01.06.2013 Views

O fardo furado do estrangeirismo (Gilberto de Castro) - Educar em ...

O fardo furado do estrangeirismo (Gilberto de Castro) - Educar em ...

O fardo furado do estrangeirismo (Gilberto de Castro) - Educar em ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

FARACO, C. A . Estrangeirismos − guerras<br />

<strong>em</strong> torno da língua. São Paulo: Parábola,<br />

2001.<br />

O <strong>far<strong>do</strong></strong> <strong>fura<strong>do</strong></strong> <strong>do</strong> <strong>estrangeirismo</strong><br />

<strong>Gilberto</strong> <strong>de</strong> <strong>Castro</strong>*<br />

Num momento <strong>em</strong> que proliferam na mídia programas que prescrev<strong>em</strong><br />

como <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os nos comportar quan<strong>do</strong> usamos a nossa língua portuguesa,<br />

<strong>em</strong> que antigos professores <strong>de</strong> cursinho, movi<strong>do</strong>s a muita simpatia<br />

e nenhuma ciência, ganham espaço na TV, antes normalmente só <strong>de</strong>stina<strong>do</strong><br />

aos artistas <strong>do</strong> momento, nada parece mais b<strong>em</strong>-vin<strong>do</strong> <strong>do</strong> que o livro<br />

Estrangeirismos – guerras <strong>em</strong> torno da língua, publica<strong>do</strong> pela Parábola, no<br />

final <strong>do</strong> ano passa<strong>do</strong>. Isso porque, <strong>em</strong>bora o objetivo principal <strong>do</strong> texto seja<br />

o <strong>de</strong>bate sobre as verda<strong>de</strong>s e mentiras <strong>em</strong> torno da questão <strong>do</strong>s<br />

<strong>estrangeirismo</strong>s, as idéias que o livro apresenta vão b<strong>em</strong> além <strong>do</strong>s probl<strong>em</strong>as<br />

da a<strong>de</strong>são ou aversão às palavras estrangeiras presentes na nossa e <strong>em</strong><br />

outras línguas, fornecen<strong>do</strong> vasto material para uma boa reflexão sobre a<br />

geografia da língua real que usamos to<strong>do</strong> dia, na escola e no trabalho.<br />

O livro, escrito por lingüistas <strong>de</strong> diferentes pontos <strong>do</strong> país, foi organiza<strong>do</strong><br />

pelo professor Carlos Alberto Faraco e reúne oito artigos que, segun<strong>do</strong><br />

os editores, têm orig<strong>em</strong> “num equívoco, o projeto <strong>de</strong> lei 1676/1999<br />

– sobre ‘a promoção, a proteção, a <strong>de</strong>fesa e o uso da língua portuguesa’ –<br />

<strong>do</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Al<strong>do</strong> Rebelo” (EDITORES, 2001, p. 7), <strong>do</strong> PC <strong>do</strong> B. No firme<br />

objetivo <strong>de</strong> combater as idéias estapafúrdias <strong>de</strong>fendidas pelo <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Rebelo<br />

no seu projeto, os autores constró<strong>em</strong>, a partir das informações hoje já<br />

consagradas pelos estu<strong>do</strong>s lingüísticos <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> não normativa, uma argumentação<br />

sólida e rica <strong>em</strong> ex<strong>em</strong>plificação, que transforma os propósitos <strong>do</strong><br />

autor <strong>do</strong> projeto num <strong>em</strong>aranha<strong>do</strong> bizarro <strong>de</strong> confusões, <strong>de</strong>sencontros e<br />

ignorância sobre as questões <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong>. Afinal, <strong>em</strong>bora a lingüística ainda<br />

* Professor Doutor <strong>do</strong> Departamento <strong>de</strong> Teoria e Prática <strong>de</strong> Ensino, <strong>do</strong> setor <strong>de</strong><br />

Educação, da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Paraná. castrog@uol.com.br<br />

<strong>Educar</strong>, Curitiba, n. 20, p. 301-306. 2002. Editora UFPR 1


seja bastante ignorada pela mídia, como afirma o organiza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> livro, “<strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

o fim <strong>do</strong> século XVIII, v<strong>em</strong>-se construin<strong>do</strong> um saber científico sobre as<br />

línguas humanas. Essa ciência – a lingüística – já está solidamente estabelecida<br />

nas universida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> to<strong>do</strong> e v<strong>em</strong> acumulan<strong>do</strong> um sal<strong>do</strong> apreciável <strong>de</strong><br />

observações e análises que corro<strong>em</strong> até o cerne tanto a reverência quase<br />

religiosa às velhas gramáticas, quanto o discurso mítico <strong>do</strong> senso comum.”<br />

(FARACO, 2001, p. 37-38)<br />

E é a partir <strong>do</strong>s referenciais da Lingüística que os autores vão conceituar<br />

<strong>estrangeirismo</strong> como o “<strong>em</strong>prego, na língua <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos<br />

oriun<strong>do</strong>s <strong>de</strong> outras línguas. No caso brasileiro, posto simplesmente,<br />

seria o uso <strong>de</strong> palavras e expressões estrangeiras no português.” (GARCEZ;<br />

ZILLES, 2001, p. 15). Em seguida, cada um a seu mo<strong>do</strong>, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>iam um<br />

verda<strong>de</strong>iro arsenal argumentativo a respeito <strong>do</strong>s mitos que cercam as discussões<br />

sobre o t<strong>em</strong>a <strong>do</strong> <strong>estrangeirismo</strong> no Brasil e no mun<strong>do</strong>.<br />

Eles argumentam, primeiramente, a favor da normalida<strong>de</strong> da presença<br />

<strong>de</strong> palavras estrangeiras <strong>em</strong> qualquer língua humana, mostran<strong>do</strong> que o uso<br />

<strong>de</strong>ssas palavras aqui e ali <strong>em</strong> nada garante a sua permanência absoluta<br />

numa língua, pois “<strong>em</strong>bora pareça fácil apontar, hoje, home banking e coffee<br />

break como ex<strong>em</strong>plos claros <strong>de</strong> <strong>estrangeirismo</strong>s, ninguém garante que daqui<br />

a alguns anos não estarão sumin<strong>do</strong> das bocas e mentes, como o match<br />

<strong>do</strong> futebol e o rouge da moça; assim como ninguém garante que não terão<br />

si<strong>do</strong> incorpora<strong>do</strong>s naturalmente à língua, como o garçom e o sutiã, o esporte<br />

e o clube.” (GARCEZ; ZILLES, 2001, p. 18) E isso acontece justamente<br />

porque não há como negar que, primeiro, toda língua humana muda <strong>de</strong><br />

forma inevitável e, segun<strong>do</strong>, que essa mudança não busca nenhum fim<br />

inexorável e bom, já que “a língua não é um organismo vivo: assim não<br />

po<strong>de</strong>mos apreendê-la <strong>em</strong> termos evolucionistas, como algo que nasce, cresce,<br />

envelhece e morre” (BAGNO, 2001, p. 67). Ela “simplesmente muda...(...).<br />

Muda para aten<strong>de</strong>r às necessida<strong>de</strong>s das mulheres e crianças que a falam.”<br />

(EDITORES, 2001, p. 8)<br />

Apesar da indignação com o projeto <strong>de</strong> lei <strong>do</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Al<strong>do</strong> Rebelo,<br />

os autores não revelam surpresa diante da sua proposta, porque segun<strong>do</strong><br />

apontam no livro, tanto o fascínio quanto o t<strong>em</strong>or <strong>em</strong> relação à língua<br />

estrangeira s<strong>em</strong>pre foram gran<strong>de</strong>s ao longo da história. Sobre o fascínio,<br />

Bagno ex<strong>em</strong>plifica, dizen<strong>do</strong> que “No século XIX (...), a aristocracia <strong>de</strong><br />

to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> só falava francês, fican<strong>do</strong> as línguas nacionais relegadas ao<br />

resto da população” (BAGNO, 2001, p. 58). A aversão à palavra estrangeira,<br />

por sua vez, s<strong>em</strong>pre foi marcada pelo me<strong>do</strong> e pela ignorância. É flagrante a<br />

2<br />

<strong>Educar</strong>, Curitiba, n. 20, p. 301-306. 2002. Editora UFPR


motivação elitista e preconceituosa <strong>do</strong>s cavaleiros <strong>do</strong> apocalipse lingüístico<br />

que se arvoraram a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r as suas línguas da capciosida<strong>de</strong> e corrupção<br />

estrangeira ao longo da história. Com a nossa língua não foi diferente, daí a<br />

pertinência da afirmação <strong>de</strong> que<br />

A falta <strong>de</strong> informação científica é evi<strong>de</strong>nte <strong>em</strong> todas as afirmações <strong>do</strong><br />

purismo lingüístico que, há vários séculos, vêm juran<strong>do</strong> <strong>de</strong> pé junto que a<br />

língua portuguesa está sen<strong>do</strong> assassinada, que <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> poucos anos ela<br />

não vai existir mais, que os <strong>estrangeirismo</strong>s vão <strong>de</strong>struir a estrutura <strong>do</strong><br />

português, que o <strong>de</strong>sprezo <strong>do</strong>s falantes pela sua própria língua vai con<strong>de</strong>nála<br />

ao <strong>de</strong>saparecimento etc., etc. (BAGNO, 2001, p. 60)<br />

Esse t<strong>em</strong>or infunda<strong>do</strong> <strong>de</strong> que a língua portuguesa, por causa <strong>do</strong>s<br />

<strong>estrangeirismo</strong>s, estaria sen<strong>do</strong> esfacelada nas suas raízes mais profundas,<br />

na sua estrutura e organização, também é fort<strong>em</strong>ente combati<strong>do</strong> pelos autores<br />

porque “estan<strong>do</strong> sóli<strong>do</strong>s a gramática da língua (fonologia, morfologia<br />

e sintaxe) e seu fun<strong>do</strong> léxico comum, não há nenhuma razão para t<strong>em</strong>er<br />

qualquer <strong>de</strong>svirtuamento <strong>do</strong> idioma <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> algumas centenas <strong>de</strong><br />

<strong>em</strong>préstimos.” (FIORIN, 2001, p. 116) Nesse senti<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong> aquilo que vier <strong>de</strong><br />

fora para ficar, dificilmente ficará imune ao processo <strong>de</strong> adaptação gera<strong>do</strong><br />

pelas características próprias da nossa língua materna, como o que aconteceria,<br />

por ex<strong>em</strong>plo, com a apropriação <strong>de</strong> alguns verbos <strong>do</strong> inglês: “Se<br />

a<strong>do</strong>tarmos start, logo ter<strong>em</strong>os estartar (e todas as suas flexões), pois nossa<br />

língua não t<strong>em</strong> sílabas iniciais como st-, que imediatamente se tornam est.<br />

Veja-se b<strong>em</strong>: não só acrescentamos uma vogal, mas ela será um ‘e’ (...). A<br />

forma nunca será startar, n<strong>em</strong> oastartar ou ustartar, n<strong>em</strong> estarter ou estartir,<br />

n<strong>em</strong> printer ou printir, n<strong>em</strong> atacher ou atachir etc., etc., etc.” (POSSENTI,<br />

2001, p. 171-172).<br />

Uma outra argumentação interessante, que <strong>de</strong>tona com as justificativas<br />

simplistas <strong>do</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Rebelo, concentra-se na ingenuida<strong>de</strong> da sua<br />

proposta <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>rar que apenas um punha<strong>do</strong> <strong>de</strong> palavras estrangeiras,<br />

na sua maioria especializadas e avulsas, que operam e aparec<strong>em</strong> <strong>em</strong> apenas<br />

alguns contextos e para grupos normalmente restritos, possa criar no povo<br />

brasileiro − essa sofrida abstração – <strong>em</strong>pecilhos comunicativos ou danos<br />

profissionais. Conforme Schmitz,<br />

<strong>Educar</strong>, Curitiba, n. 20, p. 301-306. 2002. Editora UFPR 3


4<br />

Cabe l<strong>em</strong>brar que nos textos autênticos elabora<strong>do</strong>s por especialistas <strong>em</strong><br />

diferentes campos <strong>do</strong> conhecimento e publica<strong>do</strong>s <strong>em</strong> revistas, os próprios<br />

<strong>em</strong>préstimos estrangeiros pelos diferentes autores aparec<strong>em</strong> “espalha<strong>do</strong>s”<br />

no texto e n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre são as palavras <strong>de</strong> maior freqüência. Seria <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

utilida<strong>de</strong>, s<strong>em</strong> dúvida, i<strong>de</strong>ntificar os <strong>estrangeirismo</strong>s e sua freqüência nos<br />

textos técnicos nas áreas <strong>de</strong> economia, informática, administração, esportes<br />

e agricultura. (SCHMITZ, 2001, p. 99)<br />

Mas acontece que nessas e <strong>em</strong> outras áreas especializadas das ativida<strong>de</strong>s<br />

sociais, não são só as palavras estrangeiras que não são compreendidas.<br />

Como insist<strong>em</strong> <strong>em</strong> nos ven<strong>de</strong>r a idéia <strong>de</strong> que somos to<strong>do</strong>s irmãos por<br />

parte <strong>de</strong> língua – <strong>em</strong>bora não por parte <strong>de</strong> pai! – acabamos por acreditar<br />

que falamos e compreen<strong>de</strong>mos o português, como se essa nossa língua,<br />

para muitos <strong>de</strong> nossos menores e maiores aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s, fosse algo fácil<br />

realmente, uniforme e altamente codificada. Seguin<strong>do</strong> essa idéia aparent<strong>em</strong>ente<br />

inofensiva,<br />

...o <strong>estrangeirismo</strong> ameaça a unida<strong>de</strong> nacional porque <strong>em</strong>perra a<br />

compreensão <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> não conhece a língua estrangeira. Isso seria<br />

equivalente a afirmar que um enuncia<strong>do</strong> como “Eu baixei um programa<br />

novo <strong>de</strong> computa<strong>do</strong>r” seria plenamente compreensível por to<strong>do</strong>s os<br />

brasileiros <strong>de</strong> qualquer rincão, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente <strong>do</strong> nível <strong>de</strong> instrução e<br />

das peculiarida<strong>de</strong>s regionais da fala e escrita (justificativa <strong>do</strong>s projetos <strong>de</strong><br />

lei anti<strong>estrangeirismo</strong>s), porque não contém <strong>estrangeirismo</strong>s, mas isso<br />

não se passaria com o enuncia<strong>do</strong> “Eu fiz o <strong>do</strong>wnload <strong>de</strong> um software<br />

novo”, que seria incompreensível a qualquer brasileiro que não conhecesse<br />

inglês, <strong>em</strong> função <strong>do</strong>s <strong>estrangeirismo</strong>s. (GARCEZ; ZILLES, 2001, p. 29-30)<br />

Aqui, certamente serão muito b<strong>em</strong> vindas as perguntas: “Quantos alfabetiza<strong>do</strong>s<br />

brasileiros seriam capazes <strong>de</strong> ler e enten<strong>de</strong>r o projeto <strong>de</strong> lei <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Al<strong>do</strong> Rebelo ou qualquer outro projeto <strong>de</strong> lei que se redige no<br />

Congresso Nacional? Quantos seriam capazes <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r a maioria <strong>do</strong>s<br />

discursos que lá po<strong>de</strong>riam escutar?” (GUEDES, 2001, p. 127) Sobre a ilusão<br />

<strong>de</strong> que falamos to<strong>do</strong>s uma língua única − bela e justa! – e que nossa<br />

compreensão é s<strong>em</strong>pre mútua e construtiva, e que por isso <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os juntos<br />

<strong>Educar</strong>, Curitiba, n. 20, p. 301-306. 2002. Editora UFPR


protegê-la das invasões, paira, quase nada dissimulada, a idéia <strong>do</strong> controle<br />

mais tacanho. É por isso que Zilles vai afirmar que:<br />

Soa excessivo, enfim, porque esse tipo <strong>de</strong> proposta combina mais com<br />

regimes <strong>de</strong> exceção, <strong>em</strong> que vigora o autoritarismo: basta l<strong>em</strong>brar o que<br />

ocorreu na ditadura Vargas, quan<strong>do</strong> os (<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>) imigrantes foram<br />

proibi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> usar suas línguas <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> e, por conta disso, tiveram suas<br />

casas invadidas, seus livros queima<strong>do</strong>s, suas escolas fechadas, seus<br />

professores proibi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> dar aulas <strong>em</strong> outras línguas que não o português,<br />

mesmo que fosse <strong>em</strong> casa, quan<strong>do</strong> não eram leva<strong>do</strong>s à <strong>de</strong>legacia para<br />

cantar o hino nacional (...). Com certeza os autores <strong>de</strong>sses projetos <strong>de</strong> lei<br />

não estavam pensan<strong>do</strong> nisso quan<strong>do</strong> fizeram suas propostas, mas é<br />

importante que saibam que elas legitimariam esse tipo <strong>de</strong> evento social<br />

abusivo, entre outros, é claro. (ZILLES, 2001, p. 146)<br />

To<strong>do</strong>s os autores <strong>de</strong> Estrangeirismos... t<strong>em</strong><strong>em</strong> esse provável e autoritário<br />

controle que <strong>de</strong>correria da implantação <strong>de</strong> um projeto como o <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Rebelo. Além <strong>do</strong>s t<strong>em</strong>pos <strong>de</strong> Vargas, <strong>em</strong> muitos <strong>do</strong>s textos <strong>do</strong><br />

livro, é possível também ver r<strong>em</strong><strong>em</strong>ora<strong>do</strong> o drama <strong>do</strong>loroso <strong>do</strong> abafamento<br />

da língua geral. Falada pelos negros, índios, mestiços e brasileiros nativos<br />

− coinci<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente a maioria da população brasileira − ela pa<strong>de</strong>ceu sob a<br />

pena autoritária <strong>do</strong> Marquês <strong>de</strong> Pombal, qu<strong>em</strong> impôs <strong>de</strong> vez a língua portuguesa,<br />

não por ser essa a mais bela e b<strong>em</strong> acabada, mas porque era a língua<br />

da minoria <strong>do</strong>minante e po<strong>de</strong>rosa.<br />

Por causa da história e da falta <strong>de</strong> cientificida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s argumentos usa<strong>do</strong>s<br />

no projeto <strong>do</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>, os autores também se perguntam por que se<br />

incomodar tanto com a língua − que vai tão b<strong>em</strong>, obriga<strong>do</strong>! − como se ela<br />

fosse uma das gran<strong>de</strong>s vilãs das nossas misérias. Eles questionam por que<br />

não nos preocupamos mais com leis que nos protejam da invasão cultural,<br />

essa sim responsável pelo contato com o el<strong>em</strong>ento media<strong>do</strong>r das outras<br />

culturas que é a língua? Por que, ao invés <strong>de</strong> falar mal das línguas alheias −<br />

principalmente <strong>do</strong> inglês − não discutimos a nossa subserviência tecnológica<br />

e científica, enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> melhor o nosso papel nos mistérios <strong>do</strong> contexto da<br />

globalização? Enfim, para os autores, a melhor forma <strong>de</strong> proteger a língua<br />

portuguesa seria investir na cultura brasileira, através <strong>de</strong> leis que protegess<strong>em</strong><br />

a qualida<strong>de</strong> acadêmica e o salário <strong>do</strong>s professores, que mo<strong>de</strong>rnizas-<br />

<strong>Educar</strong>, Curitiba, n. 20, p. 301-306. 2002. Editora UFPR 5


s<strong>em</strong> as escolas públicas, distribuíss<strong>em</strong> melhor a renda nacional e incentivass<strong>em</strong><br />

o consumo da literatura <strong>em</strong> língua portuguesa com preços longe da<br />

hora da morte.<br />

Um outro ponto polêmico <strong>do</strong> projeto <strong>do</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Rebelo recai sobre<br />

seu argumento <strong>de</strong> que o cultivo da boa e bela língua portuguesa ficaria a<br />

cargo da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras. Bagno contra-ataca essa idéia<br />

boba, se perguntan<strong>do</strong><br />

6<br />

...por que cargas d’ água a um grupo <strong>de</strong> 40 pessoas (...) caberia tomar<br />

<strong>de</strong>cisões sobre os <strong>de</strong>stinos da língua falada e escrita num país com 170<br />

milhões <strong>de</strong> habitantes? (...) Não seria mais razoável consultar, por ex<strong>em</strong>plo,<br />

os quase <strong>do</strong>is mil m<strong>em</strong>bros da Associação Brasileira <strong>de</strong> Lingüística, que<br />

reúne os cientistas, pesquisa<strong>do</strong>res, professores e <strong>de</strong>mais especialistas nas<br />

questões <strong>de</strong> língua, linguag<strong>em</strong> e ensino? (BAGNO, 2001, p. 52)<br />

Embora os autores <strong>do</strong> livro não se surpreendam mais com a recorrência<br />

<strong>do</strong> t<strong>em</strong>a <strong>do</strong> <strong>estrangeirismo</strong>, as idéias <strong>de</strong> Rebelo não <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> espantá-los.<br />

E esse espanto está, principalmente, na dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r como que<br />

um <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> <strong>de</strong> um parti<strong>do</strong> como o PC <strong>do</strong> B, teoricamente alinha<strong>do</strong> aos<br />

i<strong>de</strong>ais da justiça social e a favor <strong>do</strong> povo oprimi<strong>do</strong> e s<strong>em</strong> voz, usa o argumento<br />

da <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> povo para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o pensamento monolítico das elites<br />

<strong>de</strong> s<strong>em</strong>pre. Se os amigos <strong>do</strong> povo <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m projetos como esse, o que não<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>rão os seus inimigos?<br />

É claro que é difícil imaginar que lá no fun<strong>do</strong> o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> teve alguma<br />

malda<strong>de</strong> pensada ao propor o projeto que hoje se encontra esfrian<strong>do</strong> no<br />

Congresso Nacional. Pelos bons argumentos utiliza<strong>do</strong>s pelos lingüistas no<br />

livro, parece patente que o que moveu Rebelo foi uma certa ingenuida<strong>de</strong><br />

aliada ao <strong>de</strong>spreparo científico <strong>em</strong> relação ao objeto que pretendia legislar.<br />

Parece que ele não tinha idéia <strong>do</strong> <strong>far<strong>do</strong></strong> que a história teceu, encheu e ele<br />

pôs nas costas. Um <strong>far<strong>do</strong></strong> <strong>fura<strong>do</strong></strong> pelo <strong>de</strong>sgaste <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po e pelo conteú<strong>do</strong><br />

que carrega. Que <strong>far<strong>do</strong></strong>, Rebelo!<br />

Texto recebi<strong>do</strong> <strong>em</strong> 10 jan. 2002<br />

Texto aprova<strong>do</strong> <strong>em</strong> 15 mar. 2002<br />

<strong>Educar</strong>, Curitiba, n. 20, p. 301-306. 2002. Editora UFPR

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!