemos<br />

ajudar as nossas crianças a tornarem-se homens” (Freinet 1996:05), demonstra que a<br />

função da escola não é conduzir a força do trabalho braçal, mas, conduzir através da<br />

vida prática.<br />

Para Freinet, não está ao alcance dos docentes interferir na construção do<br />

conhecimento, mudando o meio social. A proposta freinetiana tem o limite:<br />

Preparar tecnicamente a escola pós-revolucionária e, principalmente,<br />

empenharmos socialmente em “normalizar” a escola popular, em fazer<br />

descer a pedagogia dos cumes teóricos onde está voando, longe das<br />

contingências sociais. (Freinet, apud. Oliveira, 1996:137).<br />

Desse enquadramento teórico fica patente que o pensamento freinetiano<br />

assume como fulcro fundamental, em primeiro lugar, o suporte teórico-prático, que lhe<br />

confere o pensamento marxista; E em segundo lugar a proposta “ideal transformadora”<br />

elaborada por Rousseau, tomando em consideração o objetivo maior de formar o<br />

cidadão. Daí resulta que a postura epistemológica assumida por Freinet, se caracteriza<br />

por estar voltada, claramente, para construção de um modelo social que tem por objeto a<br />

melhoria dos padrões de qualidade, da formação do “homem social por excelência”: o<br />

operário. Isto só é possível, na metodologia freinetiana, na medida em que a educação<br />

enquanto processo de socialização é assumida pela escola, como sua mediação maior.<br />

ANTIAUTORITARISMO E BOM SENSO NA <strong>PEDAGOGIA</strong> DE <strong>FREINET</strong><br />

O encontro de Freinet com a realidade social busca transformar a escola não no<br />

nível de mudanças político-sociais, até porque o seu objetivo será como veremos –<br />

demonstrar a possibilidade de transformar a escola, num ambiente de socialização. Sua<br />

pedagogia antiautoritária, parte do materialismo dialético idealizado por Freinet que<br />

acentua a relação teoria e prática e aponta “técnicas e ferramentas”. Na verdade não se<br />

trata de método, mas de “técnicas Freinet”, que “formam um conjunto dinâmico,<br />

surgindo de uma prática dialética, sempre questionando na ação, sempre aberto a<br />

mudanças e acréscimos” (Oliveira, 1996:146). Para Freinet, o que interessa é a<br />

objetividade da pedagogia, fugindo dos parâmetros educacionais do poder republicano.<br />

Quanto ao antiautoritarismo da sua pedagogia, como proposta pedagógica Freinet<br />

expressa claramente:


“É a servidão que nos torna fracos, é a experiência vivida, mesmo<br />

perigosamente, que forma os homens capazes de trabalhar e de<br />

viver como homens. Não aceite a volta à servidão escolar. Faça<br />

por merecer a liberdade! (Freinet, 1996:43)”.<br />

Nesse sentido desvela o mito do viver livremente e trabalhar livremente no<br />

contexto da sociedade capitalista. (...) “Trabalhar livremente são duas palavras que,<br />

nesta sociedade, aparecem como completamente antagônicas” (Freinet apud. Oliveira,<br />

1996:147). Freinet, numa atitude de respeito para com as crianças, começa a trabalhar<br />

com elas e a utilizar as técnicas e ferramentas do ensino, através do método natural – o<br />

texto livre –da impressão escolar, da elaboração dos planos de aula; tendo em mente a<br />

pessoa humana do aluno, colocando – se em seu lugar. Tudo à luz do bom senso.<br />

Assim, ele se expressa para o professor, como idéia pedagógica antiautoritária :<br />

Se você conseguir transformar assim o clima da sala de aula, se<br />

você deixar desabrochar a atividade livre, se souber da um pouco<br />

de calor no coração, como um raio de sol que desperta a<br />

confiança e a esperança, você ultrapassará a corvéia do soldado e<br />

o seu trabalho renderá cem por cento (Freinet,1996:20).<br />

Fica claro que não se pode inibir o mundo da criança, tentar esconder delas a<br />

realidade que está à volta, até porque não conseguimos esconder. Para esse protótipo de<br />

ensino, em uma relação em que a criança caminha ao lado do adulto:<br />

Ponha-se no lugar dessa criança que você acabou de humilhar<br />

com um a nota baixa ou má classificação. Lembre-se do seu<br />

próprio orgulho quando você era dos primeiros, e de todos os<br />

maus sentimentos que o agitavam quando outros passavam na<br />

frente. [...] Se você não voltar a ser como criança não entrará no<br />

reino encantado da pedagogia [...] (Freinet,1967:23).<br />

A pedagogia Freinet busca assim entrar no mundo da criança satisfazendo,<br />

não às vontades, mas vivendo a realidade que a cerca. Na invariante pedagógica de<br />

Freinet, ele expõe a criança e o adulto tendo a mesma natureza. À afirmação freinetiana,<br />

“ninguém gosta de ser interrogado, nem os adultos nem as criança... e porque o ser<br />

humano não suporta a sensação de inferioridade” (Freinet,1996:65). Fica claro que a<br />

pedagogia antiautoritária não tem essa intenção de inferiorizar, mas de levar o aluno a<br />

demonstrar a capacidade que o mesmo tem de superar-se, criando a partir de sua<br />

experiência. É o exemplo do cotidiano que Freinet demonstra com satisfação: aquele<br />

jovem que desenvolvia tantas habilidades e não tinha lido nenhum manual escolar.<br />

Freinet é contra essa idéia dos manuais escolares que nada têm a ver com a realidade<br />

das crianças, que, acima disto, são forçadas à leitura desses manuais. Freinet declara o<br />

questionamento, a interrogação como método de trabalho:<br />

“Se você quiser que a escola seja a imagem da vida, será preciso<br />

banir dela a interrogação como método de trabalho, pois na vida<br />

só se interroga quando se deseja conhecer” (Freinet,1996:65).<br />

Essa pedagogia enfatiza a livre expressão dos alunos, via pela qual os mesmos<br />

criam os textos e, na escola, cuidam do trabalho de impressão, que é realizados pelos


alunos, vendo o resultado dos seus trabalhos, tanto no nível intelectual quanto da prática<br />

de impressão dos próprios trabalhos. È a imprensa escolar, isto é, o movimento de<br />

construção do conhecimento que reflete uma das bases do construtivismo, como afirma<br />

Sampaio (1989). Nesse entusiasmo surge a correspondência interescolar em que<br />

professores e alunos comunicam-se. Dessa correspondência surge uma nova pedagogia:<br />

a pedagogia do bom senso, que Freinet não tinha o intuito de que esta pedagogia não<br />

fosse questionada. Aliás, o surgimento dessa pedagogia do bom senso, ocorre através da<br />

correspondência escolar, onde os professores demonstravam as suas dificuldades em<br />

relação às técnicas freinetianas (sob os princípios pedagógicos considerados<br />

invariantes), e onde o próprio Freinet flexionava-as (a metodologia). Eis o sentido da<br />

nova pedagogia. Essas invariantes ou premissas têm por objetivo que o professor possa<br />

analisar o seu processo metodológico em sala de aula, visando à construção do<br />

conhecimento por parte da criança, respeitando sua natureza e do ato pedagógico.<br />

Freinet refere-se à natureza da criança, englobando todo o seu aspecto fisiológico; esse<br />

estado físico interfere intelectualmente, ou seja, no aprendizado da criança. Afirma<br />

Freinet, comprovando a reação da criança, na obra pedagógica do bom senso e o papel<br />

do professor ao oferecer as diretrizes para não se “vergar contra à vontade do artífice”.<br />

A natureza é assim: ninguém gosta de obedecer passivamente. [...] A<br />

criança, porém, ainda é nova [...] Basta sentir que você quer orientá-la<br />

por um determinado caminho, que o seu movimento natural é escapar<br />

em sentido oposto. (...) O velho pedagogo, o filósofo obstinado, talvez<br />

saibam tudo isto, mas objetam: na vida, nunca se faz o que se quer...que<br />

eles aprendam primeiro a obedecer! (Freinet,1996:67).<br />

Outros dispositivos pedagógicos podem ainda ser buscados e aprofundados na obra de<br />

Freinet, em trabalhos futuros, como: aulas-passeio, jornais escolares, centros ou cantinhos de<br />

interesse, a valorização do êxito do aluno em uma concepção de colaboração e não do erro<br />

construtivo, tudo sob o eixo de sua proposta de uma escola moderna, popular e libertadora.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Esta incursão no pensamento de Freinet, especialmente no que se refere a sua<br />

proposta de pedagogia da práxis e antiautoritária, permite perceber a crítica severa que<br />

faz à pedagogia tradicional, ao que contrapropõe suas invariantes pedagógicas, como<br />

princípios pedagógicos que dão significado às técnicas que ajudam o professor: através<br />

de perguntas que o mesmo faz a si e, principalmente, aos alunos., utilizando como<br />

método em sala de aula. Evidencia-se que pode ter sido essa a origem do método da<br />

problematização, do ensino pela pesquisa, que a Didática moderna hoje enfatiza, tendo<br />

como suporte a perspectiva de uma sociedade sem exploração com a clareza de que não<br />

é pela via da escola que se dará a transformação das relações sociais vigentes.<br />

Fica desse estudo também a ênfase ao bom senso, de professores e alunos, uma<br />

vez que ele representa o núcleo sadio do senso comum, tipo de conhecimento acessível<br />

a todos, aspecto que Gramsci enfatiza e os novos paradigmas que se consolidam na<br />

atualidade. Também se conclui que a pedagogia de Freinet, embora nascida no contexto<br />

do movimento da Escola Nova, a supera.<br />

Uma lição importante a considerar é que a proposta de pedagogia antiautoritária<br />

de Freinet, não visa a promoção de uma política partidária, mas a libertação da<br />

pedagogia para o povo. Assim, fortalece a tese do não aparelhamento político-partidário


das instituições sociais, particularmente das escolas. Suas invariantes implicam<br />

dispositivos que não se dão de modo autônomo em relação à visão de mundo do<br />

professor, portanto que se situam no contexto da ação – reflexão – ação que assinala a<br />

pedagogia da práxis. Sua história de vida elucida a constituição do professor, do<br />

educador, em um cidadão militante na defesa dos direitos do seu povo e da sua pátria.


REFERÊNCIAS<br />

COTRIM, Gilberto. PARISI, Mário. Fundamentos da educação: historia e filosofia da<br />

educação. 13. Ed. São Paulo: Saraiva, 1988.<br />

<strong>FREINET</strong>, Célestin. Pedagogia do bom senso. Trad. J. Baptista. 5. ed. São Paulo:<br />

Martins Fontes, 1998.<br />

<strong>FREINET</strong>, Célestin. Para uma escola do povo: guia prático para a organização<br />

material, técnica e pedagógica da escola popular. São Paulo: Martins Fontes,1996;<br />

Lisboa: Editorial Presença,1978<br />

<strong>FREINET</strong>, Célestin. Uma pedagogia de atividade e cooperação. Trad. Marisa del<br />

Cioppo Elias. São Paulo: Vozes.<br />

MARX, Karl. ENGELS, Frederich. Ideologia alemã. Trad. Luis Cláudio de Castro e<br />

Costa. São Paulo: Martins Fontes, 1998.<br />

OLIVEIRA, Anne Marie Emilie M. Milion. Célestin Freinet: raízes sociais de uma<br />

proposta pedagógica. Rio de Janeiro: Papeis e Cópias de Botafogo Ltda/Escolas de<br />

Professores, 1995.<br />

SAMPAIO, Rosa Maria Whitaker Ferreira. Freinet: evolução histórica e atualidades.<br />

São Paulo: 1989.<br />

_______________________<br />

¹<strong>Mildon</strong> Carlos Calixto dos Santos<br />

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPED/UNIT)<br />

Bolsista do OBSED/CAPES na UNIT<br />

Universidade Tiradentes (UNIT) – Aracaju – SE<br />

mildonc@ig.com.br<br />

Grupo de pesquisa: GPGFOP/UNIT/CNPq<br />

² Ada Augusta Celestino Bezerra<br />

Doutora em Educação pela USP<br />

Professor Pleno I do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPED/UNIT)<br />

Universidade Tiradentes (UNIT) – Aracaju – SE<br />

adaaugustaeduc@gmail.com

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