01.06.2013 Views

Apostila - Bento XVI - Maria Mãe da Igreja

Apostila - Bento XVI - Maria Mãe da Igreja

Apostila - Bento XVI - Maria Mãe da Igreja

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

BENTO <strong>XVI</strong>: AQUELE QUE DETÉM A CHAVE.<br />

“Eu te <strong>da</strong>rei as chaves do Reino dos Céus; tudo o que ligares na Terra será<br />

ligado nos Céus, e tudo o que desligares na Terra será desligado nos<br />

Céus.”<br />

(Mt. 16, 19)<br />

“(...) Quem permanece na doutrina, este possui o Pai e o Filho.”<br />

(2 Jo. 9)


ÍNDICE<br />

ÍNDICE<br />

Introdução......................................................................................................................................... 5<br />

Um outro Cristo e seu Cirineu......................................................................................................... 7<br />

Biografia do Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> – Joseph Ratzinger.............................................................................. 12<br />

O Brasão de Sua Santi<strong>da</strong>de, o Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>................................................................................. 14<br />

O Santo Padre, o Papa........................................................................................................................ 17<br />

Exortação Apostólica Sacramentum Sacramentum Sacramentum Sacramentum Caritatis Caritatis Caritatis Caritatis - Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>....................................................... 21<br />

Carta Encíclica DDDDEUS EUS EUS EUS Caritas Caritas Caritas Caritas Est Est Est Est – Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>........................................................................ 66<br />

Carta Encíclica Spe Spe Spe Spe Salvi Salvi Salvi Salvi – Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>...................................................................................... 85<br />

Carta Apostólica Motu Próprio Summorum Summorum Summorum Summorum Pontificum Pontificum Pontificum Pontificum – Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>.................................... 107<br />

Instrução sobre a aplicação <strong>da</strong> Carta Apostólica Motu Próprio Summorum Summorum Summorum Summorum Pontificum.................. Pontificum Pontificum Pontificum<br />

110<br />

Esclarecimentos sobre o Motu Próprio Summorum Pontificum do Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>...................... 115<br />

Carta Apostólica Motu Próprio Porta Porta Porta Porta Fidei Fidei Fidei Fidei –––– Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>......................................................... 116<br />

Carta Encíclica Pascendi Pascendi Pascendi Pascendi Dominici Dominici Dominici Dominici Gregis Gregis Gregis Gregis – Papa Papa Pio Pio XX<br />

X<br />

(Alertando contra o modernismo na <strong>Igreja</strong>)........ 123<br />

Carta Encíclica Mortalium Mortalium Mortalium Mortalium AAnimos<br />

AA<br />

nimos nimos nimos – Papa Pio XI (Alertando contra o ecumenismo na <strong>Igreja</strong>).................. 148<br />

Papa na Missa em Frascati: “O anúncio de CRISTO busca a ver<strong>da</strong>de, não o consenso.”................ 155<br />

<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> consegue cortar os ramos secos, superar os obstáculos e as imensas dificul<strong>da</strong>des.......... 156<br />

O Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> e suas históricas homilias..................................................................................... 156<br />

Catequese do Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>............................................................................................................ 157<br />

Cardeal Vallini: “No dia 29 de junho manifestemos nosso afeto ao Sucessor de Pedro.”................. 158<br />

“Sacerdócio não é caminho de poder nem de prestígio social”, recor<strong>da</strong> o Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>............ 159<br />

Cardeal Tarcísio Bertone: “A ação purificadora do Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> incomo<strong>da</strong>.”............................ 160<br />

Dom Guido Marini explica especial cui<strong>da</strong>do do Papa <strong>Bento</strong> com a Missa....................................... 161<br />

“(...)Pôr-se de joelhos na oração exprime precisamente a atitude de Adoração perante DEUS (...)" 162<br />

Papa aos padres: “Retornai para o confessionário.”............................................................................<br />

<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>: “A revisão <strong>da</strong>s formas litúrgicas manteve-se a um nível exterior e a participação ativa” 163<br />

“(...) A <strong>Igreja</strong> não é uma comuni<strong>da</strong>de de seres perfeitos, mas de pecadores que se devem (...)”...... 164<br />

“(...) Hoje nós vemos de modo realmente aterrorizador que a maior perseguição à <strong>Igreja</strong> (...)”....... 165<br />

Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>: “Uma fé cria<strong>da</strong> por nós mesmos não tem nenhum valor.”.................................... 166<br />

Papa sugere: “Quando não se crê é melhor ser honesto e deixar a <strong>Igreja</strong>.” ...................................... 167<br />

<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>: “Os católicos devem ser fiéis a <strong>Igreja</strong> e ao Papa.”........................................................... 167<br />

Oremos e vigiemos.............................................................................................................................. 168<br />

Papa: "As coisas de DEUS são as que merecem urgência.”................................................................ 170<br />

Façamos como Ogilvie......................................................................................................................... 171<br />

Papa: “A ver<strong>da</strong>deira crise <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> no mundo ocidental é uma crise de fé.”..................................... 174<br />

Discurso do Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> ao Parlamento Alemão....................................................................... 175<br />

Conclusão............................................................................................................................................. 179<br />

162<br />

3


INTRODUÇÃO<br />

Após sete anos de sua parti<strong>da</strong> para a Glória do SENHOR, aguar<strong>da</strong>mos para muito breve a<br />

canonização do saudoso Papa João Paulo II. Creio que todos admitem ter ele alcançado uma quase<br />

unanimi<strong>da</strong>de de aceitação e reconhecimento por ter sido um autêntico representante de DEUS na<br />

face <strong>da</strong> Terra; algo raríssimo na humani<strong>da</strong>de de hoje, visto o distanciamento dela de DEUS e <strong>da</strong><br />

vivência de Sua Palavra. Mas, como vemos, os milagres acontecem. Esse mesmo santo homem, do<br />

alto de sua sabedoria e sensibili<strong>da</strong>de que o ESPÍRITO de DEUS lhe concedia copiosamente, por mais<br />

de vinte anos, confiou cegamente em um irmão de fé, o qual tornou seu mais próximo auxiliar e<br />

conselheiro, inclusive entregando-lhe a responsabili<strong>da</strong>de na condução <strong>da</strong> vigilância <strong>da</strong> doutrina <strong>da</strong> fé<br />

na <strong>Igreja</strong>. Quem foi esse agraciado? Cardeal Joseph Ratzinger!<br />

Para muitos estudiosos nos assuntos do Vaticano ficou nítido que o Papa João Paulo II preparou<br />

e indicou indiretamente, através dos fatos, cargos e responsabili<strong>da</strong>des, aquele que, em seu coração,<br />

deveria sucedê-lo; mas, como sempre foi um homem de fé e obediência ao ALTÍSSIMO, deixou ao<br />

ESPÍRITO SANTO a última palavra. E o DEUS amoroso, misericordioso e justo acolheu sua vontade, e o<br />

Cardeal Ratzinger tornou-se seu sucessor, como <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, em 19 de abril de 2005.<br />

Um outro homem, outra personali<strong>da</strong>de, outro temperamento, mas a mesma fé. Autênticos<br />

sacerdotes do ALTÍSSIMO, adoradores do SENHOR e apaixonados pela Sua <strong>Igreja</strong> e pela humani<strong>da</strong>de.<br />

Prontos e disponíveis para todo e qualquer sacrifício, até o <strong>da</strong> doação <strong>da</strong> própria vi<strong>da</strong>, para procurar<br />

manter a fideli<strong>da</strong>de aos desígnios do TODO PODEROSO e à doutrina de Sua <strong>Igreja</strong>.<br />

No entanto, como diz o ditado popular, com muita legitimi<strong>da</strong>de e proprie<strong>da</strong>de, “o diabo não<br />

dorme...”, e como não precisa descansar, planeja e executa a mal<strong>da</strong>de vinte e quatro horas.<br />

Nos últimos anos de sua missão à frente <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, já debilitado pela i<strong>da</strong>de, pela doença e com<br />

pouca capaci<strong>da</strong>de de reação, o Papa João Paulo II viu crescer, não só no Vaticano, mas na <strong>Igreja</strong> de<br />

todo o mundo, movimentos “modernizantes” que sonhavam (e ain<strong>da</strong> sonham!) em escancarar as<br />

portas <strong>da</strong> Casa de DEUS para que o mundo a inva<strong>da</strong> com suas mo<strong>da</strong>s inconseqüentes e maculantes, ou<br />

seja, sepultando Sua doutrina, dogmas, tradição, liturgia, sacrali<strong>da</strong>de e respeito. Sendo mais claro:<br />

se assim ocorrer, romper-se-á a união existente com os Céus, pois ao extinguir-se a espirituali<strong>da</strong>de, a<br />

sacrali<strong>da</strong>de e o Santo Sacrifício na <strong>Igreja</strong> extinguir-se-á também a verticali<strong>da</strong>de tão claramente<br />

exposta na teologia do crucifixo: o SENHOR que se doa totalmente de braços abertos para acolher a<br />

humani<strong>da</strong>de e conduzi-la ao PAI. Sem a renovação do Sacrifício Perpétuo, não haveria mais o<br />

ver<strong>da</strong>deiro catolicismo, não haveria mais salvação, através de uma igreja que teria se tornado vazia.<br />

E já, nos dias de hoje, alguns eclesiásticos começam a propor a substituição <strong>da</strong> Santa Missa por<br />

“cultos ecumênicos”... Como podem tão facilmente deixar-se cegar por satanás? Com essa heresia<br />

visam agra<strong>da</strong>r a quem? Certamente ao mundo, ao próprio orgulho e vai<strong>da</strong>de, aos inimigos milenares<br />

<strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> e principalmente ao inimigo <strong>da</strong>s almas. Isso tem um nome: apostasia. (2Ts. 2, 3)<br />

Quando assumiu como legítimo sucessor de São Pedro, o Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> de tudo isso sabia, e,<br />

vendo o descalabro avolumar-se, tratou rapi<strong>da</strong>mente de agir para coibir e corrigir os terríveis<br />

excessos que os modernistas, ecumenistas e “teólogos <strong>da</strong> libertação”, na cala<strong>da</strong> <strong>da</strong> noite,<br />

implantavam. Esses, por sua vez, ao identificarem a ação saneadora do Papa, revoltaram-se e<br />

iniciaram um processo gradual de rebeldia, desobediência e boicote às decisões <strong>da</strong>quele inspirado<br />

por DEUS. Quem foi o rebelde desde o princípio dos tempos? E qual deverá ser então o espírito que os<br />

inspira? Definitivamente não nos ilu<strong>da</strong>mos, não existem zonas neutras, nem de conforto e isenção<br />

espiritual, muito menos três caminhos, são apenas dois: ou você está sob a ação do ESPÍRITO SANTO,<br />

sendo obediente e fiel ao santo Evangelho de JESUS, à Doutrina <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> e ao Papa, ou você está sob<br />

a ação do espírito <strong>da</strong>s trevas, do mentiroso e rebelde; o mun<strong>da</strong>no. O trágico é que essa rebeldia<br />

solapadora dos alicerces <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> de CRISTO, a única instituí<strong>da</strong> por ELE (Mt. 16,18), infiltra-se e<br />

espalha-se hipócritamente no escondimento, fora do alcance dos olhos e consciência dos simples,<br />

humildes e desavisados; conduzindo-os ao abismo eterno. Esse sim um ver<strong>da</strong>deiro crime hediondo,<br />

um crime de lesa-almas.<br />

Portanto, em quem acreditaremos (e a quem seguiremos): em nosso Senhor JESUS CRISTO,<br />

Seu santo Evangelho, nos santos Apóstolos, nos santos Mártires, nos santos Papas, nos santos<br />

Doutores, na Doutrina bi-milenar <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, em seus Dogmas, em sua Tradição, nos exemplos dos<br />

Papas João Paulo II, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> e nos alertas de Nossa SENHORA em Suas autênticas Aparições? Ou nos<br />

rebeldes, cismáticos e traidores que capitularam ao mundo com suas pregações modernistas (que<br />

valorizam mo<strong>da</strong>s, confortos e facili<strong>da</strong>des), ecumenistas e de alianças pretas (a teologia <strong>da</strong><br />

escravidão e <strong>da</strong> perdição!), despi<strong>da</strong>s totalmente de espirituali<strong>da</strong>de; apenas políticas e humanistas?<br />

O PAI concedeu-nos consciência para discernirmos entre o bem e o mal, e o livre arbítrio para<br />

escolhermos o caminho a seguir. Nossas almas estão em jogo, mas a decisão será de ca<strong>da</strong> um...<br />

5


Um outro CRISTO e seu Cirineu.<br />

Acredito piamente que a grande maioria dos católicos em todo o mundo reconhece que o santo*<br />

padre, o papa João Paulo II, foi um dos mais importantes em to<strong>da</strong> a história <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> nestes 2008<br />

anos, desde a Sua instituição por nosso Senhor JESUS CRISTO. Além, é claro, de ter sido um<br />

fidelíssimo seguidor do Senhor, pois também carregou sua pesa<strong>da</strong> cruz até o cimo de seu calvário,<br />

imolando-se, tal qual o CORDEIRO de DEUS, por amor a seu DEUS, seus irmãos e a sua <strong>Igreja</strong>.<br />

Recordemos, brevemente, um pouco <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> sofri<strong>da</strong> desse polonês, que desde os tenros anos <strong>da</strong><br />

infância já despontava como um grande sinal. Isto porque, hoje, por Graça e Misericórdia do Altíssimo,<br />

muitos de nós tem absoluta consciência de que quanto maior é a cruz, com certeza maior será a graça.<br />

Desde que se busque viver, apesar de to<strong>da</strong>s as dificul<strong>da</strong>des, perseguições e até mesmo algumas que<strong>da</strong>s<br />

que o mundo e satanás nos impõem, em estado de graça.<br />

Karol Wojtila iniciou sua predestina<strong>da</strong> missão neste mundo, em 18 de maio de 1920, em<br />

Wadowice, sudeste <strong>da</strong> nova Polônia, na época com aproxima<strong>da</strong>mente dez mil moradores; região muito<br />

pobre que sobrevivia exclusivamente <strong>da</strong> agricultura. Foi batizado em julho de 1920, na <strong>Igreja</strong> de Nossa<br />

Senhora. A partir <strong>da</strong>qui, o seu batismo, já começamos a entender o lema apostólico que o acompanhou<br />

até a Cátedra de São Pedro: “Totus tuus” (“todo seu”), referindo-se a <strong>Mãe</strong> de DEUS, <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, dos<br />

sacerdotes e <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de.<br />

Esta “divisa”, que demonstra a sua profun<strong>da</strong> devoção <strong>Maria</strong>na, foi escolhi<strong>da</strong> quando recebeu sua<br />

primeira nomeação para bispo titular, em Ombi. Em função deste amor que nutria por Nossa Senhora,<br />

convém ain<strong>da</strong> observar o seguinte: - Em to<strong>da</strong> a história <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> foi o único Papa, até hoje, que<br />

utilizou uma letra dentro do brasão papal. Quando to<strong>da</strong>s as regras <strong>da</strong> heráldica autorizam empregar<br />

letras ou palavras fora dele, João Paulo II imprimiu claramente dentro um M, a primeira letra do santo<br />

Nome de sua ama<strong>da</strong> mãe, MARIA Santíssima! Afinal, a vi<strong>da</strong> to<strong>da</strong> ele declarou ao mundo: “Totus<br />

tuus!” Mas, bem antes disso já havia começado a sua “via crucis”; porém o próprio Senhor alertou:<br />

“(...) Se alguém Me quer seguir, renuncie-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me.” (Mc. 8,34).<br />

- Aos nove anos de i<strong>da</strong>de, o pequeno “Lolek”, como era chamado no seio familiar, perde sua<br />

ama<strong>da</strong> mãezinha Emília Kaczorowska. O pai, também chamado Karol, e militar, encarrega-se <strong>da</strong> criação<br />

e educação do caçulinha <strong>da</strong> casa. O capitão Wojtyla, homem de muita fé e pie<strong>da</strong>de, conduz o pequeno<br />

“Lolek” diariamente para a Santa Missa; fizesse calor ou caísse neve.<br />

- Aos doze anos de vi<strong>da</strong> perde também seu único irmão, médico, Eduardo Wojtyla.<br />

*(Nota: em to<strong>da</strong> a extensão <strong>da</strong> apostila os grifos são nossos.)<br />

7


- Quando tinha dezenove anos e encontrava-se na <strong>Igreja</strong>, durante a Santa Missa, eclode a 2ª guerra<br />

mundial, com as forças arma<strong>da</strong>s nazistas invadindo a Polônia. Durante a celebração ele ouve o ruído<br />

dos aviões e as explosões <strong>da</strong>s bombas.<br />

- Suportou em seu País, os seis anos massacrantes de uma guerra impiedosa, passando muitas e<br />

muitas vezes fome, frio e tremen<strong>da</strong>s angústias.<br />

- Ain<strong>da</strong> durante essa terrível conflagração bélica, onde seu País foi um dos que mais sofreu, em 18<br />

de fevereiro de 1941 morre seu querido e companheiro pai. E o jovem Karol fica totalmente órfão aos 21<br />

anos. Nessa mesma época, também sofria muito ao ver seus vizinhos, amigos e colegas de escola, de<br />

origem ju<strong>da</strong>ica, serem arrancados de suas casas e jogados nos campos de concentração e nas câmaras de<br />

gás. Durante esse pesadelo, que parecia interminável, Karol buscou na fé e na oração conforto e<br />

refúgio para suportar tão duras provações.<br />

- Ain<strong>da</strong> no fim <strong>da</strong> guerra, em 29 de fevereiro de 1944, quando vivia e estu<strong>da</strong>va na clandestini<strong>da</strong>de,<br />

para fugir ao cerco nazista, foi atropelado por um caminhão. Só veio a ser localizado, no dia seguinte<br />

por um grupo de an<strong>da</strong>rilhos; ain<strong>da</strong> inconsciente vítima de uma convulsão cerebral. Conduzido a um<br />

hospital, lá permaneceu doze longos e sofridos dias.<br />

- Em 06 de abril de 1944 a Divina Providência, sem dúvi<strong>da</strong> alguma, milagrosamente evita que<br />

Karol seja preso pelos nazistas, que realizavam uma impiedosa “caça<strong>da</strong>” a todos os habitantes <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de,<br />

rua-a-rua.<br />

Finalmente, o fim <strong>da</strong> 2ª guerra mundial vai encontrar o jovem Wojtyla decidido a tornar-se<br />

sacerdote, pois durante o período de clandestini<strong>da</strong>de, já cursara teologia nos porões do castelo de<br />

Wawel, onde funcionava, às escondi<strong>da</strong>s, o Seminário <strong>da</strong> Arquidiocese, sob os cui<strong>da</strong>dos do Cardeal<br />

Sapieha.<br />

Nesse mesmo período elaborou uma importante pesquisa sobre a vi<strong>da</strong> do místico São João <strong>da</strong><br />

Cruz, colega de Santa Tereza D’Ávila, na restauração espiritual e moral dos Carmelos <strong>da</strong> Europa.<br />

Mais tarde, já estu<strong>da</strong>ndo em Roma, a ampliação deste trabalho, em mais alguns anos de pesquisa, vai lhe<br />

permitir a aprovação em sua tese doutoral, sob o seguinte título: “A doutrina <strong>da</strong> fé, segundo São João<br />

<strong>da</strong> Cruz”.<br />

Sua ordenação sacerdotal ocorre em 02 de novembro de 1946.<br />

Neste mesmo ano é enviado a Roma, para continuar seus estudos, pois o cardeal Sapieha via nele<br />

grande capaci<strong>da</strong>de e dedicação.<br />

Em julho de 1958, aos 38 anos, é nomeado bispo auxiliar de Cracóvia. A seguir, assume como<br />

bispo titular de Ombi.<br />

A 13 de janeiro, após dois anos de vacância, pois o arcebispo anterior, Dom Eugenius Baziak,<br />

tinha falecido em 1962, é nomeado, pelo Vaticano, arcebispo titular de Cracóvia.<br />

Apenas três anos depois, em 29 de maio de 1967, o Papa Paulo VI lhe concede a púrpura<br />

cardinalícia. Recebe o barrete vermelho <strong>da</strong>s mãos do próprio Papa, no Vaticano, em 26 de junho.<br />

Após um intenso e fecundo apostolado em sua terra natal, até hoje, percentualmente o País mais<br />

católico do planeta, por ação de DEUS ESPÍRITO SANTO é escolhido o 263º sucessor de São Pedro;<br />

o Representante de CRISTO para to<strong>da</strong> a humani<strong>da</strong>de. O dia: 16 de outubro de 1978.<br />

O papado de nosso amado e saudoso Papa João Paulo II foi o terceiro em extensão na história <strong>da</strong><br />

<strong>Igreja</strong> Católica: 26 anos, 05 meses e 17 dias! O mais longo foi o do próprio São Pedro: 35 anos. O<br />

segundo mais duradouro foi do Papa Pio IX: 31 anos e 07 meses. Mesmo não sendo o mais extenso,<br />

com certeza absoluta foi o mais intenso.<br />

Vejamos alguns <strong>da</strong>dos estatísticos impressionantes:<br />

- Viagens fora <strong>da</strong> Itália: 104<br />

- Países visitados: 133<br />

- Distância total percorri<strong>da</strong>: em torno de 1.300.000 km<br />

- Duração total <strong>da</strong>s viagens: aproxima<strong>da</strong>mente 550 dias<br />

- Pessoas que assistiram as Audiências Gerais, no Vaticano: por volta de 17.600.000<br />

- Celebrou mais de 1.160 Audiências Gerais semanais<br />

- Recebeu 426 chefes de Estado, reis e rainhas; 187 primeiros-ministros; 190 ministros de exterior<br />

e recebeu credenciais de 642 embaixadores.<br />

- Convocou 9 consistórios<br />

- Nomeou 232 cardeais<br />

- Beatificações: 1338, em 147 cerimônias.<br />

8


- Canonizações: 482, em 51 cerimônias.<br />

- Total de discursos (homilias): aproximados 20.400.<br />

- Homilias (discursos) fora <strong>da</strong> Itália: em torno de 3.440.<br />

- Encíclicas edita<strong>da</strong>s: 14<br />

- Exortações Apostólicas: 15<br />

- Constituições Apostólicas: 11<br />

- Cartas Apostólicas: 45<br />

E o importantíssimo Catecismo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica, o qual seria, junto com a Bíblia Sagra<strong>da</strong>,<br />

vital que to<strong>da</strong> família católica possuísse.<br />

Nos últimos anos de sua fecundíssima vi<strong>da</strong>, manifestou-se o mal de Parkinson que viria a colocarlhe<br />

ain<strong>da</strong> em uma cadeira de ro<strong>da</strong>s. Sofreu dois atentados contra sua vi<strong>da</strong>, o último recentemente<br />

revelado por seu secretário particular, hoje cardeal na Polônia. Foi paciente de 07 cirurgias, a última<br />

uma traqueostomia que praticamente lhe tirou a voz. Em conseqüência do atentado na Praça São Pedro,<br />

lhe foi retirado 2,5m de intestino.<br />

O mundo todo testemunhou o sofrimento que foram seus últimos dias de vi<strong>da</strong> quando, já em<br />

cadeira de ro<strong>da</strong>s e sem conseguir falar, aparecia na janela de seu quarto para sau<strong>da</strong>r e confortar seus<br />

filhos espirituais espalhados por todo o planeta.<br />

E assim, a exemplo de seu Mestre e Senhor, carregou bravamente sua pesadíssima cruz, até o<br />

momento em que, nos Céus, o nosso Amoroso Salvador e Redentor deve ter pronunciado palavras muito<br />

próximas <strong>da</strong>s seguintes: “... agora basta meu amado filho, vem descansar <strong>da</strong> longa e árdua jorna<strong>da</strong><br />

nos Braços amorosos de teu PAI e de tua MÃE, que há muito tempo te esperam, pois também tu<br />

combateste o bom combate...”<br />

Creio que muitos ain<strong>da</strong> se recor<strong>da</strong>m de que foi o próprio Papa João Paulo II que beatificou e<br />

canonizou a irmã Faustina Kowalska; além de ter instituído a Festa <strong>da</strong> Misericórdia Divina,<br />

conforme o Altíssimo tinha pedido através de sua serva polonesa. Observemos como age o Precioso e<br />

preciso Amor de DEUS: Nosso Senhor JESUS CRISTO leva-o para o descanso eterno exatamente na<br />

noite do 1º sábado do mês, dedicado a Sua Santa <strong>Mãe</strong>, e véspera do 1º domingo após a Santa Páscoa;<br />

o domingo <strong>da</strong> Festa <strong>da</strong> Misericórdia Divina. Por tudo isto é que os filhos do Todo–Poderoso repetirão<br />

eternamente: O amor e a Misericórdia de DEUS são infinitos! E como infinitos que são, continuaram<br />

sendo derramados, em abundância, sobre a Sua <strong>Igreja</strong> e Seus filhos!<br />

Não foi João Paulo II um outro CRISTO? E um ver<strong>da</strong>deiro CRISTO não tem o seu Cirineu?<br />

Como vimos o ETERNO pensa em tudo! E o Cirineu já estava presente, há pelo menos vinte e<br />

três anos, aju<strong>da</strong>ndo-o no carregamento <strong>da</strong> pesadíssima Cruz, que, a partir de agora a assumiria sozinho<br />

para a conclusão <strong>da</strong> grandiosa missão que somente o PAI a conhece, na plenitude de sua extensão.<br />

E por que afirmamos isto? Porque o Cardeal Joseph Ratzinger, hoje o Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, a<br />

continuará, não sabendo nós se também ele a conseguirá finalizar. Esta resposta a DEUS pertence.<br />

Conheçamos, pois um brevíssimo resumo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do Cirineu de João Paulo II: Antes, porém, é<br />

muito importante sabermos o que nosso SENHOR revelou a irmã Faustina Kowalska, em 1938, na<br />

Polônia, alguns meses antes de sua morte, na mensagem de nº. 1732, caderno VI, página 487 do seu<br />

Diário, com imprimatur de D. Pedro Fe<strong>da</strong>lto, Arcebispo de Curitiba, em 30/06/1982:<br />

“Amo a Polônia de maneira especial, e se ela for obediente a Minha Vontade EU a elevarei em<br />

poder e santi<strong>da</strong>de. Dela sairá à centelha que preparará o mundo para a Minha Vin<strong>da</strong> derradeira.”<br />

Nesta época, em 1938, Karol Wojtyla tinha apenas 18 anos, não tinha iniciado a 2ª guerra mundial,<br />

e com certeza ain<strong>da</strong> não pensava em ser sacerdote. Nem muito menos tinha conhecimento <strong>da</strong> existência<br />

de irmã Faustina e suas Revelações. O que só veio a acontecer quando já era bispo auxiliar de Cracóvia,<br />

em 1958; vinte anos depois.<br />

Mesmo em se tratando de uma revelação particular, a profecia cumpriu-se plenamente; João Paulo<br />

II preparou sim a humani<strong>da</strong>de. É só observarmos que na Festa mundial do Jubileu do ano 2000, iniciado<br />

em 1997, milhões de católicos, pelos cinco continentes, voltaram à prática dos Sacramentos,<br />

principalmente o <strong>da</strong> Reconciliação com DEUS.<br />

Cabe agora ao seu Cirineu, o cardeal Joseph Ratzinger, Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, concluí-la ou levá-la<br />

adiante. A SANTÍSSIMA TRINDADE, com a intercessão de NOSSA SENHORA, é quem decidirá. A<br />

nós só nos cabe recitar uma jaculatória retira<strong>da</strong> do PAI NOSSO: “... seja feita a Vossa Vontade assim<br />

9


na Terra como nos Céus!”<br />

“Vim como mensageiro <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> esperança, para confirmá-los na fé e lhes deixar uma<br />

mensagem de paz e reconciliação com CRISTO.” (Papa João Paulo II em sua homilia na viagem a<br />

Cuba. Janeiro de 1998).<br />

Em sua última viagem a Bulgária, já doente e cansado, perguntaram-lhe sobre a possibili<strong>da</strong>de de<br />

renunciar:<br />

“Se CRISTO tivesse descido <strong>da</strong> Cruz, eu teria o direito de renunciar...” (João Paulo II).<br />

O CIRINEU:<br />

“Enquanto o conduziam, detiveram um certo Simão de Cirene, que voltava do campo, e<br />

impuseram-lhe a Cruz para que a carregasse atrás de JESUS.” (Lc. 23,26).<br />

Joseph Ratzinger, nasceu em Marktl am Inn, no dia 16 de abril de 1927, um sábado santo, e foi<br />

batizado no mesmo dia. Estes dois importantes fatos por si só, já mostram niti<strong>da</strong>mente tratar-se de um<br />

outro predestinado. Os sinais de DEUS só podem ser identificados com fé e humil<strong>da</strong>de. Uma vez<br />

perguntado sobre o fato de ter nascido e recebido o santo batismo em um sábado santo, respondeu o<br />

nosso hoje Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>:<br />

“(...) ser a primeira pessoa a ser batiza<strong>da</strong> na Água Nova <strong>da</strong> Páscoa, era visto como um ato muito<br />

significativo <strong>da</strong> Providência. Sempre me enchi de sentimentos de gratidão por ter sido imerso no<br />

Mistério Pascal dessa maneira; (...) ain<strong>da</strong> esperamos a Páscoa definitiva, ain<strong>da</strong> não estamos na<br />

Plenitude <strong>da</strong> Luz, mas caminhamos em sua direção, cheios de confiança".<br />

Suas palavras finais apontam claramente para a Plenitude dos tempos, Novos Céus e Nova Terra.<br />

Seu pai era comissário de polícia, de família pobre (agricultores) <strong>da</strong> Baixa Baviera. Sua mãe, filha<br />

de artesãos de Rimsting, no lago de Chiem, trabalhara como cozinheira, em vários hotéis, antes de casar.<br />

Educado na fé, passou sua infância e adolescência em Traunstein, pequena ci<strong>da</strong>de junto à fronteira<br />

com a Áustria.<br />

Na sua juventude começou a sentir a dura experiência de ter de conviver com o regime ditatorial e<br />

violento que o nazismo impunha a to<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de alemã. Principalmente a grande hostili<strong>da</strong>de movi<strong>da</strong><br />

contra a <strong>Igreja</strong> Católica. Quando jovem, Joseph teve de assistir a terrível cena dos nazistas açoitando<br />

seu pároco, antes <strong>da</strong> celebração <strong>da</strong> Santa Missa.<br />

Nesta época de tanto sofrimento, também para o povo alemão, que assistia impotente as famílias<br />

serem dizima<strong>da</strong>s, pois seus esposos e filhos eram intimados a irem morrer na guerra, Joseph começou a<br />

despertar para a ver<strong>da</strong>de e a esperança <strong>da</strong> fé em CRISTO. Esse encontro foi facilitado por sua família,<br />

que sempre manteve-se fiel a <strong>Igreja</strong> Católica e os princípios do Evangelho.<br />

Nos últimos meses <strong>da</strong> 2ª guerra, com os nazistas em desespero pela iminente derrota, foi obrigado<br />

a prestar serviços auxiliares, na defesa anti-aérea, pois o exército aliado avançava para invadir o<br />

território <strong>da</strong> Alemanha. Em virtude <strong>da</strong> fragili<strong>da</strong>de de sua saúde, desde o tempo <strong>da</strong> infância, foi, em<br />

pouco tempo, enviado de volta para sua casa. Mesmo com sua participação praticamente nula, do ponto<br />

de vista bélico, quando o exército americano invadiu sua ci<strong>da</strong>de, e instalou o Q.G. na residência de sua<br />

família, foi inexplicavelmente colocado em um campo de concentração de prisioneiros. Observemos que<br />

o jovem Joseph Ratzinger também muito sofreu durante a 2ª Guerra, apesar de viver no território <strong>da</strong><br />

Alemanha.<br />

Uma breve cronologia de sua vi<strong>da</strong> dedica<strong>da</strong> a DEUS, a <strong>Igreja</strong> e aos irmãos:<br />

- Foi ordenado sacerdote em 29 de Junho de 1951; dia dedicado a São Pedro e São Paulo, outro<br />

forte sinal de sua predestinação.<br />

- Em 1952 começa a lecionar na Escola Superior de Freising;<br />

- No ano seguinte, 1953, doutorou-se em Teologia sob a tese: “Povo e Casa de DEUS na<br />

doutrina <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> de Santo Agostinho”;<br />

- De 1959 a 1963 foi professor na ci<strong>da</strong>de de Bonn;<br />

- Em Münster, lecionou de 1963 a 1966; e em Tubinga de 1966 a 1969;<br />

10


- A partir de 1969 assumiu a cátedra de Dogmática e de História do Dogma na Universi<strong>da</strong>de de<br />

Ratisbona, onde também ocupou o cargo de Vice-reitor;<br />

- De 1962 a 1965 foi consultor teológico do Cardeal Joseph Frings, Arcebispo de Colônia,<br />

durante o Concílio Vaticano II;<br />

- Em função de sua profun<strong>da</strong> formação teológica ocupou importantes cargos ao serviço <strong>da</strong><br />

Conferência Episcopal Alemã e na Comissão Teológica Internacional;<br />

- Foi nomeado pelo Papa Paulo VI, em 25 de março de 1977, Arcebispo de München e Freising.<br />

A 28 de maio recebeu a sagração episcopal. Após oitenta anos foi o primeiro sacerdote diocesano a<br />

assumir o comando <strong>da</strong> importante arquidiocese bávara. Seu lema: “Colaborador <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de”.<br />

- Em 27 de junho de 1977, sob o titulo presbiteral de “Santa MARIA <strong>da</strong> Consolação no<br />

Tiburtino”, o Papa Paulo VI o faz Cardeal;<br />

- No ano de 1978 participou dos dois Conclaves que elegeram respectivamente João Paulo I e<br />

João Paulo II. Em uma <strong>da</strong>s poucas delegações que concedeu em seu curto pontificado de 32 dias, o Papa<br />

João Paulo I o nomeou seu Enviado especial ao III Congresso Mariológico Internacional, em Guayaquil<br />

(Equador), de 16 a 24 de setembro;<br />

- Foi Relator na V assembléia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, em 1980;<br />

- O Papa João Paulo II, em 25 de novembro de 1981, nomeou-o Prefeito <strong>da</strong> Congregação para<br />

a Doutrina <strong>da</strong> Fé, cargo que desempenhou por mais de 23 anos, assessorando o Sumo Pontífice.<br />

Nesta mesma <strong>da</strong>ta também foi nomeado pelo Papa, Presidente <strong>da</strong> Pontifícia Comissão Bíblica e <strong>da</strong><br />

Comissão Teológica Internacional;<br />

- Demonstrando mais uma vez to<strong>da</strong> a confiança, admiração e apreço que nutria por seu fiel<br />

Cardeal Ratzinger, o Papa João Paulo II o nomeou Presidente <strong>da</strong> Comissão encarrega<strong>da</strong> <strong>da</strong> preparação<br />

do Catecismo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica, um dos maiores legados, se não o maior, e a mais importante página<br />

de seu testamento para o catolicismo. Foram seis anos de intenso trabalho: 1986-1992.<br />

- Em 6 de novembro de 1998, o Santo Padre aprovou a eleição do Cardeal Ratzinger para Vice-<br />

Decano do Colégio Cardinalício, realiza<strong>da</strong> pelos Cardeais <strong>da</strong> Ordem dos Bispos. Em 30 de novembro<br />

de 2002, aprovou também a sua eleição para Decano.<br />

Irmãos, o que finalizamos de elencar aqui é apenas um brevíssimo resumo <strong>da</strong> atuação do<br />

homem de DEUS, Joseph Ratzinger, na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, a partir <strong>da</strong> Alemanha, passando por Roma -<br />

Vaticano e hoje se fazendo presente e atuante, em todo o mundo, através de Sua Santi<strong>da</strong>de o Papa<br />

<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>; palavras, escritos e o exemplo de bom e zeloso pastor.<br />

Também é importante salientar que, por tudo que lhe confiou o Papa João Paulo II, em<br />

responsabili<strong>da</strong>de e importância, no Vaticano, o Cardeal Joseph Ratzinger era assim o seu indicado para<br />

sucedê-lo na Cátedra de São Pedro. Com certeza NOSSA SENHORA, intercedeu, nosso Senhor<br />

JESUS CRISTO aprovou e o ESPÍRITO SANTO inspirou os participantes do último Conclave que o<br />

escolheu.<br />

João Paulo II teve ain<strong>da</strong> a graça de reconhecer em vi<strong>da</strong> e poder agradecer todo o apoio recebido de<br />

seu fiel e dedicado Cirineu, durante a sua longa jorna<strong>da</strong> no carregamento <strong>da</strong> Cruz; <strong>da</strong> Cruz que<br />

ilumina e salva. A Cruz, luz nas trevas!<br />

"Guerreiros <strong>da</strong> última ordem"<br />

A seguir, transcrevemos na íntegra a Carta do Papa João Paulo II ao Cardeal Joseph Ratzinger, por<br />

ocasião do 50º aniversário de sua ordenação sacerdotal:<br />

CARTA DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II<br />

POR OCASIÃO DO 50° ANIVERSÁRIO<br />

DE ORDENAÇÃO SACERDOTAL DO<br />

CARDEAL JOSEPH RATZINGER<br />

“Ao venerado Irmão Cardeal JOSEPH RATZINGER, Prefeito <strong>da</strong> Congregação para a Doutrina <strong>da</strong> Fé.<br />

Senhor Cardeal, é com íntima alegria que lhe apresento as minhas cordiais felicitações e os mais<br />

ardorosos bons votos na feliz comemoração do seu 50º aniversário de Ordenação sacerdotal. A<br />

11


coincidência do seu dia jubilar com a soleni<strong>da</strong>de litúrgica dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo<br />

suscita no meu espírito a visão de amplos horizontes espirituais e eclesiais: a santi<strong>da</strong>de<br />

pessoal, leva<strong>da</strong> até ao sacrifício supremo, a projeção missionária uni<strong>da</strong> à solicitude constante pela<br />

uni<strong>da</strong>de e a necessária integração entre carisma espiritual e ministério institucional.<br />

São horizontes que Vossa Eminência, venerado Irmão, explorou com atenção nas suas investigações<br />

teológicas: em Pedro manifesta-se o princípio de uni<strong>da</strong>de, alicerçado na fé sóli<strong>da</strong> como rocha do<br />

Príncipe dos Apóstolos; em Paulo, a exigência intrínseca ao Evangelho, de exortar ca<strong>da</strong> homem e<br />

ca<strong>da</strong> povo à obediência <strong>da</strong> fé. Além disso, estas duas dimensões unem-se no testemunho conjunto<br />

de santi<strong>da</strong>de, que consolidou a generosa dedicação dos Apóstolos ao serviço <strong>da</strong> imacula<strong>da</strong> Esposa<br />

de Cristo. Como deixar de entrever nestes dois componentes também as coordena<strong>da</strong>s fun<strong>da</strong>mentais do<br />

caminho que a Providência dispôs para Vossa Eminência, Senhor Cardeal, chamando-o para o<br />

sacerdócio?<br />

É nesta perspectiva de fé que se devem ver os excelentes estudos filosóficos e, sobretudo teológicos<br />

que Vossa Eminência realizou, e a chama<strong>da</strong> precoce a cargos de docência nas mais importantes<br />

Universi<strong>da</strong>des alemãs. A intenção que sempre o orientou no seu compromisso de estudo e de ensino<br />

adquiriu expressão no lema que Vossa Eminência escolheu por ocasião <strong>da</strong> Nomeação episcopal:<br />

Cooperatores veritatis. A finali<strong>da</strong>de que sempre teve em vista, desde os primeiros anos do seu<br />

Sacerdócio, consiste em buscar a Ver<strong>da</strong>de, procurando conhecê-la de modo mais profundo e transmitila<br />

de forma mais vasta.<br />

Foi precisamente a consideração deste anseio pastoral, sempre presente na sua ativi<strong>da</strong>de acadêmica, que<br />

induziu o Papa Paulo VI, de veneran<strong>da</strong> memória, a elevá-lo à digni<strong>da</strong>de episcopal e a confiar-lhe a<br />

responsabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> grande Arquidiocese de Munique e Frisinga.<br />

Tratou-se de um momento decisivo para a sua vi<strong>da</strong>, que em segui<strong>da</strong> haveria de orientar o seu<br />

desenvolvimento seguinte. Com efeito, quando pouco tempo mais tarde o inesquecível Pontífice que<br />

acabo de mencionar o criou Cardeal, Vossa Eminência encontrou-se diretamente vinculado ao serviço <strong>da</strong><br />

Sé Apostólica. Há quase vinte anos, fui eu mesmo que lhe pedi que exercesse a tempo integral esta<br />

colaboração, como Prefeito <strong>da</strong> Congregação para a Doutrina <strong>da</strong> Fé. A partir de então, Vossa<br />

Eminência não cessou de dedicar as suas energias intelectuais e morais para promover e salvaguar<strong>da</strong>r<br />

a doutrina sobre a fé e os costumes em todo o orbe católico (cf. Constituição Apostólica Pastor<br />

bonus, 48) favorecendo, ao mesmo tempo, os estudos destinados a fazer progredir a inteligência <strong>da</strong> fé,<br />

de tal maneira que, aos novos problemas apresentados pelo progresso <strong>da</strong>s ciências e <strong>da</strong>s civilizações, se<br />

pudesse <strong>da</strong>r uma resposta conveniente, à luz <strong>da</strong> Palavra de Deus (cf. ibid., n. 49).<br />

Senhor Cardeal, neste múnus, os Apóstolos Pedro e Paulo voltaram a inspirar, e de forma mais<br />

eleva<strong>da</strong>, a sua vi<strong>da</strong> sacerdotal e o seu serviço eclesial. Esta feliz comemoração é-me propícia para lhe<br />

renovar a expressão <strong>da</strong> minha gratidão pela impressionante quanti<strong>da</strong>de de trabalhos que Vossa<br />

Eminência realizou e dirigiu na Congregação que lhe foi confia<strong>da</strong> e, mais ain<strong>da</strong>, pelo espírito de<br />

humil<strong>da</strong>de e de abnegação que constantemente caracterizou a sua ativi<strong>da</strong>de. O Senhor o<br />

recompense de forma abun<strong>da</strong>nte!<br />

Nesta <strong>da</strong>ta que lhe é tão significativa, desejo confessar-lhe que a comunhão espiritual que Vossa<br />

Eminência sempre manifestou em relação ao Sucessor de Pedro me foi de grande consolação no<br />

afã quotidiano do meu serviço a Cristo e à <strong>Igreja</strong>. Por conseguinte, invoco do Senhor, por intercessão<br />

<strong>da</strong> Bem-Aventura<strong>da</strong> Virgem <strong>Maria</strong>, os mais ardentes favores celestes para a sua pessoa, para o seu<br />

ministério e para quantos lhe são queridos, enquanto, com fraterno sentimento de afeto, lhe concedo do<br />

íntimo do meu coração uma especial Bênção apostólica.”<br />

Vaticano, 20 de Junho de 2001, 23º ano de Pontificado.<br />

BIOGRAFIA DO PAPA BENTO <strong>XVI</strong> - JOSEPH RATZINGER<br />

O Cardeal Joseph Ratzinger, Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, nasceu em Marktl am Inn, diocese de Passau (Alemanha),<br />

no dia 16 de Abril de 1927 (Sábado Santo), e foi batizado no mesmo dia. O seu pai, comissário <strong>da</strong><br />

polícia, provinha duma antiga família de agricultores <strong>da</strong> Baixa Baviera, de modestas condições<br />

econômicas. A sua mãe era filha de artesãos de Rimsting, no lago de Chiem, e antes de casar trabalhara<br />

como cozinheira em vários hotéis.<br />

Passou a sua infância e adolescência em Traunstein, uma pequena locali<strong>da</strong>de perto <strong>da</strong> fronteira com a<br />

12


Áustria, a trinta quilômetros de Salisburgo. Foi neste ambiente, por ele próprio definido «mozarteano»,<br />

que recebeu a sua formação cristã, humana e cultural.<br />

O período <strong>da</strong> sua juventude não foi fácil. A fé e a educação <strong>da</strong> sua família prepararam-no para enfrentar<br />

a dura experiência <strong>da</strong>queles tempos, em que o regime nazista mantinha um clima de grande hostili<strong>da</strong>de<br />

contra a <strong>Igreja</strong> Católica. O jovem Joseph viu os nazistas açoitarem o pároco antes <strong>da</strong> celebração <strong>da</strong> Santa<br />

Missa.<br />

Precisamente nesta complexa situação, descobriu a beleza e a ver<strong>da</strong>de <strong>da</strong> fé em Cristo; fun<strong>da</strong>mental para<br />

ele foi à conduta <strong>da</strong> sua família, que sempre deu um claro testemunho de bon<strong>da</strong>de e esperança, radica<strong>da</strong><br />

numa conscienciosa pertença à <strong>Igreja</strong>.<br />

Nos últimos meses <strong>da</strong> II Guerra Mundial, foi arrolado nos serviços auxiliares anti-aéreos.<br />

Recebeu a Ordenação Sacerdotal em 29 de Junho de 1951. Um ano depois, começou a sua ativi<strong>da</strong>de<br />

de professor na Escola Superior de Freising. No ano de 1953, doutorou-se em teologia com a tese «Povo<br />

e Casa de Deus na doutrina <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> de Santo Agostinho». Passados quatro anos, sob a direção do<br />

conhecido professor de teologia fun<strong>da</strong>mental Gottlieb Söhngen, conseguiu a habilitação para a docência<br />

com uma dissertação sobre «A teologia <strong>da</strong> história em São Boaventura». Depois de desempenhar o<br />

cargo de professor de teologia dogmática e fun<strong>da</strong>mental na Escola Superior de Filosofia e Teologia de<br />

Freising, continuou a docência em Bonn, de 1959 a 1963; em Münster, de 1963 a 1966; e em Tubinga,<br />

de 1966 a 1969. A partir deste ano de 1969, passou a ser catedrático de dogmática e história do dogma<br />

na Universi<strong>da</strong>de de Ratisbona, onde ocupou também o cargo de Vice-Reitor <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de.<br />

De 1962 a 1965, prestou um notável contributo ao Concílio Vaticano II como «perito»; viera como<br />

consultor teológico do Cardeal Joseph Frings, Arcebispo de Colônia.<br />

A sua intensa ativi<strong>da</strong>de científica levou-o a desempenhar importantes cargos ao serviço <strong>da</strong> Conferência<br />

Episcopal Alemã e na Comissão Teológica Internacional.<br />

Em 25 de Março de 1977, o Papa Paulo VI nomeou-o Arcebispo de München e Freising. A 28 de Maio<br />

seguinte, recebeu a sagração episcopal. Foi o primeiro sacerdote diocesano, depois de oitenta anos,<br />

que assumiu o governo pastoral <strong>da</strong> grande arquidiocese bávara. Escolheu como lema episcopal:<br />

«Colaborador <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de»; assim o explicou ele mesmo: «Parecia-me, por um lado, encontrar nele<br />

a ligação entre a tarefa anterior de professor e a minha nova missão; o que estava em jogo, e<br />

continua a estar – embora com mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des diferentes –, é seguir a ver<strong>da</strong>de, estar ao seu serviço.<br />

E, por outro, escolhi este lema porque, no mundo atual, omite-se quase totalmente o tema <strong>da</strong><br />

ver<strong>da</strong>de, parecendo algo demasiado grande para o homem; e, to<strong>da</strong>via, tudo se desmorona se falta<br />

a ver<strong>da</strong>de».<br />

Paulo VI criou-o Cardeal, do título presbiteral de “Santa <strong>Maria</strong> <strong>da</strong> Consolação no Tiburtino”, no<br />

Consistório de 27 de Junho desse mesmo ano.<br />

Em 1978, participou no Conclave, celebrado de 25 a 26 de Agosto, que elegeu João Paulo I; este<br />

nomeou-o seu Enviado especial ao III Congresso Mariológico Internacional que teve lugar em<br />

Guayaquil (Equador) de 16 a 24 de Setembro. No mês de Outubro desse mesmo ano, participou também<br />

no Conclave que elegeu João Paulo II.<br />

Foi Relator na V Assembléia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos realiza<strong>da</strong> em 1980, que tinha como<br />

tema «Missão <strong>da</strong> família cristã no mundo contemporâneo», e Presidente Delegado <strong>da</strong> VI Assembléia<br />

Geral Ordinária, celebra<strong>da</strong> em 1983, sobre «A reconciliação e a penitência na missão <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>».<br />

João Paulo II nomeou-o Prefeito <strong>da</strong> Congregação para a Doutrina <strong>da</strong> Fé e Presidente <strong>da</strong> Pontifícia<br />

Comissão Bíblica e <strong>da</strong> Comissão Teológica Internacional, em 25 de Novembro de 1981. No dia 15 de<br />

Fevereiro de 1982, renunciou ao governo pastoral <strong>da</strong> arquidiocese de München e Freising. O Papa<br />

elevou-o à Ordem dos Bispos, atribuindo-lhe a sede suburbicária de Velletri-Segni, em 5 de Abril de<br />

1993.<br />

Foi Presidente <strong>da</strong> Comissão encarrega<strong>da</strong> <strong>da</strong> preparação do Catecismo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica, a qual, após<br />

seis anos de trabalho (1986-1992), apresentou ao Santo Padre o novo Catecismo.<br />

A 6 de Novembro de 1998, o Santo Padre aprovou a eleição do Cardeal Ratzinger para Vice-<br />

Decano do Colégio Cardinalício, realiza<strong>da</strong> pelos Cardeais <strong>da</strong> Ordem dos Bispos. E, no dia 30 de<br />

Novembro de 2002, aprovou a sua eleição para Decano; com este cargo, foi-lhe atribuí<strong>da</strong> também<br />

a sede suburbicária de Óstia.<br />

Em 1999, foi como Enviado especial do Papa às celebrações pelo XII centenário <strong>da</strong> criação <strong>da</strong> diocese<br />

de Paderborn, Alemanha, que tiveram lugar a 3 de Janeiro.<br />

Desde 13 de Novembro de 2000, era Membro honorário <strong>da</strong> Academia Pontifícia <strong>da</strong>s Ciências.<br />

13


Na Cúria Romana, foi Membro do Conselho <strong>da</strong> Secretaria de Estado para as Relações com os Estados;<br />

<strong>da</strong>s Congregações para as <strong>Igreja</strong>s Orientais, para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, para os<br />

Bispos, para a Evangelização dos Povos, para a Educação Católica, para o Clero, e para as Causas dos<br />

Santos; dos Conselhos Pontifícios para a Promoção <strong>da</strong> Uni<strong>da</strong>de dos Cristãos, e para a Cultura; do<br />

Tribunal Supremo <strong>da</strong> Assinatura Apostólica; e <strong>da</strong>s Comissões Pontifícias para a América Latina,<br />

«Ecclesia Dei», para a Interpretação Autêntica do Código de Direito Canônico, e para a revisão do<br />

Código de Direito Canônico Oriental.<br />

Entre as suas numerosas publicações, ocupam lugar de destaque o livro «Introdução ao Cristianismo»,<br />

uma compilação de lições universitárias publica<strong>da</strong>s em 1968 sobre a profissão de fé apostólica, e o livro<br />

«Dogma e Revelação» (1973), uma antologia de ensaios, homilias e meditações, dedica<strong>da</strong>s à pastoral.<br />

Grande ressonância teve a conferência que pronunciou perante a Academia Católica Bávara sobre o<br />

tema «Por que continuo ain<strong>da</strong> na <strong>Igreja</strong>?»; com a sua habitual clareza, afirmou então: «Só na <strong>Igreja</strong> é<br />

possível ser cristão, não ao lado <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>».<br />

No decurso dos anos, continuou abun<strong>da</strong>nte a série <strong>da</strong>s suas publicações, constituindo um ponto de<br />

referência para muitas pessoas, especialmente para os que queriam entrar em profundi<strong>da</strong>de no estudo <strong>da</strong><br />

teologia. Em 1985 publicou o livro-entrevista «Relatório sobre a Fé» e, em 1996, «O sal <strong>da</strong> terra». E,<br />

por ocasião do seu septuagésimo aniversário, publicou o livro «Na escola <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de», onde aparecem<br />

ilustrados vários aspectos <strong>da</strong> sua personali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> sua obra por diversos autores.<br />

Recebeu numerosos doutoramentos «honoris causa»: pelo College of St. Thomas em St. Paul<br />

(Minnesota, Estados Unidos), em 1984; pela Universi<strong>da</strong>de Católica de Eichstätt, em 1987; pela<br />

Universi<strong>da</strong>de Católica de Lima, em 1986; pela Universi<strong>da</strong>de Católica de Lublin, em 1988; pela<br />

Universi<strong>da</strong>de de Navarra (Pamplona, Espanha), em 1998; pela Livre Universi<strong>da</strong>de <strong>Maria</strong> Santíssima<br />

Assunta (LUMSA, Roma), em 1999; pela Facul<strong>da</strong>de de Teologia <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Wroclaw (Polônia)<br />

no ano 2000. Fonte: http://www.catolicismoromano.com.br/content/view/189/40/<br />

O BRASÃO DE SUA SANTIDADE, O PAPA BENTO <strong>XVI</strong><br />

Desde os tempos medievais, os brasões tornaram-se de uso comum para os guerreiros e para a nobreza, e<br />

por conseguinte foi-se desenvolvendo uma linguagem bem articula<strong>da</strong> que regula e descreve a heráldica<br />

civil. Paralelamente, também para o clero se formou uma heráldica eclesiástica.<br />

Ela segue as regras <strong>da</strong> civil para a composição e a definição do escudo, mas coloca em redor símbolos<br />

de insígnias de caráter eclesiástico e religioso, segundo os graus <strong>da</strong> Ordem sacra, <strong>da</strong> jurisdição e <strong>da</strong><br />

digni<strong>da</strong>de. É tradição, pelo menos de há oito séculos para cá, que também os Papas tenham um seu<br />

brasão pessoal, além dos simbolismos próprios <strong>da</strong> Sé Apostólica. Particularmente no Renascimento e<br />

nos séculos seguintes, era costume decorar com o brasão do Sumo Pontífice felizmente reinante to<strong>da</strong>s as<br />

principais obras por ele executa<strong>da</strong>s. Brasões papais aparecem de fato nas obras de arquitetura, em<br />

publicações, em decretos e documentos de vários tipos.<br />

Com freqüência os Papas adotavam o escudo <strong>da</strong> própria família, se existia, ou então compunham um<br />

escudo com simbolismos que indicavam um próprio ideal de vi<strong>da</strong>, ou uma referência a fatos ou<br />

14


experiências passa<strong>da</strong>s, ou a elementos relacionados com um próprio programa de pontificado. Por vezes<br />

acrescentavam algumas variantes ao escudo que tinham adotado como Bispos.<br />

Também o Cardeal Joseph Ratzinger, eleito Papa e assumindo o nome de <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, escolheu um<br />

brasão rico de simbolismos e de significados, para confiar à história a sua personali<strong>da</strong>de e o seu<br />

Pontificado.<br />

Como se sabe, um brasão é composto por um escudo que tem alguns símbolos significativos e é<br />

circun<strong>da</strong>do por elementos, que indicam a digni<strong>da</strong>de, o grau, o título, a jurisdição, etc. O escudo adotado<br />

pelo Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> tem uma composição muito simples: tem a forma de cálice, que é a mais usa<strong>da</strong> na<br />

heráldica eclesiástica (outra forma é a cabeça de cavalo, que foi adota<strong>da</strong> por Paulo VI). No seu interior,<br />

variando a composição em relação ao escudo cardinalício, o escudo do Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> tornou-se:<br />

vermelho, com ornamentos dourados. De fato, o campo principal, que é vermelho, tem dois relevos<br />

laterais nos ângulos superiores em forma de "capa", que são de ouro. A "capa" é um símbolo de religião.<br />

Ela indica um ideal inspirado na espirituali<strong>da</strong>de monástica, e mais tipicamente na beneditina. Várias<br />

Ordens ou Congregações religiosas adotaram a forma "de revestimento" no seu brasão, como, por<br />

exemplo, os Carmelitas e os Dominicanos, mesmo se estes últimos o usavam unicamente numa<br />

simbologia mais primitiva que a atual. <strong>Bento</strong> XIII, Pedro Francisco Orsini (1724-1730), <strong>da</strong> Ordem dos<br />

Pregadores, adotou a "cabeça dominicana", que é branca ornamenta<strong>da</strong> de preto.<br />

O escudo do Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> contém simbolismos que ele já tinha introduzido no seu brasão de<br />

Arcebispo de Monastério e Frisinga e depois de Cardeal. Contudo, na nova composição, eles estão<br />

agora ordenados de modo diverso. O campo principal do brasão é o central, que é vermelho. No ponto<br />

mais nobre do escudo, encontra-se uma grande concha de ouro, a qual tem uma tripla simbologia.<br />

Primeiro, ela tem um significado teológico: pretende recor<strong>da</strong>r a len<strong>da</strong> atribuí<strong>da</strong> a Santo Agostinho, o<br />

qual encontrando um jovem na praia, que com uma concha procurava pôr to<strong>da</strong> a água do mar num<br />

buraco cavado na areia, lhe perguntou o que fazia.<br />

Ele explicou-lhe a sua vã tentativa, e Agostinho compreendeu a referência ao seu inútil esforço de<br />

procurar fazer entrar a infini<strong>da</strong>de de Deus na limita<strong>da</strong> mente humana. A len<strong>da</strong> possui um evidente<br />

simbolismo espiritual, para convi<strong>da</strong>r a conhecer Deus, mesmo se na humil<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s inadequa<strong>da</strong>s<br />

capaci<strong>da</strong>des humanas, haurindo <strong>da</strong> inexauribili<strong>da</strong>de do ensinamento teológico. Além disso, a concha é<br />

usa<strong>da</strong> há séculos para indicar o peregrino: simbolismo que <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> quer manter vivo, no seguimento<br />

<strong>da</strong>s pega<strong>da</strong>s de João Paulo II, grande peregrino em to<strong>da</strong>s as partes do mundo. A casula por ele usa<strong>da</strong> na<br />

solene liturgia do início do seu Pontificado, no domingo, 24 de Abril, tinha bem evidenciado o desenho<br />

de uma grande concha. Ela é também o símbolo presente no brasão do Antigo Mosteiro de Schotten,<br />

perto de Regensburgo, na Baviera, ao qual Joseph Ratzinger se sente espiritualmente muito ligado.<br />

Na parte do escudo denomina<strong>da</strong> "capa", encontram-se também dois símbolos provenientes <strong>da</strong><br />

Tradição <strong>da</strong> Baviera, que Joseph Ratzinger, ao tornar-se em 1977 Arcebispo de Mônaco e Frisinga<br />

tinha introduzido no seu brasão arquiepiscopal. No ângulo direito do brasão (à esquer<strong>da</strong> de quem<br />

olha) está uma cabeça de mouro (ou seja, de cor escura), com lábios, coroa e colar vermelhos. É o antigo<br />

símbolo <strong>da</strong> Diocese de Frisinga, que surgiu no século VIII, tornando-se Arquidiocese Metropolitana<br />

com o nome de Mônaco e Frisinga em 1818, depois <strong>da</strong> Concor<strong>da</strong>ta entre Pio VII e o Rei Maximiliano<br />

José <strong>da</strong> Baviera (5 de Junho de 1817).<br />

A cabeça de Mouro não é rara na heráldica européia. Ela aparece ain<strong>da</strong> hoje em muitos brasões <strong>da</strong><br />

Sardenha e <strong>da</strong> Córsega, e também em vários brasões de famílias nobres. Também no brasão do Papa Pio<br />

VII, Barnabé Gregório Chiaramonti (1800-1823), se encontravam três cabeças de Mouro. Mas o Mouro<br />

na heráldica itálica em geral tem à volta <strong>da</strong> cabeça uma tira branca, que indica o escravo que foi<br />

libertado, e não é coroado, enquanto que na heráldica germânica é coroado. De fato, na tradição<br />

bavarese a cabeça de Mouro aparece com muita freqüência, e é denomina<strong>da</strong> caput ethiopicum, ou mouro<br />

de Frisinga.<br />

No ângulo esquerdo <strong>da</strong> parte superior, está representado um urso, de cor escura (ao natural), que carrega<br />

no seu dorso um fardo. Narra uma antiga tradição que o primeiro Bispo de Frisinga, São Corbiniano<br />

(nascido por volta de 680 em Chartres, França, e falecido a 8 de Setembro de 730), tendo-se posto em<br />

viagem a cavalo rumo a Roma, ao atravessar uma floresta foi atacado por um urso, que lhe devorou o<br />

cavalo. Contudo, ele conseguiu não só aplacar o urso, mas carregar nele a sua bagagem fazendo-se<br />

acompanhar por ele até Roma. Por isso o urso é representado com um fardo sobre o dorso. A fácil<br />

interpretação <strong>da</strong> simbologia quer ver no urso domado pela graça de Deus o próprio Bispo de<br />

Frisinga, e costuma ver no fardo o peso do episcopado por ele carregado.<br />

15


Por conseguinte, o escudo do brasão papal pode ser descrito ("nobre") segundo a linguagem heráldica do<br />

seguinte modo: "De vermelho, revestido de ouro, até à concha do mesmo; o ângulo direito, com a cabeça<br />

de Mouro ao natural, coroa<strong>da</strong> e com colar vermelho; o ângulo esquerdo, com o urso ao natural, decorado<br />

e carregado com um fardo vermelho, cinturado de preto".<br />

O escudo tem no seu interior como descrevemos as simbologias liga<strong>da</strong>s à pessoa que com ele se<br />

distingue, aos seus ideais, tradições, programas de vi<strong>da</strong> e aos princípios que o inspiram e guiam. Os<br />

vários símbolos do grau, <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> jurisdição do indivíduo estão colocados em volta do escudo.<br />

É tradição, desde tempos imemoráveis, que o Sumo Pontífice tenha no seu brasão, em volta do escudo,<br />

as duas chaves "decussa<strong>da</strong>s" (ou seja, coloca<strong>da</strong>s em forma de cruz de Santo André), uma de ouro e a<br />

outra de prata: interpreta<strong>da</strong>s por vários autores como símbolos do poder espiritual e do poder temporal.<br />

Elas estão coloca<strong>da</strong>s atrás do escudo, ou acima dele, afirmando-se com certa evidência. O Evangelho de<br />

Mateus narra que Cristo dissera a Pedro:<br />

"Dar-te-ei as chaves do reino dos céus, e tudo o que ligares na terra será ligado no céu, e tudo o que<br />

desligares na terra, será desligado no céu" (cap. 16, v. 19). Por conseguinte, as chaves são o símbolo<br />

típico do poder <strong>da</strong>do por Cristo a São Pedro e aos seus sucessores. Portanto, elas encontram-se<br />

justamente em ca<strong>da</strong> brasão papal.<br />

Na heráldica civil existe sempre em cima do escudo um ornamento para a cabeça, normalmente uma<br />

coroa. Também na heráldica eclesiástica acontece o mesmo, evidentemente de tipo eclesiástico. No caso<br />

do Sumo Pontífice desde os tempos antigos representa-se uma "tiara". No início, ela era um tipo de<br />

"barrete" fechado. Em 1130 foi acompanhado por uma coroa, símbolo de soberania sobre os Estados <strong>da</strong><br />

<strong>Igreja</strong>. Bonifácio VIII, em 1301, acrescentou uma segun<strong>da</strong> coroa, na época do confronto com o Rei <strong>da</strong><br />

França, Filipe, o Belo, para representar a sua autori<strong>da</strong>de espiritual superior à civil. Foi <strong>Bento</strong> XII, em<br />

1342 que acrescentou uma terceira coroa para simbolizar a autori<strong>da</strong>de moral do Papa sobre todos os<br />

monarcas civis, e reafirmar a posse de Avinhão.<br />

Com o tempo, perdendo os seus significados de caráter temporal, a tiara de prata com as três coroas de<br />

ouro permaneceu para representar os três poderes do Sumo Pontífice: de Ordem sagra<strong>da</strong>, de Jurisdição e<br />

de Magistério. Nos últimos séculos, os Papas usaram a tiara nos pontificados solenes, e em particular no<br />

dia <strong>da</strong> "coroação", no início do seu pontificado. Paulo VI usou para tal função uma preciosa tiara que lhe<br />

fora ofereci<strong>da</strong> pela Diocese de Milão, como já tinha feito para Pio XI, que depois a destinou para obras<br />

de beneficência e teve início o uso corrente de uma simples "mitra" (ou "mitria"), por vezes enriqueci<strong>da</strong><br />

com decorações ou gemas. Contudo ele deixou a "tiara" juntamente com as chaves decussa<strong>da</strong>s como<br />

símbolo <strong>da</strong> Sé Apostólica.<br />

Hoje a cerimônia com a qual o Sumo Pontífice inaugura solenemente o seu Pontificado já não se chama<br />

"coroação", como se dizia no passado. A plena jurisdição do Papa, de fato, inicia a partir do momento <strong>da</strong><br />

sua aceitação <strong>da</strong> eleição feita pelos Cardeais em Conclave e não por uma coroação, como acontece com<br />

os monarcas civis. Por isso, essa cerimônia chama-se simplesmente solene início do seu Ministério<br />

Petrino, como aconteceu para <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, a 24 de Abril passado.<br />

O Santo Padre <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> decidiu não usar mais a tiara no seu brasão oficial pessoal, mas colocar só<br />

uma simples mitra, que não é, portanto, encima<strong>da</strong> por uma pequena esfera e por uma cruz como era a<br />

tiara. A mitra pontifícia representa<strong>da</strong> no seu brasão, em recor<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s simbologias <strong>da</strong> tiara, é de prata e<br />

tem três faixas de ouro (os três mencionados poderes de Ordem, Jurisdição e Magistério), ligados<br />

verticalmente entre si no centro para indicar a sua uni<strong>da</strong>de na mesma pessoa.<br />

Um símbolo totalmente novo no brasão do Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> é a presença do "pálio". Não é<br />

tradição, pelo menos recente, que os Sumos Pontífices o representem no seu brasão. Contudo, o<br />

pálio é o distintivo litúrgico típico do Sumo Pontífice, e aparece com muita freqüência em antigas<br />

representações papais. Indica o cargo de ser pastor do rebanho que lhe foi confiado por Cristo.<br />

Nos primeiros séculos os Papas usavam uma ver<strong>da</strong>deira pele de cordeiro apoia<strong>da</strong> sobre os ombros.<br />

Depois, passou a ser costume uma estola de lã branca, teci<strong>da</strong> com lã pura de cordeiros criados<br />

para essa finali<strong>da</strong>de. A estola tinha algumas cruzes, que nos primeiros séculos eram pretas, ou por<br />

vezes vermelhas. Já no IV século o pálio era um distintivo litúrgico próprio e típico do Papa.<br />

O conferimento do pálio por parte do Papa aos Arcebispos metropolitas teve início no século VI. A<br />

obrigação por parte deles de postular o pálio depois <strong>da</strong> sua nomeação é confirma<strong>da</strong> desde o século IX.<br />

Na famosa longa série iconográfica dos me<strong>da</strong>lhões que, na Basílica de São Paulo, reproduzem a efígie<br />

de todos os Papas <strong>da</strong> história (mesmo se particularmente os mais antigos são de feições idealiza<strong>da</strong>s)<br />

muitíssimos Sumos Pontífices são representados com o pálio, particularmente todos os Pontífices entre<br />

16


os séculos V e XIV. Por conseguinte, o pálio é o símbolo não só <strong>da</strong> jurisdição papal, mas também o sinal<br />

explícito e fraterno <strong>da</strong> partilha desta jurisdição com os Arcebispos metropolitas, e mediante eles com os<br />

Bispos seus sufragâneos. Portanto ele é sinal visível <strong>da</strong> colegiali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> subsidiarie<strong>da</strong>de. Também<br />

vários Patriarcas Orientais usam uma forma antiqüíssima, muito semelhante ao pálio, chama<strong>da</strong><br />

omophorion.<br />

Na heráldica geral, quer civil, quer eclesiástica (particularmente nos graus inferiores) é costume colocar<br />

por baixo do escudo um nastro, ou cartaz, que tem gravado um mote, ou distintivo. Ele contém numa só<br />

ou em poucas palavras um ideal, ou um programa de vi<strong>da</strong>. O Cardeal Joseph Ratzinger tinha no seu<br />

brasão arquiepiscopal e cardinalício o mote: "Cooperatores Veritatis". Ele permanece como sua<br />

aspiração e programa pessoal, mas não está no brasão papal, segundo a comum tradição dos brasões dos<br />

Sumos Pontífices nos últimos séculos. Todos recor<strong>da</strong>mos como João Paulo II citava com freqüência o<br />

mote "Totus tuus", mesmo se não estava no seu brasão papal. A falta de um mote no brasão papal não<br />

significa falta de um programa, mas simplesmente abertura sem exclusões a todos os ideais que derivam<br />

<strong>da</strong> fé, <strong>da</strong> esperança e <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de.<br />

Fonte: http://www.catolicismoromano.com.br/content/view/188/40/<br />

O SANTO PADRE, O PAPA<br />

Um grupo de alegres crianças foi visitar o Santo Padre Pio XII. – Quem é o Papa, perguntou ele? –<br />

Todos responderam: o Papa é o Vigário de Cristo na terra. É a cabeça visível <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. – É o pai de<br />

todos os cristãos.<br />

Depois se dirigindo ao menorzinho, perguntou: E tu saberias dizer quem é o Papa? – O pequeno<br />

sem hesitar responde: Tu és Jesus (1).<br />

A grande mística dominicana Santa Catarina de Sena, dizia que o “Papa é o doce Cristo na terra”.<br />

Seu amor pelo Papa e pela Santa Madre <strong>Igreja</strong>, se resume nesta frase: “Se morrer, saberei que morro de<br />

paixão pela <strong>Igreja</strong>”.<br />

Escreve o Papa Pio XII: “Na<strong>da</strong> se pode conceber de mais glorioso, mais nobre, mais honroso do que<br />

pertencer à <strong>Igreja</strong> Santa, Católica, Apostólica e Romana, pela qual nos tornamos membros de um<br />

corpo tão santo. Somos dirigidos por um chefe sublime, e somos penetrados por um único Espírito<br />

Divino; enfim somos alimentados neste exílio terrestre por uma só doutrina e um só Pão celeste, até<br />

que finalmente tornemos parte na única e eterna bem-aventurança celeste” (Pio XII – Mystici<br />

Corporis Christi Nº 90 – 29/06/1943). (2).<br />

O Ex-Bispo Grahan Leonard <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Anglicana de Londres revela o motivo de sua conversão ao<br />

Catolicismo Romano: “Na <strong>Igreja</strong> Católica encontra-se a ver<strong>da</strong>de sem subjetivismos”. Diz mais sobre o<br />

Papa: “O essencial <strong>da</strong> primazia petrina não é a honra, mas a jurisdição. E isso porque se trata de<br />

defender a ver<strong>da</strong>de, os direitos <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de. O primado do Papa é essencial para a <strong>Igreja</strong>, porque é de<br />

instituição divina. É essencial também para alcançar a ver<strong>da</strong>deira uni<strong>da</strong>de entre as igrejas”. (3)<br />

O SIGNIFICADO DA PALAVRA PAPA<br />

O Papa, (do grego, pai), segundo a santa doutrina católica, é o sucessor de São Pedro no governo <strong>da</strong><br />

<strong>Igreja</strong> Católica Apostólica Romana e o Vigário de Cristo na terra. Tem autori<strong>da</strong>de sobre todos os fiéis<br />

e sobre to<strong>da</strong> hierarquia eclesiástica, incluindo a Concilio Ecumênico, e é infalível quando fala “ex<br />

cathedra” sobre assuntos de fé e moral.<br />

Há quem defen<strong>da</strong> a origem <strong>da</strong> palavra como resultado <strong>da</strong>s iniciais do título de São Pedro: “Petrus<br />

Apostolus Princeps Apostolurum (Pedro Apóstolo, Príncipe dos Apóstolos)”.<br />

O Papa é o sucessor de São Pedro, a pedra sobre a qual Nosso Senhor Jesus Cristo edificou a sua<br />

<strong>Igreja</strong>, o Vigário de Cristo na terra, o “princípio perpétuo e o fun<strong>da</strong>mento visível <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de na Fé e<br />

na Cari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>” (4).<br />

São Pedro Apóstolo, a quem Jesus Cristo outorgou o primado na Santa Madre <strong>Igreja</strong>, (João 21, 15-17;<br />

Mateus 16, 18-19), estabeleceu sua sede primeiro em Antioquia, depois, durante 25 anos, em Roma<br />

pelos anos de 42 d.C, que se tornou então a sede principal do cristianismo. A tradição entre Roma e o<br />

papado vem confirma<strong>da</strong> desde os primórdios <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, os grandes Santos Padres: Santo Inácio de<br />

Antioquia (+ 110), São Justino (c. 100-165), São Basílio Magno (329-379), Santo Irineu (140-200),<br />

Santo Agostinho (350-430), São João Crisóstomo (c. 354 - 407) e outros imprimiram a sentença: “Ubi<br />

17


Petros, ibi Eclésia, ubi Eclésia ibi Christus – Onde está Pedro está a <strong>Igreja</strong>, onde está a <strong>Igreja</strong> está<br />

Jesus Cristo”.<br />

A tradição que se refere que São Pedro foi martirizado em Roma, crucificado de cabeça para baixo em<br />

64 ou 67, fun<strong>da</strong>-se nos Fatos de Pedro (apócrifo) e na História Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia .<br />

Como sucessor de São Pedro, o Papa é o supremo soberano e mestre dos fiéis, exercendo<br />

autori<strong>da</strong>de suprema e universal. Quando, como chefe supremo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, define ver<strong>da</strong>de de fé ou<br />

moral para a <strong>Igreja</strong> Universal, tem o dom <strong>da</strong> infalibili<strong>da</strong>de. É o supremo legislador e Juiz,<br />

promulgando leis para to<strong>da</strong> a <strong>Igreja</strong>, ou concedendo dispensas nas leis comuns. Somente ele pode<br />

criar e dividir dioceses; transferir e nomear bispos; convocar e dissolver concílios universais.<br />

Concede indulgências do tesouro <strong>da</strong> Santa <strong>Igreja</strong>, comina censuras, como a excomunhão, e reserva para<br />

si, o poder de levantar determina<strong>da</strong>s excomunhões.<br />

O PAPA SUCESSOR DE SÃO PEDRO<br />

“O que Cristo Senhor, Príncipe dos pastores e Pastor Supremo <strong>da</strong>s ovelhas, instituiu no Bem-<br />

Aventurado Apóstolo Pedro, para perpétua salvação e perene bem <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> deve, por vontade do<br />

próprio Cristo, durar para sempre na <strong>Igreja</strong>, que fun<strong>da</strong><strong>da</strong> sobre a pedra, subsistirá firme até a<br />

Consumação dos séculos ( Mateus 7, 25; Lucas 6, 48). Na ver<strong>da</strong>de, ninguém duvi<strong>da</strong>, pelo contrário, é<br />

fato conhecido em todos os tempos que o santo e beatíssimo Pedro, Príncipe e Cabeça dos Apóstolos,<br />

coluna <strong>da</strong> Fé e fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica recebeu de Nosso Senhor Jesus Cristo, Salvador e<br />

Redentor do gênero humano, as chaves do Reino: Pedro ‘vive’, preside e ‘exerce o poder de julgar,<br />

até o presente e para sempre, na pessoa de seus sucessores’ (Concilio de Éfeso), ou seja, nos bispos<br />

<strong>da</strong> Santa Fé Romana, por ele fun<strong>da</strong><strong>da</strong> e com seu sangue consagra<strong>da</strong>” (D-5 3056). (5).<br />

INFALIBILIDADE PAPAL<br />

O dogma <strong>da</strong> infalibili<strong>da</strong>de papal ocorreu no Concílio Vaticano I (1869-1870). Em 13 de Julho de 1870,<br />

por grande maioria de votos, aprovou a proposição do dogma. Em 18 de Julho de 1870, o Papa Pio IX,<br />

homologou a resolução do concílio e anunciou a constituição dogmática em causa. Pio IX foi o Papa do<br />

mais longo pontificado, 32 anos.<br />

“Nós, seguindo a tradição fielmente recebi<strong>da</strong> desde os primórdios <strong>da</strong> Fé cristã, para glória de<br />

Deus, nosso Salvador; para exaltação <strong>da</strong> religião católica e salvação dos povos cristãos, com<br />

aprovação do sagrado concílio, ensinamos e definimos que é dogma revelado por Deus: Que o<br />

Romano Pontífice, quando fala ex cathedra – isto é, quando, cumprindo seu múnus de Pastor e<br />

Doutor de todos os cristãos, define, em razão de sua suprema autori<strong>da</strong>de apostólica, que uma<br />

doutrina de Fé ou de Moral deve ser guar<strong>da</strong><strong>da</strong> por to<strong>da</strong> a <strong>Igreja</strong> – goza, em virtude <strong>da</strong> Assistência<br />

Divina que lhe foi prometi<strong>da</strong> na pessoa Bem-aventurado Pedro, <strong>da</strong>quela infalibili<strong>da</strong>de com que o<br />

Divino Redentor quis que fosse dota<strong>da</strong> Sua <strong>Igreja</strong> ao definir uma doutrina de Fé ou de Moral; e<br />

que portanto tais definições do Romano Pontífice são irreformáveis por si mesmas, não pelo<br />

consenso <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. Se alguém, pois, tiver ousadia (que Deus não o permita!) de contradizer esta<br />

Nossa definição – seja anátema”. (Constituição Dogmática “Pastor Aeternus”, D-S 3073-3075)<br />

O PAPA E O COLÉGIO EPISCOPAL<br />

“O Colégio ou Corpo Episcopal não tem autori<strong>da</strong>de se nele não se considerar incluído, como chefe,<br />

o Romano Pontífice, sucessor de Pedro, e permanecer intacto o poder primacial do Papa sobre<br />

todos, quer Pastores quer fiéis. Pois o Romano Pontífice, em virtude do seu cargo de Vigário de<br />

Cristo e Pastor de to<strong>da</strong> a <strong>Igreja</strong>, tem nela poder pleno, supremo e universal, que pode sempre<br />

exercer livremente. Mas a Ordem dos Bispos, que sucede ao Colégio Apostólico no magistério e no<br />

governo pastoral, e, mais ain<strong>da</strong>, na qual o Corpo Apostólico perpetuamente perdura, junto com o seu<br />

Chefe, o Romano Pontífice, e nunca sem ele, é também detentora do supremo e pleno poder sobre to<strong>da</strong><br />

a <strong>Igreja</strong>, poder este que não pode ser exercido senão com o consentimento do Romano Pontífice.<br />

Pois o Senhor colocou apenas Pedro como pedra e guar<strong>da</strong>-chaves <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> (cf. Mateus 16, 18-19;<br />

28, 16-20) e o constituiu Pastor de todo o Seu rebanho (cf. João 21, 15 ss.).<br />

Mas é sabido que o encargo de ligar e desligar, conferido a Pedro (Mateus 16,19), foi também <strong>da</strong>do ao<br />

18


Colégio dos Apóstolos, unido à sua cabeça (Mateus 18, 18; 28, 16-20). Este colégio, enquanto composto<br />

por muitos, exprime a varie<strong>da</strong>de e universali<strong>da</strong>de do Povo de Deus e, enquanto reunido sob uma só<br />

cabeça, revela a uni<strong>da</strong>de do redil de Cristo. Neste colégio, os Bispos respeitando fielmente o primado<br />

e chefia <strong>da</strong> sua cabeça, gozam de poder próprio para o bem dos seus fiéis e de to<strong>da</strong> a <strong>Igreja</strong>,<br />

corroborando sem cessar o Espírito Santo a sua estrutura orgânica e a sua harmonia ...” (LG, 22). (6).<br />

DE PEDRO O PRIMADO NO NOVO TESTAMENTO<br />

Não resta dúvi<strong>da</strong> de que já nos escritos do Novo testamento o Apóstolo Pedro ocupa lugar de<br />

preeminência. É o Apóstolo mais citado: 171 vezes, ao passo que o segundo citado é João, cujo nome<br />

ocorre 46 vezes. Mais ain<strong>da</strong>:<br />

a) Pedro é o primeiro que Jesus chama e envia: Mc 1, 16-20; Mt 4, 15s; Lc 5, 1-11;<br />

b) Na lista dos Apóstolos é sempre o primeiro, ao passo que Ju<strong>da</strong>s é o último: Mt 10, 2-4; Mc 3, 16-<br />

19; Lc 6, 14-16 At 1,3.<br />

c) A vocação de Pedro está associa<strong>da</strong> a uma mu<strong>da</strong>nça de nome; ver Jo 1,41s; Mc 3, 16,18. Jesus lhe dá o<br />

nome de Kephas, Rocha. Na antigui<strong>da</strong>de o nome exprimia a reali<strong>da</strong>de íntima do respectivo sujeito. No<br />

Antigo Testamento Deus mudou o nome de Abrão para Abraão (Gn 17,5) o de Sarai para Sara (Gn<br />

17,16), o de Jacó para Israel (Gn 32,29). De ca<strong>da</strong> vez a mu<strong>da</strong>nça implicou uma promessa..., promessa<br />

que dizia respeito aos fun<strong>da</strong>mentos do povo de Deus. Ao trocar o nome de Simão pelo de Kephas<br />

(Rocha), Jesus quis significar que, no novo povo de Deus, Pedro teria o papel de fun<strong>da</strong>mento<br />

sólido como a rocha.<br />

Muito significativo são os textos de Mt 16, 13-19 (a promessa do primado); Lc 22, 31s (a oração de<br />

Jesus por Pedro, designado para confirmar seus irmãos na fé) e Jo 21 15-17 (a entrega do primado:<br />

“Apascenta...”).<br />

NA TRADIÇÃO ECLESIÁSTICA<br />

A Sé de Roma sempre esteve consciente de que lhe tocava, em relação ao conjunto <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> uma tarefa<br />

de solicitude, com o direito de intervir onde fosse necessário, para salvaguar<strong>da</strong>r a fé e orientar a<br />

disciplina <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des. Tratava-se de aju<strong>da</strong>, mas também eventualmente, de intervenção<br />

jurídica, necessárias para manter a uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. O fun<strong>da</strong>mento dessa função eram os textos<br />

do Evangelho que privilegiam Pedro, como também o fato de que Pedro e Paulo haviam<br />

consagrado a Sé de Roma com o seu martírio, conferindo a esta autori<strong>da</strong>de singular<br />

É São Clemente de Roma (c.30 101), o terceiro sucessor de São Pedro na sé romana, que nos fala <strong>da</strong><br />

perseguição de Nero e do martírio de São Pedro e São Paulo com fatos históricos (Primeira Carta aos<br />

Coríntios, 1, 5-6). E Santo Inácio de Antioquia († 110), que de caminho para Roma , assinala numa carta<br />

aos romanos o martírio de São Pedro e São Paulo nesta Ci<strong>da</strong>de (Carta aos Romanos 4).<br />

No século II houve, entre Ocidentais e Orientais, divergências quanto à <strong>da</strong>ta de celebração <strong>da</strong> Páscoa. Os<br />

cristãos <strong>da</strong> Ásia Menor queriam seguir o calendário ju<strong>da</strong>ico, celebrando-a na noite de 14 para 15 de Nisã<br />

(<strong>da</strong>í serem chamado quatuordecimanos), independentemente do dia <strong>da</strong> semana, ao passo que os<br />

Ocidentais queriam manter o domingo como dia <strong>da</strong> Ressurreição de Jesus (portanto, o domingo seguinte<br />

a 14 de Nisã); o Bispo S. Policarpo de Esmirna foi a Roma defender a causa dos Orientais junto ao Papa<br />

Aniceto em 154; quase houve cisão <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. S. Ireneu, Bispo de Lião (Gália) interveio; apaziguando os<br />

ânimos. Finalmente o Papa S. Vitor (189 – 198) exigiu que os fiéis <strong>da</strong> Ásia Menor observassem o<br />

calendário pascal <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> de Roma, pois esta remontava aos Apóstolos Pedro e Paulo.<br />

Aliás, S. Ireneu († 202 aproxima<strong>da</strong>mente) dizia a respeito de Roma: “Com tal <strong>Igreja</strong>, por causa <strong>da</strong> sua<br />

peculiar preeminência, deve estar de acordo to<strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, porque nela foi conservado o que a partir<br />

dos Apóstolos é tradição” (Contra as heresias 3,2).<br />

Muito significava é a profissão de fé dos Bispos Máximo, Urbano e outros do Norte <strong>da</strong> África que<br />

aderiram ao cisma de Novaciano, rigorista, mas posteriormente resolveram voltar à comunhão <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong><br />

sob o Papa S. Cornélio em 251: “Sabemos que Cornélio é Bispo <strong>da</strong> Santíssima <strong>Igreja</strong> Católica,<br />

escolhido por Deus todo-poderoso e por Cristo Nosso Senhor. Confessamos o nosso erro... To<strong>da</strong>via<br />

19


nosso coração sempre esteve na <strong>Igreja</strong>; não ignoramos que há só um Deus e Senhor todo-poderoso,<br />

também sabemos que Cristo é o Senhor ; há um só Espírito Santo; por isto deve haver um só Bispo à<br />

frente <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica” (Denzinger –Schönmetzer. Enchiridion 108 [44].<br />

O Papa Estevão I (254-257) foi o primeiro a recorrer a Mt 16,16-19, ao afirmar, contra os teólogos do<br />

Norte <strong>da</strong> África, que não se deve repetir o Batismo ministrado por hereges, pois não são os homens que<br />

batizam, mas é Cristo que batiza. (7).<br />

CONCLUSÃO<br />

Há um só Deus, Criador, um só Cristo, Salvador, um só Espírito, Consolador, uma só esperança, o Céu,<br />

uma só fé, a sã doutrina, um só batismo, o novo nascimento, uma só <strong>Igreja</strong> ver<strong>da</strong>deira, a Católica e um<br />

só sucessor de São Pedro, o Papa. Pastor Universal <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>: Una, Santa, Católica e Apostólica.<br />

O Papa é a maior força moral <strong>da</strong> Terra. É o baluarte <strong>da</strong> ortodoxia. É o piloto que navega a barca<br />

de São Pedro com destemi<strong>da</strong> fé. É o exemplo de santi<strong>da</strong>de. Nele contempla-se a paz, justiça,<br />

cari<strong>da</strong>de e uni<strong>da</strong>de.<br />

O papa é o ser etéreo <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira religião universal do amor. Como disse São Gregório Magno (540-<br />

604): “O ver<strong>da</strong>deiro pastor <strong>da</strong>s almas é puro em seu pensamento, irrepreensível nas suas obras, sábio<br />

no silêncio, útil sempre na palavra. Sabe aproximar-se de todos com ver<strong>da</strong>deira cari<strong>da</strong>de e entranhas<br />

de compaixão” (8).<br />

São Gregório foi o primeiro Papa de ordem religiosa, era beneditino; a si mesmo chamou “servo dos<br />

servos de Deus”. Título que desde então se incorporou em definitivo à linguagem papal.<br />

Ao Santo Padre, o Papa, nosso respeito, honra, amor, veneração e a devi<strong>da</strong> obediência ao nosso<br />

Pastor Universal.<br />

ORAÇÃO PELO PAPA<br />

“Deus Pastor e guia de todos os fiéis, olhai propício para o vosso servo... que constituístes pastor <strong>da</strong><br />

vossa <strong>Igreja</strong>. Concedei-lhe, vos suplicamos a graça de edificar seus súditos com suas palavras e<br />

exemplos, a fim de que, com o rebanho que lhe foi confiado, alcance a vi<strong>da</strong> eterna. Por Cristo,<br />

Senhor nosso. Amém.”<br />

Pe. Inácio José do Vale<br />

Pároco <strong>da</strong> Paróquia São Paulo Apóstolo<br />

Professor de História <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong><br />

Facul<strong>da</strong>de Teológica de Volta Redon<strong>da</strong><br />

E-mail: pe.inaciojose.osbm@hotmail.com<br />

REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIA:<br />

(1) Pe. Frei Ricardo, Capuchinho. O Sábado do Sacerdote, 2ª edição. Porto Alegre: Ed. São Miguel,<br />

1954. p. 67.<br />

(2) Revista Pergunte e Responderemos, Janeiro de 2007. p. 23.<br />

(3) Moura, Jaime Francisco de. Por que estes ex-protestantes se tornaram católicos! São José dos<br />

campos: Com Deus, 2006. p. 143.<br />

(4) Concílio Ecumênico Vaticano I, Constituição Dogmática “Pastor Aeternus” Denz-Schön 3051.<br />

Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Dogmática “Lumem Gentium” 18.<br />

(5) Constituição Dogmática “Pastor Aeternus” (D-5 3056).<br />

(6) Constituição Dogmática “Lúmen Gentium”, Nº 22. Concílio Ecumênico Vaticano II<br />

(7) Pergunte e Responderemos, março de 2006. p. 110,111.<br />

(8) Palaci, S.J. Carlos. Pisaneschi, Nilo.<br />

Santo Nosso de Ca<strong>da</strong> Dia, Rogai por Nós, Santoral popular, São Paulo:<br />

Loyola, 1999, p. 210.<br />

Aquino, felipe. Porque sou católico, Lorena: Cléofas, 2002.<br />

Aquiles, Pintonello. Os Papas : síntese históricas, curiosi<strong>da</strong>des e pequenos fatos, São Paulo:<br />

Paulinas, 1986.<br />

Fisher – Wollpert, Rudolf. Léxico dos Papas: de Pedro a João Paulo II, Petrópolis, 1991<br />

Fonte: www.rainhamaria.com.br<br />

20


EXORTAÇÃO APOSTÓLICA<br />

PÓS-SINODAL<br />

SACRAMENTUM CARITATIS<br />

DE SUA SANTIDADE BENTO <strong>XVI</strong><br />

AO EPISCOPADO, AO CLERO, ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS<br />

SOBRE A EUCARISTIA, FONTE E ÁPICE DA VIDA E DA MISSÃO DA IGREJA<br />

Introdução [1]<br />

O alimento <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de [2]<br />

O desenvolvimento do rito eucarístico [3]<br />

O Sínodo dos Bispos e o Ano <strong>da</strong> Eucaristia [4]<br />

Finali<strong>da</strong>de do documento [5]<br />

I PARTE<br />

EUCARISTIA, MISTÉRIO ACREDITADO<br />

A fé eucarística <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> [6]<br />

Santíssima Trin<strong>da</strong>de e Eucaristia<br />

O pão descido do céu [7]<br />

Dom gratuito <strong>da</strong> Santíssima Trin<strong>da</strong>de [8]<br />

Eucaristia: Jesus ver<strong>da</strong>deiro Cordeiro imolado<br />

A nova e eterna aliança no sangue do Cordeiro [9]<br />

A instituição <strong>da</strong> Eucaristia [10]<br />

A figura deu lugar à Ver<strong>da</strong>de [11]<br />

O Espírito Santo e a Eucaristia<br />

Jesus e o Espírito Santo [12]<br />

Espírito Santo e celebração eucarística [13]<br />

Eucaristia e <strong>Igreja</strong><br />

Eucaristia, princípio causal <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> [14]<br />

Eucaristia e comunhão eclesial [15]<br />

Eucaristia e Sacramentos<br />

Sacramentali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> [16]<br />

I. Eucaristia e iniciação cristã<br />

II. Eucaristia, plenitude <strong>da</strong> iniciação cristã [17]<br />

III. A ordem dos sacramentos <strong>da</strong> iniciação [18]<br />

IV. Iniciação, comuni<strong>da</strong>de eclesial e família [19]<br />

II. Eucaristia e sacramento <strong>da</strong> Reconciliação<br />

Sua ligação intrínseca [20]<br />

Alguns cui<strong>da</strong>dos pastorais [21]<br />

III. Eucaristia e Unção dos Enfermos [22]<br />

V. Eucaristia e sacramento <strong>da</strong> Ordem<br />

VI. Na pessoa de Cristo cabeça [23]<br />

VII. Eucaristia e celibato sacerdotal [24]<br />

VIII. Escassez de clero e pastoral vocacional [25]<br />

IX. Gratidão e esperança [26]<br />

V. Eucaristia e Matrimônio<br />

Eucaristia, sacramento esponsal [27]<br />

Eucaristia e uni<strong>da</strong>de do matrimônio [28]<br />

Eucaristia e indissolubili<strong>da</strong>de do matrimônio [29]<br />

Eucaristia e escatologia<br />

21


Eucaristia, dom para o homem a caminho [30]<br />

O banquete escatológico [31]<br />

Oração pelos defuntos [32]<br />

A Eucaristia e a Virgem <strong>Maria</strong> [33]<br />

II PARTE<br />

EUCARISTIA, MISTÉRIO CELEBRADO<br />

Norma <strong>da</strong> oração e norma de fé [34]<br />

Beleza e liturgia [35]<br />

A celebração eucarística, obra de Cristo inteiro<br />

Cristo inteiro: cabeça e corpo [36]<br />

Eucaristia e Cristo ressuscitado [37]<br />

Arte <strong>da</strong> celebração [38]<br />

O bispo, liturgista por excelência [39]<br />

O respeito pelos livros litúrgicos e pela riqueza dos sinais [40]<br />

Arte ao serviço <strong>da</strong> celebração [41]<br />

O canto litúrgico [42]<br />

A estrutura <strong>da</strong> celebração eucarística [43]<br />

Uni<strong>da</strong>de intrínseca <strong>da</strong> ação litúrgica [44]<br />

A liturgia <strong>da</strong> palavra [45]<br />

A homilia [46]<br />

Apresentação <strong>da</strong>s oferen<strong>da</strong>s [47]<br />

A Oração Eucarística [48]<br />

Sau<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> paz [49]<br />

Distribuição e recepção <strong>da</strong> Eucaristia [50]<br />

A despedi<strong>da</strong>: « Ite, missa est » [51]<br />

Participação ativa<br />

Autêntica participação [52]<br />

Participação e ministério sacerdotal [53]<br />

Celebração eucarística e inculturação [54]<br />

Condições pessoais para uma participação ativa [55]<br />

Participação dos cristãos não católicos [56]<br />

Participação através dos meios de comunicação [57]<br />

Participação ativa dos doentes [58]<br />

A solicitude pelos presos [59]<br />

Os migrantes e a participação na Eucaristia [60]<br />

As grandes concelebrações [61]<br />

A língua latina [62]<br />

Celebrações eucarísticas em pequenos grupos [63]<br />

Celebração interiormente participa<strong>da</strong><br />

Catequese mistagógica [64]<br />

A reverência à Eucaristia [65]<br />

Adoração e pie<strong>da</strong>de eucarística<br />

A relação intrínseca entre celebração e adoração [66]<br />

A prática <strong>da</strong> adoração eucarística [67]<br />

Formas de devoção eucarística [68]<br />

O lugar do sacrário na igreja [69]<br />

III PARTE<br />

EUCARISTIA, MISTÉRIO VIVIDO<br />

Forma eucarística <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cristã<br />

O culto espiritual [70]<br />

22


Eficácia omnicompreensiva do culto eucarístico [71]<br />

Viver segundo o domingo [72]<br />

Viver o preceito dominical [73]<br />

O sentido do repouso e do trabalho [74]<br />

Assembléias dominicais na ausência de sacerdote [75]<br />

Uma forma eucarística <strong>da</strong> existência cristã, a pertença eclesial [76]<br />

Espirituali<strong>da</strong>de e cultura eucarística [77]<br />

Eucaristia e evangelização <strong>da</strong>s culturas [78]<br />

Eucaristia e fiéis leigos [79]<br />

Eucaristia e espirituali<strong>da</strong>de sacerdotal [80]<br />

Eucaristia e vi<strong>da</strong> consagra<strong>da</strong> [81]<br />

Eucaristia e transformação moral [82]<br />

Coerência eucarística [83]<br />

Eucaristia, mistério anunciado<br />

Eucaristia e missão [84]<br />

Eucaristia e testemunho [85]<br />

Jesus Cristo, único Salvador [86]<br />

Liber<strong>da</strong>de de culto [87]<br />

Eucaristia, mistério oferecido ao mundo<br />

Eucaristia, pão repartido para a vi<strong>da</strong> do mundo [88]<br />

As implicações sociais do mistério eucarístico [89]<br />

O alimento <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de e a indigência do homem [90]<br />

A doutrina social <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> [91]<br />

Santificação do mundo e defesa <strong>da</strong> criação [92]<br />

Utili<strong>da</strong>de dum Compêndio Eucarístico [93]<br />

Conclusão [94-97]<br />

INTRODUÇÃO<br />

1. Sacramento <strong>da</strong> Cari<strong>da</strong>de, [1] a santíssima Eucaristia é a doação que Jesus Cristo faz de Si mesmo,<br />

revelando-nos o amor infinito de Deus por ca<strong>da</strong> homem. Neste sacramento admirável, manifesta-se o<br />

amor « maior »: o amor que leva a « <strong>da</strong>r a vi<strong>da</strong> pelos amigos » (Jo 15, 13). De fato, Jesus « amou-os até<br />

ao fim » (Jo 13, 1). Com estas palavras, o evangelista introduz o gesto de infinita humil<strong>da</strong>de que Ele<br />

realizou: na vigília <strong>da</strong> sua morte por nós na cruz, pôs uma toalha à cintura e lavou os pés aos seus<br />

discípulos. Do mesmo modo, no sacramento eucarístico, Jesus continua a amar-nos « até ao fim », até ao<br />

dom do seu corpo e do seu sangue. Que enlevo se deve ter apoderado do coração dos discípulos à vista<br />

dos gestos e palavras do Senhor durante aquela Ceia! Que maravilha deve suscitar, também no nosso<br />

coração, o mistério eucarístico!<br />

O alimento <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de<br />

2. No sacramento do altar, o Senhor vem ao encontro do homem, criado à imagem e semelhança de<br />

Deus (Gn 1, 27), fazendo-Se seu companheiro de viagem. Com efeito, neste sacramento, Jesus torna-Se<br />

alimento para o homem, faminto de ver<strong>da</strong>de e de liber<strong>da</strong>de. Uma vez que só a ver<strong>da</strong>de nos pode tornar<br />

ver<strong>da</strong>deiramente livres (Jo 8, 36), Cristo faz-Se alimento de Ver<strong>da</strong>de para nós. Com agudo<br />

conhecimento <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de humana, Santo Agostinho pôs em evidência como o homem se move<br />

espontaneamente, e não constrangido, quando encontra algo que o atrai e nele suscita desejo.<br />

Perguntando-se ele, uma vez, sobre o que poderia em última análise mover o homem no seu íntimo, o<br />

23


santo bispo exclama: « Que pode a alma desejar mais ardentemente do que a ver<strong>da</strong>de? » [2] De fato,<br />

todo o homem traz dentro de si o desejo insuprimível <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de última e definitiva. Por isso, o Senhor<br />

Jesus, « caminho, ver<strong>da</strong>de e vi<strong>da</strong> » (Jo 14, 6), dirige-Se ao coração anelante do homem que se sente<br />

peregrino e sedento, ao coração que suspira pela fonte <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, ao coração mendigo <strong>da</strong> Ver<strong>da</strong>de. Com<br />

efeito, Jesus Cristo é a Ver<strong>da</strong>de feita Pessoa, que atrai a Si o mundo. « Jesus é a estrela polar <strong>da</strong><br />

liber<strong>da</strong>de humana: esta, sem Ele, perde a sua orientação, porque, sem o conhecimento <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, a<br />

liber<strong>da</strong>de desvirtua-se, isola-se e reduz-se a estéril arbítrio. Com Ele, a liber<strong>da</strong>de volta a encontrar-se a si<br />

mesma ».[3] No sacramento <strong>da</strong> Eucaristia, Jesus mostra-nos de modo particular a ver<strong>da</strong>de do amor, que<br />

é a própria essência de Deus. Esta é a ver<strong>da</strong>de evangélica que interessa a todo o homem e ao homem<br />

todo. Por isso a <strong>Igreja</strong>, que encontra na Eucaristia o seu centro vital, esforça-se constantemente por<br />

anunciar a todos, em tempo propício e fora dele (opportune, importune: cf. 2 Tm 4, 2), que Deus é<br />

amor.[4] Exatamente porque Cristo Se fez alimento de Ver<strong>da</strong>de para nós, a <strong>Igreja</strong> dirige-se ao homem<br />

convi<strong>da</strong>ndo-o a acolher livremente o dom de Deus.<br />

O desenvolvimento do rito eucarístico<br />

3. Contemplando a história bimilenária <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> de Deus, sapientemente guia<strong>da</strong> pela ação do Espírito<br />

Santo, admiramos cheios de gratidão o desenvolvimento ordenado no tempo <strong>da</strong>s formas rituais em que<br />

fazemos memória do acontecimento <strong>da</strong> nossa salvação. Desde as múltiplas formas dos primeiros<br />

séculos, que resplandecem ain<strong>da</strong> nos ritos <strong>da</strong>s Antigas <strong>Igreja</strong>s do Oriente, até à difusão do rito romano;<br />

desde as indicações claras do Concílio de Trento e do Missal de São Pio V até à renovação litúrgica<br />

queri<strong>da</strong> pelo Concílio Vaticano II: em ca<strong>da</strong> etapa <strong>da</strong> história <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, a celebração eucarística, enquanto<br />

fonte e ápice <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> e missão, resplandece no rito litúrgico em to<strong>da</strong> a sua multiforme riqueza. A XI<br />

Assembléia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que decorreu de 2 a 23 de Outubro de 2005 no<br />

Vaticano, elevou um profundo agradecimento a Deus por esta história, reconhecendo nela a guia ativa<br />

do Espírito Santo. De modo particular, os padres sino<strong>da</strong>is reconheceram e reafirmaram o benéfico<br />

influxo que teve, na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, a reforma litúrgica atua<strong>da</strong> a partir do Concílio Ecumênico Vaticano<br />

II.[5] O Sínodo dos Bispos pôde avaliar o acolhimento que a mesma teve depois <strong>da</strong> assembléia conciliar;<br />

inúmeros foram os elogios; como lá se disse, as dificul<strong>da</strong>des e alguns abusos assinalados não podem<br />

ofuscar a excelência e a vali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> renovação litúrgica, que contém riquezas ain<strong>da</strong> não<br />

plenamente explora<strong>da</strong>s. Trata-se, em concreto, de ler as mu<strong>da</strong>nças queri<strong>da</strong>s pelo Concílio dentro <strong>da</strong><br />

uni<strong>da</strong>de que caracteriza o desenvolvimento histórico do próprio rito, sem introduzir artificiosas<br />

rupturas.[6]<br />

O Sínodo dos Bispos e o Ano <strong>da</strong> Eucaristia<br />

4. Além disso, é necessário sublinhar a relação do recente Sínodo dos Bispos sobre a Eucaristia com o<br />

que sucedeu durante os últimos anos na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. Antes de mais, devemos pensar no Grande<br />

Jubileu do ano 2000, com o qual meu amado predecessor, o servo de Deus João Paulo II, introduziu a<br />

<strong>Igreja</strong> no terceiro milênio cristão; o Ano Jubilar teve, sem dúvi<strong>da</strong>, uma caracterização intensamente<br />

eucarística. Depois, não se pode esquecer que o Sínodo dos Bispos foi precedido e, em certo sentido,<br />

preparado também pelo Ano <strong>da</strong> Eucaristia, estabelecido com grande clarividência por João Paulo II para<br />

to<strong>da</strong> a <strong>Igreja</strong>; teve início com o Congresso Eucarístico Internacional em Gua<strong>da</strong>lajara no mês de Outubro<br />

de 2004 e terminou a 23 de Outubro de 2005, no final <strong>da</strong> XI assembléia Sino<strong>da</strong>l, com a canonização de<br />

cinco beatos que se distinguiram, de forma particular, pela sua pie<strong>da</strong>de eucarística: o bispo José<br />

Bilczewski, os sacerdotes Caetano Catanoso, Sigismundo Gorazdowski e Alberto Hurtado Cruchaga, e o<br />

religioso capuchinho Félix de Nicósia. Graças aos ensinamentos propostos por João Paulo II na Carta<br />

Apostólica Mane nobiscum Domine [7] e às preciosas sugestões <strong>da</strong> Congregação para o Culto Divino e a<br />

Disciplina dos Sacramentos,[8] numerosas foram as iniciativas que as dioceses e as diversas reali<strong>da</strong>des<br />

eclesiais empreenderam para despertar e aumentar nos crentes a fé eucarística, para melhorar o cui<strong>da</strong>do<br />

<strong>da</strong>s celebrações e promover a adoração eucarística, para encorajar uma real soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de que, partindo<br />

<strong>da</strong> Eucaristia, atingisse os necessitados. Por último, é preciso mencionar a importância <strong>da</strong> última<br />

Encíclica do meu venerado predecessor, a Ecclesia de Eucharistia,[9] deixando-nos através dela uma<br />

segura referência do Magistério quanto à doutrina eucarística e um derradeiro testemunho do lugar<br />

24


central que este sacramento divino ocupava na sua vi<strong>da</strong>.<br />

Finali<strong>da</strong>de do documento<br />

5. Esta Exortação Apostólica pós-sino<strong>da</strong>l tem por objetivo recolher a multiforme riqueza de reflexões e<br />

propostas surgi<strong>da</strong>s na recente assembléia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos — a começar dos<br />

Lineamenta até às Propositiones, passando pelo Instrumentum laboris, as Relationes ante et post<br />

disceptationem, as intervenções dos padres sino<strong>da</strong>is, auditores e delegados fraternos —, com a intenção<br />

de explicitar algumas linhas fun<strong>da</strong>mentais de empenho tendentes a despertar na <strong>Igreja</strong> novo impulso e<br />

fervor eucarístico. Consciente do vasto patrimônio doutrinal e disciplinar acumulado no decurso dos<br />

séculos à volta <strong>da</strong> Eucaristia,[10] neste documento desejo sobretudo recomen<strong>da</strong>r, acolhendo o voto dos<br />

padres sino<strong>da</strong>is,[11] que o povo cristão aprofunde a relação entre o mistério eucarístico, a ação litúrgica<br />

e o novo culto espiritual que deriva <strong>da</strong> Eucaristia enquanto sacramento <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de. Com esta<br />

perspectiva, pretendo colocar esta Exortação na linha <strong>da</strong> minha primeira Carta Encíclica — a Deus<br />

caritas est —, na qual várias vezes falei do sacramento <strong>da</strong> Eucaristia pondo em evidência a sua relação<br />

com o amor cristão, tanto para com Deus como para com o próximo: « O Deus encarnado atrai-nos<br />

todos a Si. Assim se compreende por que motivo o termo agape se tenha tornado também um nome <strong>da</strong><br />

Eucaristia; nesta, a agape de Deus vem corporalmente a nós, para continuar a sua ação em nós e através<br />

de nós ».[12]<br />

I PARTE<br />

EUCARISTIA, MISTÉRIO ACREDITADO<br />

« A obra de Deus consiste em acreditar n'Aquele que Ele enviou » (Jo 6, 29)<br />

A fé eucarística <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong><br />

6. « Mistério <strong>da</strong> fé! »: com esta exclamação pronuncia<strong>da</strong> logo a seguir às palavras <strong>da</strong> consagração, o<br />

sacerdote proclama o mistério celebrado e manifesta o seu enlevo diante <strong>da</strong> conversão substancial do<br />

pão e do vinho no corpo e no sangue do Senhor Jesus, reali<strong>da</strong>de esta que ultrapassa to<strong>da</strong> a compreensão<br />

humana. Com efeito, a Eucaristia é por excelência « mistério <strong>da</strong> fé »: « É o resumo e a súmula <strong>da</strong> nossa<br />

fé ».[13] A fé <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> é essencialmente fé eucarística e alimenta-se, de modo particular, à mesa <strong>da</strong><br />

Eucaristia. A fé e os sacramentos são dois aspectos complementares <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> eclesial. Suscita<strong>da</strong> pelo<br />

anúncio <strong>da</strong> palavra de Deus, a fé é alimenta<strong>da</strong> e cresce no encontro com a graça do Senhor ressuscitado<br />

que se realiza nos sacramentos: « A fé exprime-se no rito e este revigora e fortifica a fé ».[14] Por isso, o<br />

sacramento do altar está sempre no centro <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> eclesial; « graças à Eucaristia, a <strong>Igreja</strong> renasce sempre<br />

de novo! » [15] Quanto mais viva for a fé eucarística no povo de Deus, tanto mais profun<strong>da</strong> será a sua<br />

participação na vi<strong>da</strong> eclesial por meio duma adesão convicta à missão que Cristo confiou aos seus<br />

discípulos. Testemunha-o a própria história <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>: to<strong>da</strong> a grande reforma está, de algum modo, liga<strong>da</strong><br />

à redescoberta <strong>da</strong> fé na presença eucarística do Senhor no meio do seu povo.<br />

Santíssima Trin<strong>da</strong>de e Eucaristia<br />

O pão descido do céu<br />

7. O primeiro conteúdo <strong>da</strong> fé eucarística é o próprio mistério de Deus, amor trinitário. No diálogo de<br />

Jesus com Nicodemos, encontramos uma afirmação esclarecedora a tal respeito: « Deus amou tanto o<br />

mundo que entregou o seu Filho Unigênito, para que todo o homem que acredita n'Ele não pereça, mas<br />

tenha a vi<strong>da</strong> eterna. Porque Deus não enviou o Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o<br />

mundo seja salvo por Ele » (Jo 3, 16-17). Estas palavras revelam a raiz última do dom de Deus. Na<br />

Eucaristia, Jesus não dá « alguma coisa », mas dá-Se a Si mesmo; entrega o seu corpo e derrama o seu<br />

sangue. Deste modo dá a totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sua própria vi<strong>da</strong>, manifestando a fonte originária deste amor: Ele<br />

é o Filho eterno que o Pai entregou por nós. Noutro passo do evangelho, depois de Jesus ter saciado a<br />

multidão pela multiplicação dos pães e dos peixes, ouvimo-Lo dizer aos interlocutores que vieram atrás<br />

d'Ele até à sinagoga de Cafarnaum: « Meu Pai é que vos dá o ver<strong>da</strong>deiro pão que vem do céu. O pão de<br />

25


Deus é o que desce do céu para <strong>da</strong>r a vi<strong>da</strong> ao mundo » (Jo 6, 32-33), acabando por identificar-Se Ele<br />

mesmo — a sua própria carne e o seu próprio sangue — com aquele pão: « Eu sou o pão vivo que<br />

desceu do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que Eu hei de <strong>da</strong>r é a minha carne<br />

que Eu <strong>da</strong>rei pela vi<strong>da</strong> do mundo » (Jo 6, 51). Assim Jesus manifesta-Se como o pão <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> que o Pai<br />

eterno dá aos homens.<br />

Dom gratuito <strong>da</strong> Santíssima Trin<strong>da</strong>de<br />

8. Na Eucaristia, revela-se o desígnio de amor que guia to<strong>da</strong> a história <strong>da</strong> salvação (Ef 1, 9-10; 3, 8-11).<br />

Nela, o Deus-Trin<strong>da</strong>de (Deus Trinitas), que em Si mesmo é amor (1 Jo 4, 7-8), envolve-Se plenamente<br />

com a nossa condição humana. No pão e no vinho, sob cujas aparências Cristo Se nos dá na ceia pascal<br />

(Lc 22, 14-20; 1 Cor 11, 23-26), é to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> divina que nos alcança e se comunica a nós na forma do<br />

sacramento: Deus é comunhão perfeita de amor entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Já na criação, o<br />

homem fora chamado a partilhar, em certa medi<strong>da</strong>, o sopro vital de Deus (Gn 2, 7). Mas, é em Cristo<br />

morto e ressuscitado e na efusão do Espírito Santo, <strong>da</strong>do sem medi<strong>da</strong> (Jo 3, 34), que nos tornamos<br />

participantes <strong>da</strong> intimi<strong>da</strong>de divina.[16] Assim Jesus Cristo, que « pelo Espírito eterno Se ofereceu a<br />

Deus como vítima sem mancha » (Heb 9, 14), no dom eucarístico comunica-nos a própria vi<strong>da</strong> divina.<br />

Trata-se de um dom absolutamente gratuito, devido apenas às promessas de Deus cumpri<strong>da</strong>s para além<br />

de to<strong>da</strong> e qualquer medi<strong>da</strong>. A <strong>Igreja</strong> acolhe, celebra e adora este dom, com fiel obediência. O « mistério<br />

<strong>da</strong> fé » é mistério de amor trinitário, no qual, por graça, somos chamados a participar. Por isso, também<br />

nós devemos exclamar com Santo Agostinho: « Se vês a cari<strong>da</strong>de, vês a Trin<strong>da</strong>de ».[17]<br />

Eucaristia:<br />

Jesus ver<strong>da</strong>deiro Cordeiro imolado<br />

A nova e eterna aliança no sangue do Cordeiro<br />

9. A missão, que trouxe Jesus entre nós, atinge o seu cumprimento no mistério pascal. Do alto <strong>da</strong> cruz,<br />

donde atrai todos a Si (Jo 12, 32), antes de « entregar o Espírito » Jesus diz: « Tudo está consumado »<br />

(Jo 19, 30). No mistério <strong>da</strong> sua obediência até à morte, e morte de cruz (Fil 2, 8), cumpriu-se a nova e<br />

eterna aliança. Na sua carne crucifica<strong>da</strong>, a liber<strong>da</strong>de de Deus e a liber<strong>da</strong>de do homem juntaram-se<br />

definitivamente num pacto indissolúvel, válido para sempre. Também o pecado do homem ficou<br />

expiado, uma vez por to<strong>da</strong>s, pelo Filho de Deus (Heb 7, 27; 1 Jo 2, 2; 4, 10). Como já tive ocasião de<br />

afirmar, « na sua morte de cruz, cumpre-se aquele virar-se de Deus contra Si próprio, com o qual Ele Se<br />

entrega para levantar o homem e salvá-lo — o amor na sua forma mais radical ».[18] No mistério pascal,<br />

realizou-se ver<strong>da</strong>deiramente a nossa libertação do mal e <strong>da</strong> morte. Na instituição <strong>da</strong> Eucaristia, o próprio<br />

Jesus falara <strong>da</strong> « nova e eterna aliança », estipula<strong>da</strong> no seu sangue derramado (Mt 26, 28; Mc 14, 24; Lc<br />

22, 20). Esta finali<strong>da</strong>de última <strong>da</strong> sua missão era bem evidente já no início <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> pública; de fato,<br />

nas margens do Jordão, quando João Baptista vê Jesus vir ter com ele, exclama: « Eis o Cordeiro de<br />

Deus, que tira o pecado do mundo » (Jo 1, 29). É significativo que a mesma expressão apareça, sempre<br />

que celebramos a Santa Missa, no convite do sacerdote para nos abeirarmos do altar: « Felizes os<br />

convi<strong>da</strong>dos para a ceia do Senhor. Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo ». Jesus é o<br />

ver<strong>da</strong>deiro cordeiro pascal, que Se ofereceu espontaneamente a Si mesmo em sacrifício por nós,<br />

realizando assim a nova e eterna aliança. A Eucaristia contém nela esta novi<strong>da</strong>de radical, que nos é<br />

ofereci<strong>da</strong> em ca<strong>da</strong> celebração.[19]<br />

A instituição <strong>da</strong> Eucaristia<br />

10. Deste modo, a nossa reflexão foi deter-se na instituição <strong>da</strong> Eucaristia durante a Última Ceia. O fato<br />

teve lugar no âmbito duma ceia ritual, que constituía o memorial do acontecimento fun<strong>da</strong>dor do povo de<br />

Israel: a libertação <strong>da</strong> escravidão do Egito. Esta ceia ritual, associa<strong>da</strong> com a imolação dos cordeiros (Ex<br />

12, 1-28. 43-51), era memória do passado, mas ao mesmo tempo também memória profética, ou seja,<br />

anúncio duma libertação futura; de fato, o povo experimentara que aquela libertação não tinha sido<br />

definitiva, pois a sua história ain<strong>da</strong> estava demasia<strong>da</strong>mente marca<strong>da</strong> pela escravidão e pelo pecado. O<br />

memorial <strong>da</strong> antiga libertação abria-se, assim, à súplica e ao anseio por uma salvação mais profun<strong>da</strong>,<br />

26


adical, universal e definitiva. É neste contexto que Jesus introduz a novi<strong>da</strong>de do seu dom; na oração de<br />

louvor — a Berakah —, Ele dá graças ao Pai não só pelos grandes acontecimentos <strong>da</strong> história passa<strong>da</strong>,<br />

mas também pela sua própria « exaltação ». Ao instituir o sacramento <strong>da</strong> Eucaristia, Jesus antecipa e<br />

implica o sacrifício <strong>da</strong> cruz e a vitória <strong>da</strong> ressurreição; ao mesmo tempo, revela-Se como o ver<strong>da</strong>deiro<br />

cordeiro imolado, previsto no desígnio do Pai desde a fun<strong>da</strong>ção do mundo, como se lê na I Carta de<br />

Pedro (1, 18-20). Ao colocar o dom de Si mesmo neste contexto, Jesus manifesta o sentido salvífico <strong>da</strong><br />

sua morte e ressurreição, mistério este que se torna uma reali<strong>da</strong>de renovadora <strong>da</strong> história e do mundo<br />

inteiro. Com efeito, a instituição <strong>da</strong> Eucaristia mostra como aquela morte, de per si violenta e absur<strong>da</strong>,<br />

se tenha tornado, em Jesus, ato supremo de amor e libertação definitiva <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de do mal.<br />

A figura deu lugar à Ver<strong>da</strong>de<br />

11. Como vimos, Jesus insere a sua novi<strong>da</strong>de (novum) radical no âmbito <strong>da</strong> antiga ceia sacrificial<br />

hebraica. Uma tal ceia, nós, cristãos, já não temos necessi<strong>da</strong>de de a repetir. Como justamente dizem os<br />

Padres, figura transit in veritatem: aquilo que anunciava as reali<strong>da</strong>des futuras cedeu agora o lugar à<br />

própria Ver<strong>da</strong>de. O antigo rito consumou-se e ficou definitivamente superado mediante o dom de amor<br />

do Filho de Deus encarnado. O alimento <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, Cristo imolado por nós, pôs termo às figuras (<strong>da</strong>t<br />

figuris terminum).[20] Com a sua ordem « Fazei isto em memória de Mim » (Lc 22, 19; 1 Cor 11, 25),<br />

pede-nos para corresponder ao seu dom e representá-Lo sacramentalmente; com tais palavras, o Senhor<br />

manifesta, por assim dizer, a esperança de que a <strong>Igreja</strong>, nasci<strong>da</strong> do seu sacrifício, acolha este dom<br />

desenvolvendo, sob a guia do Espírito Santo, a forma litúrgica do sacramento. De fato, o memorial do<br />

seu dom perfeito não consiste na simples repetição <strong>da</strong> Última Ceia, mas propriamente na Eucaristia, ou<br />

seja, na novi<strong>da</strong>de radical do culto cristão. Assim Jesus deixou-nos a missão de entrar na sua « hora »: «<br />

A Eucaristia arrasta-nos no ato oblativo de Jesus. Não é só de modo estático que recebemos o Logos<br />

encarnado, mas ficamos envolvidos na dinâmica <strong>da</strong> sua doação ».[21] Ele « arrasta-nos para dentro de Si<br />

».[22] A conversão substancial do pão e do vinho no seu corpo e no seu sangue insere dentro <strong>da</strong> criação<br />

o princípio duma mu<strong>da</strong>nça radical, como uma espécie de « fissão nuclear » (para utilizar uma imagem<br />

hoje bem conheci<strong>da</strong> de todos nós), verifica<strong>da</strong> no mais íntimo do ser; uma mu<strong>da</strong>nça destina<strong>da</strong> a suscitar<br />

um processo de transformação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, cujo termo último é a transfiguração do mundo inteiro, até<br />

chegar àquela condição em que Deus seja tudo em todos (1 Cor 15, 28).<br />

O Espírito Santo e a Eucaristia<br />

Jesus e o Espírito Santo<br />

12. Com a sua palavra e com o pão e o vinho, o próprio Senhor nos ofereceu os elementos essenciais do<br />

culto novo. A <strong>Igreja</strong>, sua Esposa, é chama<strong>da</strong> a celebrar o banquete eucarístico dia após dia em memória<br />

d'Ele. Deste modo, ela insere o sacrifício redentor do seu Esposo na história dos homens e torna-o<br />

sacramentalmente presente em to<strong>da</strong>s as culturas. Este grande mistério é celebrado nas formas litúrgicas<br />

que a <strong>Igreja</strong>, guia<strong>da</strong> pelo Espírito Santo, desenvolve no tempo e no espaço.[23] A propósito, é necessário<br />

despertar em nós a consciência <strong>da</strong> função decisiva que exerce o Espírito Santo no desenvolvimento <strong>da</strong><br />

forma litúrgica e no aprofun<strong>da</strong>mento dos mistérios divinos. O Paráclito, primeiro dom concedido aos<br />

crentes,[24] ativo já na criação (Gn 1, 2), está presente em plenitude na vi<strong>da</strong> inteira do Verbo encarnado:<br />

com efeito, Jesus Cristo é concebido no seio <strong>da</strong> Virgem <strong>Maria</strong> por obra do Espírito Santo (Mt 1, 18; Lc<br />

1, 35); no início <strong>da</strong> sua missão pública, nas margens do Jordão, vê-O descer sobre Si em forma de<br />

pomba (Mt 3, 16 e par.); neste mesmo Espírito, age, fala e exulta (Lc 10, 21); e é n'Ele que Jesus pode<br />

oferecer-Se a Si mesmo (Heb 9, 14). No chamado « discurso de despedi<strong>da</strong> » referido por João, Jesus põe<br />

claramente em relação o dom <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> no mistério pascal com o dom do Espírito aos Seus (Jo 16, 7).<br />

Depois de ressuscitado, trazendo na sua carne os sinais <strong>da</strong> paixão, pode derramar o Espírito (Jo 20, 22),<br />

tornando os seus discípulos participantes <strong>da</strong> mesma missão d'Ele (Jo 20, 21). Em segui<strong>da</strong>, será o Espírito<br />

que ensina aos discípulos to<strong>da</strong>s as coisas, recor<strong>da</strong>ndo-lhes tudo o que Cristo tinha dito (Jo 14, 26),<br />

porque compete a Ele, enquanto Espírito <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de (Jo 15, 26), introduzir os discípulos na ver<strong>da</strong>de<br />

total (Jo 16, 13). Segundo narram os Atos, o Espírito desce sobre os Apóstolos reunidos em oração com<br />

<strong>Maria</strong> no dia de Pentecostes (2, 1-4), e impele-os para a missão de anunciar a boa nova a todos os povos.<br />

Portanto, é em virtude <strong>da</strong> ação do Espírito que o próprio Cristo continua presente e ativo na sua <strong>Igreja</strong>, a<br />

27


partir do seu centro vital que é a Eucaristia.<br />

Espírito Santo e celebração eucarística<br />

13. Neste horizonte, compreende-se a função decisiva que tem o Espírito Santo na celebração eucarística<br />

e, de modo particular, no que se refere à transubstanciação. É fácil de comprovar a consciência disto<br />

mesmo nos Padres <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>; nas suas Catequeses, São Cirilo de Jerusalém recor<strong>da</strong> que « invocamos<br />

Deus misericordioso para que envie o seu Santo Espírito sobre as oblações que apresentamos a fim de<br />

Ele transformar o pão em corpo de Cristo e o vinho em sangue de Cristo. O que o Espírito Santo toca, é<br />

santificado e transformado totalmente ».[25] Também São João Crisóstomo assinala que o sacerdote<br />

invoca o Espírito Santo quando celebra o Sacrifício: [26] à semelhança de Elias, o ministro atrai o<br />

Espírito Santo para que, « descendo a graça sobre a vítima, se incendeiem por meio dela as almas de<br />

todos ».[27] É extremamente necessária, para a vi<strong>da</strong> espiritual dos fiéis, uma consciência mais clara <strong>da</strong><br />

riqueza <strong>da</strong> anáfora: esta, juntamente com as palavras pronuncia<strong>da</strong>s por Cristo na Última Ceia, contém a<br />

epiclese, que é invocação ao Pai para que faça descer o dom do Espírito a fim de o pão e o vinho se<br />

tornarem o corpo e o sangue de Jesus Cristo, e para que « a comuni<strong>da</strong>de inteira se torne ca<strong>da</strong> vez mais<br />

corpo de Cristo ».[28] O Espírito, invocado pelo celebrante sobre os dons do pão e do vinho colocados<br />

sobre o altar, é o mesmo que reúne os fiéis « num só corpo », tornando-os uma oferta espiritual<br />

agradável ao Pai.[29]<br />

Eucaristia e <strong>Igreja</strong><br />

Eucaristia, princípio causal <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong><br />

14. Através do sacramento eucarístico, Jesus compromete os fiéis na sua própria « hora »; mostra-nos<br />

assim a ligação que quis entre Ele mesmo e nós, entre a sua pessoa e a <strong>Igreja</strong>. De fato, o próprio Cristo,<br />

no sacrifício <strong>da</strong> cruz, gerou a <strong>Igreja</strong> como sua esposa e seu corpo. Os Padres <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> meditaram<br />

longamente sobre a semelhança que há entre a origem de Eva do lado de Adão adormecido (Gn 2, 21-<br />

23) e a <strong>da</strong> nova Eva, a <strong>Igreja</strong>, do lado aberto de Cristo mergulhado no sono <strong>da</strong> morte: do seu lado<br />

trespassado — narra João — saiu sangue e água (Jo 19, 34), símbolo dos sacramentos.[30] Um olhar<br />

contemplativo para « Aquele que trespassaram » (Jo 19, 37) leva-nos a considerar a ligação causal entre<br />

o sacrifício de Cristo, a Eucaristia e a <strong>Igreja</strong>. Com efeito, esta « vive <strong>da</strong> Eucaristia ».[31] Uma vez que<br />

nela se torna presente o sacrifício redentor de Cristo, temos de reconhecer antes de mais que « existe um<br />

influxo causal <strong>da</strong> Eucaristia nas próprias origens <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> ».[32] A Eucaristia é Cristo que Se dá a nós,<br />

edificando-nos continuamente como seu corpo. Portanto, na sugestiva circulari<strong>da</strong>de entre a Eucaristia<br />

que edifica a <strong>Igreja</strong> e a própria <strong>Igreja</strong> que faz a Eucaristia,[33] a causali<strong>da</strong>de primária está expressa na<br />

primeira fórmula: a <strong>Igreja</strong> pode celebrar e adorar o mistério de Cristo presente na Eucaristia,<br />

precisamente porque o próprio Cristo Se deu primeiro a ela no sacrifício <strong>da</strong> Cruz. A possibili<strong>da</strong>de que a<br />

<strong>Igreja</strong> tem de « fazer » a Eucaristia está radica<strong>da</strong> totalmente na doação que Jesus lhe fez de Si mesmo.<br />

Também este aspecto nos persuade de quão ver<strong>da</strong>deira seja a frase de São João: « Ele amou-nos<br />

primeiro » (1 Jo 4, 19). Deste modo, também nós confessamos, em ca<strong>da</strong> celebração, o primado do dom<br />

de Cristo; o influxo causal <strong>da</strong> Eucaristia, que está na origem <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, revela em última análise a<br />

precedência não só cronológica mas também ontológica do amor de Jesus relativamente ao nosso: será,<br />

por to<strong>da</strong> a eterni<strong>da</strong>de, Aquele que nos ama primeiro.<br />

Eucaristia e comunhão eclesial<br />

15. A Eucaristia é, pois, constitutiva do ser e do agir <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. Por isso, a antigui<strong>da</strong>de cristã designava<br />

com as mesmas palavras — corpus Christi — o corpo nascido <strong>da</strong> Virgem <strong>Maria</strong>, o corpo eucarístico e o<br />

corpo eclesial de Cristo.[34] Bem atestado na tradição, este <strong>da</strong>do faz crescer em nós a consciência <strong>da</strong><br />

indissolubili<strong>da</strong>de entre Cristo e a <strong>Igreja</strong>. Oferecendo-Se a Si mesmo em sacrifício por nós, o Senhor<br />

Jesus preanunciou de modo eficaz no seu dom o mistério <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. É significativo o modo como a<br />

Oração Eucarística II, ao invocar o Paráclito, formula a prece pela uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>: « ... participando<br />

no corpo e sangue de Cristo, sejamos reunidos, pelo Espírito Santo, num só corpo ». Esta passagem<br />

aju<strong>da</strong> a compreender como a eficácia (res) do sacramento eucarístico seja a uni<strong>da</strong>de dos fiéis na<br />

28


comunhão eclesial. Assim, a Eucaristia aparece na raiz <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> como mistério de comunhão.[35]<br />

O servo de Deus João Paulo II, na sua Encíclica Ecclesia de Eucharistia, tinha já chamado a atenção<br />

para a relação entre Eucaristia e communio: falou do memorial de Cristo como sendo a « suprema<br />

manifestação sacramental <strong>da</strong> comunhão na <strong>Igreja</strong> ».[36] A uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> comunhão eclesial revela-se,<br />

concretamente, nas comuni<strong>da</strong>des cristãs e renova-se no ato eucarístico que as une e diferencia em <strong>Igreja</strong>s<br />

particulares, « in quibus et ex quibus una et unica Ecclesia catholica exsistit – nas quais e pelas quais<br />

existe a <strong>Igreja</strong> Católica, una e única ».[37] É precisamente a reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> única Eucaristia celebra<strong>da</strong> em<br />

ca<strong>da</strong> diocese ao redor do respectivo Bispo que nos faz compreender como as próprias <strong>Igreja</strong>s<br />

particulares subsistam in e ex Ecclesia. De fato, « a unici<strong>da</strong>de e indivisibili<strong>da</strong>de do corpo eucarístico do<br />

Senhor implicam a unici<strong>da</strong>de do seu corpo místico, que é a <strong>Igreja</strong> una e indivisível. Do centro<br />

eucarístico surge a necessária abertura de ca<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de celebrante, de ca<strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> particular: ao<br />

deixar-se atrair pelos braços abertos do Senhor, consegue-se a inserção no seu corpo, único e indiviso<br />

».(38) Por este motivo, na celebração <strong>da</strong> Eucaristia, ca<strong>da</strong> fiel encontra-se na sua <strong>Igreja</strong>, isto é, na <strong>Igreja</strong><br />

de Cristo. Nesta perspectiva eucarística, adequa<strong>da</strong>mente entendi<strong>da</strong>, a comunhão eclesial revela-se<br />

reali<strong>da</strong>de católica por sua natureza.(39) O fato de sublinhar esta raiz eucarística <strong>da</strong> comunhão eclesial<br />

pode contribuir eficazmente também para o diálogo ecumênico com as <strong>Igreja</strong>s e com as Comuni<strong>da</strong>des<br />

eclesiais que não estão em plena comunhão com a Sé de Pedro. Na reali<strong>da</strong>de, a Eucaristia estabelece<br />

objetivamente um forte vínculo de uni<strong>da</strong>de entre a <strong>Igreja</strong> Católica e as <strong>Igreja</strong>s Ortodoxas, que<br />

conservaram genuína e integralmente a natureza do mistério <strong>da</strong> Eucaristia. Ao mesmo tempo, a<br />

relevância <strong>da</strong><strong>da</strong> ao caráter eclesial <strong>da</strong> Eucaristia pode tornar-se elemento privilegiado também no<br />

diálogo com as Comuni<strong>da</strong>des nasci<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Reforma.(40)<br />

Eucaristia e Sacramentos<br />

Sacramentali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong><br />

16. O Concílio Vaticano II lembrou que « os restantes sacramentos, assim como todos os ministérios<br />

eclesiásticos e obras de apostolado, estão vinculados com a sagra<strong>da</strong> Eucaristia e a ela se ordenam. Com<br />

efeito, na santíssima Eucaristia está contido todo o tesouro espiritual <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, isto é, o próprio Cristo, a<br />

nossa Páscoa e o pão vivo que dá aos homens a vi<strong>da</strong> mediante a sua carne vivifica<strong>da</strong> e vivificadora pelo<br />

Espírito Santo: assim são eles convi<strong>da</strong>dos e levados a oferecer, juntamente com Ele, a si mesmos, os<br />

seus trabalhos e to<strong>da</strong>s as coisas cria<strong>da</strong>s ».(41) Esta relação íntima <strong>da</strong> Eucaristia com os demais<br />

sacramentos e com a existência cristã compreende-se, na sua raiz, quando se contempla o mistério <strong>da</strong><br />

própria <strong>Igreja</strong> como sacramento.(42) A este respeito, o referido Concílio afirmou que « a <strong>Igreja</strong>, em<br />

Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento <strong>da</strong> íntima união com Deus e <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de de<br />

todo o gênero humano ».(43) Ela, enquanto « povo — como diz São Cipriano — reunido na uni<strong>da</strong>de do<br />

Pai e do Filho e do Espírito Santo »,(44) é sacramento <strong>da</strong> comunhão trinitária.<br />

O fato de a <strong>Igreja</strong> ser « universal sacramento <strong>da</strong> salvação »(45) mostra que a « economia » sacramental<br />

determina, em última análise, o modo como Jesus Cristo único Salvador, por meio do Espírito, alcança a<br />

nossa vi<strong>da</strong> na especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s suas circunstâncias. A <strong>Igreja</strong> recebe-se e simultaneamente exprime-se<br />

nos sete sacramentos, pelos quais a graça de Deus influencia concretamente a existência dos fiéis para<br />

que to<strong>da</strong> a sua vi<strong>da</strong>, redimi<strong>da</strong> por Cristo, se torne culto agradável a Deus. Nesta perspectiva, desejo<br />

sublinhar aqui alguns elementos, assinalados pelos padres sino<strong>da</strong>is, que podem aju<strong>da</strong>r a identificar a<br />

relação dos diversos sacramentos com o mistério eucarístico.<br />

I. Eucaristia e iniciação cristã<br />

Eucaristia, plenitude <strong>da</strong> iniciação cristã<br />

17. Se ver<strong>da</strong>deiramente a Eucaristia é fonte e ápice <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> missão <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, temos de concluir<br />

antes de mais que o caminho de iniciação cristã tem como ponto de referência tornar possível o acesso a<br />

tal sacramento. A propósito, devemos interrogar-nos — como sugeriram os padres sino<strong>da</strong>is — se as<br />

nossas comuni<strong>da</strong>des cristãs têm suficiente noção do vínculo estreito que há entre Batismo, Confirmação<br />

e Eucaristia; (46) de fato, é preciso não esquecer jamais que somos batizados e crismados em ordem à<br />

Eucaristia. Este <strong>da</strong>do implica o compromisso de favorecer na ação pastoral uma compreensão mais<br />

29


unitária do percurso de iniciação cristã. O sacramento do batismo, pelo qual somos configurados a<br />

Cristo,(47) incorporados na <strong>Igreja</strong> e feitos filhos de Deus, constitui a porta de acesso a todos os<br />

sacramentos; através dele, somos inseridos no único corpo de Cristo (1 Cor 12, 13), povo sacerdotal.<br />

Mas é a participação no sacrifício eucarístico que aperfeiçoa, em nós, o que recebemos no batismo.<br />

Também os dons do Espírito são concedidos para a edificação do corpo de Cristo (1 Cor 12) e o<br />

crescimento do testemunho evangélico no mundo.(48) Portanto, a santíssima Eucaristia leva à plenitude<br />

a iniciação cristã e coloca-se como centro e termo de to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> sacramental.(49)<br />

A ordem dos sacramentos <strong>da</strong> iniciação<br />

18. A este respeito, é necessário prestar atenção ao tema <strong>da</strong> ordem dos sacramentos <strong>da</strong> iniciação. Na<br />

<strong>Igreja</strong>, há tradições diferentes; esta diversi<strong>da</strong>de é patente nos costumes eclesiais do Oriente (50) e na<br />

prática ocidental para a iniciação dos adultos,(51) se compara<strong>da</strong> com a <strong>da</strong>s crianças.(52) Contudo, tais<br />

diferenças não são propriamente de ordem dogmática, mas de caráter pastoral. Em concreto, é<br />

necessário verificar qual seja a prática que melhor pode, efetivamente, aju<strong>da</strong>r os fiéis a colocarem no<br />

centro o sacramento <strong>da</strong> Eucaristia, como reali<strong>da</strong>de para qual tende to<strong>da</strong> a iniciação; em estreita<br />

colaboração com os Dicastérios competentes <strong>da</strong> Cúria Romana, as Conferências Episcopais verifiquem a<br />

eficácia dos percursos de iniciação atuais, para que o cristão seja aju<strong>da</strong>do, pela ação educativa <strong>da</strong>s<br />

nossas comuni<strong>da</strong>des, a maturar ca<strong>da</strong> vez mais até chegar a assumir na sua vi<strong>da</strong> uma orientação<br />

autenticamente eucarística, de tal modo que seja capaz de <strong>da</strong>r razão <strong>da</strong> própria esperança de maneira<br />

adequa<strong>da</strong> ao nosso tempo (1 Pd 3, 15).<br />

Iniciação, comuni<strong>da</strong>de eclesial e família<br />

19. É preciso ter sempre presente que to<strong>da</strong> a iniciação cristã é caminho de conversão que há de ser<br />

realiza<strong>da</strong> com a aju<strong>da</strong> de Deus e em constante referimento à comuni<strong>da</strong>de eclesial, quer quando é o<br />

adulto que pede para entrar na <strong>Igreja</strong>, como acontece nos lugares de primeira evangelização e em muitas<br />

zonas seculariza<strong>da</strong>s, quer quando são os pais a pedir os sacramentos para seus filhos. A este respeito,<br />

desejo chamar a atenção sobretudo para a relação entre iniciação cristã e família; na ação pastoral,<br />

sempre se deve associar a família cristã ao itinerário de iniciação. Receber o batismo, a Confirmação e<br />

abeirar-se pela primeira vez <strong>da</strong> Eucaristia são momentos decisivos não só para a pessoa que os recebe<br />

mas também para to<strong>da</strong> a sua família; esta deve ser sustenta<strong>da</strong>, na sua tarefa educativa, pela comuni<strong>da</strong>de<br />

eclesial em suas diversas componentes.(53) Quero sublinhar aqui a relevância <strong>da</strong> Primeira Comunhão;<br />

para inúmeros fiéis, este dia permanece, justamente, gravado na memória como o primeiro momento em<br />

que se percebeu, embora de forma ain<strong>da</strong> inicial, a importância do encontro pessoal com Jesus. A<br />

pastoral paroquial deve valorizar adequa<strong>da</strong>mente esta ocasião tão significativa.<br />

II. Eucaristia e sacramento <strong>da</strong> Reconciliação<br />

Sua ligação intrínseca<br />

20. Os padres sino<strong>da</strong>is afirmaram, justamente, que o amor à Eucaristia leva a apreciar ca<strong>da</strong> vez mais<br />

também o sacramento <strong>da</strong> Reconciliação.(54) Por causa <strong>da</strong> ligação entre ambos os sacramentos, uma<br />

catequese autêntica acerca do sentido <strong>da</strong> Eucaristia não pode ser separa<strong>da</strong> <strong>da</strong> proposta dum caminho<br />

penitencial (1 Cor 11, 27-29). Constatamos — é certo — que, no nosso tempo, os fiéis se encontram<br />

imersos numa cultura que tende a cancelar o sentido do pecado,(55) favorecendo um estado de espírito<br />

superficial que leva a esquecer a necessi<strong>da</strong>de de estar na graça de Deus para se aproximar dignamente <strong>da</strong><br />

comunhão sacramental.(56) Na reali<strong>da</strong>de, a per<strong>da</strong> <strong>da</strong> consciência do pecado engloba sempre também<br />

uma certa superficiali<strong>da</strong>de na compreensão do próprio amor de Deus. É muito útil para os fiéis recor<strong>da</strong>rlhes<br />

os elementos que, no rito <strong>da</strong> Santa Missa, explicitam a consciência do próprio pecado e,<br />

simultaneamente, <strong>da</strong> misericórdia de Deus.(57) Além disso, a relação entre a Eucaristia e a<br />

Reconciliação recor<strong>da</strong>-nos que o pecado nunca é uma reali<strong>da</strong>de exclusivamente individual, mas inclui<br />

sempre também uma feri<strong>da</strong> no seio <strong>da</strong> comunhão eclesial, na qual nos encontramos inseridos pelo<br />

batismo. Por isso, como diziam os Padres <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, a Reconciliação é um batismo laborioso (laboriosus<br />

qui<strong>da</strong>m baptismus),(58) sublinhando assim que o resultado do caminho de conversão é também o<br />

restabelecimento <strong>da</strong> plena comunhão eclesial, que se exprime no abeirar-se novamente <strong>da</strong><br />

30


Eucaristia.(59)<br />

Alguns cui<strong>da</strong>dos pastorais<br />

21. O Sínodo lembrou que é dever pastoral do bispo promover na sua diocese uma decisiva recuperação<br />

<strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia <strong>da</strong> conversão que nasce <strong>da</strong> Eucaristia e favorecer entre os fiéis a confissão freqüente.<br />

Todos os sacerdotes se dediquem com generosi<strong>da</strong>de, empenho e competência à administração do<br />

sacramento <strong>da</strong> Reconciliação.(60) A propósito, procure-se que, nas nossas igrejas, os confessionários<br />

sejam bem visíveis e expressivos do significado deste sacramento. Peço aos pastores que vigiem<br />

atentamente sobre a celebração do sacramento <strong>da</strong> Reconciliação, limitando a prática <strong>da</strong> absolvição geral<br />

exclusivamente aos casos previstos,(61) permanecendo como forma ordinária de absolvição apenas a<br />

pessoal.(62) Vista a necessi<strong>da</strong>de de descobrir novamente o perdão sacramental, haja em to<strong>da</strong>s as<br />

dioceses o Penitenciário.(63) Por último, pode servir de váli<strong>da</strong> aju<strong>da</strong> para a nova toma<strong>da</strong> de consciência<br />

desta relação entre a Eucaristia e a Reconciliação uma prática equilibra<strong>da</strong> e conscienciosa <strong>da</strong><br />

indulgência, lucra<strong>da</strong> a favor de si mesmo ou dos defuntos. Com ela, obtém-se « a remissão, perante<br />

Deus, <strong>da</strong> pena temporal devi<strong>da</strong> aos pecados, cuja culpa já foi apaga<strong>da</strong> ».(64) O uso <strong>da</strong>s indulgências<br />

aju<strong>da</strong>-nos a compreender que não somos capazes, só com as nossas forças, de reparar o mal cometido e<br />

que os pecados de ca<strong>da</strong> um causam <strong>da</strong>no a to<strong>da</strong> a comuni<strong>da</strong>de; além disso, a prática <strong>da</strong> indulgência,<br />

implicando a doutrina dos méritos infinitos de Cristo bem como a <strong>da</strong> comunhão dos santos, mostra-nos «<br />

quanto estejamos, em Cristo, intimamente unidos uns aos outros e quanto a vi<strong>da</strong> sobrenatural de ca<strong>da</strong><br />

um possa aproveitar aos outros ».(65) Dado que a forma própria <strong>da</strong> indulgência prevê, entre as<br />

condições requeri<strong>da</strong>s, o abeirar-se <strong>da</strong> confissão e <strong>da</strong> comunhão sacramental, a sua prática pode sustentar<br />

eficazmente os fiéis no caminho <strong>da</strong> conversão e na descoberta <strong>da</strong> centrali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Eucaristia na vi<strong>da</strong><br />

cristã.<br />

III. Eucaristia e Unção dos Enfermos<br />

22. Jesus não Se limitou a enviar os seus discípulos a curar os doentes (Mt 10, 8; Lc 9, 2; 10, 9), mas<br />

instituiu para eles também um sacramento específico: a Unção dos Enfermos.(66) A Carta de Tiago<br />

testemunha a presença deste gesto sacramental já na primitiva comuni<strong>da</strong>de cristã (5, 14-16). Se a<br />

Eucaristia mostra como os sofrimentos e a morte de Cristo foram transformados em amor, a Unção dos<br />

Enfermos, por seu lado, associa o doente à oferta que Cristo fez de Si mesmo pela salvação de todos, de<br />

tal modo que possa também ele, no mistério <strong>da</strong> comunhão dos santos, participar na redenção do mundo.<br />

A relação entre ambos os sacramentos aparece ain<strong>da</strong> mais clara quando se agrava a doença: « Àqueles<br />

que vão deixar esta vi<strong>da</strong>, a <strong>Igreja</strong> oferece-lhes, além <strong>da</strong> Unção dos Enfermos, a Eucaristia como viático<br />

».(67) Nesta passagem para o Pai, a comunhão no corpo e sangue de Cristo aparece como semente de<br />

vi<strong>da</strong> eterna e força de ressurreição: « Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vi<strong>da</strong> eterna;<br />

e Eu o ressuscitarei no último dia » (Jo 6, 54). Uma vez que o sagrado Viático desven<strong>da</strong> ao doente a<br />

plenitude do mistério pascal, é preciso assegurar a sua administração.(68) A atenção e o cui<strong>da</strong>do pastoral<br />

por aqueles que se encontram doentes redun<strong>da</strong>, seguramente, em benefício espiritual de to<strong>da</strong> a<br />

comuni<strong>da</strong>de, sabendo que tudo o que fizermos ao mais pequenino, ao próprio Jesus o faremos (Mt 25,<br />

40).<br />

IV. Eucaristia e sacramento <strong>da</strong> Ordem<br />

Na pessoa de Cristo cabeça<br />

23. O vínculo intrínseco entre a Eucaristia e o sacramento <strong>da</strong> Ordem deduz-se <strong>da</strong>s próprias palavras de<br />

Jesus no Cenáculo: « Fazei isto em memória de Mim » (Lc 22, 19). De fato, na vigília <strong>da</strong> sua morte, Ele<br />

instituiu a Eucaristia e ao mesmo tempo fundou o sacerdócio <strong>da</strong> Nova Aliança. Jesus é sacerdote, vítima<br />

e altar: mediador entre Deus Pai e o povo (Heb 5, 5-10), vítima de expiação (1 Jo 2, 2; 4, 10) que Se<br />

oferece a Si mesma no altar <strong>da</strong> cruz. Ninguém pode dizer « isto é o meu corpo » e « este é o cálice do<br />

meu sangue » senão em nome e na pessoa de Cristo, único sumo sacerdote <strong>da</strong> nova e eterna Aliança<br />

(Heb 8-9). O Sínodo dos Bispos já se ocupara, noutras assembléias, do sacerdócio ordenado tanto no que<br />

diz respeito à identi<strong>da</strong>de do ministério,(69) como à formação dos candi<strong>da</strong>tos.(70) Na presente<br />

circunstância importa-me, à luz do diálogo realizado no âmbito <strong>da</strong> última assembléia sino<strong>da</strong>l, sublinhar<br />

31


alguns valores que têm a ver com a relação entre o sacramento eucarístico e a Ordem. Antes de mais<br />

na<strong>da</strong>, é necessário reafirmar que a ligação entre a Ordem sacra e a Eucaristia é visível precisamente na<br />

Missa que o bispo ou o presbítero preside na pessoa de Cristo cabeça (in persona Christi capitis).<br />

A doutrina <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> considera a ordenação sacerdotal condição indispensável para a celebração váli<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> Eucaristia.(71) De fato, « no serviço eclesial do ministro ordenado, é o próprio Cristo que está<br />

presente à sua <strong>Igreja</strong>, como cabeça do seu corpo, pastor do seu rebanho, sumo sacerdote do sacrifício<br />

redentor ».(72) Certamente o ministro ordenado « age também em nome de to<strong>da</strong> a <strong>Igreja</strong>, quando<br />

apresenta a Deus a oração <strong>da</strong> mesma <strong>Igreja</strong> e, sobretudo, quando oferece o sacrifício eucarístico ».(73)<br />

Por isso, é necessário que os sacerdotes tenham consciência de que, em todo o seu ministério, nunca<br />

devem colocar em primeiro plano a sua pessoa nem as suas opiniões, mas Jesus Cristo. Contradiz a<br />

identi<strong>da</strong>de sacerdotal to<strong>da</strong> a tentativa de se colocarem a si mesmos como protagonistas <strong>da</strong> ação litúrgica.<br />

Aqui, mais do que nunca, o sacerdote é servo e deve continuamente empenhar-se por ser sinal que, como<br />

dócil instrumento nas mãos de Cristo, aponta para Ele. Isto exprime-se de modo particular na humil<strong>da</strong>de<br />

com que o sacerdote conduz a ação litúrgica, obedecendo ao rito, aderindo ao mesmo com o coração e a<br />

mente, evitando tudo o que possa <strong>da</strong>r a sensação de um seu inoportuno protagonismo. Recomendo, pois,<br />

ao clero que não cesse de aprofun<strong>da</strong>r a consciência do seu ministério eucarístico como um serviço<br />

humilde a Cristo e à sua <strong>Igreja</strong>. O sacerdócio, como dizia Santo Agostinho, é um serviço de amor<br />

(amoris officium),(74) é o serviço do bom pastor, que oferece a vi<strong>da</strong> pelas ovelhas (Jo 10, 14-15).<br />

Eucaristia e celibato sacerdotal<br />

24. Os padres sino<strong>da</strong>is quiseram sublinhar como o sacerdócio ministerial requer, através <strong>da</strong> ordenação, a<br />

plena configuração a Cristo. Embora respeitando a prática e tradição oriental diferente, é necessário<br />

reiterar o sentido profundo do celibato sacerdotal, justamente considerado uma riqueza inestimável e<br />

confirmado também pela prática oriental de escolher os bispos apenas de entre aqueles que vivem no<br />

celibato, indício <strong>da</strong> grande honra em que ela tem a opção do celibato feita por numerosos presbíteros.<br />

Com efeito, nesta opção do sacerdote encontram expressão peculiar a dedicação que o conforma a Cristo<br />

e a oferta exclusiva de si mesmo pelo Reino de Deus.(75) O fato de o próprio Cristo, eterno sacerdote,<br />

ter vivido a sua missão até ao sacrifício <strong>da</strong> cruz no estado de virgin<strong>da</strong>de constitui o ponto seguro de<br />

referência para perceber o sentido <strong>da</strong> tradição <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Latina a tal respeito. Assim, não é suficiente<br />

compreender o celibato sacerdotal em termos meramente funcionais; na reali<strong>da</strong>de, constitui uma<br />

especial conformação ao estilo de vi<strong>da</strong> do próprio Cristo. Antes de mais, semelhante opção é esponsal: a<br />

identificação com o coração de Cristo Esposo que dá a vi<strong>da</strong> pela sua Esposa. Em sintonia com a grande<br />

tradição eclesial, com o Concílio Vaticano II (76) e com os Sumos Pontífices (77) meus predecessores,<br />

corroboro a beleza e a importância duma vi<strong>da</strong> sacerdotal vivi<strong>da</strong> no celibato como sinal expressivo de<br />

dedicação total e exclusiva a Cristo, à <strong>Igreja</strong> e ao Reino de Deus, e, conseqüentemente, confirmo a sua<br />

obrigatorie<strong>da</strong>de para a tradição latina. O celibato sacerdotal, vivido com maturi<strong>da</strong>de, alegria e dedicação,<br />

é uma bênção enorme para a <strong>Igreja</strong> e para a própria socie<strong>da</strong>de.<br />

Escassez de clero e pastoral vocacional<br />

25. A propósito <strong>da</strong> ligação entre o sacramento <strong>da</strong> Ordem e a Eucaristia, o Sínodo deteve-se sobre a<br />

dolorosa situação que se tem vindo a criar em diversas dioceses a braços com a escassez de sacerdotes.<br />

Isto acontece não só em algumas zonas de primeira evangelização, mas também em muitos países de<br />

longa tradição cristã. Para a solução do problema contribui certamente uma distribuição mais eqüitativa<br />

do clero; mas, para isso, é preciso um trabalho de sensibilização capilar. Os bispos empenhem nas<br />

necessi<strong>da</strong>des pastorais os institutos de vi<strong>da</strong> consagra<strong>da</strong> e as novas reali<strong>da</strong>des eclesiais, no respeito do<br />

respectivo carisma, e solicitem todos os membros do clero a uma disponibili<strong>da</strong>de maior para irem servir<br />

a <strong>Igreja</strong> nos lugares onde houver necessi<strong>da</strong>de, sem olhar a sacrifícios.(78) Além disso, o Sínodo<br />

debruçou-se também sobre os cui<strong>da</strong>dos pastorais a ter principalmente com os jovens para favorecer a<br />

sua abertura interior à vocação sacerdotal. A solução para tal carestia não se pode encontrar em meros<br />

estratagemas pragmáticos; deve-se evitar que os bispos, levados por compreensíveis preocupações<br />

funcionais devido à falta de clero, acabem por não realizar um adequado discernimento vocacional,<br />

admitindo à formação específica e à ordenação candi<strong>da</strong>tos que não possuam as características<br />

necessárias para o serviço sacerdotal.(79) Um clero insuficientemente formado e admitido à ordenação<br />

32


sem o necessário discernimento dificilmente poderá oferecer um testemunho capaz de suscitar noutros o<br />

desejo de generosa correspondência à vocação de Cristo. Na reali<strong>da</strong>de, a pastoral vocacional deve<br />

empenhar a comuni<strong>da</strong>de cristã em todos os seus âmbitos.(80) Obviamente, no referido trabalho pastoral<br />

capilar, está incluí<strong>da</strong> também a obra de sensibilização <strong>da</strong>s famílias, muitas vezes indiferentes se não<br />

mesmo contrárias à hipótese <strong>da</strong> vocação sacerdotal. Que elas se abram com generosi<strong>da</strong>de ao dom <strong>da</strong><br />

vi<strong>da</strong> e eduquem os filhos para serem disponíveis à vontade de Deus! Em resumo, é preciso sobretudo ter<br />

a coragem de propor aos jovens o seguimento radical de Cristo, mostrando-lhes o seu encanto.<br />

Gratidão e esperança<br />

26. Enfim, é necessário ter maior fé e esperança na iniciativa divina. Apesar <strong>da</strong> escassez de clero que se<br />

verifica em algumas regiões, não deve esmorecer jamais a confiança de que Cristo continua a suscitar<br />

homens que não hesitam em abandonar qualquer outra ocupação para dedicar-se totalmente à celebração<br />

dos mistérios sagrados, à pregação do Evangelho e ao ministério pastoral. Nesta ocasião, desejo <strong>da</strong>r voz<br />

à gratidão <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> inteira por todos os bispos e presbíteros que cumprem, com fiel dedicação e<br />

empenho, a própria missão. Naturalmente, este agradecimento <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> estende-se também aos<br />

diáconos, a quem são impostas as mãos « não em ordem ao sacerdócio mas ao ministério ».(81) Como<br />

recomendou a assembléia do Sínodo, dirijo um obrigado especial aos presbíteros fidei donum que<br />

edificam a comuni<strong>da</strong>de, com competência e generosa dedicação, anunciando-lhe a palavra de Deus e<br />

repartindo o pão <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, sem pouparem as suas energias ao serviço <strong>da</strong> missão <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>.(82) Por fim, é<br />

preciso agradecer a Deus pelos numerosos sacerdotes que tiveram de sofrer até ao sacrifício <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> por<br />

servir a Cristo. Neles se manifesta, com a eloqüência dos fatos, o que significa ser sacerdote a fundo;<br />

trata-se de comoventes testemunhos que poderão inspirar muitos jovens a seguirem por sua vez a Cristo<br />

e gastarem a sua vi<strong>da</strong> pelos outros, encontrando precisamente assim a vi<strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira.<br />

V. Eucaristia e matrimônio<br />

Eucaristia, sacramento esponsal<br />

27. A Eucaristia, sacramento <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de, apresenta uma relação particular com o amor do homem e <strong>da</strong><br />

mulher unidos em matrimônio. Aprofun<strong>da</strong>r tal relação é uma necessi<strong>da</strong>de do nosso tempo.(83) Várias<br />

vezes o Papa João Paulo II teve ocasião de afirmar o caráter esponsal <strong>da</strong> Eucaristia e a sua relação<br />

peculiar com o sacramento do matrimônio: « A Eucaristia é o sacramento <strong>da</strong> nossa redenção. É o<br />

sacramento do Esposo, <strong>da</strong> Esposa ».(84) Aliás, « to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> cristã tem a marca do amor esponsal entre<br />

Cristo e a <strong>Igreja</strong>. Já o batismo, entra<strong>da</strong> no povo de Deus, é um mistério nupcial; é, por assim dizer, o<br />

banho de núpcias que precede o banquete <strong>da</strong>s bo<strong>da</strong>s, a Eucaristia ».(85) Esta corrobora de forma<br />

inexaurível a uni<strong>da</strong>de e o amor indissolúveis de ca<strong>da</strong> matrimônio cristão. Neste, em virtude do<br />

sacramento, o vínculo conjugal está intrinsecamente ligado com a união eucarística entre Cristo esposo e<br />

a <strong>Igreja</strong> esposa (Ef 5, 31-32). O consentimento recíproco, que o marido e a esposa trocam entre si em<br />

Cristo constituindo-os em comuni<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> e de amor, tem também uma dimensão eucarística; com<br />

efeito, na teologia paulina, o amor esponsal é sinal sacramental do amor de Cristo pela sua <strong>Igreja</strong>, um<br />

amor que tem o seu ponto culminante na cruz, expressão <strong>da</strong>s suas « núpcias » com a humani<strong>da</strong>de e, ao<br />

mesmo tempo, origem e centro <strong>da</strong> Eucaristia. Por isso, a <strong>Igreja</strong> manifesta uma particular soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de<br />

espiritual a todos aqueles que fun<strong>da</strong>ram a sua família sobre o sacramento do matrimônio.(86) A família<br />

— igreja doméstica (87) — é um âmbito primário <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, especialmente pelo papel decisivo<br />

que tem na educação cristã dos filhos.(88) Neste contexto, o Sínodo recomendou também o<br />

reconhecimento <strong>da</strong> missão singular que tem a mulher na família e na socie<strong>da</strong>de, missão esta que há de<br />

ser protegi<strong>da</strong>, salvaguar<strong>da</strong><strong>da</strong> e promovi<strong>da</strong>.(89) A sua dimensão de esposa e mãe constitui uma reali<strong>da</strong>de<br />

imprescindível, que nunca deve ser despreza<strong>da</strong>.<br />

Eucaristia e uni<strong>da</strong>de do matrimônio<br />

28. É precisamente à luz desta relação intrínseca entre matrimônio, família e Eucaristia que se podem<br />

considerar alguns problemas pastorais. O vínculo fiel, indissolúvel e exclusivo que une Cristo e a <strong>Igreja</strong><br />

e tem expressão sacramental na Eucaristia, está de harmonia com o <strong>da</strong>do antropológico primordial<br />

33


segundo o qual o homem deve unir-se de modo definitivo com uma só mulher, e vice-versa (Gn 2, 24;<br />

Mt 19, 5). Nesta linha de pensamento, o Sínodo dos Bispos debruçou-se sobre a prática pastoral que<br />

deve ser segui<strong>da</strong> com as pessoas originárias de culturas onde é pratica<strong>da</strong> a poligamia, que recebem o<br />

anúncio do Evangelho: quantos vivem em tal situação e se abrem à fé cristã devem ser aju<strong>da</strong>dos a<br />

integrar o seu projeto humano na novi<strong>da</strong>de radical de Cristo; no percurso do catecumenado, Cristo<br />

alcança-os na sua condição específica e chama-os à ver<strong>da</strong>de plena do amor passando através <strong>da</strong>s<br />

renúncias que são necessárias para chegarem à comunhão eclesial perfeita. A <strong>Igreja</strong> acompanha-os com<br />

uma pastoral imbuí<strong>da</strong> simultaneamente de suavi<strong>da</strong>de e de firmeza,(90) mostrando-lhes sobretudo a luz<br />

dos mistérios cristãos que se reflete sobre a natureza e os afetos humanos.<br />

Eucaristia e indissolubili<strong>da</strong>de do matrimônio<br />

29. Se a Eucaristia exprime a irreversibili<strong>da</strong>de do amor de Deus em Cristo pela sua <strong>Igreja</strong>, compreendese<br />

por que motivo a mesma implique, relativamente ao sacramento do matrimônio, aquela<br />

indissolubili<strong>da</strong>de a que todo o amor ver<strong>da</strong>deiro não pode deixar de anelar.(91) Por isso, é mais que<br />

justifica<strong>da</strong> a atenção pastoral que o Sínodo reservou às dolorosas situações em que se encontram não<br />

poucos fiéis que, depois de ter celebrado o sacramento do matrimônio, se divorciaram e contraíram<br />

novas núpcias. Trata-se dum problema pastoral espinhoso e complexo, uma ver<strong>da</strong>deira praga do<br />

ambiente social contemporâneo que vai progressivamente corroendo os próprios ambientes católicos. Os<br />

pastores, por amor <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, são obrigados a discernir bem as diferentes situações, para aju<strong>da</strong>r<br />

espiritualmente e de modo adequado os fiéis implicados.(92) O Sínodo dos Bispos confirmou a prática<br />

<strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na Sagra<strong>da</strong> Escritura (Mc 10, 2-12), de não admitir aos sacramentos os divorciados<br />

re-casados, porque o seu estado e condição de vi<strong>da</strong> contradizem objetivamente aquela união de amor<br />

entre Cristo e a <strong>Igreja</strong> que é significa<strong>da</strong> e realiza<strong>da</strong> na Eucaristia. To<strong>da</strong>via os divorciados re-casados, não<br />

obstante a sua situação, continuam a pertencer à <strong>Igreja</strong>, que os acompanha com especial solicitude na<br />

esperança de que cultivem, quanto possível, um estilo cristão de vi<strong>da</strong>, através <strong>da</strong> participação na Santa<br />

Missa ain<strong>da</strong> que sem receber a comunhão, <strong>da</strong> escuta <strong>da</strong> palavra de Deus, <strong>da</strong> adoração eucarística, <strong>da</strong><br />

oração, <strong>da</strong> cooperação na vi<strong>da</strong> comunitária, do diálogo franco com um sacerdote ou um mestre de vi<strong>da</strong><br />

espiritual, <strong>da</strong> dedicação ao serviço <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>s obras de penitência, do empenho na educação dos<br />

filhos.<br />

Nos casos em que surjam legitimamente dúvi<strong>da</strong>s sobre a vali<strong>da</strong>de do matrimônio sacramental contraído,<br />

deve fazer-se tudo o que for necessário para verificar o fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong>s mesmas. Há que assegurar, pois,<br />

no pleno respeito do direito canônico,(93) a presença no território dos tribunais eclesiásticos, o seu<br />

caráter pastoral, a sua ativi<strong>da</strong>de correta e pressurosa; (94) é necessário haver, em ca<strong>da</strong> diocese, um<br />

número suficiente de pessoas prepara<strong>da</strong>s para o solícito funcionamento dos tribunais eclesiásticos.<br />

Recordo que « é uma obrigação grave tornar a atuação institucional <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> nos tribunais ca<strong>da</strong> vez<br />

mais acessível aos fiéis ».(95) No entanto, é preciso evitar que a preocupação pastoral seja vista como se<br />

estivesse em contraposição com o direito; ao contrário, deve-se partir do pressuposto que o ponto<br />

fun<strong>da</strong>mental de encontro entre direito e pastoral é o amor pela ver<strong>da</strong>de: com efeito, esta nunca é<br />

abstrata, mas « integra-se no itinerário humano e cristão de ca<strong>da</strong> fiel ».(96) Enfim, caso não seja<br />

reconheci<strong>da</strong> a nuli<strong>da</strong>de do vínculo matrimonial e se verifiquem condições objetivas que tornam<br />

realmente irreversível a convivência, a <strong>Igreja</strong> encoraja estes fiéis a esforçarem-se por viver a sua relação<br />

segundo as exigências <strong>da</strong> lei de Deus, como amigos, como irmão e irmã; deste modo poderão novamente<br />

abeirar-se <strong>da</strong> mesa eucarística, com os cui<strong>da</strong>dos previstos por uma comprova<strong>da</strong> prática eclesial. Para que<br />

tal caminho se torne possível e dê frutos, deve ser apoiado pela aju<strong>da</strong> dos pastores e por adequa<strong>da</strong>s<br />

iniciativas eclesiais, evitando, em todo o caso, de abençoar estas relações para que não surjam entre os<br />

fiéis confusões acerca do valor do matrimônio.(97)<br />

Vista a complexi<strong>da</strong>de do contexto cultural em que vive a <strong>Igreja</strong> em muitos países, o Sínodo recomendou<br />

ain<strong>da</strong> que se tivesse o máximo cui<strong>da</strong>do pastoral com a formação dos nubentes e a verificação prévia <strong>da</strong>s<br />

suas convicções sobre os compromissos irrenunciáveis para a vali<strong>da</strong>de do sacramento do matrimônio.<br />

Um sério discernimento a tal respeito poderá evitar que impulsos emotivos ou razões superficiais<br />

induzam os dois jovens a assumir responsabili<strong>da</strong>des que depois não poderão honrar.(98) Demasiado<br />

grande é o bem que a <strong>Igreja</strong> e a socie<strong>da</strong>de inteira esperam do matrimônio e <strong>da</strong> família fun<strong>da</strong><strong>da</strong> sobre o<br />

mesmo para não nos comprometermos a fundo neste âmbito pastoral específico; matrimônio e família<br />

são instituições cuja ver<strong>da</strong>de deve ser promovi<strong>da</strong> e defendi<strong>da</strong> de qualquer equívoco, porque todo o <strong>da</strong>no<br />

34


a elas causado é realmente uma feri<strong>da</strong> que se inflige à convivência humana como tal.<br />

Eucaristia e escatologia<br />

Eucaristia, dom para o homem a caminho<br />

30. Se é certo que os sacramentos são uma reali<strong>da</strong>de que pertence à <strong>Igreja</strong> peregrina no tempo (99) rumo<br />

à plena manifestação <strong>da</strong> vitória de Cristo ressuscitado, é igualmente ver<strong>da</strong>de que, sobretudo na liturgia<br />

eucarística, nos é <strong>da</strong>do saborear antecipa<strong>da</strong>mente a consumação escatológica para a qual todo o homem<br />

e a criação inteira estão a caminho (Rm 8, 19s). O homem é criado para a felici<strong>da</strong>de ver<strong>da</strong>deira e eterna,<br />

que só o amor de Deus pode <strong>da</strong>r; mas a nossa liber<strong>da</strong>de feri<strong>da</strong> extraviar-se-ia se não lhe fosse possível<br />

experimentar, já desde agora, algo <strong>da</strong> consumação futura. Aliás, para poder caminhar na direção justa, o<br />

homem necessita de estar orientado para a meta final; esta, na reali<strong>da</strong>de, é o próprio Cristo Senhor,<br />

vencedor do pecado e <strong>da</strong> morte, que Se torna presente para nós de maneira especial na celebração<br />

eucarística. Deste modo, embora sejamos ain<strong>da</strong> « estrangeiros e peregrinos » (1 Pd 2, 11) neste mundo,<br />

pela fé participamos já <strong>da</strong> plenitude <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> ressuscita<strong>da</strong>. O banquete eucarístico, ao revelar a sua<br />

dimensão intensamente escatológica, vem em aju<strong>da</strong> <strong>da</strong> nossa liber<strong>da</strong>de a caminho.<br />

O banquete escatológico<br />

31. Refletindo sobre este mistério, podemos dizer que Cristo, com a sua vin<strong>da</strong>, Se colocou em sintonia<br />

com a expectativa presente no povo de Israel, na humani<strong>da</strong>de inteira e fun<strong>da</strong>mentalmente na própria<br />

criação. Com o dom de Si mesmo, inaugurou objetivamente o tempo escatológico. Cristo veio chamar à<br />

uni<strong>da</strong>de o povo de Deus que an<strong>da</strong>va disperso (Jo 11, 52), manifestando claramente a intenção de<br />

congregar a comuni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> aliança para <strong>da</strong>r cumprimento às promessas feitas por Deus a nossos pais<br />

(Jer 23, 3; 31, 10; Lc 1, 55.70). Com o chamamento dos Doze — número que evoca as doze tribos de<br />

Israel — e o man<strong>da</strong>to que lhes confiou na Última Ceia, antes <strong>da</strong> sua paixão redentora, de celebrarem o<br />

seu memorial, Jesus manifestou que queria transferir, para a comuni<strong>da</strong>de inteira por Ele fun<strong>da</strong><strong>da</strong>, a<br />

missão de ser, na história, sinal e instrumento <strong>da</strong> reunificação escatológica que n'Ele teve início. Por<br />

isso, em ca<strong>da</strong> celebração eucarística, realiza-se sacramentalmente a unificação escatológica do povo de<br />

Deus. Para nós, o banquete eucarístico é uma antecipação real do banquete final, preanunciado pelos<br />

profetas (Is 25, 6-9) e descrito no Novo Testamento como « as núpcias do Cordeiro » (Ap 19, 7-9) que se<br />

hão de celebrar na comunhão dos santos.(100)<br />

Oração pelos defuntos<br />

32. A celebração eucarística, na qual anunciamos a morte do Senhor e proclamamos a sua ressurreição<br />

enquanto aguar<strong>da</strong>mos a sua vin<strong>da</strong> gloriosa, é penhor <strong>da</strong> glória futura, quando mesmo os nossos corpos<br />

serão glorificados. Ao celebrarmos o memorial <strong>da</strong> nossa salvação, reforça-se em nós a esperança <strong>da</strong><br />

ressurreição <strong>da</strong> carne juntamente com a possibili<strong>da</strong>de de encontrarmos de novo, face a face, aqueles que<br />

nos precederam com o sinal <strong>da</strong> fé. Nesta linha, queria, juntamente com os padres sino<strong>da</strong>is, lembrar a<br />

todos os fiéis a importância <strong>da</strong> oração de sufrágio, particularmente a celebração de Missas, pelos<br />

defuntos para que, purificados, possam chegar à visão beatífica de Deus.(101) Sempre que descobrimos<br />

de novo a dimensão escatológica presente na Eucaristia, celebra<strong>da</strong> e adora<strong>da</strong>, somos apoiados no nosso<br />

caminho e confortados na esperança <strong>da</strong> glória (Rm 5, 2; Tt 2, 13).<br />

A Eucaristia e a Virgem <strong>Maria</strong><br />

33. Da relação entre a Eucaristia e os restantes sacramentos juntamente com o significado escatológico<br />

dos santos mistérios, irrompe o perfil <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cristã, chama<strong>da</strong> a ser em ca<strong>da</strong> instante culto espiritual,<br />

oferta de si mesma agradável a Deus. E, se é ver<strong>da</strong>de que nos encontramos todos ain<strong>da</strong> a caminho rumo<br />

à plena consumação <strong>da</strong> nossa esperança, isto não impede de podermos já agora reconhecer, com<br />

gratidão, que tudo aquilo que Deus nos deu, se realizou perfeitamente na Virgem <strong>Maria</strong>, <strong>Mãe</strong> de Deus e<br />

nossa: a sua assunção ao céu em corpo e alma é, para nós, sinal de segura esperança, enquanto nos<br />

aponta a nós, peregrinos no tempo, aquela meta escatológica que o sacramento <strong>da</strong> Eucaristia desde já<br />

35


nos faz saborear. Em <strong>Maria</strong> Santíssima, vemos perfeitamente realiza<strong>da</strong> também a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de<br />

sacramental com que Deus alcança e envolve na sua iniciativa salvífica a criatura humana. Desde a<br />

anunciação ao Pentecostes, <strong>Maria</strong> de Nazaré aparece como uma pessoa cuja liber<strong>da</strong>de está<br />

completamente disponível à vontade de Deus; a sua Imacula<strong>da</strong> Conceição revela-se propriamente na<br />

docili<strong>da</strong>de incondicional à palavra divina. A fé obediente é a forma que a sua vi<strong>da</strong> assume em ca<strong>da</strong><br />

instante perante a ação de Deus: Virgem à escuta, Ela vive em plena sintonia com a vontade divina;<br />

conserva no seu coração as palavras que lhe chegam <strong>da</strong> parte de Deus e, dispondo-as à maneira de um<br />

mosaico, aprende a compreendê-las mais a fundo (Lc 2, 19.51); <strong>Maria</strong> é a grande Crente que, cheia de<br />

confiança, Se coloca nas mãos de Deus, abandonando-Se à sua vontade.(102) Um tal mistério vai<br />

crescendo de intensi<strong>da</strong>de até chegar ao pleno envolvimento d'Ela na missão redentora de Jesus; como<br />

afirmou o Concílio Vaticano II, « assim avançou a Virgem pelo caminho <strong>da</strong> fé, mantendo fielmente a<br />

união com seu Filho até à cruz. Junto desta esteve, não sem desígnio de Deus (Jo 19, 25), padecendo<br />

acerbamente com o seu Filho único, e associando-Se com coração de mãe ao seu sacrifício, consentindo<br />

com amor na imolação <strong>da</strong> vítima que d'Ela nascera; finalmente, Jesus Cristo, agonizante na cruz, deu-A<br />

por mãe ao discípulo, com estas palavras: mulher, eis aí o teu filho (Jo 19, 26-27) ».(103) Desde a<br />

anunciação até à cruz, <strong>Maria</strong> é Aquela que acolhe a Palavra que n'Ela Se fez carne e foi até emudecer no<br />

silêncio <strong>da</strong> morte. É Ela, enfim, que recebe nos seus braços o corpo imolado, já exânime, d'Aquele que<br />

ver<strong>da</strong>deiramente amou os Seus « até ao fim » (Jo 13, 1). Por isso, sempre que na liturgia eucarística nos<br />

abeiramos do corpo e do sangue de Cristo, dirigimo-nos também a Ela que, por to<strong>da</strong> a <strong>Igreja</strong>, acolheu o<br />

sacrifício de Cristo, aderindo plenamente ao mesmo. Justamente afirmaram os padres sino<strong>da</strong>is que «<br />

<strong>Maria</strong> inaugura a participação <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> no sacrifício do Redentor ».(104) Ela é a Imacula<strong>da</strong> que acolhe<br />

incondicionalmente o dom de Deus, e desta forma fica associa<strong>da</strong> à obra <strong>da</strong> salvação. <strong>Maria</strong> de Nazaré,<br />

ícone <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> nascente, é o modelo para ca<strong>da</strong> um de nós saber como é chamado a acolher a doação que<br />

Jesus fez de Si mesmo na Eucaristia.<br />

II PARTE<br />

EUCARISTIA, MISTÉRIO CELEBRADO<br />

« Em ver<strong>da</strong>de, em ver<strong>da</strong>de vos digo: Não foi Moisés que vos deu o pão que vem do céu; meu Pai é que<br />

vos dá o ver<strong>da</strong>deiro pão que vem do céu » (Jo 6, 32)<br />

Norma <strong>da</strong> oração e norma de fé<br />

34. O Sínodo dos Bispos refletiu demora<strong>da</strong>mente sobre a relação intrínseca entre fé eucarística e<br />

celebração, pondo em evidência a ligação entre a norma <strong>da</strong> oração (lex orandi) e a norma de fé (lex<br />

credendi) e sublinhando o primado <strong>da</strong> ação litúrgica. É necessário viver a Eucaristia como mistério <strong>da</strong><br />

fé autenticamente celebrado, bem cientes de que « a inteligência <strong>da</strong> fé (intellectus fidei) sempre está<br />

originariamente em relação com a ação litúrgica <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> »:(105) neste âmbito, a reflexão teológica não<br />

pode prescindir jamais <strong>da</strong> ordem sacramental instituí<strong>da</strong> pelo próprio Cristo; por outro lado, a ação<br />

litúrgica nunca pode ser considera<strong>da</strong> genericamente, prescindindo do mistério <strong>da</strong> fé. Com efeito, a fonte<br />

<strong>da</strong> nossa fé e <strong>da</strong> liturgia eucarística é o mesmo acontecimento: a doação que Cristo fez de Si próprio no<br />

mistério pascal.<br />

Beleza e liturgia<br />

35. A relação entre mistério acreditado e mistério celebrado manifesta-se, de modo peculiar, no valor<br />

teológico e litúrgico <strong>da</strong> beleza. De fato, a liturgia, como aliás a revelação cristã, tem uma ligação<br />

intrínseca com a beleza: é esplendor <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de (veritatis splendor). Na liturgia, brilha o mistério pascal,<br />

pelo qual o próprio Cristo nos atrai a Si e chama à comunhão. Em Jesus, como costumava dizer São<br />

Boaventura, contemplamos a beleza e o esplendor <strong>da</strong>s origens.(106) Referimo-nos aqui a este atributo <strong>da</strong><br />

beleza, vista não enquanto mero esteticismo, mas como mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de com que a ver<strong>da</strong>de do amor de Deus<br />

em Cristo nos alcança, fascina e arrebata, fazendo-nos sair de nós mesmos e atraindo-nos assim para a<br />

nossa ver<strong>da</strong>deira vocação: o amor.(107) Já na criação, Deus Se deixa entrever na beleza e harmonia do<br />

universo (Sab 13, 5; Rm 1, 19-20). Depois, no Antigo Testamento, encontramos sinais grandiosos do<br />

esplendor <strong>da</strong> força de Deus, que Se manifesta com a sua glória através dos prodígios realizados no meio<br />

36


do povo eleito (Ex 14; 16, 10; 24, 12-18; Nm 14, 20-23). No Novo Testamento, realiza-se<br />

definitivamente esta epifania de beleza na revelação de Deus em Jesus Cristo: (108) Ele é a<br />

manifestação plena <strong>da</strong> glória divina. Na glorificação do Filho, resplandece e comunica-se a glória do Pai<br />

(Jo 1, 14; 8, 54; 12, 28; 17, 1). Mas, esta beleza não é uma simples harmonia de formas; « o mais belo<br />

dos filhos do homem » (Sal 45/44, 3) misteriosamente é também um indivíduo « sem distinção nem<br />

beleza que atraia o nosso olhar » (Is 53, 2). Jesus Cristo mostra-nos como a ver<strong>da</strong>de do amor sabe<br />

transfigurar inclusive o mistério sombrio <strong>da</strong> morte na luz radiante <strong>da</strong> ressurreição. Aqui o esplendor <strong>da</strong><br />

glória de Deus supera to<strong>da</strong> a beleza do mundo. A ver<strong>da</strong>deira beleza é o amor de Deus que nos foi<br />

definitivamente revelado no mistério pascal.<br />

A beleza <strong>da</strong> liturgia pertence a este mistério; é expressão excelsa <strong>da</strong> glória de Deus e, de certa forma,<br />

constitui o céu que desce à terra. O memorial do sacrifício redentor traz em si mesmo os traços <strong>da</strong>quela<br />

beleza de Jesus testemunha<strong>da</strong> por Pedro, Tiago e João, quando o Mestre, a caminho de Jerusalém, quis<br />

transfigurar-Se diante deles (Mc 9, 2). Concluindo, a beleza não é um fator decorativo <strong>da</strong> ação litúrgica,<br />

mas seu elemento constitutivo, enquanto atributo do próprio Deus e <strong>da</strong> sua revelação. Tudo isto nos há<br />

de tornar conscientes <strong>da</strong> atenção que se deve prestar à ação litúrgica para que brilhe segundo a sua<br />

própria natureza.<br />

A celebração eucarística, obra de Cristo inteiro<br />

Cristo inteiro: cabeça e corpo<br />

36. A beleza intrínseca <strong>da</strong> liturgia tem, como sujeito próprio, Cristo ressuscitado e glorificado no<br />

Espírito Santo, que inclui a <strong>Igreja</strong> na sua ação.(109) Nesta perspectiva, é muito sugestivo recor<strong>da</strong>r as<br />

palavras de Santo Agostinho que descrevem, de modo eficaz, esta dinâmica de fé própria <strong>da</strong> Eucaristia;<br />

referindo-se precisamente ao mistério eucarístico, o grande santo de Hipona põe em evidência como o<br />

próprio Cristo nos assimila a Si mesmo: « O pão que vedes sobre o altar, santificado com a palavra de<br />

Deus, é o corpo de Cristo. O cálice, ou melhor, aquilo que o cálice contém, santificado com as palavras<br />

de Deus, é sangue de Cristo. Com estes [sinais], Cristo Senhor quis confiar-nos o seu corpo e o seu<br />

sangue, que derramou por nós para a remissão dos pecados. Se os recebestes bem, vós mesmos sois<br />

Aquele que recebestes ».(110) Assim, « tornamo-nos não apenas cristãos, mas o próprio Cristo ».(111)<br />

Nisto podemos contemplar a ação misteriosa de Deus, que inclui a uni<strong>da</strong>de profun<strong>da</strong> entre nós e o<br />

Senhor Jesus: « De fato, não se pode crer que Cristo esteja na cabeça sem estar também no corpo, pois<br />

Ele está todo inteiro na cabeça e no corpo (Christus totus in capite et in corpore) ».(112)<br />

Eucaristia e Cristo ressuscitado<br />

37. Visto que a liturgia eucarística é essencialmente ação de Deus (actio Dei) que nos envolve em Jesus<br />

por meio do Espírito, o seu fun<strong>da</strong>mento não está à mercê do nosso arbítrio e não pode suportar a<br />

chantagem <strong>da</strong>s mo<strong>da</strong>s passageiras. Vale aqui também, sem dúvi<strong>da</strong>, a advertência de São Paulo: «<br />

Ninguém pode pôr outro fun<strong>da</strong>mento diferente do que foi posto, isto é, Jesus Cristo » (1 Cor 3, 11). O<br />

Apóstolo <strong>da</strong>s Gentes certifica-nos ain<strong>da</strong>, referindo-se à Eucaristia, que não nos comunica uma doutrina<br />

pessoal, mas aquilo que, por sua vez, tinha recebido (1 Cor 11, 23); de fato, a celebração <strong>da</strong> Eucaristia<br />

implica a Tradição viva. A <strong>Igreja</strong> celebra o sacrifício eucarístico obedecendo ao man<strong>da</strong>to de Cristo, a<br />

partir <strong>da</strong> experiência do Ressuscitado e <strong>da</strong> efusão do Espírito Santo. Por este motivo, a comuni<strong>da</strong>de<br />

cristã, desde os seus primórdios, reúne-se para a fração do pão (fractio panis) no dia do Senhor. O dia<br />

em que Cristo ressuscitou dos mortos, o domingo, é também o primeiro dia <strong>da</strong> semana, aquele em que a<br />

tradição do Antigo Testamento contemplava o início <strong>da</strong> criação. O dia <strong>da</strong> criação tornou-se agora o dia<br />

<strong>da</strong> « nova criação », o dia <strong>da</strong> nossa libertação, no qual fazemos memória de Cristo morto e<br />

ressuscitado.(113)<br />

Arte <strong>da</strong> celebração<br />

38. Durante os trabalhos sino<strong>da</strong>is, foi várias vezes recomen<strong>da</strong><strong>da</strong> a necessi<strong>da</strong>de de superar to<strong>da</strong> e<br />

qualquer separação entre a arte <strong>da</strong> celebração (ars celebrandi, isto é, a arte de celebrar retamente) e a<br />

participação plena, ativa e frutuosa de todos os fiéis: com efeito, o primeiro modo de favorecer a<br />

participação do povo de Deus no rito sagrado é a condigna celebração do mesmo; a arte <strong>da</strong> celebração é<br />

a melhor condição para a participação ativa (actuosa participatio).(114) Aquela resulta <strong>da</strong> fiel<br />

37


obediência às normas litúrgicas na sua integri<strong>da</strong>de, pois é precisamente este modo de celebrar que, há<br />

dois mil anos, garante a vi<strong>da</strong> de fé de todos os crentes, chamados a viver a celebração enquanto povo de<br />

Deus, sacerdócio real, nação santa (1 Pd 2, 4-5.9).(115)<br />

O bispo, liturgista por excelência<br />

39. Se é ver<strong>da</strong>de que todo o povo de Deus participa na liturgia eucarística, uma função imprescindível,<br />

relativamente à correta ars celebrandi, compete to<strong>da</strong>via àqueles que receberam o sacramento <strong>da</strong> Ordem.<br />

Bispos, sacerdotes e diáconos, ca<strong>da</strong> qual segundo o próprio grau, devem considerar a celebração como o<br />

seu dever principal.(116) Antes de mais ninguém, o bispo diocesano: de fato, como « primeiro<br />

dispensador dos mistérios de Deus na <strong>Igreja</strong> particular que lhe está confia<strong>da</strong>, ele é o guia, o promotor e o<br />

guardião de to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> litúrgica ».(117) Tudo isto é decisivo para a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> particular, não só<br />

porque a comunhão com o bispo é condição para que seja legítima uma celebração no respectivo<br />

território, mas também porque ele mesmo é o liturgista por excelência <strong>da</strong> sua <strong>Igreja</strong>.(118) Compete-lhe<br />

salvaguar<strong>da</strong>r a concorde uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s celebrações na sua diocese; por isso, deve ser « preocupação do<br />

bispo fazer com que os presbíteros, os diáconos e os fiéis compreen<strong>da</strong>m ca<strong>da</strong> vez melhor o sentido<br />

autêntico dos ritos e dos textos litúrgicos, levando-os deste modo a uma ativa e frutuosa celebração <strong>da</strong><br />

Eucaristia ».(119) De modo particular, exorto a fazer tudo o que for necessário a fim de que as<br />

celebrações litúrgicas realiza<strong>da</strong>s pelo bispo na catedral se desenrolem no respeito cabal <strong>da</strong> arte <strong>da</strong><br />

celebração, para que possam ser considera<strong>da</strong>s como modelo por to<strong>da</strong>s as igrejas espalha<strong>da</strong>s no<br />

território.(120)<br />

O respeito pelos livros litúrgicos e pela riqueza dos sinais<br />

40. Ao ressaltar a importância <strong>da</strong> arte <strong>da</strong> celebração, conseqüentemente põe-se em evidência o valor <strong>da</strong>s<br />

normas litúrgicas.(121) Aquela deve favorecer o sentido do sagrado e a utilização <strong>da</strong>s formas exteriores<br />

que educam para tal sentido, como, por exemplo, a harmonia do rito, <strong>da</strong>s vestes litúrgicas, <strong>da</strong> decoração<br />

e do lugar sagrado. A celebração eucarística é frutuosa quando os sacerdotes e os responsáveis <strong>da</strong><br />

pastoral litúrgica se esforçam por <strong>da</strong>r a conhecer os livros litúrgicos em vigor e as respectivas normas,<br />

pondo em destaque as riquezas estupen<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Instrução Geral do Missal Romano e <strong>da</strong> Instrução <strong>da</strong>s<br />

Leituras <strong>da</strong> Missa. Talvez se dê por adquirido, nas comuni<strong>da</strong>des eclesiais, o seu conhecimento e devido<br />

apreço, mas freqüentemente não é assim; na reali<strong>da</strong>de, trata-se de textos onde estão conti<strong>da</strong>s riquezas<br />

que guar<strong>da</strong>m e exprimem a fé e o caminho do povo de Deus ao longo dos dois milênios <strong>da</strong> sua história.<br />

Igualmente importante para uma correta arte <strong>da</strong> celebração é a atenção a to<strong>da</strong>s as formas de linguagem<br />

previstas pela liturgia: palavra e canto, gestos e silêncios, movimento do corpo, cores litúrgicas dos<br />

paramentos. Com efeito, a liturgia, por sua natureza, possui uma tal varie<strong>da</strong>de de níveis de comunicação<br />

que lhe permitem cativar o ser humano na sua totali<strong>da</strong>de. A simplici<strong>da</strong>de dos gestos e a sobrie<strong>da</strong>de dos<br />

sinais, situados na ordem e nos momentos previstos, comunicam e cativam mais do que o artificialismo<br />

de adições inoportunas. A atenção e a obediência à estrutura própria do rito, ao mesmo tempo que<br />

exprimem a consciência do caráter de dom <strong>da</strong> Eucaristia, manifestam a vontade que o ministro tem de<br />

acolher, com dócil gratidão, esse dom inefável.<br />

Arte ao serviço <strong>da</strong> celebração<br />

41 A profun<strong>da</strong> ligação entre a beleza e a liturgia deve levar-nos a considerar atentamente to<strong>da</strong>s as<br />

expressões artísticas coloca<strong>da</strong>s ao serviço <strong>da</strong> celebração.(122) Uma componente importante <strong>da</strong> arte sacra<br />

é, sem dúvi<strong>da</strong>, a arquitetura <strong>da</strong>s igrejas,(123) nas quais há de sobressair a coerência entre os elementos<br />

próprios do presbitério: altar, crucifixo, sacrário, ambão, cadeira. A este respeito, tenha-se presente que a<br />

finali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> arquitetura sacra é oferecer à <strong>Igreja</strong> que celebra os mistérios de fé, especialmente a<br />

Eucaristia, o espaço mais idôneo para uma condigna realização <strong>da</strong> sua ação litúrgica; (124) de fato, a<br />

natureza do templo cristão define-se precisamente pela ação litúrgica, a qual implica a reunião dos fiéis<br />

(ecclesia), que são as pedras vivas do templo (1 Pd 2, 5). O mesmo princípio vale para to<strong>da</strong> a arte sacra<br />

em geral, especialmente para a pintura e a escultura, devendo a iconografia religiosa ser orienta<strong>da</strong> para a<br />

mistagogia sacramental. Um conhecimento profundo <strong>da</strong>s formas que a arte sacra conseguiu produzir, ao<br />

longo dos séculos, pode ser de grande aju<strong>da</strong> para quem tenha a responsabili<strong>da</strong>de de chamar arquitetos e<br />

38


artistas para comissionar-lhes obras de arte destina<strong>da</strong>s à ação litúrgica; por isso, é indispensável que, na<br />

formação dos seminaristas e dos sacerdotes, se inclua, entre as disciplinas importantes, a História <strong>da</strong><br />

Arte com especial referimento aos edifícios de culto à luz <strong>da</strong>s normas litúrgicas. Enfim, é necessário<br />

que, em tudo quanto tenha a ver com a Eucaristia, haja gosto pela beleza; dever-se-á ter respeito e<br />

cui<strong>da</strong>do também pelos paramentos, as alfaias, os vasos sagrados, para que, interligados de forma<br />

orgânica e ordena<strong>da</strong>, alimentem o enlevo pelo mistério de Deus, manifestem a uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> fé e reforcem<br />

a devoção.(125)<br />

O canto litúrgico<br />

42. Na arte <strong>da</strong> celebração, ocupa lugar de destaque o canto litúrgico.(126) Com razão afirma Santo<br />

Agostinho, num famoso sermão: « O homem novo conhece o cântico novo. O cântico é uma<br />

manifestação de alegria e, se considerarmos melhor, um sinal de amor ».(127) O povo de Deus, reunido<br />

para a celebração, canta os louvores de Deus. Na sua história bimilenária, a <strong>Igreja</strong> criou, e continua a<br />

criar, música e cânticos que constituem um patrimônio de fé e amor que não se deve perder.<br />

Ver<strong>da</strong>deiramente, em liturgia, não podemos dizer que tanto vale um cântico como outro; a propósito, é<br />

necessário evitar a improvisação genérica ou a introdução de gêneros musicais que não respeitem o<br />

sentido <strong>da</strong> liturgia. Enquanto elemento litúrgico, o canto deve integrar-se na forma própria <strong>da</strong><br />

celebração; (128) conseqüentemente, tudo — no texto, na melodia, na execução — deve corresponder<br />

ao sentido do mistério celebrado, às várias partes do rito e aos diferentes tempos litúrgicos.(129) Enfim,<br />

embora tendo em conta as distintas orientações e as diferentes e amplamente louváveis tradições, desejo<br />

— como foi pedido pelos padres sino<strong>da</strong>is — que se valorize adequa<strong>da</strong>mente o canto gregoriano,(130)<br />

como canto próprio <strong>da</strong> liturgia romana.(131)<br />

A estrutura <strong>da</strong> celebração eucarística<br />

43. Depois de ter recor<strong>da</strong>do os elementos fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> arte <strong>da</strong> celebração relevados durante os<br />

trabalhos sino<strong>da</strong>is, desejo chamar a atenção mais especificamente para algumas partes <strong>da</strong> estrutura <strong>da</strong><br />

celebração eucarística, que necessitam de um cui<strong>da</strong>do particular no nosso tempo, a fim de<br />

permanecermos fiéis à intenção profun<strong>da</strong> <strong>da</strong> renovação litúrgica que o Concílio Vaticano II quis em<br />

continui<strong>da</strong>de com to<strong>da</strong> a grande tradição eclesial.<br />

Uni<strong>da</strong>de intrínseca <strong>da</strong> ação litúrgica<br />

44. Antes de mais, é necessário refletir sobre a uni<strong>da</strong>de intrínseca do rito <strong>da</strong> Santa Missa, evitando, tanto<br />

nas catequeses como na mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de celebração, que se dê ensejo a uma visão justaposta <strong>da</strong>s duas<br />

partes do rito: a liturgia <strong>da</strong> palavra e a liturgia eucarística — para além dos ritos iniciais e conclusivo —<br />

« estão entre si tão estreitamente liga<strong>da</strong>s que constituem um único ato de culto ».(132) De fato, existe<br />

uma ligação intrínseca entre a palavra de Deus e a parte eucarística: ao ouvirmos a palavra de Deus,<br />

nasce ou reforça-se a fé (Rm 10, 17), enquanto, na parte eucarística, o Verbo feito carne dá-Se a nós<br />

como alimento espiritual; (133) assim, « a partir <strong>da</strong>s duas mesas, a <strong>da</strong> palavra de Deus e a do corpo de<br />

Cristo, a <strong>Igreja</strong> recebe e oferece aos fiéis o pão de vi<strong>da</strong> ».(134) Por isso, deve ter-se constantemente<br />

presente que a palavra de Deus, li<strong>da</strong> e anuncia<strong>da</strong> na liturgia pela <strong>Igreja</strong>, conduz à Eucaristia como a seu<br />

fim conatural.<br />

A liturgia <strong>da</strong> palavra<br />

45. Juntamente com o Sínodo, peço que a liturgia <strong>da</strong> palavra seja sempre devi<strong>da</strong>mente prepara<strong>da</strong> e<br />

vivi<strong>da</strong>. Recomendo, pois, vivamente que se tenha grande cui<strong>da</strong>do, nas liturgias, com a proclamação <strong>da</strong><br />

palavra de Deus por leitores bem preparados; nunca nos esqueçamos de que, « quando na igreja se lê a<br />

Sagra<strong>da</strong> Escritura, é o próprio Deus que fala ao seu povo, é Cristo presente na sua palavra que anuncia o<br />

Evangelho ».(135) Se as circunstâncias o recomen<strong>da</strong>rem, pode-se pensar numas breves palavras de<br />

introdução, que ajudem os fiéis a tomar renova<strong>da</strong> consciência do momento. Para ser bem compreendi<strong>da</strong>,<br />

a palavra de Deus deve ser escuta<strong>da</strong> e acolhi<strong>da</strong> com espírito eclesial e cientes <strong>da</strong> sua uni<strong>da</strong>de com o<br />

sacramento eucarístico. Com efeito, a palavra que anunciamos e ouvimos é o Verbo feito carne (Jo 1,<br />

39


14) e possui uma referência intrínseca à pessoa de Cristo e à mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de sacramental <strong>da</strong> sua<br />

permanência: Cristo não fala no passado mas no nosso presente, tal como Ele está presente na ação<br />

litúrgica. Neste horizonte sacramental <strong>da</strong> revelação cristã,(136) o conhecimento e o estudo <strong>da</strong> palavra de<br />

Deus permitem-nos valorizar, celebrar e viver melhor a Eucaristia; também aqui se mostra em to<strong>da</strong> a sua<br />

ver<strong>da</strong>de a conheci<strong>da</strong> asserção: « A ignorância <strong>da</strong> Escritura é ignorância de Cristo ».(137)<br />

Para isso, é necessário aju<strong>da</strong>r os fiéis a valorizarem os tesouros <strong>da</strong> Sagra<strong>da</strong> Escritura presentes no<br />

Leccionário, por meio de iniciativas pastorais, de celebrações <strong>da</strong> palavra e <strong>da</strong> leitura orante (lectio<br />

divina). Além disso, não se esqueça de promover as formas de oração confirma<strong>da</strong>s pela tradição: a<br />

Liturgia <strong>da</strong>s Horas, sobretudo Laudes, Vésperas, Completas e ain<strong>da</strong> as celebrações <strong>da</strong>s Vigílias. A<br />

oração dos salmos, as leituras bíblicas e as <strong>da</strong> grande tradição apresenta<strong>da</strong>s no Ofício Divino podem<br />

levar a uma experiência profun<strong>da</strong> do acontecimento de Cristo e <strong>da</strong> economia <strong>da</strong> salvação, capaz por sua<br />

vez de enriquecer a compreensão e a participação na celebração eucarística.(138)<br />

A homilia<br />

46. Pensando na importância <strong>da</strong> palavra de Deus, surge a necessi<strong>da</strong>de de melhorar a quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

homilia; de fato, esta « constitui parte integrante <strong>da</strong> ação litúrgica »,(139) cuja função é favorecer uma<br />

compreensão e eficácia mais ampla <strong>da</strong> palavra de Deus na vi<strong>da</strong> dos fiéis. Por isso, os ministros<br />

ordenados devem « preparar cui<strong>da</strong>dosamente a homilia, baseando-se num adequado conhecimento <strong>da</strong><br />

Sagra<strong>da</strong> Escritura ».(140) Evitem-se homilias genéricas ou abstratas; de modo particular, peço aos<br />

ministros para fazerem com que a homilia coloque a palavra de Deus proclama<strong>da</strong> em estreita relação<br />

com a celebração sacramental (141) e com a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, de tal modo que a palavra de Deus<br />

seja realmente apoio e vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>.(142) Tenha-se presente, portanto, a finali<strong>da</strong>de catequética e<br />

exortativa <strong>da</strong> homilia. Considera-se que é oportuno oferecer prudentemente, a partir do Leccionário<br />

trienal, homilias temáticas aos fiéis que tratem, ao longo do ano litúrgico, os grandes temas <strong>da</strong> fé cristã,<br />

haurindo de quanto está autoriza<strong>da</strong>mente proposto pelo Magistério nos quatro « pilares » do Catecismo<br />

<strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica e no recente Compêndio: a profissão <strong>da</strong> fé, a celebração do mistério cristão, a vi<strong>da</strong> em<br />

Cristo, a oração cristã.(143)<br />

Apresentação <strong>da</strong>s oferen<strong>da</strong>s<br />

47. Os padres sino<strong>da</strong>is chamaram a atenção também para a apresentação <strong>da</strong>s oferen<strong>da</strong>s. Não se trata<br />

simplesmente duma espécie de « intervalo » entre a liturgia <strong>da</strong> palavra e a liturgia eucarística, o que<br />

faria, sem dúvi<strong>da</strong>, atenuar o sentido de um único rito composto de duas partes interliga<strong>da</strong>s; realmente,<br />

neste gesto humilde e simples, encerra-se um significado muito grande: no pão e no vinho que levamos<br />

ao altar, to<strong>da</strong> a criação é assumi<strong>da</strong> por Cristo Redentor para ser transforma<strong>da</strong> e apresenta<strong>da</strong> ao Pai.(144)<br />

Nesta perspectiva, levamos ao altar também todo o sofrimento e tribulação do mundo, na certeza de que<br />

tudo é precioso aos olhos de Deus. Este gesto não necessita de ser enfatizado com descabi<strong>da</strong>s<br />

complicações para ser vivido no seu significado autêntico: o mesmo permite valorizar a participação<br />

primeira que Deus pede ao homem, ou seja, levar em si mesmo a obra divina à perfeição, e <strong>da</strong>r assim<br />

pleno sentido ao trabalho humano que, através <strong>da</strong> celebração eucarística, fica unido ao sacrifício<br />

redentor de Cristo.<br />

A Oração Eucarística<br />

48. A Oração Eucarística é « o ponto central e culminante de to<strong>da</strong> a celebração »; (145) merece ser<br />

convenientemente ressalta<strong>da</strong> a sua importância. As diversas Orações Eucarísticas conti<strong>da</strong>s no Missal<br />

foram-nos transmiti<strong>da</strong>s pela Tradição viva <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> e caracterizam-se por uma riqueza teológica e<br />

espiritual inesgotável; os fiéis devem poder ser capazes de apreciá-la. A isto mesmo nos aju<strong>da</strong> a<br />

Instrução Geral do Missal Romano, quando lembra os elementos fun<strong>da</strong>mentais de ca<strong>da</strong> Oração<br />

Eucarística: ação de graças, aclamação, epiclese, narração <strong>da</strong> instituição, consagração, anamnese,<br />

oblação, intercessões e doxologia final.(146) Em particular, a espirituali<strong>da</strong>de eucarística e a reflexão<br />

teológica são ilumina<strong>da</strong>s se se contempla a profun<strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de que existe, na anáfora, entre a invocação<br />

do Espírito Santo e a narração <strong>da</strong> instituição,(147) quando « se realiza o sacrifício que o próprio Cristo<br />

40


instituiu na Última Ceia ».(148) De fato, « por meio de invocações especiais, a <strong>Igreja</strong> implora o poder do<br />

Espírito Santo, para que os dons oferecidos pelos homens sejam consagrados, isto é, se convertam no<br />

corpo e sangue de Cristo, e para que a vítima imacula<strong>da</strong>, que vai ser recebi<strong>da</strong> na comunhão, opere a<br />

salvação <strong>da</strong>queles que dela vão participar ».(149)<br />

Sau<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> paz<br />

49. A Eucaristia é, por sua natureza, sacramento <strong>da</strong> paz. Na celebração litúrgica, esta dimensão do<br />

mistério eucarístico encontra a sua manifestação específica no rito <strong>da</strong> sau<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> paz. Trata-se, sem<br />

dúvi<strong>da</strong>, dum sinal de grande valor (Jo 14, 27). Neste nosso tempo pavorosamente cheio de conflitos, tal<br />

gesto adquire — mesmo do ponto de vista <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de comum — um relevo particular, pois a <strong>Igreja</strong><br />

sente ca<strong>da</strong> vez mais como sua missão própria a de implorar ao Senhor o dom <strong>da</strong> paz e <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de para si<br />

mesma e para a família humana inteira. A paz é, sem dúvi<strong>da</strong>, uma aspiração radical que se encontra no<br />

coração de ca<strong>da</strong> um; a <strong>Igreja</strong> dá voz ao pedido de paz e reconciliação que brota do espírito de ca<strong>da</strong><br />

pessoa de boa vontade, apresentando-o Àquele que « é a nossa paz » (Ef 2, 14) e pode pacificar de novo<br />

povos e pessoas, mesmo onde tivessem falido os esforços humanos. A partir de tudo isto, é possível<br />

compreender a intensi<strong>da</strong>de com que freqüentemente é sentido o rito <strong>da</strong> paz na celebração litúrgica. A<br />

este respeito, porém, durante o Sínodo dos Bispos foi sublinha<strong>da</strong> a conveniência de moderar este gesto,<br />

que pode assumir expressões excessivas, suscitando um pouco de confusão na assembléia precisamente<br />

antes <strong>da</strong> comunhão. É bom lembrar que na<strong>da</strong> tira ao alto valor do gesto a sobrie<strong>da</strong>de necessária para se<br />

manter um clima apropriado à celebração, limitando, por exemplo, a sau<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> paz a quem está mais<br />

próximo.(150)<br />

Distribuição e recepção <strong>da</strong> Eucaristia<br />

50. Outro momento <strong>da</strong> celebração, que necessita de menção, é a distribuição e a recepção <strong>da</strong> sagra<strong>da</strong><br />

comunhão. Peço a todos, especialmente aos ministros ordenados e àqueles que, devi<strong>da</strong>mente preparados<br />

e em caso de real necessi<strong>da</strong>de, estejam autorizados para o ministério <strong>da</strong> distribuição <strong>da</strong> Eucaristia, que<br />

façam o possível para que o gesto, na sua simplici<strong>da</strong>de, correspon<strong>da</strong> ao seu valor de encontro pessoal<br />

com o Senhor Jesus no sacramento. Quanto às prescrições para a correta prática do mesmo, vejam-se os<br />

documentos recentemente emanados; (151) to<strong>da</strong>s as comuni<strong>da</strong>des cristãs se atenham fielmente às<br />

normas vigentes, vendo nelas a expressão <strong>da</strong> fé e do amor que todos devemos ter por este sublime<br />

sacramento. Além disso, não seja transcurado o tempo precioso de ação de graças depois <strong>da</strong> comunhão:<br />

além <strong>da</strong> entoação dum cântico oportuno, pode ser muito útil também permanecer recolhidos em<br />

silêncio.(152) A propósito, desejo chamar a atenção para um problema pastoral com que freqüentemente<br />

nos deparamos no nosso tempo: em determina<strong>da</strong>s circunstâncias como, por exemplo, nas Missas<br />

celebra<strong>da</strong>s por ocasião de matrimônios, funerais ou acontecimentos análogos, encontram-se presentes na<br />

celebração, além dos fiéis praticantes, outros que talvez há anos não se aproximam do altar ou se<br />

encontram numa situação de vi<strong>da</strong> que não permite o acesso aos sacramentos; outras vezes acontece que<br />

estão presentes pessoas de outras confissões cristãs ou até de outras religiões. Circunstâncias<br />

semelhantes verificam-se também em igrejas que são meta de turistas, sobretudo nas ci<strong>da</strong>des de grande<br />

valor artístico. Ora, salta aos olhos a necessi<strong>da</strong>de de encontrar formas breves e incisivas para alertar a<br />

todos sobre o sentido <strong>da</strong> comunhão sacramental e sobre as condições que se requerem para a sua<br />

recepção. Em situações onde não se possa garantir a necessária clareza quanto ao significado <strong>da</strong><br />

Eucaristia, deve-se ponderar a oportuni<strong>da</strong>de de substituir a celebração eucarística por uma celebração <strong>da</strong><br />

palavra de Deus.(153)<br />

A despedi<strong>da</strong>: « Ite, missa est »<br />

51. Por último, quero deter-me naquilo que disseram os padres sino<strong>da</strong>is acerca <strong>da</strong> sau<strong>da</strong>ção de despedi<strong>da</strong><br />

no final <strong>da</strong> celebração eucarística. Depois <strong>da</strong> bênção, o diácono ou o sacerdote despede o povo com as<br />

palavras « Ide em paz e o Senhor vos acompanhe », tradução aproxima<strong>da</strong> <strong>da</strong> fórmula latina: Ite, missa<br />

est. Nesta sau<strong>da</strong>ção, podemos identificar a relação entre a Missa celebra<strong>da</strong> e a missão cristã no mundo.<br />

Na antigui<strong>da</strong>de, o termo « missa » significava simplesmente « despedi<strong>da</strong> »; mas, no uso cristão, o<br />

mesmo foi ganhando um sentido ca<strong>da</strong> vez mais profundo, tendo o termo « despedir » evoluído para «<br />

41


expedir em missão ». Deste modo, a referi<strong>da</strong> sau<strong>da</strong>ção exprime sinteticamente a natureza missionária <strong>da</strong><br />

<strong>Igreja</strong>; seria bom aju<strong>da</strong>r o povo de Deus a aprofun<strong>da</strong>r esta dimensão constitutiva <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> eclesial, tirando<br />

inspiração <strong>da</strong> liturgia. Nesta perspectiva, pode ser útil dispor de textos, devi<strong>da</strong>mente aprovados, para a<br />

oração sobre o povo e a bênção final que explicitem tal ligação.(154)<br />

Participação ativa<br />

Autêntica participação<br />

52. O Concílio Vaticano II colocara, justamente, uma ênfase particular sobre a participação ativa, plena<br />

e frutuosa de todo o povo de Deus na celebração eucarística.(155) A renovação opera<strong>da</strong> nestes anos<br />

proporcionou, sem dúvi<strong>da</strong>, notáveis progressos na direção deseja<strong>da</strong> pelos padres conciliares; mas não<br />

podemos ignorar que houve, às vezes, qualquer incompreensão precisamente acerca do sentido desta<br />

participação. Convém, pois, deixar claro que não se pretende, com tal palavra, aludir a mera ativi<strong>da</strong>de<br />

exterior durante a celebração; na reali<strong>da</strong>de, a participação ativa deseja<strong>da</strong> pelo Concílio deve ser<br />

entendi<strong>da</strong>, em termos mais substanciais, a partir duma maior consciência do mistério que é celebrado e<br />

<strong>da</strong> sua relação com a vi<strong>da</strong> quotidiana. Permanece plenamente váli<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> a recomen<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><br />

Constituição conciliar Sacrosanctum Concilium feita aos fiéis quando os exorta a não assistirem à<br />

liturgia eucarística « como estranhos ou espectadores mudos », mas a participarem « na ação sagra<strong>da</strong>,<br />

consciente, ativa e piedosamente ».(156) E o Concílio, desenvolvendo seu pensamento, prossegue: Os<br />

fiéis « sejam instruídos pela palavra de Deus; alimentem-se à mesa do corpo do Senhor; dêem graças a<br />

Deus; apren<strong>da</strong>m a oferecer-se a si mesmos, ao oferecer juntamente com o sacerdote, que não só pelas<br />

mãos dele, a hóstia imacula<strong>da</strong>; que, dia após dia, por Cristo Mediador, progri<strong>da</strong>m na uni<strong>da</strong>de com Deus<br />

e entre si ».(157)<br />

Participação e ministério sacerdotal<br />

53. A beleza e a harmonia <strong>da</strong> ação litúrgica encontram significativa expressão na ordem com que ca<strong>da</strong><br />

um é chamado a participar ativamente nela; isto requer o conhecimento <strong>da</strong>s diversas funções<br />

hierárquicas implica<strong>da</strong>s na própria celebração. Pode ser útil lembrar que a participação ativa na mesma<br />

não coincide, de per si, com o desempenho dum ministério particular; sobretudo, não favorece a causa<br />

<strong>da</strong> participação ativa dos fiéis uma confusão gera<strong>da</strong> pela incapaci<strong>da</strong>de de distinguir, na comunhão<br />

eclesial, as diversas funções que cabem a ca<strong>da</strong> um.(158) De modo particular, convém que haja clareza<br />

quanto às funções específicas do sacerdote: como atesta a tradição <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, é ele quem<br />

insubstituivelmente preside à celebração eucarística inteira, desde a sau<strong>da</strong>ção inicial até à bênção final.<br />

Em virtude <strong>da</strong> Ordem sacra recebi<strong>da</strong>, representa Jesus Cristo cabeça <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> e, na forma que lhe é<br />

própria, também a <strong>Igreja</strong>.(159) De fato, ca<strong>da</strong> celebração <strong>da</strong> Eucaristia é conduzi<strong>da</strong> pelo Bispo, « quer<br />

pessoalmente, quer pelos presbíteros seus colaboradores »; (160) e é coadjuvado pelo diácono, que tem<br />

na celebração algumas funções específicas: preparar o altar e assistir ao sacerdote, proclamar o<br />

Evangelho e, eventualmente, fazer a homilia, propor aos fiéis as intenções <strong>da</strong> Oração Universal,<br />

distribuir a Eucaristia aos fiéis.(161) Em relação com estes ministérios dependentes do sacramento <strong>da</strong><br />

Ordem, aparecem depois outros ministérios para o serviço litúrgico, louvavelmente desempenhados por<br />

religiosos e leigos preparados.(162)<br />

Celebração eucarística e inculturação<br />

54. Partindo fun<strong>da</strong>mentalmente de quanto afirmou o Concílio Vaticano II, várias vezes foi sublinha<strong>da</strong> a<br />

importância <strong>da</strong> participação ativa dos fiéis no sacrifício eucarístico. Para a favorecer, podem ter lugar<br />

algumas a<strong>da</strong>ptações apropria<strong>da</strong>s aos respectivos contextos e às diversas culturas;(163) o fato de ter<br />

havido alguns abusos não turba a clareza deste princípio, que deve ser mantido segundo as necessi<strong>da</strong>des<br />

reais <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, a qual vive e celebra o mesmo mistério de Cristo em situações culturais diferentes. De<br />

fato, o Senhor Jesus, precisamente no mistério <strong>da</strong> Encarnação, ao nascer de uma mulher como perfeito<br />

homem (Gal 4, 4) colocou-se em relação direta não só com as expectativas que se registravam no âmbito<br />

do Antigo Testamento, mas também com as cultiva<strong>da</strong>s por todos os povos; manifestou, assim, que Deus<br />

pretende alcançar-nos no nosso contexto vital. Por conseguinte é útil, para uma participação mais eficaz<br />

42


dos fiéis nos santos mistérios, a continuação do processo de inculturação inclusivamente quanto à<br />

celebração eucarística, tendo em conta as possibili<strong>da</strong>des de a<strong>da</strong>ptação ofereci<strong>da</strong>s pela Instrução Geral<br />

do Missal Romano,(164) interpreta<strong>da</strong>s à luz dos critérios estabelecidos pela IV Instrução <strong>da</strong><br />

Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, designa<strong>da</strong> Varietates legitimæ, de 25<br />

de Janeiro de 1994,(165) e pelas diretrizes expressas pelo Papa João Paulo II nas Exortações póssino<strong>da</strong>is<br />

Ecclesia in Africa, Ecclesia in America, Ecclesia in Asia, Ecclesia in Oceania, Ecclesia in<br />

Europa.(166) Com esta finali<strong>da</strong>de, recomendo às Conferências Episcopais que prossigam com esta obra,<br />

favorecendo um justo equilíbrio entre os critérios e diretrizes já emanados e as novas a<strong>da</strong>ptações,(167)<br />

sempre de acordo com a Sé Apostólica.<br />

Condições pessoais para uma participação ativa<br />

55. Ao considerarem o tema <strong>da</strong> participação ativa (actuosa participatio) dos fiéis no rito sagrado, os<br />

padres sino<strong>da</strong>is ressaltaram também as condições pessoais que se requerem em ca<strong>da</strong> um para uma<br />

frutuosa participação.(168) Uma delas é, sem dúvi<strong>da</strong>, o espírito de constante conversão que deve<br />

caracterizar a vi<strong>da</strong> de todos os fiéis: não podemos esperar uma participação ativa na liturgia eucarística,<br />

se nos abeiramos dela superficialmente e sem antes nos interrogarmos sobre a própria vi<strong>da</strong>. Favorecem<br />

tal disposição interior, por exemplo, o recolhimento e o silêncio durante alguns momentos pelo menos<br />

antes do início <strong>da</strong> liturgia, o jejum e — quando for preciso — a confissão sacramental; um coração<br />

reconciliado com Deus predispõe para a ver<strong>da</strong>deira participação. De modo particular é preciso alertar os<br />

fiéis que não se pode verificar uma participação ativa nos santos mistérios, se ao mesmo tempo não se<br />

procura tomar parte ativa na vi<strong>da</strong> eclesial em to<strong>da</strong> a sua amplitude, incluindo o compromisso<br />

missionário de levar o amor de Cristo para o meio <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Sem dúvi<strong>da</strong>, para a plena participação<br />

na Eucaristia é preciso também aproximar-se pessoalmente do altar para receber a comunhão; (169)<br />

contudo é preciso estar atento para que esta afirmação, justa em si mesma, não induza os fiéis a um certo<br />

automatismo levando-os a pensar que, pelo simples fato de se encontrar na igreja durante a liturgia, se<br />

tenha o direito ou mesmo — quem sabe — se sinta no dever de aproximar-se <strong>da</strong> mesa eucarística.<br />

Mesmo quando não for possível abeirar-se <strong>da</strong> comunhão sacramental, a participação na Santa Missa<br />

permanece necessária, váli<strong>da</strong>, significativa e frutuosa; neste caso, é bom cultivar o desejo <strong>da</strong> plena união<br />

com Cristo, por exemplo, através <strong>da</strong> prática <strong>da</strong> comunhão espiritual, recor<strong>da</strong><strong>da</strong> por João Paulo II (170) e<br />

recomen<strong>da</strong><strong>da</strong> por santos mestres de vi<strong>da</strong> espiritual.(171)<br />

Participação dos cristãos não católicos<br />

56. Ao tratarmos o tema <strong>da</strong> participação, temos inevitavelmente de falar dos cristãos que pertencem a<br />

<strong>Igreja</strong>s ou Comuni<strong>da</strong>des eclesiais que não estão em plena comunhão com a <strong>Igreja</strong> Católica. A este<br />

respeito, temos de dizer, por um lado, que o vínculo intrínseco existente entre a Eucaristia e a uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

<strong>Igreja</strong> nos faz desejar ardentemente o dia em que poderemos celebrar, juntamente com todos os que<br />

crêem em Cristo, a divina Eucaristia e exprimir assim visivelmente aquela plena uni<strong>da</strong>de que Cristo quis<br />

para os seus discípulos (Jo 17, 21); mas, por outro lado, o respeito que devemos ao sacramento do corpo<br />

e do sangue de Cristo impede-nos de fazer dele um simples « meio » usado indiscrimina<strong>da</strong>mente para<br />

alcançar a referi<strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de.(172) De fato, a Eucaristia não manifesta somente a nossa comunhão pessoal<br />

com Jesus Cristo, mas implica também a plena comunhão (communio) com a <strong>Igreja</strong>; este é o motivo<br />

pelo qual, com dor mas não sem esperança, pedimos aos cristãos não católicos que compreen<strong>da</strong>m e<br />

respeitem a nossa convicção, que assenta na Bíblia e na Tradição: pensamos que a comunhão eucarística<br />

e a comunhão eclesial se interpenetrem tão intimamente que se torna geralmente impossível aos cristãos<br />

não católicos terem acesso a uma sem gozar <strong>da</strong> outra. Ain<strong>da</strong> mais desprovi<strong>da</strong> de sentido seria uma<br />

concelebração ver<strong>da</strong>deira e própria com ministros de <strong>Igreja</strong>s ou Comuni<strong>da</strong>des eclesiais que não estão em<br />

plena comunhão com a <strong>Igreja</strong> Católica. Não deixa, porém, de ser ver<strong>da</strong>de que, em ordem à salvação<br />

eterna, há a possibili<strong>da</strong>de de admitir indivíduos cristãos não católicos à Eucaristia, ao sacramento <strong>da</strong><br />

Penitência e à Unção dos Enfermos; mas isso supõe que se verifiquem determina<strong>da</strong>s e excepcionais<br />

situações, associa<strong>da</strong>s a precisas condições.(173) Estas aparecem claramente indica<strong>da</strong>s no Catecismo <strong>da</strong><br />

<strong>Igreja</strong> Católica (174) e no seu Compêndio.(175) É dever de ca<strong>da</strong> um ater-se a elas fielmente.<br />

43


Participação através dos meios de comunicação<br />

57. Devido ao progresso admirável dos meios de comunicação, nos últimos decênios a palavra «<br />

participação » adquiriu um significado mais amplo do que no passado; com satisfação, todos<br />

reconhecemos que estes instrumentos oferecem novas possibili<strong>da</strong>des inclusivamente quanto à celebração<br />

eucarística.(176) Isto requer dos agentes pastorais do sector uma preparação específica e um vivo<br />

sentido de responsabili<strong>da</strong>de; com efeito, a Santa Missa transmiti<strong>da</strong> na televisão ganha inevitavelmente<br />

um certo caráter de exemplari<strong>da</strong>de; <strong>da</strong>í o dever de prestar particular atenção a que a celebração, além de<br />

se realizar em lugares dignos e bem preparados, respeite as normas litúrgicas. Enfim, quanto ao valor<br />

desta participação na Santa Missa pelos meios de comunicação, quem assiste a tais transmissões deve<br />

saber que, em condições normais, não cumpre o preceito dominical; de fato, a linguagem <strong>da</strong> imagem<br />

representa a reali<strong>da</strong>de, mas não a reproduz em si mesma.(177) Se é muito louvável que idosos e doentes<br />

participem na Santa Missa festiva através <strong>da</strong>s transmissões radiotelevisivas, o mesmo não se pode dizer<br />

de quem quisesse, por meio de tais transmissões, dispensar-se de ir à igreja tomar parte na celebração<br />

eucarística na assembléia <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> viva.<br />

Participação ativa dos doentes<br />

58. Considerando a condição de quantos por motivos de saúde ou i<strong>da</strong>de não podem ir aos lugares de<br />

culto, quero chamar a atenção de to<strong>da</strong> a comuni<strong>da</strong>de eclesial para a necessi<strong>da</strong>de pastoral de garantir a<br />

assistência espiritual aos doentes, quer estejam nas próprias casas quer se encontrem no hospital.<br />

Diversas vezes, no Sínodo dos Bispos, se aludiu à sua condição; é preciso providenciar para que estes<br />

nossos irmãos e irmãs possam receber, com freqüência, a comunhão sacramental; revigorando assim a<br />

sua relação com Cristo crucificado e ressuscitado, poderão sentir a própria existência inseri<strong>da</strong><br />

plenamente na vi<strong>da</strong> e missão <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, por meio <strong>da</strong> oferta do seu sofrimento em união com o sacrifício<br />

de Nosso Senhor. Uma particular atenção há de ser reserva<strong>da</strong> aos deficientes: sempre que a sua condição<br />

o permita, a comuni<strong>da</strong>de cristã deve facilitar a sua participação na celebração no lugar de culto; a<br />

propósito, procure-se remover, nos edifícios sagrados, eventuais obstáculos arquitetônicos que impeçam<br />

o seu acesso aos deficientes. Enfim, seja garanti<strong>da</strong> também a comunhão eucarística, na medi<strong>da</strong> do<br />

possível, aos deficientes mentais, batizados e crismados: eles recebem a Eucaristia na fé também <strong>da</strong><br />

família ou <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de que os acompanha.(178)<br />

A solicitude pelos presos<br />

59. A tradição espiritual <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, na esteira duma concreta afirmação de Cristo (Mt 25, 36), individuou<br />

na visita aos presos uma <strong>da</strong>s obras de misericórdia corporais. Aqueles que se encontram nesta situação<br />

têm particularmente necessi<strong>da</strong>de de ser visitados pelo próprio Senhor no sacramento <strong>da</strong> Eucaristia;<br />

experimentar a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de eclesial, participar na Eucaristia e receber a sagra<strong>da</strong><br />

comunhão num período <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> tão especial e doloroso pode seguramente contribuir para a quali<strong>da</strong>de do<br />

seu caminho de fé e favorecer a plena recuperação social <strong>da</strong> pessoa. Interpretando votos formulados na<br />

assembléia sino<strong>da</strong>l, peço às dioceses para providenciarem que haja, na medi<strong>da</strong> do possível, um<br />

conveniente investimento de forças na ativi<strong>da</strong>de pastoral dedica<strong>da</strong> ao cui<strong>da</strong>do espiritual dos presos.(179)<br />

Os migrantes e a participação na Eucaristia<br />

60. Ao abor<strong>da</strong>r o problema <strong>da</strong>s pessoas que, por motivos vários, são obriga<strong>da</strong>s a deixar a sua terra, o<br />

Sínodo manifestou particular gratidão a quantos vivem empenhados no cui<strong>da</strong>do pastoral dos migrantes.<br />

Neste contexto, uma atenção específica deve ser <strong>da</strong><strong>da</strong> aos migrantes membros <strong>da</strong>s <strong>Igreja</strong>s Católicas<br />

Orientais, já que, à separação <strong>da</strong> própria casa, vem juntar-se a dificul<strong>da</strong>de de não poderem participar na<br />

liturgia eucarística segundo o próprio rito a que pertencem; por isso, onde for possível, seja-lhes<br />

concedido usufruir <strong>da</strong> assistência de sacerdotes do seu rito. Em todo o caso, peço aos bispos que<br />

acolham estes irmãos na cari<strong>da</strong>de de Cristo. O encontro entre fiéis de rito diverso pode tornar-se também<br />

ocasião de mútuo enriquecimento: penso de modo particular no benefício que pode resultar, sobretudo<br />

para o clero, do conhecimento <strong>da</strong>s diversas tradições.(180)<br />

44


As grandes concelebrações<br />

61. A assembléia sino<strong>da</strong>l deteve-se a analisar a quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> participação nas grandes celebrações que<br />

têm lugar em circunstâncias particulares e nas quais se encontram, para além dum grande número de<br />

fiéis, também muitos sacerdotes concelebrantes.(181) É fácil, por um lado, reconhecer o valor destes<br />

momentos, especialmente quando preside o bispo rodeado do seu presbitério e dos diáconos; mas, por<br />

outro, em tais ocasiões podem verificar-se problemas quanto à expressão sensível <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de do<br />

presbitério, especialmente na Oração Eucarística, e quanto à distribuição <strong>da</strong> sagra<strong>da</strong> comunhão. Deve-se<br />

evitar que estas grandes concelebrações criem dispersão; providencie-se a isto mesmo por meio de<br />

adequados instrumentos de coordenação, e organizando o lugar de culto de tal modo que permita aos<br />

presbíteros e aos fiéis uma plena e real participação. Entretanto, é preciso ter presente que se trata de<br />

concelebrações com índole excepcional e limita<strong>da</strong>s a situações extraordinárias.<br />

A língua latina<br />

62. O que acabo de afirmar não deve, porém, ofuscar o valor destas grandes liturgias; penso neste<br />

momento, em particular, às celebrações que têm lugar durante encontros internacionais, ca<strong>da</strong> vez mais<br />

freqüentes hoje, e que devem justamente ser valoriza<strong>da</strong>s. A fim de exprimir melhor a uni<strong>da</strong>de e a<br />

universali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, quero recomen<strong>da</strong>r o que foi sugerido pelo Sínodo dos Bispos, em sintonia com<br />

as diretrizes do Concílio Vaticano II: (182) excetuando as leituras, a homilia e a oração dos fiéis, é bom<br />

que tais celebrações sejam em língua latina; sejam igualmente recita<strong>da</strong>s em latim as orações mais<br />

conheci<strong>da</strong>s (183) <strong>da</strong> tradição <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> e, eventualmente, entoa<strong>da</strong>s algumas partes em canto gregoriano.<br />

A nível geral, peço que os futuros sacerdotes sejam preparados, desde o tempo do seminário, para<br />

compreender e celebrar a Santa Missa em latim, bem como para usar textos latinos e entoar o canto<br />

gregoriano; deve-se procurar a possibili<strong>da</strong>de de formar os próprios fiéis para saberem, em latim, as<br />

orações mais comuns e cantarem, em gregoriano, determina<strong>da</strong>s partes <strong>da</strong> liturgia.(184)<br />

Celebrações eucarísticas em pequenos grupos<br />

63. Bem distinta é a situação cria<strong>da</strong> em algumas circunstâncias pastorais, onde, precisamente para uma<br />

participação mais consciente, ativa e frutuosa, se favorecem as celebrações em pequenos grupos.<br />

Embora reconhecendo o valor formativo subjacente a estas opções, é necessário especificar que as<br />

mesmas devem ser harmoniza<strong>da</strong>s com o conjunto <strong>da</strong> proposta pastoral <strong>da</strong> diocese; com efeito, tais<br />

experiências perderiam o seu caráter pe<strong>da</strong>gógico, se fossem vistas em antagonismo ou paralelo com a<br />

vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> particular. A este respeito, o Sínodo pôs em evidência alguns critérios a que se devem<br />

ater: os pequenos grupos devem servir para unificar a comuni<strong>da</strong>de, e não para a dividir; a prova disto<br />

mesmo há de ver-se na prática concreta; estes grupos devem favorecer a participação frutuosa <strong>da</strong><br />

assembléia inteira e preservar, na medi<strong>da</strong> do possível, a uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> litúrgica de ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s<br />

famílias.(185)<br />

Celebração interiormente participa<strong>da</strong><br />

Catequese mistagógica<br />

64. A grande tradição litúrgica <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> ensina-nos que é necessário, para uma frutuosa participação,<br />

esforçar-se por corresponder pessoalmente ao mistério que é celebrado, através do oferecimento a Deus<br />

<strong>da</strong> própria vi<strong>da</strong> em união com o sacrifício de Cristo pela salvação do mundo inteiro. Por este motivo, o<br />

Sínodo dos Bispos recomendou que se fomentasse, nos fiéis, profun<strong>da</strong> concordância <strong>da</strong>s disposições<br />

interiores com os gestos e palavras; se ela faltasse, as nossas celebrações, por muito anima<strong>da</strong>s que<br />

fossem, arriscar-se-iam a cair no ritualismo. Assim, é preciso promover uma educação <strong>da</strong> fé eucarística<br />

que predisponha os fiéis a viverem pessoalmente o que se celebra. Vista a importância essencial desta<br />

participação pessoal e consciente, quais poderiam ser os instrumentos de formação mais adequados?<br />

Para isso, os padres sino<strong>da</strong>is indicaram unanimemente a estra<strong>da</strong> duma catequese de caráter mistagógico,<br />

que leve os fiéis a penetrarem ca<strong>da</strong> vez mais nos mistérios que são celebrados.(186) Em concreto e antes<br />

de mais, há que afirmar que, devido à relação entre a arte <strong>da</strong> celebração e a participação ativa, « a<br />

45


melhor catequese sobre a Eucaristia é a própria Eucaristia bem celebra<strong>da</strong> »; (187) com efeito, por sua<br />

natureza a liturgia possui uma eficácia pe<strong>da</strong>gógica própria para introduzir os fiéis no conhecimento do<br />

mistério celebrado. Por isso mesmo, na tradição mais antiga <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, o caminho formativo do cristão<br />

— embora sem descurar a inteligência sistemática dos conteúdos <strong>da</strong> fé — assumia sempre um caráter de<br />

experiência, em que era determinante o encontro vivo e persuasivo com Cristo anunciado por autênticas<br />

testemunhas. Neste sentido, quem introduz nos mistérios é primariamente a testemunha; depois, este<br />

encontro aprofun<strong>da</strong>-se, sem dúvi<strong>da</strong>, na catequese e encontra a sua fonte e ápice na celebração <strong>da</strong><br />

Eucaristia. Desta estrutura fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> experiência cristã parte a exigência de um itinerário<br />

mistagógico, no qual se hão de ter sempre presente três elementos:<br />

a) Trata-se, primeiramente, <strong>da</strong> interpretação dos ritos à luz dos acontecimentos salvíficos, em<br />

conformi<strong>da</strong>de com a tradição viva <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>; de fato, a celebração <strong>da</strong> Eucaristia, na sua riqueza infinita,<br />

possui contínuas referências à história <strong>da</strong> salvação. Em Cristo crucificado e ressuscitado, podemos<br />

celebrar ver<strong>da</strong>deiramente o centro recapitulador de to<strong>da</strong> a reali<strong>da</strong>de (Ef 1, 10); desde o seu início, a<br />

comuni<strong>da</strong>de cristã leu os acontecimentos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> de Jesus, e particularmente o mistério pascal, em<br />

relação com todo o percurso do Antigo Testamento.<br />

b) Além disso, a catequese mistagógica há de preocupar-se por introduzir no sentido dos sinais contidos<br />

nos ritos; esta tarefa é particularmente urgente numa época acentua<strong>da</strong>mente tecnológica como a atual,<br />

que corre o risco de perder a capaci<strong>da</strong>de de perceber os sinais e os símbolos. Mais do que informar, a<br />

catequese mistagógica deverá despertar e educar a sensibili<strong>da</strong>de dos fiéis para a linguagem dos sinais e<br />

dos gestos que, unidos à palavra, constituem o rito.<br />

c) Enfim, a catequese mistagógica deve preocupar-se por mostrar o significado dos ritos para a vi<strong>da</strong><br />

cristã em to<strong>da</strong>s as suas dimensões: trabalho e compromisso, pensamentos e afetos, ativi<strong>da</strong>de e repouso.<br />

Faz parte do itinerário mistagógico pôr em evidência a ligação dos mistérios celebrados no rito com a<br />

responsabili<strong>da</strong>de missionária dos fiéis; neste sentido, o fruto maduro <strong>da</strong> mistagogia é a consciência de<br />

que a própria vi<strong>da</strong> vai sendo progressivamente transforma<strong>da</strong> pelos sagrados mistérios celebrados. Aliás,<br />

a finali<strong>da</strong>de de to<strong>da</strong> a educação cristã é formar o fiel enquanto « homem novo » para uma fé adulta, que<br />

o torne capaz de testemunhar no próprio ambiente a esperança cristã que o anima. Condição necessária<br />

para se realizar, no âmbito <strong>da</strong>s nossas comuni<strong>da</strong>des eclesiais, esta tarefa educativa é dispor de<br />

formadores adequa<strong>da</strong>mente preparados; mas todo o povo de Deus deve, sem dúvi<strong>da</strong>, sentir-se<br />

comprometido nesta formação. Ca<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de cristã é chama<strong>da</strong> a ser lugar de introdução pe<strong>da</strong>gógica<br />

aos mistérios que se celebram na fé; a propósito, durante o Sínodo, os padres sublinharam a<br />

conveniência de um maior envolvimento <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des de vi<strong>da</strong> consagra<strong>da</strong>, movimentos e<br />

agregações que, pelo próprio carisma, possam <strong>da</strong>r novo impulso à formação cristã.(188) Temos a certeza<br />

de que, também no nosso tempo, o Espírito Santo não poupa a efusão dos seus dons para sustentar a<br />

missão apostólica <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, a quem compete difundir a fé e educá-la até à sua maturi<strong>da</strong>de.(189)<br />

A reverência à Eucaristia<br />

65. Um sinal convincente <strong>da</strong> eficácia que a catequese eucarística tem sobre os fiéis é seguramente o<br />

crescimento neles do sentido do mistério de Deus presente entre nós; podemos verificá-lo através de<br />

específicas manifestações de reverência à Eucaristia, nas quais o percurso mistagógico deve introduzir<br />

os fiéis.(190) Penso, em geral, na importância dos gestos e posições, como, por exemplo, ajoelhar-se<br />

durante os momentos salientes <strong>da</strong> Oração Eucarística. Embora a<strong>da</strong>ptando-se à legítima varie<strong>da</strong>de de<br />

sinais que tem lugar no contexto <strong>da</strong>s diferentes culturas, ca<strong>da</strong> um viva e exprima a consciência de<br />

encontrar-se, em ca<strong>da</strong> celebração, diante <strong>da</strong> majestade infinita de Deus, que chega até nós humildemente<br />

nos sinais sacramentais.<br />

Adoração e pie<strong>da</strong>de eucarística<br />

A relação intrínseca entre celebração e adoração<br />

66. Um dos momentos mais intensos do Sínodo vivemo-lo quando fomos à Basílica de São Pedro,<br />

46


juntamente com muitos fiéis, fazer adoração eucarística. Com aquele momento de oração, quis a<br />

assembléia dos bispos não se limitar às palavras na sua chama<strong>da</strong> de atenção para a importância <strong>da</strong><br />

relação intrínseca entre a celebração eucarística e a adoração. Neste significativo aspecto <strong>da</strong> fé <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>,<br />

encontra-se um dos elementos decisivos do caminho eclesial que se realizou após a renovação litúrgica<br />

queri<strong>da</strong> pelo Concílio Vaticano II. Quando a reforma <strong>da</strong>va os primeiros passos, aconteceu às vezes não<br />

se perceber com suficiente clareza a relação intrínseca entre a Santa Missa e a adoração do Santíssimo<br />

Sacramento; uma objeção então em voga, por exemplo, partia <strong>da</strong> idéia que o pão eucarístico nos fora<br />

<strong>da</strong>do não para ser contemplado, mas comido. Ora, tal contraposição, vista à luz <strong>da</strong> experiência de oração<br />

<strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, aparece realmente destituí<strong>da</strong> de qualquer fun<strong>da</strong>mento; já Santo Agostinho dissera: « Nemo<br />

autem illam carnem manducat, nisi prius adoraverit; (...) peccemus non adorando – ninguém come<br />

esta carne, sem antes a adorar; (...) pecaríamos se não a adorássemos ».(191) De fato, na Eucaristia,<br />

o Filho de Deus vem ao nosso encontro e deseja unir-Se conosco; a adoração eucarística é apenas o<br />

prolongamento visível <strong>da</strong> celebração eucarística, a qual, em si mesma, é o maior ato de adoração <strong>da</strong><br />

<strong>Igreja</strong>: (192) receber a Eucaristia significa colocar-se em atitude de adoração d'Aquele que<br />

comungamos. Precisamente assim, e apenas assim, é que nos tornamos um só com Ele e, de algum<br />

modo, saboreamos antecipa<strong>da</strong>mente a beleza <strong>da</strong> liturgia celeste. O ato de adoração fora <strong>da</strong> Santa Missa<br />

prolonga e intensifica aquilo que se fez na própria celebração litúrgica. Com efeito, « somente na<br />

adoração pode maturar um acolhimento profundo e ver<strong>da</strong>deiro. Precisamente neste ato pessoal de<br />

encontro com o Senhor amadurece depois também a missão social, que está encerra<strong>da</strong> na Eucaristia e<br />

deseja romper as barreiras não apenas entre o Senhor e nós mesmos, mas também, e sobretudo, as<br />

barreiras que nos separam uns dos outros ».(193)<br />

A prática <strong>da</strong> adoração eucarística<br />

67. Juntamente com a assembléia sino<strong>da</strong>l, recomendo, pois, vivamente aos pastores <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> e ao povo<br />

de Deus a prática <strong>da</strong> adoração eucarística tanto pessoal como comunitária.(194) Para isso, será de grande<br />

proveito uma catequese específica na qual se explique aos fiéis a importância deste ato de culto que<br />

permite viver, mais profun<strong>da</strong>mente e com maior fruto, a própria celebração litúrgica. Depois, na medi<strong>da</strong><br />

do possível e sobretudo nos centros mais populosos, será conveniente individuar igrejas ou capelas que<br />

se possam reservar proposita<strong>da</strong>mente para a adoração perpétua. Além disso, recomendo que na<br />

formação catequética, particularmente nos itinerários de preparação para a Primeira Comunhão, se<br />

iniciem as crianças no sentido e na beleza de demorar-se na companhia de Jesus, cultivando o enlevo<br />

pela sua presença na Eucaristia. Quero exprimir, aqui, apreço e apoio a todos os institutos de vi<strong>da</strong><br />

consagra<strong>da</strong>, cujos membros dedicam uma parte significativa do seu tempo à adoração eucarística; deste<br />

modo, oferecem a todos o exemplo de pessoas que se deixam plasmar pela presença real do Senhor.<br />

Desejo igualmente encorajar as associações de fiéis, nomea<strong>da</strong>mente as confrarias, que assumem esta<br />

prática como seu compromisso especial, tornando-se assim fermento de contemplação para to<strong>da</strong> a <strong>Igreja</strong><br />

e apelo à centrali<strong>da</strong>de de Cristo na vi<strong>da</strong> dos indivíduos e <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de.<br />

Formas de devoção eucarística<br />

68. O relacionamento pessoal que ca<strong>da</strong> fiel estabelece com Jesus, presente na Eucaristia, recondu-lo<br />

sempre ao conjunto <strong>da</strong> comunhão eclesial, alimentando nele a consciência <strong>da</strong> sua pertença ao corpo de<br />

Cristo. Por isso, além de convi<strong>da</strong>r ca<strong>da</strong> um dos fiéis a encontrar pessoalmente tempo para se demorar em<br />

oração diante do sacramento do altar, sinto o dever de convi<strong>da</strong>r as próprias paróquias e demais grupos<br />

eclesiais a promoverem momentos de adoração comunitária. Obviamente, conservam todo o seu valor as<br />

formas já existentes de devoção eucarística. Penso, por exemplo, nas procissões eucarísticas, sobretudo a<br />

tradicional procissão na soleni<strong>da</strong>de do Corpo de Deus, na devoção <strong>da</strong>s Quarenta Horas, nos congressos<br />

eucarísticos locais, nacionais e internacionais, e noutras iniciativas análogas. Devi<strong>da</strong>mente atualiza<strong>da</strong>s e<br />

a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong>s às diversas circunstâncias, tais formas de devoção merecem ser cultiva<strong>da</strong>s ain<strong>da</strong> hoje.(195)<br />

O lugar do sacrário na igreja<br />

69. Ain<strong>da</strong> relacionado com a importância <strong>da</strong> reserva eucarística e <strong>da</strong> adoração e reverência diante do<br />

sacramento do sacrifício de Cristo, o Sínodo dos Bispos interrogou-se sobre a devi<strong>da</strong> colocação do<br />

47


sacrário dentro <strong>da</strong>s nossas igrejas.(196) Com efeito, uma correta localização do mesmo aju<strong>da</strong> a<br />

reconhecer a presença real de Cristo no Santíssimo Sacramento; por isso, é necessário que o lugar onde<br />

são conserva<strong>da</strong>s as espécies eucarísticas seja fácil de individuar por qualquer pessoa que entre na igreja,<br />

graças nomea<strong>da</strong>mente à lâmpa<strong>da</strong> do Santíssimo perenemente acesa. Tendo em vista tal objetivo, é<br />

preciso considerar a disposição arquitetônica do edifício sagrado: nas igrejas, onde não existe a capela<br />

do Santíssimo Sacramento, mas perdura o altar-mor com o sacrário, convém continuar a valer-se de tal<br />

estrutura para a conservação e adoração <strong>da</strong> Eucaristia, evitando, porém, colocar a cadeira do<br />

celebrante na sua frente. Nas novas igrejas, bom seria predispor a capela do Santíssimo nas<br />

proximi<strong>da</strong>des do presbitério; onde isso não for possível, é preferível colocar o sacrário no presbitério,<br />

em lugar suficientemente elevado, no centro do fecho absi<strong>da</strong>l ou então noutro ponto onde fique de<br />

igual modo bem visível. Estas precauções concorrem para conferir digni<strong>da</strong>de ao sacrário que deve ser<br />

cui<strong>da</strong>do sempre também sob o perfil artístico. Obviamente, é necessário ter em conta também o que diz<br />

a propósito a Instrução Geral do Missal Romano.(197) Em todo o caso, o juízo último sobre esta<br />

matéria compete ao bispo diocesano.<br />

III PARTE<br />

EUCARISTIA, MISTÉRIO VIVIDO<br />

« Assim como o Pai, que vive,Me enviou e Eu vivo pelo Pai, também aquele que Me come viverá<br />

por Mim » (Jo 6, 57)<br />

Forma eucarística <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cristã<br />

O culto espiritual<br />

70. O Senhor Jesus, que para nós Se fez alimento de ver<strong>da</strong>de e amor, falando do dom <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong><br />

assegura-nos: « Quem comer deste pão viverá eternamente » (Jo 6, 51). Mas, esta « vi<strong>da</strong> eterna »<br />

começa em nós, já agora, através <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça que o dom eucarístico gera na nossa vi<strong>da</strong>: « Aquele que<br />

Me come viverá por Mim » (Jo 6, 57). Estas palavras de Jesus permitem-nos compreender que o<br />

mistério « acreditado » e « celebrado » possui em si mesmo um tal dinamismo, que faz dele princípio de<br />

vi<strong>da</strong> nova em nós e forma <strong>da</strong> existência cristã. De fato, comungando o corpo e o sangue de Jesus Cristo,<br />

vamo-nos tornando participantes <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> divina de modo sempre mais adulto e consciente. Vale aqui o<br />

mesmo que Santo Agostinho afirma a propósito do Verbo (Logos) eterno, alimento <strong>da</strong> alma, quando,<br />

pondo em evidência o caráter paradoxal deste alimento, o santo doutor imagina ouvi-Lo dizer: « Sou o<br />

pão dos fortes; cresce e comer-Me-ás. Não Me transformarás em ti como ao alimento <strong>da</strong> tua carne, mas<br />

mu<strong>da</strong>r-te-ás em Mim ».(198) Com efeito, não é o alimento eucarístico que se transforma em nós, mas<br />

somos nós que acabamos misteriosamente mu<strong>da</strong>dos por ele. Cristo alimenta-nos, unindo-nos a Si; «<br />

atrai-nos para dentro de Si ».(199) A celebração eucarística surge aqui em to<strong>da</strong> a sua força como fonte e<br />

ápice <strong>da</strong> existência eclesial, enquanto exprime a origem e simultaneamente a realização do culto novo e<br />

definitivo, o culto espiritual (logiké latreía).(200) As palavras que encontramos sobre isto, na Carta de<br />

São Paulo aos Romanos, são a formulação mais sintética do modo como a Eucaristia transforma to<strong>da</strong> a<br />

nossa vi<strong>da</strong> em culto espiritual agradável a Deus: « Peço-vos, irmãos, pela misericórdia de Deus, que<br />

ofereçais os vossos corpos como sacrifício vivo, santo, agradável a Deus. Tal é o culto espiritual que<br />

Lhe deveis prestar » (12, 1). Nesta exortação, aparece a imagem do novo culto como oferta total <strong>da</strong><br />

própria pessoa em comunhão com to<strong>da</strong> a <strong>Igreja</strong>. A insistência do Apóstolo sobre a oferta dos nossos<br />

corpos sublinha o concretismo humano dum culto de forma alguma desencarnado. E, a propósito, o<br />

santo de Hipona lembra-nos que « este é o sacrifício dos cristãos, ou seja, serem muitos e um só corpo<br />

em Cristo. A <strong>Igreja</strong> celebra este mistério através do sacramento do altar, que os fiéis bem conhecem e no<br />

qual se lhes mostra claramente que, naquilo que se oferece, ela mesma é ofereci<strong>da</strong> ».(201) De fato, a<br />

doutrina católica afirma que a Eucaristia, enquanto sacrifício de Cristo, é também sacrifício <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> e,<br />

conseqüentemente, dos fiéis.(202) Esta insistência sobre o sacrifício — sacrum facere, « tornar sagrado<br />

» — exprime aqui to<strong>da</strong> a densi<strong>da</strong>de existencial que está implica<strong>da</strong> na transformação <strong>da</strong> nossa reali<strong>da</strong>de<br />

humana alcança<strong>da</strong> por Cristo (Fil 3, 12).<br />

48


Eficácia omnicompreensiva do culto eucarístico<br />

71. O novo culto cristão engloba todos os aspectos <strong>da</strong> existência, transfigurando-a: « Quando comeis ou<br />

bebeis, ou fazeis qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus » (1 Cor 10, 31). Em ca<strong>da</strong> ato <strong>da</strong><br />

sua vi<strong>da</strong>, o cristão é chamado a manifestar o ver<strong>da</strong>deiro culto a Deus; <strong>da</strong>qui toma forma a natureza<br />

intrinsecamente eucarística <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cristã. Uma vez que abraça a reali<strong>da</strong>de humana do crente em seu<br />

concretismo quotidiano, a Eucaristia torna possível dia após dia a progressiva transfiguração do homem,<br />

por graça chamado a ser conforme à imagem do Filho de Deus (Rm 8, 29s). Na<strong>da</strong> há de autenticamente<br />

humano — pensamentos e afetos, palavras e obras — que não encontre no sacramento <strong>da</strong> Eucaristia a<br />

forma adequa<strong>da</strong> para ser vivido em plenitude. Sobressai aqui todo o valor antropológico <strong>da</strong> novi<strong>da</strong>de<br />

radical trazi<strong>da</strong> por Cristo com a Eucaristia: o culto a Deus na existência humana não pode ser relegado<br />

para um momento particular e privado, mas tende, por sua natureza, a permear ca<strong>da</strong> aspecto <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de<br />

do indivíduo. Assim, o culto agradável a Deus torna-se uma nova maneira de viver to<strong>da</strong>s as<br />

circunstâncias <strong>da</strong> existência, na qual ca<strong>da</strong> particular fica exaltado porque vivido dentro do<br />

relacionamento com Cristo e como oferta a Deus. A glória de Deus é o homem vivo (1 Cor 10, 31); e a<br />

vi<strong>da</strong> do homem é a visão de Deus.(203)<br />

Viver segundo o domingo<br />

72. Esta novi<strong>da</strong>de radical, que a Eucaristia introduz na vi<strong>da</strong> do homem, revelou-se à consciência cristã<br />

desde o princípio; prontamente os fiéis compreenderam a influência profun<strong>da</strong> que a celebração<br />

eucarística exercia sobre o estilo <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>. Santo Inácio de Antioquia exprimia esta ver<strong>da</strong>de<br />

designando os cristãos como « aqueles que chegaram à nova esperança », e apresentava-os como aqueles<br />

que vivem « segundo o domingo » (iuxta dominicam viventes).(204) Esta expressão do grande mártir<br />

antioqueno põe claramente em evidência a ligação entre a reali<strong>da</strong>de eucarística e a vi<strong>da</strong> cristã no seu diaa-dia.<br />

O costume característico que têm os cristãos de reunir-se no primeiro dia depois do sábado para<br />

celebrar a ressurreição de Cristo — conforme a narração do mártir São Justino(205) — é também o <strong>da</strong>do<br />

que define a forma <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> renova<strong>da</strong> pelo encontro com Cristo. Mas, a expressão de Santo Inácio — «<br />

viver segundo o domingo » — sublinha também o valor paradigmático que este dia santo tem para os<br />

restantes dias <strong>da</strong> semana. De fato, o domingo não se distingue com base na simples suspensão <strong>da</strong>s<br />

activi<strong>da</strong>des habituais, como se fosse uma espécie de parêntesis dentro do ritmo normal dos dias; os<br />

cristãos sempre sentiram este dia como o primeiro <strong>da</strong> semana, porque nele se faz memória <strong>da</strong> novi<strong>da</strong>de<br />

radical trazi<strong>da</strong> por Cristo. Por isso, o domingo é o dia em que o cristão reencontra a forma eucarística<br />

própria <strong>da</strong> sua existência, segundo a qual é chamado a viver constantemente: « viver segundo o domingo<br />

» significa viver consciente <strong>da</strong> libertação trazi<strong>da</strong> por Cristo e realizar a própria existência como oferta de<br />

si mesmo a Deus, para que a sua vitória se manifeste plenamente a todos os homens através duma<br />

conduta intimamente renova<strong>da</strong>.<br />

Viver o preceito dominical<br />

73. Cientes deste princípio novo de vi<strong>da</strong> que a Eucaristia deposita no cristão, os padres sino<strong>da</strong>is<br />

reafirmaram a importância que tem, para todos os fiéis, o preceito dominical como fonte de liber<strong>da</strong>de<br />

autêntica, a fim de poderem viver ca<strong>da</strong> um dos outros dias segundo o que celebraram no « dia do Senhor<br />

». Com efeito, a vi<strong>da</strong> de fé corre perigo quando se deixa de sentir desejo de participar na celebração<br />

eucarística em que se faz memória <strong>da</strong> vitória pascal. A participação na assembléia litúrgica dominical,<br />

ao lado de todos os irmãos e irmãs com os quais se forma um só corpo em Cristo Jesus, é exigi<strong>da</strong> pela<br />

consciência cristã e simultaneamente educa a consciência cristã. Perder o sentido do domingo como dia<br />

do Senhor que deve ser santificado é sintoma duma per<strong>da</strong> do sentido autêntico <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de cristã, a<br />

liber<strong>da</strong>de dos filhos de Deus.(206) Continuam a ser preciosas as observações feitas a este respeito pelo<br />

meu venerado predecessor João Paulo II, na Carta Apostólica Dies Domini,(207) quando trata <strong>da</strong>s<br />

diversas dimensões que o domingo tem para os cristãos: é dies Domini, em referimento à obra <strong>da</strong><br />

criação; dies Christi, enquanto dia <strong>da</strong> nova criação e do dom do Espírito Santo que o Senhor<br />

Ressuscitado concede; dies Ecclesiæ, como dia em que a comuni<strong>da</strong>de cristã se reúne para a celebração;<br />

dies hominis, porque dia de alegria, repouso e cari<strong>da</strong>de fraterna.<br />

49


Um tal dia aparece, assim, como festa primordial em que todo o fiel, no próprio ambiente onde vive, se<br />

pode fazer arauto e guardião do sentido do tempo. Deste dia, com efeito, brota o sentido cristão <strong>da</strong><br />

existência e uma nova maneira de viver o tempo, as relações, o trabalho, a vi<strong>da</strong> e a morte. Por isso, é<br />

bom que, no dia do Senhor, as reali<strong>da</strong>des eclesiais organizem, a partir <strong>da</strong> celebração eucarística<br />

dominical, manifestações próprias <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de cristã: encontros de amizade, iniciativas para a<br />

formação de crianças, jovens e adultos na fé, peregrinações, obras de cari<strong>da</strong>de e momentos variados de<br />

oração. Por causa destes valores tão importantes — embora justamente a tarde de sábado a partir <strong>da</strong>s<br />

primeiras Vésperas já pertença ao domingo, sendo permitido cumprir nela o preceito dominical — é<br />

necessário recor<strong>da</strong>r que é o domingo em si mesmo que merece ser santificado, para que não acabe por<br />

ficar um dia « vazio de Deus ».(208)<br />

O sentido do repouso e do trabalho<br />

74. É particularmente urgente no nosso tempo lembrar que o dia do Senhor é também o dia de repouso<br />

do trabalho. Desejamos vivamente que isto mesmo seja reconhecido também pela socie<strong>da</strong>de civil, de<br />

modo que se possa ficar livre <strong>da</strong>s obrigações laborais sem ser penalizado por isso. De fato, os cristãos —<br />

não sem relação com o significado do sábado na tradição hebraica — viram no dia do Senhor também o<br />

dia de repouso <strong>da</strong> fadiga quotidiana. Isto possui um significado bem preciso, ou seja, constitui uma<br />

relativização do trabalho, que tem por finali<strong>da</strong>de o homem: o trabalho é para o homem e não o homem<br />

para o trabalho. É fácil intuir a tutela que isto oferece ao próprio homem, ficando assim emancipado<br />

duma possível forma de escravidão. Como já tive ocasião de afirmar, « o trabalho reveste uma<br />

importância primária para a realização do homem e o progresso <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de; por isso torna-se<br />

necessário que aquele seja sempre organizado e realizado no pleno respeito <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de humana e ao<br />

serviço do bem comum. Ao mesmo tempo, é indispensável que o homem não se deixe escravizar pelo<br />

trabalho, que não o idolatre pretendendo achar nele o sentido último e definitivo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> ».(209) É no dia<br />

consagrado a Deus que o homem compreende o sentido <strong>da</strong> sua existência e também do trabalho.(210)<br />

Assembléias dominicais na ausência de sacerdote<br />

75. Uma vez descoberto o significado <strong>da</strong> celebração dominical para a vi<strong>da</strong> do cristão, coloca-se<br />

espontaneamente o problema <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des cristãs onde falta o sacerdote e, conseqüentemente, não é<br />

possível celebrar a Santa Missa no dia do Senhor. A tal respeito, convém reconhecer que nos<br />

encontramos perante situações muito diversifica<strong>da</strong>s entre si. Antes de mais, o Sínodo recomendou aos<br />

fiéis que fossem a uma <strong>da</strong>s igrejas <strong>da</strong> diocese onde está garanti<strong>da</strong> a presença do sacerdote, mesmo que<br />

isso lhes exija um pouco de sacrifício.(211) Entretanto, nos casos em que se torne praticamente<br />

impossível, devido à grande distância, a participação na Eucaristia dominical, é importante que as<br />

comuni<strong>da</strong>des cristãs se reúnam igualmente para louvar o Senhor e fazer memória do dia a Ele dedicado.<br />

Mas, isso deverá verificar-se a partir duma conveniente instrução sobre a diferença entre a Santa Missa e<br />

as assembléias dominicais à espera de sacerdote. A solicitude pastoral <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> há de exprimir-se, neste<br />

caso, vigiando que a liturgia <strong>da</strong> palavra — organiza<strong>da</strong> sob a guia dum diácono ou dum responsável <strong>da</strong><br />

comuni<strong>da</strong>de a quem foi regularmente confiado este ministério pela autori<strong>da</strong>de competente — se realize<br />

segundo um ritual específico elaborado pelas Conferências Episcopais e para tal fim aprovado por<br />

elas.(212) Lembro que compete aos Ordinários conceder a facul<strong>da</strong>de de distribuir a comunhão nessas<br />

liturgias, ponderando atentamente a conveniência <strong>da</strong> escolha a fazer. Além disso, tudo deve ser feito de<br />

forma que tais assembléias não criem confusão quanto ao papel central do sacerdote e à dimensão<br />

sacramental na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. A importância <strong>da</strong> função dos leigos, a quem justamente há que agradecer<br />

a generosi<strong>da</strong>de ao serviço <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des cristãs, jamais deve ofuscar o ministério insubstituível dos<br />

sacerdotes na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>.(213) Por isso, vigie-se atentamente sobre as assembléias à espera de<br />

sacerdote para que não dêem lugar a visões eclesiológicas incompatíveis com a ver<strong>da</strong>de do Evangelho e<br />

a tradição <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>; devem antes tornar-se ocasiões privilegia<strong>da</strong>s de oração a Deus para que mande<br />

sacerdotes santos segundo o seu Coração. A propósito, vale a pena recor<strong>da</strong>r aquilo que escreveu o Papa<br />

João Paulo II na Carta aos Sacerdotes por ocasião <strong>da</strong> Quinta-feira Santa de 1979, recor<strong>da</strong>ndo o caso<br />

comovente que se verificava em certos lugares onde as pessoas, priva<strong>da</strong>s de sacerdote pelo regime<br />

ditatorial, se reuniam numa igreja ou num santuário, colocavam sobre o altar a estola que ain<strong>da</strong><br />

conservavam e recitavam as orações <strong>da</strong> liturgia eucarística até ao « momento que corresponderia à<br />

50


transubstanciação » e aí se detinham em silêncio, <strong>da</strong>ndo testemunho de quão « ardentemente desejavam<br />

ouvir aquelas palavras que só os lábios dum sacerdote podiam eficazmente pronunciar ».(214)<br />

Precisamente nesta perspectiva, considerando o bem incomparável que deriva <strong>da</strong> celebração do<br />

sacrifício eucarístico, peço a todos os sacerdotes uma efetiva e concreta disponibili<strong>da</strong>de para visitarem,<br />

com a maior assidui<strong>da</strong>de possível, as comuni<strong>da</strong>des que estão confia<strong>da</strong>s ao seu cui<strong>da</strong>do pastoral, a fim de<br />

não ficarem demasiado tempo sem o sacramento <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de.<br />

Uma forma eucarística <strong>da</strong> existência cristã, a pertença eclesial<br />

76. A importância do domingo como dia <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> (dies Ecclesiæ) traz-nos à mente a relação intrínseca<br />

entre a vitória de Jesus sobre o mal e a morte e a nossa pertença ao seu corpo eclesial; no dia do Senhor,<br />

com efeito, todo o cristão reencontra também a dimensão comunitária <strong>da</strong> sua existência redimi<strong>da</strong>.<br />

Participar na ação litúrgica, comungar o corpo e o sangue de Cristo significa, ao mesmo tempo, tornar<br />

ca<strong>da</strong> vez mais íntima e profun<strong>da</strong> a própria pertença Àquele que morreu por nós (1 Cor 6, 19s; 7, 23).<br />

Ver<strong>da</strong>deiramente quem se nutre de Cristo, vive por Ele. Compreende-se o sentido profundo <strong>da</strong><br />

comunhão dos santos (communio sanctorum), relacionando-a com o mistério eucarístico. A comunhão<br />

tem sempre e inseparavelmente uma conotação vertical e uma horizontal: comunhão com Deus e<br />

comunhão com os irmãos e irmãs. Estas duas dimensões encontram-se misteriosamente no dom<br />

eucarístico. « Onde se destrói a comunhão com Deus, que é comunhão com o Pai, com o Filho e com o<br />

Espírito Santo, destrói-se também a raiz e a fonte <strong>da</strong> comunhão entre nós. E onde a comunhão entre nós<br />

não for vivi<strong>da</strong>, também a comunhão com o Deus-Trin<strong>da</strong>de não é viva nem ver<strong>da</strong>deira ».(215)<br />

Chamados, pois, a ser membros de Cristo e conseqüentemente membros uns dos outros (1 Cor 12, 27),<br />

constituímos uma reali<strong>da</strong>de ontologicamente fun<strong>da</strong><strong>da</strong> no batismo e alimenta<strong>da</strong> pela Eucaristia, reali<strong>da</strong>de<br />

essa que exige ter expressão sensível na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s nossas comuni<strong>da</strong>des. A forma eucarística <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cristã<br />

é, sem dúvi<strong>da</strong>, eclesial e comunitária. Através <strong>da</strong> diocese e <strong>da</strong>s paróquias, enquanto estruturas basilares<br />

<strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> num território particular, ca<strong>da</strong> fiel pode fazer experiência concreta <strong>da</strong> sua pertença ao corpo de<br />

Cristo. As associações, os movimentos eclesiais e novas comuni<strong>da</strong>des — com a vivaci<strong>da</strong>de dos carismas<br />

que lhes foram concedidos pelo Espírito Santo para o nosso tempo — bem como os institutos de vi<strong>da</strong><br />

consagra<strong>da</strong> têm a missão de oferecer a sua contribuição específica para favorecer nos fiéis a percepção<br />

desta sua pertença ao Senhor (Rm 14, 8). O fenômeno <strong>da</strong> secularização, que apresenta — não por acaso<br />

— traços fortemente individualistas, logra seus efeitos deletérios sobretudo nas pessoas que se isolam<br />

por escasso sentido de pertença. Desde os seus inícios, sempre o cristianismo implica uma companhia,<br />

uma trama de relações continuamente vivifica<strong>da</strong>s pela escuta <strong>da</strong> palavra e pela celebração eucarística e<br />

anima<strong>da</strong>s pelo Espírito Santo.<br />

Espirituali<strong>da</strong>de e cultura eucarística<br />

77. Os padres sino<strong>da</strong>is afirmaram, significativamente, que « os fiéis cristãos precisam duma<br />

compreensão mais profun<strong>da</strong> <strong>da</strong>s relações entre a Eucaristia e a vi<strong>da</strong> quotidiana. A espirituali<strong>da</strong>de<br />

eucarística não é apenas participação na Missa e devoção ao Santíssimo Sacramento; mas abraça a vi<strong>da</strong><br />

inteira ».(216) Um tal realce assume atualmente particular significado para todos nós; é preciso<br />

reconhecer que um dos efeitos mais graves <strong>da</strong> secularização, há pouco menciona<strong>da</strong>, é ter relegado a fé<br />

cristã para a margem <strong>da</strong> existência, como se fosse inútil para a realização concreta <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> dos homens;<br />

a falência desta maneira de viver « como se Deus não existisse » está agora patente a todos. Hoje tornase<br />

necessário redescobrir que Jesus Cristo não é uma simples convicção priva<strong>da</strong> ou uma doutrina<br />

abstrata, mas uma pessoa real cuja inserção na história é capaz de renovar a vi<strong>da</strong> de todos. Por isso, a<br />

Eucaristia, enquanto fonte e ápice <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e missão <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, deve traduzir-se em espirituali<strong>da</strong>de, em<br />

vi<strong>da</strong> « segundo o Espírito » (Rm 8, 4s; cf. Gal 5, 16.25). É significativo que São Paulo, na passagem <strong>da</strong><br />

Carta aos Romanos onde convi<strong>da</strong> a viver o novo culto espiritual, apele ao mesmo tempo para a<br />

necessi<strong>da</strong>de de mu<strong>da</strong>r a própria forma de viver e pensar: « Não vos conformeis com este mundo, mas<br />

transformai-vos pela renovação <strong>da</strong> vossa mente, para saberdes discernir, segundo a vontade de Deus, o<br />

que é bom, o que Lhe é agradável, o que é perfeito » (12, 2). Deste modo, o Apóstolo <strong>da</strong>s Gentes põe em<br />

evidência a ligação entre o ver<strong>da</strong>deiro culto espiritual e a necessi<strong>da</strong>de duma nova maneira de<br />

compreender a existência e orientar a vi<strong>da</strong>. Constitui parte integrante <strong>da</strong> forma eucarística <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cristã<br />

a renovação <strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de, pois « assim já não seremos crianças inconstantes, leva<strong>da</strong>s ao sabor de<br />

51


todo o vento de doutrina » (Ef 4, 14).<br />

Eucaristia e evangelização <strong>da</strong>s culturas<br />

78. Daquilo que ficou dito, segue-se que o mistério eucarístico nos põe em diálogo com as várias<br />

culturas, mas de certa forma também as desafia.(217) É preciso reconhecer o caráter intercultural deste<br />

novo culto, desta logiké latreía: a presença de Jesus Cristo e a efusão do Espírito Santo são<br />

acontecimentos que podem encontrar-se de forma duradoura com qualquer reali<strong>da</strong>de cultural a fim de a<br />

fermentar evangelicamente. Em conseqüência disto mesmo, temos a obrigação de promover<br />

convictamente a evangelização <strong>da</strong>s culturas, na certeza de que o próprio Cristo é a ver<strong>da</strong>de de todo o<br />

homem e <strong>da</strong> história humana inteira. A Eucaristia torna-se critério de valorização de tudo o que o cristão<br />

encontra nas diversas expressões culturais; num processo importante como este, podem revelar-se de<br />

grande significado as palavras de São Paulo quando, na sua I Carta aos Tessalonicenses, convi<strong>da</strong> a «<br />

avaliar tudo e conservar o que for bom » (5, 21).<br />

Eucaristia e fiéis leigos<br />

79. Em Cristo, cabeça <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> seu corpo, todos os cristãos formam uma « raça eleita, sacerdócio real,<br />

nação santa, povo adquirido por Deus para anunciar os louvores d'Aquele que os chamou <strong>da</strong>s trevas à<br />

sua luz admirável » (1 Pd 2, 9). A Eucaristia, enquanto mistério a ser vivido, oferece-se a ca<strong>da</strong> um de<br />

nós na condição concreta em que nos encontramos, fazendo com que esta mesma situação vital se torne<br />

um lugar onde viver diariamente a novi<strong>da</strong>de cristã. Se o sacrifício eucarístico alimenta e faz crescer em<br />

nós tudo o que já nos foi <strong>da</strong>do no batismo, pelo qual todos somos chamados à santi<strong>da</strong>de,(218) então isso<br />

deve transparecer e manifestar-se precisamente nas situações ou estados de vi<strong>da</strong> em que ca<strong>da</strong> cristão se<br />

encontra; tornamo-nos dia após dia culto agradável a Deus, vivendo a própria vi<strong>da</strong> como vocação. O<br />

próprio sacramento <strong>da</strong> Eucaristia, a partir <strong>da</strong> convocação litúrgica, compromete-nos na reali<strong>da</strong>de<br />

quotidiana a fim de que tudo seja feito para glória de Deus. E, <strong>da</strong>do que o mundo é « o campo » (Mt 13,<br />

38) onde Deus coloca os seus filhos como boa semente, os cristãos leigos, em virtude do batismo e <strong>da</strong><br />

Confirmação e corroborados pela Eucaristia, são chamados a viver a novi<strong>da</strong>de radical trazi<strong>da</strong> por Cristo<br />

precisamente no meio <strong>da</strong>s condições normais <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>; (219) devem cultivar o desejo de ver a Eucaristia<br />

influir ca<strong>da</strong> vez mais profun<strong>da</strong>mente na sua existência quotidiana, levando-os a serem testemunhas<br />

reconheci<strong>da</strong>s como tais no próprio ambiente de trabalho e na socie<strong>da</strong>de inteira.(220) Dirijo um particular<br />

encorajamento às famílias a haurirem inspiração e força deste sacramento: o amor entre o homem e a<br />

mulher, o acolhimento <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, a missão educadora aparecem como âmbitos privilegiados onde a<br />

Eucaristia pode mostrar a sua capaci<strong>da</strong>de de transformar e encher de significado a existência.(221) Os<br />

pastores nunca deixem de apoiar, educar e encorajar os fiéis leigos a viverem plenamente a própria<br />

vocação à santi<strong>da</strong>de no meio deste mundo que Deus amou até ao ponto de <strong>da</strong>r o Filho para sua salvação<br />

(Jo 3, 16).<br />

Eucaristia e espirituali<strong>da</strong>de sacerdotal<br />

80. A forma eucarística <strong>da</strong> existência cristã manifesta-se, sem dúvi<strong>da</strong>, de modo particular no estado de<br />

vi<strong>da</strong> sacerdotal. A espirituali<strong>da</strong>de sacerdotal é intrinsecamente eucarística; a semente desta<br />

espirituali<strong>da</strong>de encontra-se já nas palavras que o bispo pronuncia na liturgia <strong>da</strong> ordenação: « Recebe a<br />

oferen<strong>da</strong> do povo santo para a apresentares a Deus. Toma consciência do que virás a fazer; imita o que<br />

virás a realizar, e conforma a tua vi<strong>da</strong> com o mistério <strong>da</strong> cruz do Senhor ».(222) Para conferir à sua<br />

existência uma forma eucarística ca<strong>da</strong> vez mais perfeita, o sacerdote deve reservar, já no período de<br />

formação e depois nos anos sucessivos, amplo espaço para a vi<strong>da</strong> espiritual.(223) É chamado a ser<br />

continuamente um autêntico perscrutador de Deus, embora ao mesmo tempo permaneça solidário com<br />

as preocupações dos homens. Uma vi<strong>da</strong> espiritual intensa permitir-lhe-á entrar mais profun<strong>da</strong>mente em<br />

comunhão com o Senhor e ajudá-lo-á a deixar-se possuir pelo amor de Deus, tornando-se sua<br />

testemunha em to<strong>da</strong>s as circunstâncias mesmo difíceis e obscuras. Para isso, juntamente com os padres<br />

do Sínodo, recomendo aos sacerdotes « a celebração diária <strong>da</strong> Santa Missa, mesmo quando não houver<br />

participação de fiéis ».(224) Tal recomen<strong>da</strong>ção é dita<strong>da</strong>, ante de mais, pelo valor objetivamente infinito<br />

de ca<strong>da</strong> celebração eucarística; e é motiva<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> pela sua singular eficácia espiritual, porque, se vivi<strong>da</strong><br />

52


com atenção e fé, a Santa Missa é formadora no sentido mais profundo do termo, enquanto promove a<br />

configuração a Cristo e reforça o sacerdote na sua vocação.<br />

Eucaristia e vi<strong>da</strong> consagra<strong>da</strong><br />

81. No contexto <strong>da</strong> relação entre a Eucaristia e as diversas vocações eclesiais, refulge de modo particular<br />

« o testemunho profético de mulheres e homens consagrados que encontram, na celebração eucarística<br />

e na adoração, a força para o seguimento radical de Cristo obediente, pobre e casto ».(225) Embora<br />

realizem muitos serviços no campo <strong>da</strong> formação humana e do cui<strong>da</strong>do pelos pobres, no ensino ou na<br />

assistência aos doentes, os consagrados e consagra<strong>da</strong>s sabem que a finali<strong>da</strong>de principal <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> é « a<br />

contemplação <strong>da</strong>s coisas divinas e a união assídua com Deus »;(226 a contribuição essencial que a<br />

<strong>Igreja</strong> espera <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> consagra<strong>da</strong> destina-se muito mais ao ser do que ao fazer. Neste contexto, queria<br />

evocar a importância do testemunho virginal precisamente em relação ao mistério <strong>da</strong> Eucaristia; com<br />

efeito, além <strong>da</strong> ligação com o celibato sacerdotal, o mistério eucarístico apresenta uma relação intrínseca<br />

com a virgin<strong>da</strong>de consagra<strong>da</strong>, enquanto esta é expressão <strong>da</strong> dedicação exclusiva <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> a Cristo, que<br />

ela acolhe como seu Esposo com radical e fecun<strong>da</strong> fideli<strong>da</strong>de.227) Na Eucaristia, a virgin<strong>da</strong>de<br />

consagra<strong>da</strong> encontra inspiração e nutrimento para a sua dedicação total a Cristo; além disso, aufere <strong>da</strong><br />

Eucaristia conforto e impulso para ser, no nosso tempo também, sinal do amor gratuito e fecundo que<br />

Deus tem pela humani<strong>da</strong>de. Enfim, é através do seu testemunho específico que a vi<strong>da</strong> consagra<strong>da</strong> se<br />

torna objetivamente apelo e antecipação <strong>da</strong>quelas « núpcias do Cordeiro » (Ap. 19, 7-9) que constituem<br />

a meta de to<strong>da</strong> a história <strong>da</strong> salvação; neste sentido, aquela constitui uma evocação eficaz do horizonte<br />

escatológico de que o homem necessita para poder orientar as suas opções e resoluções de vi<strong>da</strong>.<br />

Eucaristia e transformação moral<br />

82. Descoberta a beleza <strong>da</strong> forma eucarística <strong>da</strong> existência cristã, somos levados a refletir também sobre<br />

as energias morais que, por tal forma, se desencadeiam em apoio <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de autêntica e própria dos<br />

filhos de Deus. Desejo, assim, retomar um assunto que surgiu no Sínodo: a ligação entre forma<br />

eucarística <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e transformação moral. O Papa João Paulo II afirmara que a vi<strong>da</strong> moral « possui o<br />

valor de um ‘‘culto espiritual'' (Rm 12, 1; cf. Fil 3, 3), que brota e se alimenta <strong>da</strong>quela fonte inesgotável<br />

de santi<strong>da</strong>de e glorificação de Deus que são os sacramentos, especialmente a Eucaristia: com efeito, ao<br />

participar no sacrifício <strong>da</strong> cruz, o cristão comunga do amor de doação de Cristo, ficando habilitado e<br />

comprometido a viver esta mesma cari<strong>da</strong>de em to<strong>da</strong>s as suas atitudes e comportamentos de vi<strong>da</strong> ».(228)<br />

Em suma, « no próprio ‘‘culto'', na comunhão eucarística, está contido o ser amado e o amar por sua vez<br />

os outros. Uma Eucaristia que não se traduza em amor concretamente vivido é em si mesma<br />

fragmentária ».(229) Este apelo ao valor moral do culto espiritual não deve ser interpretado em chave<br />

moralista; é, antes de mais, a descoberta feliz do dinamismo do amor no coração de quem acolhe o dom<br />

do Senhor, abandona-se a Ele e encontra a ver<strong>da</strong>deira liber<strong>da</strong>de. A transformação moral, que o novo<br />

culto instituído por Cristo implica, é uma tensão e um anseio profundo de querer corresponder ao amor<br />

do Senhor com todo o próprio ser, embora conscientes <strong>da</strong> própria fragili<strong>da</strong>de. Aquilo de que estamos a<br />

falar aparece claramente no relato evangélico de Zaqueu (Lc 19, 1-10): depois de ter hospe<strong>da</strong>do Jesus na<br />

sua casa, o publicano sente-se completamente transformado; decide <strong>da</strong>r metade dos seus haveres aos<br />

pobres e restituir quatro vezes mais a quem roubou. A tensão moral, que nasce do ato de hospe<strong>da</strong>r Jesus<br />

na nossa vi<strong>da</strong>, brota <strong>da</strong> gratidão por se ter experimentado a imereci<strong>da</strong> proximi<strong>da</strong>de do Senhor.<br />

Coerência eucarística<br />

83. É importante salientar aquilo que os padres sino<strong>da</strong>is designaram por coerência eucarística, à qual<br />

está objetivamente chama<strong>da</strong> a nossa existência. Com efeito, o culto agradável a Deus nunca é um ato<br />

meramente privado, sem conseqüências nas nossas relações sociais: requer o testemunho público <strong>da</strong><br />

própria fé. Evidentemente isto vale para todos os batizados, mas impõe-se com particular premência a<br />

quantos, pela posição social ou política que ocupam, devem tomar decisões sobre valores fun<strong>da</strong>mentais<br />

como o respeito e defesa <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana desde a concepção até à morte natural, a família fun<strong>da</strong><strong>da</strong> sobre<br />

o matrimônio entre um homem e uma mulher, a liber<strong>da</strong>de de educação dos filhos e a promoção do bem<br />

comum em to<strong>da</strong>s as suas formas.(230) Estes são valores não negociáveis. Por isso, cientes <strong>da</strong> sua grave<br />

53


esponsabili<strong>da</strong>de social, os políticos e os legisladores católicos devem sentir-se particularmente<br />

interpelados pela sua consciência retamente forma<strong>da</strong> a apresentar e apoiar leis inspira<strong>da</strong>s nos valores<br />

impressos na natureza humana.(231) Tudo isto tem, aliás, uma ligação objetiva com a Eucaristia (1 Cor<br />

11, 27-29). Os bispos são obrigados a recor<strong>da</strong>r sem cessar tais valores; faz parte <strong>da</strong> sua responsabili<strong>da</strong>de<br />

pelo rebanho que lhes foi confiado.(232)<br />

Eucaristia, mistério anunciado<br />

Eucaristia e missão<br />

84. Na homilia durante a celebração eucarística com que solenemente dei início ao meu ministério na<br />

Cátedra de Pedro, disse: « Não há na<strong>da</strong> de mais belo do que ser alcançado, surpreendido pelo<br />

Evangelho, por Cristo. Não há na<strong>da</strong> de mais belo do que conhecê-Lo e comunicar aos outros a amizade<br />

com Ele ».(233) Esta afirmação cresce de intensi<strong>da</strong>de, quando pensamos no mistério eucarístico; com<br />

efeito, não podemos reservar para nós o amor que celebramos neste sacramento: por sua natureza, pede<br />

para ser comunicado a todos. Aquilo de que o mundo tem necessi<strong>da</strong>de é do amor de Deus, é de<br />

encontrar Cristo e acreditar n'Ele. Por isso, a Eucaristia é fonte e ápice não só <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, mas<br />

também <strong>da</strong> sua missão: « Uma <strong>Igreja</strong> autenticamente eucarística é uma <strong>Igreja</strong> missionária ».(234)<br />

Havemos, também nós, de poder dizer com convicção aos nossos irmãos: « Nós vos anunciamos o que<br />

vimos e ouvimos, para que estejais também em comunhão conosco » (1 Jo 1, 2-3). Ver<strong>da</strong>deiramente não<br />

há na<strong>da</strong> de mais belo do que encontrar e comunicar Cristo a todos! Aliás, a própria instituição <strong>da</strong><br />

Eucaristia antecipa aquilo que constitui o cerne <strong>da</strong> missão de Jesus: Ele é o enviado do Pai para a<br />

redenção do mundo (Jo 3, 16-17; Rm 8, 32). Na Última Ceia, Jesus entrega aos seus discípulos o<br />

sacramento que atualiza o sacrifício que Ele, em obediência ao Pai, fez de Si mesmo pela salvação de<br />

todos nós. Não podemos abeirar-nos <strong>da</strong> mesa eucarística sem nos deixarmos arrastar pelo movimento <strong>da</strong><br />

missão que, partindo do próprio Coração de Deus, visa atingir todos os homens; assim, a tensão<br />

missionária é parte constitutiva <strong>da</strong> forma eucarística <strong>da</strong> existência cristã.<br />

Eucaristia e testemunho<br />

85. A missão primeira e fun<strong>da</strong>mental, que deriva dos santos mistérios celebrados, é <strong>da</strong>r testemunho com<br />

a nossa vi<strong>da</strong>. O enlevo pelo dom que Deus nos concedeu em Cristo, imprime à nossa existência um<br />

dinamismo novo que nos compromete a ser testemunhas do seu amor. Tornamo-nos testemunhas<br />

quando, através <strong>da</strong>s nossas ações, palavras e modo de ser, é Outro que aparece e Se comunica. Pode-se<br />

afirmar que o testemunho é o meio pelo qual a ver<strong>da</strong>de do amor de Deus alcança o homem na história,<br />

convi<strong>da</strong>ndo-o a acolher livremente esta novi<strong>da</strong>de radical. No testemunho, Deus expõe-Se por assim<br />

dizer ao risco <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de do homem. O próprio Jesus é a testemunha fiel e ver<strong>da</strong>deira (Ap 1, 5; 3, 14);<br />

veio para <strong>da</strong>r testemunho <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de (Jo 18, 37). Nesta ordem de idéias, apraz-me retomar um conceito<br />

caro aos primeiros cristãos mas que nos interpela também a nós, cristãos de hoje: o testemunho até ao<br />

dom de si mesmo, até ao martírio, sempre foi considerado, na história <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, o apogeu do novo culto<br />

espiritual: « Oferecei os vossos corpos » (Rm 12, 1). Pense-se, por exemplo, na narração do martírio de<br />

São Policarpo de Esmirna, discípulo de São João: o seu caso, dramático, é todo ele descrito como uma<br />

liturgia; mais ain<strong>da</strong>, como se o próprio mártir se tornasse Eucaristia.(235) Pensemos também na<br />

consciência eucarística que Inácio de Antioquia exprime tendo em mente o seu martírio: considera-se «<br />

trigo de Deus » e, pelo martírio, deseja transformar-se em « pão puro de Cristo ».(236) O cristão, quando<br />

oferece a sua vi<strong>da</strong> no martírio, entra em plena comunhão com a páscoa de Jesus Cristo e, assim, ele<br />

mesmo se torna Eucaristia com Cristo. Não faltam, ain<strong>da</strong> hoje, à <strong>Igreja</strong> os mártires, nos quais se<br />

manifesta de modo supremo o amor de Deus. E, mesmo que não nos seja pedi<strong>da</strong> a prova do martírio,<br />

sabemos, porém, que o culto agradável a Deus postula intimamente esta disponibili<strong>da</strong>de (237) e encontra<br />

a sua realização no feliz e convicto testemunho perante o mundo duma vi<strong>da</strong> cristã coerente nos diversos<br />

sectores onde o Senhor nos chama a anunciá-Lo.<br />

54


Jesus Cristo, único Salvador<br />

86. Sublinhar a ligação intrínseca entre Eucaristia e missão faz-nos descobrir também o conteúdo<br />

supremo do nosso anúncio. Quanto mais vivo for o amor pela Eucaristia no coração do povo cristão,<br />

tanto mais clara lhe será a incumbência <strong>da</strong> missão: levar Cristo; não meramente uma idéia ou uma ética<br />

n'Ele inspira<strong>da</strong>, mas o dom <strong>da</strong> sua própria Pessoa. Quem não comunica a ver<strong>da</strong>de do Amor ao irmão,<br />

ain<strong>da</strong> não deu bastante. A Eucaristia enquanto sacramento <strong>da</strong> nossa salvação chama-nos assim,<br />

inevitavelmente, à unici<strong>da</strong>de de Cristo e <strong>da</strong> salvação por Ele realiza<strong>da</strong> a preço do seu sangue. Por isso,<br />

do mistério eucarístico acreditado e celebrado nasce a exigência de educar constantemente a todos para o<br />

trabalho missionário, cujo centro é o anúncio de Jesus, único Salvador.(238) Isto impedirá de confinar,<br />

em chave meramente sociológica, a obra decisiva de promoção humana que todo o processo de<br />

evangelização autêntico sempre implica.<br />

Liber<strong>da</strong>de de culto<br />

87. Neste contexto, desejo <strong>da</strong>r voz àquilo que os padres referiram, durante a assembléia sino<strong>da</strong>l, a<br />

propósito <strong>da</strong>s graves dificul<strong>da</strong>des cria<strong>da</strong>s à missão <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des cristãs que vivem em condições de<br />

minoria ou mesmo de privação <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de religiosa.(239) Devemos ver<strong>da</strong>deiramente <strong>da</strong>r graças ao<br />

Senhor por todos os bispos, sacerdotes, pessoas consagra<strong>da</strong>s e leigos que se prodigalizam a anunciar o<br />

Evangelho e vivem a sua fé sob risco <strong>da</strong> própria vi<strong>da</strong>. Não são poucas as regiões do mundo onde o<br />

simples ir à igreja constitui um testemunho heróico que expõe a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> pessoa à marginalização e à<br />

violência. Nesta ocasião, quero também reiterar a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> inteira a quantos sofrem por<br />

falta de liber<strong>da</strong>de de culto. Nos lugares onde não há a liber<strong>da</strong>de religiosa, sabemos que falta, no fim de<br />

contas, a liber<strong>da</strong>de mais significativa, pois é na fé que o homem exprime a decisão íntima relativa ao<br />

sentido último <strong>da</strong> própria existência; por isso, rezemos para que se alargue o espaço <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de<br />

religiosa em todos os Estados, a fim de os cristãos e os membros <strong>da</strong>s outras religiões poderem<br />

livremente viver as suas convicções, pessoalmente e em comuni<strong>da</strong>de.<br />

Eucaristia, mistério oferecido ao mundo<br />

Eucaristia, pão repartido para a vi<strong>da</strong> do mundo<br />

88. « O pão que Eu hei de <strong>da</strong>r é a minha carne que Eu <strong>da</strong>rei pela vi<strong>da</strong> do mundo » (Jo 6, 51). Com estas<br />

palavras, o Senhor revela o ver<strong>da</strong>deiro significado do dom <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> por todos os homens; as mesmas<br />

mostram-nos também a compaixão íntima que Ele sente por ca<strong>da</strong> pessoa. Na reali<strong>da</strong>de, os Evangelhos<br />

transmitem-nos muitas vezes os sentimentos de Jesus para com as pessoas, especialmente doentes e<br />

pecadores (Mt 20, 34; Mc 6, 34; Lc 19, 41). Ele exprime, através dum sentimento profun<strong>da</strong>mente<br />

humano, a intenção salvífica de Deus que deseja que todo o homem alcance a ver<strong>da</strong>deira vi<strong>da</strong>. Ca<strong>da</strong><br />

celebração eucarística atualiza sacramentalmente a doação que Jesus fez <strong>da</strong> sua própria vi<strong>da</strong> na cruz por<br />

nós e pelo mundo inteiro. Ao mesmo tempo, na Eucaristia, Jesus faz de nós testemunhas <strong>da</strong> compaixão<br />

de Deus por ca<strong>da</strong> irmão e irmã; nasce assim, à volta do mistério eucarístico, o serviço <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de para<br />

com o próximo, que « consiste precisamente no fato de eu amar, em Deus e com Deus, a pessoa que não<br />

me agra<strong>da</strong> ou que nem conheço sequer. Isto só é possível realizar-se a partir do encontro íntimo com<br />

Deus, um encontro que se tornou comunhão de vontade, chegando mesmo a tocar o sentimento. Então<br />

aprendo a ver aquela pessoa já não somente com os meus olhos e sentimentos, mas segundo a<br />

perspectiva de Jesus Cristo ».(240) Desta forma, nas pessoas que contacto, reconheço irmãs e irmãos,<br />

pelos quais o Senhor deu a sua vi<strong>da</strong> amando-os « até ao fim » (Jo 13, 1). Por conseguinte, as nossas<br />

comuni<strong>da</strong>des, quando celebram a Eucaristia, devem consciencializar-se ca<strong>da</strong> vez mais de que o<br />

sacrifício de Jesus é por todos; e, assim, a Eucaristia impele todo o que acredita n'Ele a fazer-se « pão<br />

repartido » para os outros e, conseqüentemente, a empenhar-se por um mundo mais justo e fraterno.<br />

Como sucedeu na multiplicação dos pães e dos peixes, temos de reconhecer que Cristo continua, ain<strong>da</strong><br />

hoje, exortando os seus discípulos a empenharem-se pessoalmente: « Dai-lhes vós de comer » (Mt 14,<br />

16). Na ver<strong>da</strong>de, a vocação de ca<strong>da</strong> um de nós consiste em ser, unido a Jesus, pão repartido para a vi<strong>da</strong><br />

do mundo.<br />

55


As implicações sociais do mistério eucarístico<br />

89. A união com Cristo, que se realiza no sacramento, habilita-nos também a uma novi<strong>da</strong>de de relações<br />

sociais: « a ‘‘mística'' do sacramento tem um caráter social, porque (...) a união com Cristo é, ao mesmo<br />

tempo, união com todos os outros aos quais Ele Se entrega. Eu não posso ter Cristo só para mim; posso<br />

pertencer-Lhe somente unido a todos aqueles que se tornaram ou hão de tornar Seus ».(241) A<br />

propósito, é necessário explicitar a relação entre mistério eucarístico e compromisso social. A Eucaristia<br />

é sacramento de comunhão entre irmãos e irmãs que aceitam reconciliar-se em Cristo, o Qual fez de<br />

judeus e gentios um só povo, destruindo o muro de inimizade que os separava (Ef 2, 14). Somente esta<br />

tensão constante à reconciliação permite comungar dignamente o corpo e o sangue de Cristo (Mt 5, 23-<br />

24).(242) Através do memorial do seu sacrifício, Ele reforça a comunhão entre os irmãos e, de modo<br />

particular, estimula os que estão em conflito a apressar a sua reconciliação, abrindo-se ao diálogo e ao<br />

compromisso em prol <strong>da</strong> justiça. A restauração <strong>da</strong> justiça, a reconciliação e o perdão são, sem dúvi<strong>da</strong><br />

alguma, condições para construir uma ver<strong>da</strong>deira paz; (243) desta consciência nasce a vontade de<br />

transformar também as estruturas injustas, a fim de se restabelecer o respeito <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de do homem,<br />

criado à imagem e semelhança de Deus; é através <strong>da</strong> realização concreta desta responsabili<strong>da</strong>de que a<br />

Eucaristia se torna na vi<strong>da</strong> o que significa na celebração. Como já tive ocasião de afirmar, não é missão<br />

própria <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> tomar nas suas mãos a batalha política para se realizar a socie<strong>da</strong>de mais justa possível;<br />

to<strong>da</strong>via, ela não pode nem deve ficar à margem <strong>da</strong> luta pela justiça. A <strong>Igreja</strong> « deve inserir-se nela pela<br />

via <strong>da</strong> argumentação racional e deve despertar as forças espirituais, sem as quais a justiça, que sempre<br />

requer renúncias também, não poderá afirmar-se nem prosperar ».(244) Na perspectiva <strong>da</strong><br />

responsabili<strong>da</strong>de social de todos os cristãos, os padres sino<strong>da</strong>is lembraram que o sacrifício de Cristo é<br />

mistério de libertação que nos interpela e provoca continuamente; dirijo, pois, um apelo a todos os fiéis<br />

para que se tornem realmente obreiros de paz e justiça: « Com efeito, quem participa na Eucaristia deve<br />

empenhar-se na edificação <strong>da</strong> paz neste nosso mundo marcado por muitas violências e guerras, e, hoje<br />

de modo particular, pelo terrorismo, a corrupção econômica e a exploração sexual »;(245) problemas,<br />

estes, que geram por sua vez outros fenômenos degra<strong>da</strong>ntes que causam viva preocupação. Sabemos que<br />

estas situações não podem ser encara<strong>da</strong>s de modo superficial. Precisamente em virtude do mistério que<br />

celebramos, é preciso denunciar as circunstâncias que estão em contraste com a digni<strong>da</strong>de do homem,<br />

pelo qual Cristo derramou o seu sangue, afirmando assim o alto valor de ca<strong>da</strong> pessoa.<br />

O alimento <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de e a indigência do homem<br />

90. Não podemos ficar inativos perante certos processos de globalização, que não raro fazem crescer<br />

desmesura<strong>da</strong>mente a distância entre ricos e pobres a nível mundial. Devemos denunciar quem delapi<strong>da</strong><br />

as riquezas <strong>da</strong> terra, provocando desigual<strong>da</strong>des que bra<strong>da</strong>m ao céu (Tg 5, 4). Por exemplo, é impossível<br />

calar diante <strong>da</strong>s « imagens impressionantes dos grandes campos de deslocados ou refugiados — em<br />

várias partes do mundo — amontoados em condições precárias para escapar a sorte pior, mas carecidos<br />

de tudo. Porventura estes seres humanos não são nossos irmãos e irmãs? Os seus filhos não vieram ao<br />

mundo com os mesmos legítimos anseios de felici<strong>da</strong>de que os outros? ».(246) O Senhor Jesus, pão de<br />

vi<strong>da</strong> eterna, incita a tornarmo-nos atentos às situações de indigência em que ain<strong>da</strong> vive grande parte <strong>da</strong><br />

humani<strong>da</strong>de: são situações cuja causa se fica a dever, freqüentemente, a uma clara e preocupante<br />

responsabili<strong>da</strong>de dos homens. De fato, « com base em <strong>da</strong>dos estatísticos disponíveis, pode-se afirmar<br />

que bastaria menos de metade <strong>da</strong>s somas imensas globalmente destina<strong>da</strong>s a armamentos para tirar, de<br />

forma estável, <strong>da</strong> indigência o exército ilimitado dos pobres. Isto interpela a consciência humana. Às<br />

populações que vivem sob o limiar <strong>da</strong> pobreza, mais por causa de situações que dependem <strong>da</strong>s relações<br />

internacionais políticas, comerciais e culturais do que por circunstâncias incontroláveis, o nosso esforço<br />

comum ver<strong>da</strong>deiramente pode e deve oferecer-lhes nova esperança ».(247) O alimento <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de levanos<br />

a denunciar as situações indignas do homem, nas quais se morre à míngua de alimento por causa <strong>da</strong><br />

injustiça e <strong>da</strong> exploração, e dá-nos nova força e coragem para trabalhar sem descanso na edificação <strong>da</strong><br />

civilização do amor. Desde o princípio, os cristãos tiveram a preocupação de partilhar os seus bens (At.<br />

4, 32) e de aju<strong>da</strong>r os pobres (Rm 15, 26). O peditório que se realiza nas assembléias litúrgicas constitui<br />

viva reminiscência disso mesmo, mas é também uma necessi<strong>da</strong>de muito atual. As instituições eclesiais<br />

de beneficência, de modo particular a Caritas nos seus vários níveis, realizam o valioso serviço de<br />

auxiliar as pessoas em necessi<strong>da</strong>de, sobretudo os mais pobres. Tirando inspiração <strong>da</strong> Eucaristia, que é o<br />

56


sacramento <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de, aquelas tornam-se a sua expressão concreta; por isso, merecem todo o aplauso e<br />

estímulo pelo seu empenho solidário no mundo.<br />

A doutrina social <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong><br />

91. O mistério <strong>da</strong> Eucaristia habilita-nos e impele-nos a um compromisso corajoso nas estruturas deste<br />

mundo para lhes conferir aquela novi<strong>da</strong>de de relações que tem a sua fonte inexaurível no dom de Deus.<br />

O pedido que repetimos em ca<strong>da</strong> Missa: « O pão nosso de ca<strong>da</strong> dia nos <strong>da</strong>i hoje », obriga-nos a fazer<br />

tudo o que for possível, em colaboração com as instituições internacionais, estatais, priva<strong>da</strong>s, para que<br />

cesse ou pelo menos diminua, no mundo, o escân<strong>da</strong>lo <strong>da</strong> fome e <strong>da</strong> subnutrição que padecem muitos<br />

milhões de pessoas, sobretudo nos países em vias de desenvolvimento. Particularmente o leigo cristão,<br />

formado na escola <strong>da</strong> Eucaristia, é chamado a assumir diretamente a sua responsabili<strong>da</strong>de políticosocial;<br />

a fim de poder desempenhar adequa<strong>da</strong>mente as suas funções, é preciso prepará-lo através duma<br />

educação concreta para a cari<strong>da</strong>de e a justiça. Para isso, como foi pedido pelo Sínodo, é necessário que,<br />

nas dioceses e comuni<strong>da</strong>des cristãs, se dê a conhecer e incremente a doutrina social <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>.(248)<br />

Neste precioso patrimônio, nascido <strong>da</strong> mais antiga tradição eclesial, encontramos os elementos que<br />

orientam, com profun<strong>da</strong> sabedoria, o comportamento dos cristãos nas questões sociais em ebulição.<br />

Amadureci<strong>da</strong> durante to<strong>da</strong> a história <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, esta doutrina caracteriza-se pelo seu realismo e<br />

equilíbrio, aju<strong>da</strong>ndo assim a evitar promessas enganadoras ou vãs utopias.<br />

Santificação do mundo e defesa <strong>da</strong> criação<br />

92. Enfim, para desenvolver uma espirituali<strong>da</strong>de eucarística profun<strong>da</strong>, capaz de incidir<br />

significativamente também no tecido social, é necessário que o povo cristão, ao <strong>da</strong>r graças por meio <strong>da</strong><br />

Eucaristia, tenha consciência de o fazer em nome <strong>da</strong> criação inteira, aspirando assim à santificação do<br />

mundo e trabalhando intensamente para tal fim.(249) A própria Eucaristia projeta uma luz intensa sobre<br />

a história humana e todo o universo. Nesta perspectiva sacramental, aprendemos dia após dia que ca<strong>da</strong><br />

acontecimento eclesial possui o caráter de sinal, pelo qual Deus Se comunica a Si mesmo e nos<br />

interpela. Desta maneira, a forma eucarística <strong>da</strong> existência pode ver<strong>da</strong>deiramente favorecer uma<br />

autêntica mu<strong>da</strong>nça de mentali<strong>da</strong>de no modo como lemos a história e o mundo. Para tudo isto nos educa<br />

a própria liturgia quando o sacerdote, durante a apresentação dos dons, dirige a Deus uma oração de<br />

bênção e súplica a respeito do pão e do vinho, « fruto <strong>da</strong> terra », « <strong>da</strong> videira » e do « trabalho do<br />

homem ». Com estas palavras, o rito, além de envolver na oferta a Deus to<strong>da</strong> a ativi<strong>da</strong>de e canseira<br />

humana, impele-nos a considerar a terra como criação de Deus, que produz quanto precisamos para o<br />

nosso sustento. Não se trata duma reali<strong>da</strong>de neutral, nem de mera matéria a ser utiliza<strong>da</strong><br />

indiferentemente segundo o instinto humano; mas coloca-se dentro do desígnio amoroso de Deus,<br />

segundo o qual todos nós somos chamados a ser filhos e filhas de Deus no seu único Filho, Jesus Cristo<br />

(Ef 1, 4-12). As condições ecológicas em que a criação subjaz em muitas partes do mundo suscitam<br />

justas preocupações, que encontram motivo de conforto na perspectiva <strong>da</strong> esperança cristã, pois esta<br />

compromete-nos a trabalhar responsavelmente na defesa <strong>da</strong> criação; (250) de fato, na relação entre a<br />

Eucaristia e o universo, descobrimos a uni<strong>da</strong>de do desígnio de Deus e somos levados a individuar a<br />

relação profun<strong>da</strong> <strong>da</strong> criação com a « nova criação » que foi inaugura<strong>da</strong> na ressurreição de Cristo, novo<br />

Adão. Dela participamos já agora em virtude do batismo (Col 2, 12s), abrindo-se assim à nossa vi<strong>da</strong><br />

cristã, alimenta<strong>da</strong> pela Eucaristia, a perspectiva do mundo novo, do novo céu e <strong>da</strong> nova terra, onde a<br />

nova Jerusalém desce do céu, de junto de Deus, « bela como noiva adorna<strong>da</strong> para o seu esposo » (Ap 21,<br />

2).<br />

Utili<strong>da</strong>de dum Compêndio Eucarístico<br />

93. No termo destas reflexões em que de boa vontade me detive sobre as indicações surgi<strong>da</strong>s no Sínodo,<br />

desejo acolher também o pedido que os padres apresentaram para aju<strong>da</strong>r o povo cristão a crer, celebrar e<br />

viver ca<strong>da</strong> vez melhor o mistério eucarístico. Cui<strong>da</strong>do pelos Dicastérios competentes, há de ser<br />

publicado um Compêndio, que recolha textos do Catecismo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica, orações, explicações <strong>da</strong>s<br />

Orações Eucarísticas do Missal e tudo o mais que possa demonstrar-se útil para a correta compreensão,<br />

celebração e adoração do sacramento do altar.(251) Espero que este instrumento possa contribuir para<br />

57


que o memorial <strong>da</strong> páscoa do Senhor se torne ca<strong>da</strong> dia sempre mais fonte e ápice <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> missão <strong>da</strong><br />

<strong>Igreja</strong>; isto animará ca<strong>da</strong> fiel a fazer <strong>da</strong> sua própria vi<strong>da</strong> um ver<strong>da</strong>deiro culto espiritual.<br />

CONCLUSÃO<br />

94. Amados irmãos e irmãs, a Eucaristia está na origem de to<strong>da</strong> a forma de santi<strong>da</strong>de, sendo ca<strong>da</strong> um de<br />

nós chamado à plenitude de vi<strong>da</strong> no Espírito Santo. Quantos santos tornaram autêntica a própria vi<strong>da</strong>,<br />

graças à sua pie<strong>da</strong>de eucarística! De Santo Inácio de Antioquia a Santo Agostinho, de Santo Antão<br />

Abade a São <strong>Bento</strong>, de São Francisco de Assis a São Tomás de Aquino, de Santa Clara de Assis a Santa<br />

Catarina de Sena, de São Pascoal Bailão a São Pedro Julião Eymard, de Santo Afonso <strong>Maria</strong> de Ligório<br />

ao Beato Carlos de Foucauld, de São João <strong>Maria</strong> Vianey a Santa Teresa de Lisieux, de São Pio de<br />

Pietrelcina à Beata Teresa de Calcutá, do Beato Pedro Jorge Frassati ao Beato Ivan Mertz, para<br />

mencionar apenas alguns de tantos nomes, a santi<strong>da</strong>de sempre encontrou o seu centro no sacramento<br />

<strong>da</strong> Eucaristia. Por isso, é necessário que, na <strong>Igreja</strong>, este mistério santíssimo seja ver<strong>da</strong>deiramente<br />

acreditado, devotamente celebrado e intensamente vivido. A doação que Jesus faz de Si mesmo no<br />

sacramento memorial <strong>da</strong> sua paixão, atesta que o êxito <strong>da</strong> nossa vi<strong>da</strong> está na participação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

trinitária, que nos é ofereci<strong>da</strong> n'Ele de forma definitiva e eficaz. A celebração e a adoração <strong>da</strong><br />

Eucaristia permitem abeirar-nos do amor de Deus e a ele aderir pessoalmente até à união com o bemamado<br />

Senhor. A oferta <strong>da</strong> nossa vi<strong>da</strong>, a comunhão com a comuni<strong>da</strong>de inteira dos crentes e a<br />

soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de com todo o homem são aspectos imprescindíveis <strong>da</strong> logiké latreía, ou seja, do culto<br />

espiritual, santo e agradável a Deus (Rm 12, 1), no qual to<strong>da</strong> a nossa reali<strong>da</strong>de humana concreta é<br />

transforma<strong>da</strong> para glória de Deus. Convido, pois, todos os pastores a prestarem a máxima atenção à<br />

promoção duma espirituali<strong>da</strong>de cristã autenticamente eucarística. Os presbíteros, os diáconos e<br />

todos aqueles que exercem um ministério eucarístico possam sempre tirar destes mesmos serviços,<br />

realizados com solicitude e constante preparação, força e estímulo para o seu caminho pessoal e<br />

comunitário de santificação. Exorto todos os leigos, e as famílias em particular, a encontrarem<br />

continuamente no sacramento do amor de Cristo a energia de que precisam para transformar a<br />

própria vi<strong>da</strong> num sinal autêntico <strong>da</strong> presença do Senhor ressuscitado. Peço a todos os consagrados e<br />

consagra<strong>da</strong>s para manifestarem, com a própria existência eucarística, o esplendor e a beleza de pertencer<br />

totalmente ao Senhor.<br />

95. No início do século IV, quando o culto cristão era ain<strong>da</strong> proibido pelas autori<strong>da</strong>des imperiais, alguns<br />

cristãos do norte de África, que se sentiam obrigados a celebrar o dia do Senhor, desafiaram tal<br />

proibição. Foram martirizados enquanto declaravam que não lhes era possível viver sem a Eucaristia,<br />

alimento do Senhor: « Sine dominico non possumus – sem o domingo, não podemos viver ».(252) Estes<br />

mártires de Abitinas, juntamente com muitos outros santos e beatos que fizeram <strong>da</strong> Eucaristia o centro<br />

<strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>, interce<strong>da</strong>m por nós e nos ensinem a fideli<strong>da</strong>de ao encontro com Cristo ressuscitado!<br />

Também nós não podemos viver sem participar no sacramento <strong>da</strong> nossa salvação e desejamos ser<br />

iuxta dominicam viventes, isto é, traduzir na vi<strong>da</strong> o que celebramos no dia do Senhor. Com efeito,<br />

este é o dia <strong>da</strong> nossa libertação definitiva. Então por que maravilhar-se quando desejamos que ca<strong>da</strong> dia<br />

seja vivido segundo a novi<strong>da</strong>de introduzi<strong>da</strong> por Cristo com o mistério <strong>da</strong> Eucaristia?<br />

96. Que <strong>Maria</strong> Santíssima, Virgem Imacula<strong>da</strong>, arca <strong>da</strong> nova e eterna aliança, nos acompanhe<br />

neste caminho ao encontro do Senhor que vem! N'Ela encontramos realiza<strong>da</strong>, na forma mais<br />

perfeita, a essência <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. Esta vê em <strong>Maria</strong>, « Mulher eucarística » — como A designou o<br />

servo de Deus João Paulo II (253) —, o seu ícone melhor conseguido e contempla-A como modelo<br />

insubstituível de vi<strong>da</strong> eucarística. Por isso, na presença do « verum corpus natum de <strong>Maria</strong> Virgine –<br />

ver<strong>da</strong>deiro corpo nascido <strong>da</strong> Virgem <strong>Maria</strong> » sobre o altar, o sacerdote, em nome <strong>da</strong> assembléia<br />

litúrgica, proclama com as palavras do cânone: « Veneramos a memória <strong>da</strong> gloriosa sempre Virgem<br />

<strong>Maria</strong>, <strong>Mãe</strong> do nosso Deus e Senhor, Jesus Cristo ».(254) O seu nome santo é invocado e venerado<br />

também nos cânones <strong>da</strong>s tradições orientais cristãs. Por sua vez, os fiéis « recomen<strong>da</strong>m a <strong>Maria</strong>, <strong>Mãe</strong> <strong>da</strong><br />

<strong>Igreja</strong>, a sua existência e trabalho. Esforçando-se por ter os mesmos sentimentos que <strong>Maria</strong>, aju<strong>da</strong>m<br />

to<strong>da</strong> a comuni<strong>da</strong>de a viver em oferta viva, agradável ao Pai ».(255) Ela é a Tota Pulchra, a To<strong>da</strong><br />

Formosa, porque n'Ela resplandece o fulgor <strong>da</strong> glória de Deus. A beleza <strong>da</strong> liturgia celeste, que deve<br />

refletir também nas nossas assembléias, encontra n'Ela um espelho fiel. D'Ela devemos aprender a<br />

58


tornar-nos pessoas eucarísticas e eclesiais para podermos também nós apresentar-nos, segundo a palavra<br />

de São Paulo, « imaculados » perante o Senhor, tal como Ele nos quis desde o princípio (Col 1, 22; Ef 1,<br />

4).(256)<br />

97. Por intercessão <strong>da</strong> bem-aventura<strong>da</strong> Virgem <strong>Maria</strong>, o Espírito Santo acen<strong>da</strong> em nós o mesmo ardor<br />

que experimentaram os discípulos de Emaús (Lc 24, 13-35) e renove na nossa vi<strong>da</strong> o enlevo eucarístico<br />

pelo esplendor e a beleza que refulgem no rito litúrgico, sinal eficaz <strong>da</strong> própria beleza infinita do<br />

mistério santo de Deus. Os referidos discípulos levantaram-se e voltaram a to<strong>da</strong> a pressa para Jerusalém<br />

a fim de partilhar a alegria com os irmãos e irmãs na fé. Com efeito, a ver<strong>da</strong>deira alegria é reconhecer<br />

que o Senhor permanece no nosso meio, companheiro fiel do nosso caminho; a Eucaristia faz-nos<br />

descobrir que Cristo, morto e ressuscitado, Se manifesta como nosso contemporâneo no mistério<br />

<strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, seu corpo. Deste mistério de amor fomos feitos testemunhas. Os votos que reciprocamente<br />

formulamos sejam os de irmos cheios de alegria e maravilha ao encontro <strong>da</strong> santíssima Eucaristia, para<br />

experimentar e anunciar aos outros a ver<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s palavras com que Jesus Se despediu dos seus<br />

discípulos: « Eu estou sempre convosco, até ao fim dos tempos » (Mt 28, 20).<br />

Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 22 de Fevereiro — festa <strong>da</strong> Cátedra de São Pedro — de<br />

2007, segundo ano de Pontificado.<br />

BENEDICTUS PP. <strong>XVI</strong><br />

Notas<br />

(1) Cf. São Tomás de Aquino, Summa Theologiæ, III, q. 73, a. 3.<br />

(2) Santo Agostinho, In Iohannis Evangelium Tractatus, 26, 5: PL 35, 1609.<br />

(3) <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Discurso aos participantes na assembléia Plenária <strong>da</strong> Congregação para a Doutrina <strong>da</strong><br />

Fé (10 de Fevereiro de 2006): AAS 98 (2006), 255.<br />

(4) Cf. <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Discurso aos membros do Conselho Ordinário <strong>da</strong> Secretaria Geral do Sínodo dos<br />

Bispos (1 de Junho de 2006): L'Osservatore Romano (ed. port. de 8/VI/2006), 237.<br />

(5) Cf. Propositio 2.<br />

(6) Aludo aqui à necessi<strong>da</strong>de duma hermenêutica <strong>da</strong> continui<strong>da</strong>de mesmo no que diz respeito a uma<br />

correta leitura do desenvolvimento litúrgico depois do Concílio Vaticano II: cf. <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Discurso à<br />

Cúria Romana (22 de Dezembro de 2005): AAS 98 (2006), 44-45.<br />

(7) Tem a <strong>da</strong>ta de 7 de Outubro de 2004; veja-se o texto em AAS 97 (2005), 337-352.<br />

(8) Cf. Ano <strong>da</strong> Eucaristia: sugestões e propostas (15 de Outubro de 2004): L'Osservatore Romano (15<br />

de Outubro de 2004), Suplemento.<br />

(9) Tem a <strong>da</strong>ta de 17 de Abril de 2003; veja-se o texto em AAS 95 (2003), 433-475. Há que recor<strong>da</strong>r<br />

também a Instrução <strong>da</strong> Congr. para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Redemptionis<br />

sacramentum (25 de Março de 2004): AAS 96 (2004), 549-601, expressamente deseja<strong>da</strong> por João Paulo<br />

II.<br />

(10) Recordo apenas os principais: Conc. Ecum. de Trento, Doctrina et canones de ss. Missæ sacrificio:<br />

DS 1738-1759; Leão XIII, Carta enc. Miræ caritatis (28 de Maio de 1902): ASS (1903), 115-136; Pio<br />

XII, Carta enc. Mediator Dei (20 de Novembro de 1947): AAS 39 (1947), 521-595; Paulo VI, Carta enc.<br />

Mysterium fidei (3 de Setembro de 1965): AAS 57 (1965), 753-774; João Paulo II, Carta enc. Ecclesia de<br />

Eucharistia (17 de Abril de 2003): AAS 95 (2003), 433-475; Congr. para o Culto Divino e a Disciplina<br />

dos Sacramentos, Instr. Eucharisticum mysterium (25 de Maio de 1967): AAS 59 (1967), 539-573; Instr.<br />

Liturgiam authenticam (28 de Março de 2001): AAS 93 (2001), 685-726.<br />

(11) Cf. Propositio 1.<br />

(12) N. 14: AAS 98 (2006), 229.<br />

(13) Catecismo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica, 1327.<br />

(14) Propositio 16.<br />

(15) <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Homilia na toma<strong>da</strong> de posse <strong>da</strong> Cátedra de Roma (7 de Maio de 2005): AAS 97 (2005),<br />

752.<br />

(16) Cf. Propositio 4.<br />

(17) De Trinitate, VIII, 8, 12: CCL 50, 287.<br />

(18) Carta enc. Deus caritas est (25 de Dezembro de 2005), 12: AAS 98 (2006), 228.<br />

59


(19) Cf. Propositio 3.<br />

(20) Cf. Breviário Romano: Hino do Ofício de Leituras, na soleni<strong>da</strong>de do Corpo de Deus.<br />

(21) <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Carta enc. Deus caritas est (25 de Dezembro de 2005), 13: AAS 98 (2006), 228.<br />

(22) Cf. <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Homilia na Esplana<strong>da</strong> de Marienfeld (21 de Agosto de 2005): AAS 97 (2005), 891-<br />

892.<br />

(23) Cf. Propositio 3.<br />

(24) Cf. Missal Romano: Oração Eucarística IV.<br />

(25) Catequese 23, 7: PG 33, 1114s.<br />

(26) Cf. Sobre o sacerdócio, 6, 4: PG 48, 681.<br />

(27) Ibid., 3, 4: o.c., 48, 642.<br />

(28) Propositio 22.<br />

(29) Cf. Propositio 42: « Este encontro eucarístico realiza-se no Espírito Santo, que nos transforma e<br />

santifica. Ele desperta no discípulo a vontade decidi<strong>da</strong> de anunciar aos outros, com desassombro, tudo o<br />

que ouviu e viveu, para conduzi-los, também a eles, ao mesmo encontro com Cristo. Deste modo o<br />

discípulo, enviado pela <strong>Igreja</strong>, abre-se a uma missão sem fronteiras ».<br />

(30) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a <strong>Igreja</strong> Lumen gentium, 3. Veja-se, por exemplo, São<br />

João Crisóstomo, Catequeses 3, 13-19: SC 50, 174-177.<br />

(31) João Paulo II, Carta enc. Ecclesia de Eucharistia (17 de Abril de 2003), 1: AAS 95 (2003), 433.<br />

(32) Ibid., 21: o.c., 447.<br />

(33) Cf. João Paulo II, Carta enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 20: AAS 71 (1979), 309-<br />

316; Carta enc. Dominicæ Cenæ (24 de Fevereiro de 1980), 4: AAS 72 (1980), 119-121.<br />

(34) Cf. Propositio 5.<br />

(35) Cf. São Tomás de Aquino, Summa Theologiæ, III, q. 80, a. 4.<br />

(36) N. 38: AAS 95 (2003), 458.<br />

(37) Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a <strong>Igreja</strong> Lumen gentium, 23.<br />

(38) Congr. para a Doutrina <strong>da</strong> Fé, Carta sobre alguns aspectos <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> entendi<strong>da</strong> como comunhão<br />

Communionis notio (28 de Maio de 1992), 11: AAS 85 (1993), 844-845.<br />

(39) Propositio 5: « O termo ‘‘católico'' exprime a universali<strong>da</strong>de resultante <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de que a Eucaristia,<br />

celebra<strong>da</strong> em ca<strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, fomenta e constrói. Assim, as <strong>Igreja</strong>s particulares na <strong>Igreja</strong> universal têm, na<br />

Eucaristia, a missão de tornar visível a sua própria uni<strong>da</strong>de e a sua diversi<strong>da</strong>de. Este laço de amor<br />

fraterno deixa transparecer a comunhão trinitária. Os concílios e os sínodos exprimem na história este<br />

aspecto fraterno <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> ».<br />

(40) Cf. Ibid., 5.<br />

(41) Decr. sobre o ministério e a vi<strong>da</strong> dos presbíteros Presbyterorum ordinis, 5.<br />

(42) Cf. Propositio 14.<br />

(43) Const. dogm. sobre a <strong>Igreja</strong> Lumen gentium, 1.<br />

(44) De oratione dominica, 23: PL 4, 553.<br />

(45) Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a <strong>Igreja</strong> Lumen gentium, 48; veja-se também o n. 9.<br />

(46) Cf. Propositio 13.<br />

(47) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a <strong>Igreja</strong> Lumen gentium, 7.<br />

(48) Cf. Ibid., 11; Decr. sobre a activi<strong>da</strong>de missionária <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Ad gentes, 9.13.<br />

(49) Cf. João Paulo II, Carta ap. Dominicæ Cenæ (24 de Fevereiro de 1980), 7: AAS 72 (1980), 124-127;<br />

Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o ministério e a vi<strong>da</strong> dos presbíteros Presbyterorum ordinis, 5.<br />

(50) Cf. Código dos Cânones <strong>da</strong>s <strong>Igreja</strong>s Orientais, cân. 710.<br />

(51) Cf. Rito <strong>da</strong> Iniciação Cristã dos Adultos, Introd. ger., nn. 34-36.<br />

(52) Cf. Rito do Baptismo <strong>da</strong>s Crianças, Introd., nn. 18-19.<br />

(53) Cf. Propositio 15.<br />

(54) Cf. Propositio 7; João Paulo II, Carta enc. Ecclesia de Eucharistia (17 de Abril de 2003), 36: AAS<br />

95 (2003), 457-458.<br />

(55) Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sino<strong>da</strong>l Reconciliatio et pænitentia (2 de Dezembro de 1984), 18:<br />

AAS 77 (1985), 224-228.<br />

(56) Cf. Catecismo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica, 1385.<br />

(57) Pense-se na « Confissão » (Confiteor) ou nas palavras proferi<strong>da</strong>s pelo sacerdote e a assembleia<br />

pouco antes de comungarem: « Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha mora<strong>da</strong>, mas dizei<br />

uma palavra e serei salvo ». Significativamente a liturgia prevê, para o sacerdote, algumas orações<br />

60


muito belas, recebi<strong>da</strong>s <strong>da</strong> tradição, que lhe recor<strong>da</strong>m a necessi<strong>da</strong>de de ser perdoado, como, por exemplo,<br />

a oração feita em silêncio antes de convi<strong>da</strong>r os fiéis para a comunhão sacramental: « ...livrai-me de todos<br />

os meus pecados e de todo o mal, por este vosso santíssimo corpo e sangue; conservai-me sempre fiel<br />

aos vossos man<strong>da</strong>mentos e não permitais que eu me separe de Vós ».<br />

(58) Cf. São João Damasceno, Sobre a recta fé, 4, 9: PG 94, 1124C; São Gregório de Nazianzo,<br />

Discurso 39, 17: PG 36, 356A; Conc. Ecum. de Trento, Doctrina de sacramento pænitentiæ, cap. 2: DS<br />

1672.<br />

(59) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a <strong>Igreja</strong> Lumen gentium, 11; João Paulo II, Exort. ap.<br />

pós-sino<strong>da</strong>l Reconciliatio et pænitentia (2 de Dezembro de 1984), 30: AAS 77 (1985), 256-257.<br />

(60) Cf. Propositio 7.<br />

(61) Cf. João Paulo II, Motu proprio Misericordia Dei (7 de Abril de 2002): AAS 94 (2002), 452-459.<br />

(62) Lembro, juntamente com os padres sino<strong>da</strong>is, que as celebrações penitenciais não sacramentais,<br />

menciona<strong>da</strong>s no ritual do sacramento <strong>da</strong> Reconciliação, podem ser úteis para fomentar o espírito de<br />

conversão e de comunhão nas comuni<strong>da</strong>des cristãs, preparando assim os corações para a celebração do<br />

sacramento: cf. Propositio 7.<br />

(63) Cf. Código de Direito Canónico, cân. 508.<br />

(64) Paulo VI, Const. ap. Indulgentiarum doctrina (1 de Janeiro de 1967), Normæ, 1: AAS 59 (1967), 21.<br />

(65)I bid., 9: o.c., 18-19.<br />

(66) Cf. Catecismo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica, 1499-1531.<br />

(67) Ibid., 1524.<br />

(68) Cf. Propositio 44.<br />

(69) Cf. II Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, Doc. sobre o sacerdócio ministerial<br />

Ultimis temporibus (30 de Novembro de 1971): AAS 63 (1971), 898-942.<br />

(70) Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sino<strong>da</strong>l Pastores <strong>da</strong>bo vobis (25 de Março de 1992), 42-69: AAS<br />

84 (1992), 729-778.<br />

(71) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a <strong>Igreja</strong> Lumen gentium, 10; Congr. para a Doutrina <strong>da</strong><br />

Fé, Carta acerca de algumas questões relativas ao ministro <strong>da</strong> Eucaristia Sacerdotium ministeriale (6 de<br />

Agosto de 1983): AAS 75 (1983), 1001-1009.<br />

(72) Catecismo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica, 1548.<br />

(73) Ibid., 1552.<br />

(74) Cf. In Iohannis Evangelium Tractatus 123, 5: PL 35, 1967.<br />

(75) Cf. Propositio 11.<br />

(76) Cf. Decr. sobre o ministério e a vi<strong>da</strong> dos presbíteros Presbyterorum ordinis, 16.<br />

(77) Cf. João XXIII, Carta enc. Sacerdotii nostri primordia (1 de Agosto de 1959): AAS 51 (1959), 545-<br />

579; Paulo VI, Carta enc. Sacerdotalis cœlibatus (24 de Junho de 1967): AAS 59 (1967), 657-697; João<br />

Paulo II, Exort. ap. pós-sino<strong>da</strong>l Pastores <strong>da</strong>bo vobis (25 de Março de 1992), 29: AAS 84 (1992), 703-<br />

705; <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Discurso à Cúria Romana durante a apresentação dos votos natalícios (22 de<br />

Dezembro de 2006): L'Osservatore Romano (ed. port. de 30/XII/2006), 658.<br />

(78) Cf. Propositio 11.<br />

(79) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre a formação sacerdotal Optatam totius, 6; Código de Direito<br />

Canónico, cân. 241-§ 1 e cân. 1029; Código dos Cânones <strong>da</strong>s <strong>Igreja</strong>s Orientais, cân. 342-§ 1 e cân. 758;<br />

João Paulo II, Exort. ap. pós-sino<strong>da</strong>l Pastores <strong>da</strong>bo vobis (25 de Março de 1992), 11.34.50: AAS 84<br />

(1992), 673-675.712714.746-748; Congr. para o Clero, Directório para o ministério e a vi<strong>da</strong> dos<br />

presbíteros (31 de Março de 1994), n. 58; Congr. para a Educação Católica, Instr. sobre os critérios de<br />

discernimento vocacional acerca <strong>da</strong>s pessoas com tendências homossexuais e <strong>da</strong> sua admissão ao<br />

Seminário e às Ordens Sacras (4 de Novembro de 2005): AAS 97 (2005), 1007-1013.<br />

(80) Cf. Propositio 12; João Paulo II, Exort. ap. pós-sino<strong>da</strong>l Pastores <strong>da</strong>bo vobis (25 de Março de 1992),<br />

41: AAS 84 (1992), 726-729.<br />

(81) Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a <strong>Igreja</strong> Lumen gentium, 29.<br />

(82) Cf. Propositio 38.<br />

(83) Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sino<strong>da</strong>l Familiaris consortio (22 de Novembro de 1981), 57: AAS<br />

74 (1982), 149-150.<br />

(84) Carta ap. Mulieris dignitatem (15 de Agosto de 1988), 26: AAS 80 (1988), 1715-1716.<br />

(85) Catecismo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica, 1617.<br />

(86) Cf. Propositio 8.<br />

61


(87) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a <strong>Igreja</strong> Lumen gentium, 11.<br />

(88) Cf. Propositio 8.<br />

(89) Cf. João Paulo II, Carta ap. Mulieris dignitatem (15 de Agosto de 1988): AAS 80 (1988), 1653-<br />

1729; Congr. para a Doutrina <strong>da</strong> Fé, Carta aos bispos <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica sobre a colaboração do<br />

homem e <strong>da</strong> mulher na <strong>Igreja</strong> e no mundo (31 de Maio de 2004): AAS 96 (2004), 671-687.<br />

(90) Cf. Propositio 9.<br />

(91) Cf. Catecismo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica, 1640.<br />

(92) Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sino<strong>da</strong>l Familiaris consortio (22 de Novembro de 1981), 84: AAS<br />

74 (1982), 184-186; Congr. para a Doutrina <strong>da</strong> Fé, Carta aos bispos <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica acerca <strong>da</strong><br />

recepção <strong>da</strong> comunhão eucarística pelos fiéis divorciados re-casados Annus internationalis familiæ (14<br />

de Setembro de 1994): AAS 86 (1994), 974-979.<br />

(93) Cf. Pont. Cons. para os Textos Legislativos, Instr. sobre as normas a observar pelos tribunais<br />

eclesiásticos nas causas matrimoniais Dignitatis connubii (25 de Janeiro de 2005), Ci<strong>da</strong>de do Vaticano,<br />

2005.<br />

(94) Cf. Propositio 40.<br />

(95) <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Discurso ao Tribunal <strong>da</strong> Rota Romana por ocasião <strong>da</strong> inauguração do ano judicial (28<br />

de Janeiro de 2006): AAS 98 (2006), 138.<br />

(96) Propositio 40.<br />

(97) Cf. Ibid., 40.<br />

(98) Cf. Ibid., 40.<br />

(99) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a <strong>Igreja</strong> Lumen gentium, 48.<br />

(100) Cf. Propositio 3.<br />

(101) Apraz-me recor<strong>da</strong>r aqui as palavras cheias de esperança e conforto que encontramos na Oração<br />

Eucarística II: « Lembrai-Vos dos nossos irmãos que adormeceram na esperança <strong>da</strong> ressurreição e de<br />

todos aqueles que, na vossa misericórdia, partiram deste mundo. Acolhei-os na luz <strong>da</strong> vossa presença ».<br />

(102) Cf. <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Homilia no 40º aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II e soleni<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> Imacula<strong>da</strong> Conceição (8 de Dezembro de 2005): AAS 98 (2006), 15-16.<br />

(103) Const. dogm. sobre a <strong>Igreja</strong> Lumen gentium, 58.<br />

(104) Propositio 4.<br />

(105) Relatio post disceptationem, 4: L'Osservatore Romano (ed. port. de 19/XI/2005), 660.<br />

(106) Cf. Sermones 1, 7; 11, 10; 22, 7; 29, 76: Sermones dominicales ad fidem codicum nunc denuo editi<br />

(Grottaferrata 1977), pp. 135.209s.292s.337; <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Mensagem aos Movimentos Eclesiais e às<br />

Novas Comuni<strong>da</strong>des (22 de Maio de 2006): AAS 98 (2006), 463.<br />

(107) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a <strong>Igreja</strong> no mundo contemporâneo Gaudium et spes,<br />

22.<br />

(108) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a divina revelação Dei Verbum, 2.4.<br />

(109) Propositio 33.<br />

(110) Sermo 227, 1: PL 38, 1099.<br />

(111) Santo Agostinho, In Iohannis Evangelium Tractatus, 21, 8: PL 35, 1568.<br />

(112) Ibid., 28, 1: o.c., 35, 1622.<br />

(113) Cf. Propositio 30. Mesmo a Santa Missa que a <strong>Igreja</strong> celebra durante a semana, na qual os fiéis<br />

são convi<strong>da</strong>dos a participar, encontra a sua forma própria no dia do Senhor, o dia <strong>da</strong> ressurreição de<br />

Cristo: cf. Propositio 43.<br />

(114) Cf. Propositio 2.<br />

(115) Cf. Propositio 25.<br />

(116) Cf. Propositio 19. E a Propositio 25 especifica: « Uma autêntica acção litúrgica exprime a<br />

sacrali<strong>da</strong>de do mistério eucarístico. Esta deveria transparecer nas palavras e acções do sacerdote<br />

celebrante, quando intercede junto de Deus Pai quer com os fiéis quer pelos fiéis ».<br />

(117) Instrução Geral do Missal Romano, 22; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagra<strong>da</strong> liturgia<br />

Sacrosanctum Concilium, 41; Congr. para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Instr.<br />

Redemptionis sacramentum (25 de Março de 2004), 19-25: AAS 96 (2004), 555-557.<br />

(118) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o múnus pastoral dos bispos na <strong>Igreja</strong> Christus Dominus, 14;<br />

Const. sobre a sagra<strong>da</strong> liturgia Sacrosanctum Concilium, 41.<br />

(119) Instrução Geral do Missal Romano, 22.<br />

(120) Cf. Ibid., 22.<br />

62


(121) Cf. Propositio 25.<br />

(122) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagra<strong>da</strong> liturgia Sacrosanctum Concilium, 112-130.<br />

(123) Cf. Propositio 27.<br />

(124) Cf. Ibid., 27.<br />

(125) Em tudo o que diz respeito a estes aspectos, é preciso ater-se fielmente a quanto está indicado na<br />

Instrução Geral do Missal Romano, 319-351.<br />

(126) Cf. Instrução Geral do Missal Romano, 39-41; Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagra<strong>da</strong><br />

liturgia Sacrosanctum Concilium, 112-118.<br />

(127) Sermo 34, 1: PL 38, 210.<br />

(128) Cf. Propositio 25: « Como to<strong>da</strong>s as expressões artísticas, também o canto deve estar intimamente<br />

harmonizado com a liturgia, colaborar eficazmente para o seu fim, ou seja, deve exprimir a fé, a oração,<br />

o enlevo, o amor por Jesus presente na Eucaristia ».<br />

(129) Cf. Propositio 29.<br />

(130) Cf. Propositio 36.<br />

(131) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagra<strong>da</strong> liturgia Sacrosanctum Concilium, 116; Instrução<br />

Geral do Missal Romano, 41.<br />

(132) Instrução Geral do Missal Romano, 28; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagra<strong>da</strong> liturgia<br />

Sacrosanctum Concilium, 56; Sagr. Congr. dos Ritos, Instr. Eucharisticum mysterium (25 de Maio de<br />

1967), 3: AAS (1967), 540-543.<br />

(133) Cf. Propositio 18.<br />

(134) Ibid., 18.<br />

(135) Instrução Geral do Missal Romano, 29.<br />

(136) Cf. João Paulo II, Carta enc. Fides et ratio (14 de Setembro de 1998), 13: AAS 91 (1999), 15-16.<br />

(137)São Jerónimo, Commentariorum in Isaiam, Prol.: PL 24, 17; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm.<br />

sobre a divina revelação Dei Verbum, 25.<br />

(138) Cf. Propositio 31.<br />

(139) Instrução Geral do Missal Romano, 29; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagra<strong>da</strong> liturgia<br />

Sacrosanctum Concilium, 7.33.52.<br />

(140) Propositio 19.<br />

(141) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagra<strong>da</strong> liturgia Sacrosanctum Concilium, 52.<br />

(142) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a divina revelação Dei Verbum, 21.<br />

(143) Com esta finali<strong>da</strong>de, o Sínodo exortou a elaborar subsídios pastorais, baseados no Leccionário<br />

trienal, que ajudem a ligar de maneira intrínseca a proclamação <strong>da</strong>s leituras previstas com a doutrina <strong>da</strong><br />

fé: cf. Propositio 19.<br />

(144) Cf. Propositio 20.<br />

(145) Instrução Geral do Missal Romano, 78.<br />

(146) Cf. Ibid., 78-79.<br />

(147) Cf. Propositio 22.<br />

(148) Instrução Geral do Missal Romano, 79d.<br />

(149) Ibid., 79c.<br />

(150) Tendo em consideração antigos e veneráveis costumes e votos expressos pelos padres sino<strong>da</strong>is,<br />

pedi aos Dicastérios competentes que estu<strong>da</strong>ssem a possibili<strong>da</strong>de de se colocar a sau<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> paz noutro<br />

momento, por exemplo antes <strong>da</strong> apresentação <strong>da</strong>s oferen<strong>da</strong>s ao altar. Aliás, tal escolha não deixaria de<br />

suscitar uma significativa evocação <strong>da</strong> advertência feita pelo Senhor a propósito <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de<br />

reconciliação antes de qualquer oferta a Deus (Mt 5, 23s): cf. Propositio 23.<br />

(151) Cf. Congr. para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Instr. Redemptionis sacramentum<br />

(25 de Março de 2004), 80-96: AAS 96 (2004), 574-577.<br />

(152) Cf. Propositio 34.<br />

(153) Cf. Propositio 35.<br />

(154) Cf. Propositio 24.<br />

(155) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagra<strong>da</strong> liturgia Sacrosanctum Concilium, 14-20.30s.48s;<br />

Congr. para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Instr. Redemptionis sacramentum (25 de<br />

Março de 2004), 36-42: AAS 96 (2004), 561-564.<br />

(156) N. 48.<br />

(157) Ibid., 48.<br />

63


(158) Cf. Congr. para o Clero e outros Dicastérios <strong>da</strong> Cúria Romana, Instr. acerca de algumas questões<br />

sobre a colaboração dos fiéis leigos no sagrado ministério dos sacerdotes Ecclesiæ de mysterio (15 de<br />

Agosto de 1997): AAS 89 (1997), 852-877.<br />

(159) Cf. Propositio 33.<br />

(160) Instrução Geral do Missal Romano, 92.<br />

(161) Cf. Ibid., 94.<br />

(162) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o apostolado dos leigos Apostolicam actuositatem, 24;<br />

Instrução Geral do Missal Romano, nn. 95-111; Congr. para o Culto Divino e a Disciplina dos<br />

Sacramentos, Instr. Redemptionis sacramentum (25 de Março 2004), 43-47: AAS 96 (2004), 564-566;<br />

Propositio 33: « Estes ministérios devem ser introduzidos segundo um man<strong>da</strong>to específico e segundo as<br />

reais exigências <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de que celebra. As pessoas encarrega<strong>da</strong>s destes serviços litúrgicos laicais<br />

devem ser escolhi<strong>da</strong>s cui<strong>da</strong>dosamente, bem prepara<strong>da</strong>s e acompanha<strong>da</strong>s por uma formação permanente.<br />

A sua nomeação deve ser temporária. Tais pessoas devem ser conheci<strong>da</strong>s pela comuni<strong>da</strong>de e desta<br />

receberem também um grato reconhecimento ».<br />

(163) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagra<strong>da</strong> liturgia Sacrosanctum Concilium, 37-42.<br />

(164) Cf. nn. 386-399.<br />

(165) Veja-se o texto em AAS 87 (1995), 288-314.<br />

(166) Cf. Exort. ap. pós-sino<strong>da</strong>l Ecclesia in Africa (14 de Setembro de 1995), 55-71: AAS 88 (1996), 34-<br />

47; Exort. ap. pós-sino<strong>da</strong>l Ecclesia in America (22 de Janeiro de 1999), 16.40.64.70-72: AAS 91 (1999),<br />

752-753.775-776.799.805-809; Exort. ap. pós-sino<strong>da</strong>l Ecclesia in Asia (6 de Novembro de 1999), 21s:<br />

AAS 92 (2000), 482-487; Exort. ap. pós-sino<strong>da</strong>l Ecclesia in Oceania (22 de Novembro de 2001), 16:<br />

AAS 94 (2002), 382-384; Exort. ap. pós-sino<strong>da</strong>l Ecclesia in Europa (28 de Junho de 2003), 58-60: AAS<br />

95 (2003), 685-686.<br />

(167) Cf. Propositio 26.<br />

(168) Cf. Propositio 35; Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagra<strong>da</strong> liturgia Sacrosanctum Concilium,<br />

11.<br />

(169) Cf. Catecismo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica, 1388; Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagra<strong>da</strong> liturgia<br />

Sacrosanctum Concilium, 55.<br />

(170) Cf. Carta enc. Ecclesia de Eucharistia (17 de Abril de 2003), 34: AAS 95 (2003), 456.<br />

(171) Assim, por exemplo, São Tomás de Aquino, Summa Theologiæ, III, q. 80, a. 1,2; Santa Teresa de<br />

Jesus, Caminho de perfeição, cap. 35. A doutrina foi confirma<strong>da</strong> autoriza<strong>da</strong>mente pelo Concílio de<br />

Trento, Sessão XIII, cân. 8.<br />

(172) Cf. João Paulo II, Carta enc. Ut unum sint (25 de Maio de 1995), 8: AAS 87 (1995), 925-926.<br />

(173) Cf. Propositio 41; Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o ecumenismo Unitatis redintegratio, 8.15;<br />

João Paulo II, Carta enc. Ut unum sint (25 de Maio de 1995), 46: AAS 87 (1995), 948; Carta enc.<br />

Ecclesia de Eucharistia (17 de Abril de 2003), 45-46: AAS 95 (2003), 463-464; Código de Direito<br />

Canónico, cân. 844-§§ 3 e 4; Código dos Cânones <strong>da</strong>s <strong>Igreja</strong>s Orientais, cân. 671-§§ 3 e 4; Pont. Cons.<br />

para a Promoção <strong>da</strong> Uni<strong>da</strong>de dos Cristãos, Directório para a aplicação dos princípios e normas sobre o<br />

ecumenismo (25 de Março de 1993), 125.129-131: AAS 85 (1993), 1087.1088-1089.<br />

(174) Cf. nn. 1398-1401.<br />

(175) Cf. n. 293.<br />

(176) Cf. Pont. Cons. <strong>da</strong>s Comunicações Sociais, Instr. past. sobre as comunicações sociais no XX<br />

aniversário <strong>da</strong> ‘‘Communio et progressio'' Ætatis novæ (22 de Fevereiro de 1992): AAS 84 (1992), 447-<br />

468.<br />

(177) Cf. Propositio 29.<br />

(178) Cf. Propositio 44.<br />

(179) Cf. Propositio 48.<br />

(180) Tal conhecimento pode ser adquirido também no Seminário, durante os anos de formação dos<br />

candi<strong>da</strong>tos ao sacerdócio, através de oportunas iniciativas: cf. Propositio 45.<br />

(181) Cf. Propositio 37.<br />

(182) Cf. Const. sobre a sagra<strong>da</strong> liturgia Sacrosanctum Concilium36.54.<br />

(183) Cf. Propositio 36.<br />

(184) Cf. Ibid., 36.<br />

(185) Cf. Propositio 32.<br />

(186) Cf. Propositio 14.<br />

64


(187) Propositio 19.<br />

(188) Cf. Propositio 14.<br />

(189) Cf. <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Homilia nas primeiras Vésperas de Pentecostes (3 de Junho de 2006): AAS 98<br />

(2006), 509.<br />

(190) Propositio 34.<br />

(191) Enarrationes in Psalmos 98, 9: CCL 39, 1835; cf. <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Discurso à Cúria Romana (22 de<br />

Dezembro de 2005): AAS 98 (2006), 44-45.<br />

(192) Cf. Propositio 6.<br />

(193) <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Discurso à Cúria Romana (22 de Dezembro de 2005): AAS 98 (2006), 45.<br />

(194) Cf. Propositio 6; Congr. para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Directório sobre<br />

pie<strong>da</strong>de popular e liturgia (17 de Dezembro de 2001), nn. 164-165; Sagr. Congr. dos Ritos, Instr.<br />

Eucharisticum mysterium (25 de Maio de 1967): AAS 57 (1067), 539-573.<br />

(195) Cf. Relatio post disceptationem, 11: L'Osservatore Romano (ed. port. de 19/XI/2005), 661.<br />

(196) Cf. Propositio 28.<br />

(197) Cf. n. 314.<br />

(198) Confissões 7, 10, 16: PL 32, 742.<br />

(199) <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Homilia na Esplana<strong>da</strong> de Marienfeld (21 de Agosto de 2005): AAS 97 (2005), 892; cf.<br />

Homilia nas primeiras Vésperas de Pentecostes (3 de Junho de 2006): AAS 98 (2006), 505.<br />

(200) Cf. Relatio post disceptationem, 6.47: L'Osservatore Romano (ed. port. de 19/XI/2005), 660.663;<br />

Propositio 43.<br />

(201) De civitate Dei 10, 6: PL 41, 284.<br />

(202) Cf. Catecismo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica, 1368.<br />

(203) Cf. Santo Ireneu, Contra as heresias 4, 20, 7: PG 7, 1037.<br />

(204) Epístola aos Magnésios 9, 1: PG 5, 670.<br />

(205) Cf. I Apologia 67, 1-6; 66: PG 6, 430s; 427.<br />

(206) Cf. Propositio 30.<br />

(207) Cf. AAS 90 (1998), 713-766.<br />

(208) Propositio 30.<br />

(209) Homilia na soleni<strong>da</strong>de de São José (19 de Março de 2006): AAS 98 (2006), 324.<br />

(210) A este respeito observa, oportunamente, o Compêndio <strong>da</strong> Doutrina Social <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, 258: « Para o<br />

homem, ligado à necessi<strong>da</strong>de do trabalho, o repouso abre a perspectiva de uma liber<strong>da</strong>de mais plena, a<br />

do Sábado eterno (Heb 4, 9-10). O repouso consente aos homens recor<strong>da</strong>r e reviver as obras de Deus, <strong>da</strong><br />

criação à redenção, e reconhecerem-se a si próprios como obra do mesmo Deus (Ef 2, 10), <strong>da</strong>r-Lhe<br />

graças pela própria vi<strong>da</strong> e subsistência, a Ele, que é seu autor ».<br />

(211) Cf. Propositio 10.<br />

(212) Cf. Ibid., 10.<br />

(213) Cf. <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Discurso aos bispos <strong>da</strong> Conferência Episcopal do Canadá-Quebec em Visita ad<br />

limina Apostolorum (11 de Maio de 2006): L'Osservatore Romano (ed. port. de 20/V/2006), 227.<br />

(214) N. 10: AAS 71 (1979), 414-415.<br />

(215) <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Audiência Geral de 29 de Março de 2006: L'Osservatore Romano (ed. port. de<br />

01/IV/2006), 152.<br />

(216) Propositio 39.<br />

(217) Cf. Relatio post disceptationem, 30: L'Osservatore Romano (ed. port. de 19/XI/2005), 662.<br />

(218) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a <strong>Igreja</strong> Lumen gentium, 39-42.<br />

(219) Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sino<strong>da</strong>l Christifideles laici (30 de Dezembro de 1988), 14.16:<br />

AAS 81 (1989), 409-413.416-418.<br />

(220) Cf. Propositio 39.<br />

(221) Cf. Ibid., 39.<br />

(222) Pontifical Romano – Ordenação do Bispo, dos Presbíteros e Diáconos: Rito <strong>da</strong> Ordenação do<br />

Presbítero, n. 150.<br />

(223) Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sino<strong>da</strong>l Pastores <strong>da</strong>bo vobis (25 de Março de 1992), 19-33.70-81:<br />

AAS 84 (1992), 686-712. 778-800.<br />

(224) Propositio 38.<br />

(225) Propositio 39; cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sino<strong>da</strong>l Vita consecrata (25 de Março de 1996), 95:<br />

AAS 88 (1996), 470-471.<br />

65


(226) Código de Direito Canónico, cân. 663-§ 1.<br />

(227) Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sino<strong>da</strong>l Vita consecrata (25 de Março de 1996), 34: AAS 88<br />

(1996), 407-408.<br />

(228) Carta enc. Veritatis splendor (6 de Agosto de 1993), 107: AAS 85 (1993), 1216-1217.<br />

(229) <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Carta enc. Deus caritas est (25 de Dezembro de 2005), 14: AAS 98 (2006), 229.<br />

(230) Cf. João Paulo II, Carta enc. Evangelium vitæ (25 de Março de 1995): AAS 87 (1995), 401-522;<br />

<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Discurso à Pontifícia Academia para a Vi<strong>da</strong> (27 de Fevereiro de 2006): AAS 98 (2006),<br />

264-265.<br />

(231) Cf. Congr. para a Doutrina <strong>da</strong> Fé, Nota doutrinal sobre algumas questões relativas à participação<br />

e comportamento dos católicos na vi<strong>da</strong> política (24 de Novembro de 2002): AAS 95 (2004), 359-370.<br />

(232) Cf. Propositio 46.<br />

(233) Homilia (24 de Abril de 2005): AAS 97 (2005), 711.<br />

(234) Propositio 42.<br />

(235) Cf. O martírio de Policarpo 15, 1: PG 5, 1039.1042.<br />

(236) Santo Inácio de Antioquia, Epístola aos Romanos 4, 1: PG 5, 690.<br />

(237) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a <strong>Igreja</strong> Lumen gentium, 42.<br />

(238) Cf. Propositio 42; Congr. para a Doutrina <strong>da</strong> Fé, Decl. sobre a unici<strong>da</strong>de e universali<strong>da</strong>de salvífica<br />

de Jesus Cristo e <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Dominus Iesus (6 de Agosto de 2000), 13-15: AAS 92 (2000), 754-755.<br />

(239) Cf. Propositio 42.<br />

(240) <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Carta enc. Deus caritas est (25 de Dezembro de 2005), 18: AAS 98 (2006), 232.<br />

(241) Ibid., 14: o.c., 228-229.<br />

(242) Durante a assembleia sino<strong>da</strong>l ouvimos, comovidos, testemunhos muito significativos sobre a<br />

eficácia deste sacramento na obra de pacificação. A tal respeito, afirma-se na Propositio 49: « Graças às<br />

celebrações eucarísticas, povos em conflito puderam reunir-se ao redor <strong>da</strong> palavra de Deus, ouvir o seu<br />

anúncio profético <strong>da</strong> reconciliação através do perdão gratuito, receber a graça <strong>da</strong> conversão que permite<br />

a comunhão no mesmo pão e no mesmo cálice ».<br />

(243) Cf. Propositio 48.<br />

(244) <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Carta enc. Deus caritas est (25 de Dezembro de 2005), 28: AAS 98 (2006), 239.<br />

(245) Propositio 48.<br />

(246) <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto <strong>da</strong> Santa Sé (9 de Janeiro de 2006):<br />

AAS 98 (2006), 127.<br />

(247) Ibid.: o.c., 127.<br />

(248) Cf. Propositio 48. A este respeito, revela-se muito útil o Compêndio <strong>da</strong> Doutrina Social <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>.<br />

(249) Cf. Propositio 43.<br />

(250) Cf. Propositio 47.<br />

(251) Cf. Propositio 17.<br />

(252) Acta ss. Saturnini, Dativi et aliorum plurimorum martyrum in Africa 7, 9, 10: PL 8, 707.709-710.<br />

(253) Carta enc. Ecclesia de Eucharistia (17 de Abril de 2003), 53: AAS 95 (2003), 469.<br />

(254) Oração Eucarística I (Cânone Romano).<br />

(255) Propositio 50.<br />

(256) Cf. <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Homilia no 40º aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II e soleni<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> Imacula<strong>da</strong> Conceição (8 de Dezembro de 2005): AAS 98 (2006), 15.<br />

Fonte: http://www.vatican.va<br />

CARTA ENCÍCLICA<br />

DEUS CARITAS EST<br />

DO SUMO PONTÍFICE BENTO <strong>XVI</strong><br />

AOS BISPOS, AOS PRESBÍTEROS, AOS DIÁCONOS, ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E A<br />

TODOS OS FIÉIS LEIGOS SOBRE O AMOR CRISTÃO<br />

INTRODUÇÃO<br />

1. « Deus é amor, e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele » (1 Jo 4, 16). Estas<br />

66


palavras <strong>da</strong> I Carta de João exprimem, com singular clareza, o centro <strong>da</strong> fé cristã: a imagem cristã de<br />

Deus e também a conseqüente imagem do homem e do seu caminho. Além disso, no mesmo versículo,<br />

João oferece-nos, por assim dizer, uma fórmula sintética <strong>da</strong> existência cristã: « Nós conhecemos e<br />

cremos no amor que Deus nos tem ». Nós cremos no amor de Deus — deste modo pode o cristão<br />

exprimir a opção fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>. Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma<br />

grande idéia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vi<strong>da</strong> um novo horizonte<br />

e, desta forma, o rumo decisivo. No seu Evangelho, João tinha expressado este acontecimento com as<br />

palavras seguintes: « Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único para que todo o<br />

que n'Ele crer (...) tenha a vi<strong>da</strong> eterna » (3, 16). Com a centrali<strong>da</strong>de do amor, a fé cristã acolheu o núcleo<br />

<strong>da</strong> fé de Israel e, ao mesmo tempo, deu a este núcleo uma nova profundi<strong>da</strong>de e amplitude. O crente<br />

israelita, de fato, reza todos os dias com as palavras do Livro do Deuteronômio, nas quais sabe que está<br />

contido o centro <strong>da</strong> sua existência: « Escuta, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor! Amarás<br />

ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com to<strong>da</strong> a tua alma e com to<strong>da</strong>s as tuas forças » (6, 4-5).<br />

Jesus uniu — fazendo deles um único preceito — o man<strong>da</strong>mento do amor a Deus com o do amor ao<br />

próximo, contido no Livro do Levítico: « Amarás o teu próximo como a ti mesmo » (19, 18; cf. Mc 12,<br />

29-31). Dado que Deus foi o primeiro a amar-nos (cf. 1 Jo. 4, 10), agora o amor já não é apenas um «<br />

man<strong>da</strong>mento », mas é a resposta ao dom do amor com que Deus vem ao nosso encontro.<br />

Num mundo em que ao nome de Deus se associa às vezes a vingança ou mesmo o dever do ódio e <strong>da</strong><br />

violência, esta é uma mensagem de grande atuali<strong>da</strong>de e de significado muito concreto. Por isso, na<br />

minha primeira Encíclica, desejo falar do amor com que Deus nos cumula e que deve ser comunicado<br />

aos outros por nós. Estão assim indica<strong>da</strong>s as duas grandes partes que compõem esta Carta,<br />

profun<strong>da</strong>mente conexas entre elas. A primeira terá uma índole mais especulativa, pois desejo — ao<br />

início do meu Pontificado — especificar nela alguns <strong>da</strong>dos essenciais sobre o amor que Deus oferece de<br />

modo misterioso e gratuito ao homem, juntamente com o nexo intrínseco <strong>da</strong>quele Amor com a reali<strong>da</strong>de<br />

do amor humano. A segun<strong>da</strong> parte terá um caráter mais concreto, porque tratará <strong>da</strong> prática eclesial do<br />

man<strong>da</strong>mento do amor ao próximo. O argumento aparece demasiado amplo; uma longa explanação,<br />

porém, não entra no objetivo <strong>da</strong> presente Encíclica. O meu desejo é insistir sobre alguns elementos<br />

fun<strong>da</strong>mentais, para deste modo suscitar no mundo um renovado dinamismo de empenhamento na<br />

resposta humana ao amor divino.<br />

I PARTE<br />

A UNIDADE DO AMOR NA CRIAÇÃO E NA HISTÓRIA DA SALVAÇÃO<br />

Um problema de linguagem<br />

2. O amor de Deus por nós é questão fun<strong>da</strong>mental para a vi<strong>da</strong> e coloca questões decisivas sobre quem é<br />

Deus e quem somos nós. A tal propósito, o primeiro obstáculo que encontramos é um problema de<br />

linguagem. O termo « amor » tornou-se hoje uma <strong>da</strong>s palavras mais usa<strong>da</strong>s e mesmo abusa<strong>da</strong>s, à qual<br />

associamos significados completamente diferentes. Embora o tema desta Encíclica se concentre sobre a<br />

questão <strong>da</strong> compreensão e <strong>da</strong> prática do amor na Sagra<strong>da</strong> Escritura e na Tradição <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, não podemos<br />

prescindir pura e simplesmente do significado que esta palavra tem nas várias culturas e na linguagem<br />

atual.<br />

Em primeiro lugar, recordemos o vasto campo semântico <strong>da</strong> palavra « amor »: fala-se de amor <strong>da</strong> pátria,<br />

amor à profissão, amor entre amigos, amor ao trabalho, amor entre pais e filhos, entre irmãos e<br />

familiares, amor ao próximo e amor a Deus. Em to<strong>da</strong> esta gama de significados, porém, o amor entre o<br />

homem e a mulher, no qual concorrem indivisivelmente corpo e alma e se abre ao ser humano uma<br />

promessa de felici<strong>da</strong>de que parece irresistível, sobressai como arquétipo de amor por excelência, de tal<br />

modo que, comparados com ele, à primeira vista todos os demais tipos de amor se ofuscam. Surge então<br />

a questão: to<strong>da</strong>s estas formas de amor no fim de contas unificam-se sendo o amor, apesar de to<strong>da</strong> a<br />

diversi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s suas manifestações, em última instância um só, ou, ao contrário, utilizamos uma mesma<br />

palavra para indicar reali<strong>da</strong>des totalmente diferentes?<br />

« Eros » e « agape » – diferença e uni<strong>da</strong>de<br />

67


3. Ao amor entre homem e mulher, que não nasce <strong>da</strong> inteligência e <strong>da</strong> vontade mas de certa forma<br />

impõe-se ao ser humano, a Grécia antiga deu o nome de eros. Diga-se desde já que o Antigo Testamento<br />

grego usa só duas vezes a palavra eros, enquanto o Novo Testamento nunca a usa: <strong>da</strong>s três palavras<br />

gregas relaciona<strong>da</strong>s com o amor — eros, philia (amor de amizade) e agape — os escritos neotestamentários<br />

privilegiam a última, que, na linguagem grega, era quase posta de lado. Quanto ao amor<br />

de amizade (philia), este é retomado com um significado mais profundo no Evangelho de João para<br />

exprimir a relação entre Jesus e os seus discípulos. A marginalização <strong>da</strong> palavra eros, juntamente com a<br />

nova visão do amor que se exprime através <strong>da</strong> palavra agape, denota sem dúvi<strong>da</strong>, na novi<strong>da</strong>de do<br />

cristianismo, algo de essencial e próprio relativamente à compreensão do amor. Na crítica ao<br />

cristianismo que se foi desenvolvendo com radicalismo crescente a partir do iluminismo, esta novi<strong>da</strong>de<br />

foi avalia<strong>da</strong> de forma absolutamente negativa. Segundo Friedrich Nietzsche, o cristianismo teria <strong>da</strong>do<br />

veneno a beber ao eros, que, embora não tivesse morrido, <strong>da</strong>í teria recebido o impulso para degenerar<br />

em vício. [1] Este filósofo alemão exprimia assim uma sensação muito generaliza<strong>da</strong>: com os seus<br />

man<strong>da</strong>mentos e proibições, a <strong>Igreja</strong> não nos torna porventura amarga a coisa mais bela <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>?<br />

Porventura não assinala ela proibições precisamente onde a alegria, prepara<strong>da</strong> para nós pelo Criador, nos<br />

oferece uma felici<strong>da</strong>de que nos faz pressentir algo do Divino?<br />

4. Mas, será mesmo assim? O cristianismo destruiu ver<strong>da</strong>deiramente o eros? Vejamos o mundo précristão.<br />

Os gregos — aliás de forma análoga a outras culturas — viram no eros sobretudo o<br />

inebriamento, a subjugação <strong>da</strong> razão por parte duma « loucura divina » que arranca o homem <strong>da</strong>s<br />

limitações <strong>da</strong> sua existência e, neste estado de transtorno por uma força divina, faz-lhe experimentar a<br />

mais alta beatitude. Deste modo, to<strong>da</strong>s as outras forças quer no céu quer na terra resultam de<br />

importância secundária: « Omnia vincit amor — o amor tudo vence », afirma Virgílio nas Bucólicas e<br />

acrescenta: « et nos ce<strong>da</strong>mus amori — ren<strong>da</strong>mo-nos também nós ao amor ». [2] Nas religiões, esta<br />

posição traduziu-se nos cultos <strong>da</strong> fertili<strong>da</strong>de, aos quais pertence a prostituição « sagra<strong>da</strong> » que<br />

prosperava em muitos templos. O eros foi, pois, celebrado como força divina, como comunhão com o<br />

Divino.<br />

A esta forma de religião, que contrasta como uma fortíssima tentação com a fé no único Deus, o Antigo<br />

Testamento opôs-se com a maior firmeza, combatendo-a como perversão <strong>da</strong> religiosi<strong>da</strong>de. Ao fazê-lo,<br />

porém, não rejeitou de modo algum o eros enquanto tal, mas declarou guerra à sua subversão<br />

devastadora, porque a falsa divinização do eros, como aí se verifica, priva-o <strong>da</strong> sua digni<strong>da</strong>de,<br />

desumaniza-o. De facto, no templo, as prostitutas, que devem <strong>da</strong>r o inebriamento do Divino, não são<br />

trata<strong>da</strong>s como seres humanos e pessoas, mas servem apenas como instrumentos para suscitar a « loucura<br />

divina »: na reali<strong>da</strong>de, não são deusas, mas pessoas humanas de quem se abusa. Por isso, o eros<br />

inebriante e descontrolado não é subi<strong>da</strong>, « êxtase » até ao Divino, mas que<strong>da</strong>, degra<strong>da</strong>ção do homem.<br />

Fica assim claro que o eros necessita de disciplina, de purificação para <strong>da</strong>r ao homem, não o prazer de<br />

um instante, mas uma certa amostra do vértice <strong>da</strong> existência, <strong>da</strong>quela beatitude para que tende todo o<br />

nosso ser.<br />

5. Dois <strong>da</strong>dos resultam claramente desta rápi<strong>da</strong> visão sobre a concepção do eros na história e na<br />

actuali<strong>da</strong>de. O primeiro é que entre o amor e o Divino existe qualquer relação: o amor promete infinito,<br />

eterni<strong>da</strong>de — uma reali<strong>da</strong>de maior e totalmente diferente do dia-a-dia <strong>da</strong> nossa existência. E o segundo é<br />

que o caminho para tal meta não consiste em deixar-se simplesmente subjugar pelo instinto. São<br />

necessárias purificações e amadurecimentos, que passam também pela estra<strong>da</strong> <strong>da</strong> renúncia. Isto não é<br />

rejeição do eros, não é o seu « envenenamento », mas a cura em ordem à sua ver<strong>da</strong>deira grandeza.<br />

Isto depende primariamente <strong>da</strong> constituição do ser humano, que é composto de corpo e alma. O homem<br />

torna-se realmente ele mesmo, quando corpo e alma se encontram em íntima uni<strong>da</strong>de; o desafio do eros<br />

pode considerar-se ver<strong>da</strong>deiramente superado, quando se consegue esta unificação. Se o homem aspira a<br />

ser somente espírito e quer rejeitar a carne como uma herança apenas animalesca, então espírito e corpo<br />

perdem a sua digni<strong>da</strong>de. E se ele, por outro lado, renega o espírito e consequentemente considera a<br />

matéria, o corpo, como reali<strong>da</strong>de exclusiva, perde igualmente a sua grandeza. O epicurista Gassendi,<br />

gracejando, cumprimentava Descartes com a sau<strong>da</strong>ção: « Ó Alma! ». E Descartes replicava dizendo: « Ó<br />

Carne! ». [3] Mas, nem o espírito ama sozinho, nem o corpo: é o homem, a pessoa, que ama como<br />

criatura unitária, de que fazem parte o corpo e a alma. Somente quando ambos se fundem<br />

ver<strong>da</strong>deiramente numa uni<strong>da</strong>de, é que o homem se torna plenamente ele próprio. Só deste modo é que o<br />

68


amor — o eros — pode amadurecer até à sua ver<strong>da</strong>deira grandeza. Hoje não é raro ouvir censurar o<br />

cristianismo do passado por ter sido adversário <strong>da</strong> corporei<strong>da</strong>de; a reali<strong>da</strong>de é que sempre houve<br />

tendências neste sentido. Mas o modo de exaltar o corpo, a que assistimos hoje, é enganador. O eros<br />

degra<strong>da</strong>do a puro « sexo » torna-se mercadoria, torna-se simplesmente uma « coisa » que se pode<br />

comprar e vender; antes, o próprio homem torna-se mercadoria. Na reali<strong>da</strong>de, para o homem, isto não<br />

constitui propriamente uma grande afirmação do seu corpo. Pelo contrário, agora considera o corpo e a<br />

sexuali<strong>da</strong>de como a parte meramente material de si mesmo a usar e explorar com proveito. Uma parte,<br />

aliás, que ele não vê como um âmbito <strong>da</strong> sua liber<strong>da</strong>de, mas antes como algo que, a seu modo, procura<br />

tornar simultaneamente agradável e inócuo. Na ver<strong>da</strong>de, encontramo-nos diante duma degra<strong>da</strong>ção do<br />

corpo humano, que deixa de estar integrado no conjunto <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong> nossa existência, deixa de ser<br />

expressão viva <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de do nosso ser, acabando como que relegado para o campo puramente<br />

biológico. A aparente exaltação do corpo pode bem depressa converter-se em ódio à corporei<strong>da</strong>de. Ao<br />

contrário, a fé cristã sempre considerou o homem como um ser uni-dual, em que espírito e matéria se<br />

compenetram mutuamente, experimentando ambos precisamente desta forma uma nova nobreza. Sim, o<br />

eros quer-nos elevar « em êxtase » para o Divino, conduzir-nos para além de nós próprios, mas por isso<br />

mesmo requer um caminho de ascese, renúncias, purificações e saneamentos.<br />

6. Concretamente, como se deve configurar este caminho de ascese e purificação? Como deve ser vivido<br />

o amor, para que se realize plenamente a sua promessa humana e divina? Uma primeira indicação<br />

importante, podemos encontrá-la no Cântico dos Cânticos, um dos livros do Antigo Testamento bem<br />

conhecido dos místicos. Segundo a interpretação hoje predominante, as poesias conti<strong>da</strong>s neste livro são<br />

originalmente cânticos de amor, talvez previstos para uma festa israelita de núpcias, na qual deviam<br />

exaltar o amor conjugal. Neste contexto, é muito eluci<strong>da</strong>tivo o facto de, ao longo do livro, se<br />

encontrarem duas palavras distintas para designar o « amor ». Primeiro, aparece a palavra « dodim », um<br />

plural que exprime o amor ain<strong>da</strong> inseguro, numa situação de procura indetermina<strong>da</strong>. Depois, esta<br />

palavra é substituí<strong>da</strong> por « ahabà », que, na versão grega do Antigo Testamento, é traduzi<strong>da</strong> pelo termo<br />

de som semelhante « agape », que se tornou, como vimos, o termo característico para a concepção<br />

bíblica do amor. Em contraposição ao amor indeterminado e ain<strong>da</strong> em fase de procura, este vocábulo<br />

exprime a experiência do amor que agora se torna ver<strong>da</strong>deiramente descoberta do outro, superando<br />

assim o carácter egoísta que antes claramente prevalecia. Agora o amor torna-se cui<strong>da</strong>do do outro e pelo<br />

outro. Já não se busca a si próprio, não busca a imersão no inebriamento <strong>da</strong> felici<strong>da</strong>de; procura, ao invés,<br />

o bem do amado: torna-se renúncia, está disposto ao sacrifício, antes procura-o.<br />

Faz parte <strong>da</strong> evolução do amor para níveis mais altos, para as suas íntimas purificações, que ele procure<br />

agora o carácter definitivo, e isto num duplo sentido: no sentido <strong>da</strong> exclusivi<strong>da</strong>de — « apenas esta única<br />

pessoa » — e no sentido de ser « para sempre ». O amor compreende a totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> existência em to<strong>da</strong><br />

a sua dimensão, inclusive a temporal. Nem poderia ser de outro modo, porque a sua promessa visa o<br />

definitivo: o amor visa a eterni<strong>da</strong>de. Sim, o amor é « êxtase »; êxtase, não no sentido de um instante de<br />

inebriamento, mas como caminho, como êxodo permanente do eu fechado em si mesmo para a sua<br />

libertação no dom de si e, precisamente dessa forma, para o reencontro de si mesmo, mais ain<strong>da</strong> para a<br />

descoberta de Deus: « Quem procurar salvaguar<strong>da</strong>r a vi<strong>da</strong>, perdê-la-á, e quem a perder, conservá-la-á »<br />

(Lc 17, 33) — disse Jesus; afirmação esta que se encontra nos Evangelhos com diversas variantes (cf.<br />

Mt 10, 39; 16, 25; Mc 8, 35; Lc 9, 24; Jo 12, 25). Assim descreve Jesus o seu caminho pessoal, que O<br />

conduz, através <strong>da</strong> cruz, à ressurreição: o caminho do grão de trigo que cai na terra e morre e assim dá<br />

muito fruto. Partindo do centro do seu sacrifício pessoal e do amor que aí alcança a sua plenitude, Ele,<br />

com tais palavras, descreve também a essência do amor e <strong>da</strong> existência humana em geral.<br />

7. Inicialmente mais filosóficas, as nossas reflexões sobre a essência do amor conduziram-nos agora,<br />

pela sua dinâmica interior, à fé bíblica. Ao princípio, colocou-se o problema de saber se os vários, ou<br />

melhor opostos, significados <strong>da</strong> palavra amor subentenderiam no fundo uma certa uni<strong>da</strong>de entre eles ou<br />

se deveriam ficar desligados um ao lado do outro. Mas, acima de tudo, surgiu a questão seguinte: se a<br />

mensagem sobre o amor, que nos é anuncia<strong>da</strong> pela Bíblia e pela Tradição <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, teria algo a ver com<br />

a experiência humana comum do amor ou se, pelo contrário, se opusesse a ela. A este respeito, fomos<br />

<strong>da</strong>r com duas palavras fun<strong>da</strong>mentais: eros como termo para significar o amor « mun<strong>da</strong>no » e agape<br />

como expressão do amor fun<strong>da</strong>do sobre a fé e por ela plasmado. As duas concepções aparecem<br />

frequentemente contrapostas como amor « ascendente » e amor « descendente ». Existem outras<br />

69


classificações afins como, por exemplo, a distinção entre amor possessivo e amor oblativo (amor<br />

concupiscentiæ – amor benevolentiæ), à qual, às vezes, se acrescenta ain<strong>da</strong> o amor que procura o<br />

próprio interesse. No debate filosófico e teológico, estas distinções foram muitas vezes radicaliza<strong>da</strong>s até<br />

ao ponto de as colocar em contraposição: tipicamente cristão seria o amor descendente, oblativo, ou seja,<br />

a agape; ao invés, a cultura não cristã, especialmente a grega, caracterizar-se-ia pelo amor ascendente,<br />

ambicioso e possessivo, ou seja, pelo eros. Se se quisesse levar ao extremo esta antítese, a essência do<br />

cristianismo terminaria desarticula<strong>da</strong> <strong>da</strong>s relações básicas e vitais <strong>da</strong> existência humana e constituiria um<br />

mundo independente, considerado talvez admirável, mas decidi<strong>da</strong>mente separado do conjunto <strong>da</strong><br />

existência humana. Na reali<strong>da</strong>de, eros e agape — amor ascendente e amor descendente — nunca se<br />

deixam separar completamente um do outro. Quanto mais os dois encontrarem a justa uni<strong>da</strong>de, embora<br />

em distintas dimensões, na única reali<strong>da</strong>de do amor, tanto mais se realiza a ver<strong>da</strong>deira natureza do amor<br />

em geral. Embora o eros seja inicialmente sobretudo ambicioso, ascendente — fascinação pela grande<br />

promessa de felici<strong>da</strong>de — depois, à medi<strong>da</strong> que se aproxima do outro, far-se-á ca<strong>da</strong> vez menos<br />

perguntas sobre si próprio, procurará sempre mais a felici<strong>da</strong>de do outro, preocupar-se-á ca<strong>da</strong> vez mais<br />

dele, doar-se-á e desejará « existir para » o outro. Assim se insere nele o momento <strong>da</strong> agape; caso<br />

contrário, o eros decai e perde mesmo a sua própria natureza. Por outro lado, o homem também não<br />

pode viver exclusivamente no amor oblativo, descendente. Não pode limitar-se sempre a <strong>da</strong>r, deve<br />

também receber. Quem quer <strong>da</strong>r amor, deve ele mesmo recebê-lo em dom. Certamente, o homem pode<br />

— como nos diz o Senhor — tornar-se uma fonte donde correm rios de água viva (cf. Jo 7, 37-38); mas,<br />

para se tornar semelhante fonte, deve ele mesmo beber incessantemente <strong>da</strong> fonte primeira e originária<br />

que é Jesus Cristo, de cujo coração trespassado brota o amor de Deus (cf. Jo 19, 34).<br />

Os Padres viram simboliza<strong>da</strong> de várias maneiras, na narração <strong>da</strong> esca<strong>da</strong> de Jacob, esta conexão<br />

indivisível entre subi<strong>da</strong> e desci<strong>da</strong>, entre o eros que procura Deus e a agape que transmite o dom<br />

recebido. Naquele texto bíblico refere-se que o patriarca Jacob num sonho viu, assente na pedra que lhe<br />

servia de travesseiro, uma esca<strong>da</strong> que chegava até ao céu, pela qual subiam e desciam os anjos de Deus<br />

(cf. Gn 28, 12; Jo 1, 51). Particularmente interessante é a interpretação que dá o Papa Gregório Magno<br />

desta visão, na sua Regra pastoral. O bom pastor — diz ele — deve estar radicado na contemplação. De<br />

facto, só assim lhe será possível acolher de tal modo no seu íntimo as necessi<strong>da</strong>des dos outros, que estas<br />

se tornem suas: « per pietatis viscera in se infirmitatem cæterorum transferat ». [4] Neste contexto, São<br />

Gregório alude a São Paulo que foi arrebatado para as alturas até aos maiores mistérios de Deus e<br />

precisamente desta forma, quando desce, é capaz de fazer-se tudo para todos (cf. 2 Cor 12, 2-4; 1 Cor 9,<br />

22). Além disso, indica o exemplo de Moisés que repeti<strong>da</strong>mente entra na ten<strong>da</strong> sagra<strong>da</strong>, permanecendo<br />

em diálogo com Deus para poder assim, a partir de Deus, estar à disposição do seu povo. « Dentro [<strong>da</strong><br />

ten<strong>da</strong>] arrebatado até às alturas mediante a contemplação, fora [<strong>da</strong> ten<strong>da</strong>] deixa-se encalçar pelo peso<br />

dos que sofrem: Intus in contemplationem rapitur, foris infirmantium negotiis urgetur ». [5]<br />

8. Encontramos, assim, uma primeira resposta, ain<strong>da</strong> bastante genérica, para as duas questões atrás<br />

expostas: no fundo, o « amor » é uma única reali<strong>da</strong>de, embora com distintas dimensões; caso a caso,<br />

pode uma ou outra dimensão sobressair mais. Mas, quando as duas dimensões se separam<br />

completamente uma <strong>da</strong> outra, surge uma caricatura ou, de qualquer modo, uma forma redutiva do amor.<br />

E vimos sinteticamente também que a fé bíblica não constrói um mundo paralelo ou um mundo<br />

contraposto àquele fenómeno humano originário que é o amor, mas aceita o homem por inteiro<br />

intervindo na sua busca de amor para purificá-la, desven<strong>da</strong>ndo-lhe ao mesmo tempo novas dimensões.<br />

Esta novi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> fé bíblica manifesta-se sobretudo em dois pontos que merecem ser sublinhados: a<br />

imagem de Deus e a imagem do homem.<br />

A novi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> fé bíblica<br />

9. Antes de mais na<strong>da</strong>, temos a nova imagem de Deus. Nas culturas que circun<strong>da</strong>m o mundo <strong>da</strong> Bíblia, a<br />

imagem de deus e dos deuses permanece, tudo somado, pouco clara e em si mesma contraditória. No<br />

itinerário <strong>da</strong> fé bíblica, ao invés, vai-se tornando ca<strong>da</strong> vez mais claro e unívoco aquilo que a oração<br />

fun<strong>da</strong>mental de Israel, o Shema, resume nestas palavras: « Escuta, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o<br />

único Senhor! » (Dt 6, 4). Existe um único Deus, que é o Criador do céu e <strong>da</strong> terra, e por isso é também<br />

o Deus de todos os homens. Dois factos se singularizam neste esclarecimento: que ver<strong>da</strong>deiramente<br />

todos os outros deuses não são Deus e que to<strong>da</strong> a reali<strong>da</strong>de onde vivemos se deve a Deus, é cria<strong>da</strong> por<br />

70


Ele. Certamente a ideia de uma criação existe também alhures, mas só aqui aparece perfeitamente claro<br />

que não um deus qualquer, mas o único Deus ver<strong>da</strong>deiro, Ele mesmo, é o autor de to<strong>da</strong> a reali<strong>da</strong>de; esta<br />

provém <strong>da</strong> força <strong>da</strong> sua Palavra criadora. Isto significa que esta sua criatura Lhe é queri<strong>da</strong>, precisamente<br />

porque foi deseja<strong>da</strong> por Ele mesmo, foi « feita » por Ele. E assim aparece agora o segundo elemento<br />

importante: este Deus ama o homem. A força divina que Aristóteles, no auge <strong>da</strong> filosofia grega,<br />

procurou individuar mediante a reflexão, é certamente para ca<strong>da</strong> ser objecto do desejo e do amor —<br />

como reali<strong>da</strong>de ama<strong>da</strong> esta divin<strong>da</strong>de move o mundo [6] —, mas ela mesma não necessita de na<strong>da</strong> e não<br />

ama, é somente ama<strong>da</strong>. Ao contrário, o único Deus em que Israel crê, ama pessoalmente. Além disso, o<br />

seu amor é um amor de eleição: entre todos os povos, Ele escolhe Israel e ama-o — mas com a<br />

finali<strong>da</strong>de de curar, precisamente deste modo, a humani<strong>da</strong>de inteira. Ele ama, e este seu amor pode ser<br />

qualificado sem dúvi<strong>da</strong> como eros, que no entanto é totalmente agape também. [7]<br />

Sobretudo os profetas Oseias e Ezequiel descreveram esta paixão de Deus pelo seu povo, com arroja<strong>da</strong>s<br />

imagens eróticas. A relação de Deus com Israel é ilustra<strong>da</strong> através <strong>da</strong>s metáforas do noivado e do<br />

matrimónio; consequentemente, a idolatria é adultério e prostituição. Assim, se alude concretamente —<br />

como vimos — aos cultos <strong>da</strong> fertili<strong>da</strong>de com o seu abuso do eros, mas ao mesmo tempo é descrita<br />

também a relação de fideli<strong>da</strong>de entre Israel e o seu Deus. A história de amor de Deus com Israel<br />

consiste, na sua profundi<strong>da</strong>de, no facto de que Ele dá a Torah, isto é, abre os olhos a Israel sobre a<br />

ver<strong>da</strong>deira natureza do homem e indica-lhe a estra<strong>da</strong> do ver<strong>da</strong>deiro humanismo. Por seu lado, o homem,<br />

vivendo na fideli<strong>da</strong>de ao único Deus, sente-se a si próprio como aquele que é amado por Deus e<br />

descobre a alegria na ver<strong>da</strong>de, na justiça — a alegria em Deus que Se torna a sua felici<strong>da</strong>de essencial: «<br />

Quem terei eu nos céus? Além de Vós, na<strong>da</strong> mais anseio sobre a terra (...). O meu bem é estar perto de<br />

Deus » (Sal 73/72, 25.28).<br />

10. O eros de Deus pelo homem — como dissemos — é ao mesmo tempo totalmente agape. E não só<br />

porque é <strong>da</strong>do de maneira totalmente gratuita, sem mérito algum precedente, mas também porque é<br />

amor que perdoa. Sobretudo Oseias mostra-nos a dimensão <strong>da</strong> agape no amor de Deus pelo homem, que<br />

supera largamente o aspecto <strong>da</strong> gratui<strong>da</strong>de. Israel cometeu « adultério », rompeu a Aliança; Deus<br />

deveria julgá-lo e repudiá-lo. Mas precisamente aqui se revela que Deus é Deus, e não homem: « Como<br />

te abandonarei, ó Efraim? Entregar-te-ei, ó Israel? O meu coração dá voltas dentro de mim, comove-se a<br />

minha compaixão. Não desafogarei o furor <strong>da</strong> minha cólera, não destruirei Efraim; porque sou Deus e<br />

não um homem, sou Santo no meio de ti » (Os 11, 8-9). O amor apaixonado de Deus pelo seu povo —<br />

pelo homem — é ao mesmo tempo um amor que perdoa. E é tão grande, que chega a virar Deus contra<br />

Si próprio, o seu amor contra a sua justiça. Nisto, o cristão vê já esboçar-se vela<strong>da</strong>mente o mistério <strong>da</strong><br />

Cruz: Deus ama tanto o homem que, tendo-Se feito Ele próprio homem, segue-o até à morte e, deste<br />

modo, reconcilia justiça e amor. O aspecto filosófico e histórico-religioso saliente nesta visão <strong>da</strong> Bíblia é<br />

o fato de, por um lado, nos encontrarmos diante de uma imagem estritamente metafísica de Deus: Deus<br />

é absolutamente a fonte originária de todo o ser; mas este princípio criador de to<strong>da</strong>s as coisas — o<br />

Logos, a razão primordial — é, ao mesmo tempo, um amante com to<strong>da</strong> a paixão de um ver<strong>da</strong>deiro amor.<br />

Deste modo, o eros é enobrecido ao máximo, mas simultaneamente tão purificado que se funde com a<br />

agape. Daqui podemos compreender por que a recepção do Cântico dos Cânticos no cânone <strong>da</strong> Sagra<strong>da</strong><br />

Escritura tenha sido bem cedo explica<strong>da</strong> no sentido de que aqueles cânticos de amor, no fundo,<br />

descreviam a relação de Deus com o homem e do homem com Deus. E, assim, o referido livro tornouse,<br />

tanto na literatura cristã como na ju<strong>da</strong>ica, uma fonte de conhecimento e de experiência mística em<br />

que se exprime a essência <strong>da</strong> fé bíblica: na ver<strong>da</strong>de, existe uma unificação do homem com Deus — o<br />

sonho originário do homem —, mas esta unificação não é confundir-se, um afun<strong>da</strong>r no oceano anônimo<br />

do Divino; é uni<strong>da</strong>de que cria amor, na qual ambos — Deus e o homem — permanecem eles mesmos<br />

mas tornando-se plenamente uma coisa só: « Aquele, porém, que se une ao Senhor constitui, com Ele,<br />

um só espírito » — diz São Paulo (1 Cor 6, 17).<br />

11. Como vimos, a primeira novi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> fé bíblica consiste na imagem de Deus; a segun<strong>da</strong>,<br />

essencialmente liga<strong>da</strong> a ela, encontramo-la na imagem do homem. A narração bíblica <strong>da</strong> criação fala <strong>da</strong><br />

solidão do primeiro homem, Adão, querendo Deus pôr a seu lado um auxílio. Dentre to<strong>da</strong>s as criaturas,<br />

nenhuma pôde ser para o homem aquela aju<strong>da</strong> de que necessita, apesar de ter <strong>da</strong>do um nome a todos os<br />

animais selvagens e a to<strong>da</strong>s as aves, integrando-os assim no contexto <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>. Então, de uma costela<br />

do homem, Deus plasma a mulher. Agora Adão encontra a aju<strong>da</strong> de que necessita: « Esta é, realmente,<br />

71


osso dos meus ossos e carne <strong>da</strong> minha carne » (Gn 2, 23). Na base desta narração, é possível entrever<br />

concepções semelhantes às que aparecem, por exemplo, no mito referido por Platão, segundo o qual o<br />

homem originariamente era esférico, porque completo em si mesmo e auto-suficiente. Mas, como<br />

punição pela sua soberba, foi dividido ao meio por Zeus, de tal modo que agora sempre anseia pela outra<br />

sua metade e caminha para ela a fim de reencontrar a sua globali<strong>da</strong>de. [8] Na narração bíblica, não se<br />

fala de punição; porém, a ideia de que o homem de algum modo esteja incompleto, constitutivamente a<br />

caminho a fim de encontrar no outro a parte que falta para a sua totali<strong>da</strong>de, isto é, a ideia de que, só na<br />

comunhão com o outro sexo, possa tornar-se « completo », está sem dúvi<strong>da</strong> presente. E, deste modo, a<br />

narração bíblica conclui com uma profecia sobre Adão: « Por este motivo, o homem deixará o pai e a<br />

mãe para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne » (Gn 2, 24).<br />

Aqui há dois aspectos importantes: primeiro, o eros está de certo modo enraizado na própria natureza do<br />

homem; Adão an<strong>da</strong> à procura e « deixa o pai e a mãe » para encontrar a mulher; só no seu conjunto é<br />

que representam a totali<strong>da</strong>de humana, tornam-se « uma só carne ». Não menos importante é o segundo<br />

aspecto: numa orientação basea<strong>da</strong> na criação, o eros impele o homem ao matrimónio, a uma ligação<br />

caracteriza<strong>da</strong> pela unici<strong>da</strong>de e para sempre; deste modo, e somente assim, é que se realiza a sua<br />

finali<strong>da</strong>de íntima. À imagem do Deus monoteísta corresponde o matrimónio monogâmico. O<br />

matrimónio baseado num amor exclusivo e definitivo torna-se o ícone do relacionamento de Deus com o<br />

seu povo e, vice-versa, o modo de Deus amar torna-se a medi<strong>da</strong> do amor humano. Esta estreita ligação<br />

entre eros e matrimónio na Bíblia quase não encontra paralelos literários fora <strong>da</strong> mesma.<br />

Jesus Cristo – o amor encarnado de Deus<br />

12. Apesar de termos falado até agora prevalentemente do Antigo Testamento, já se deixou clara a<br />

íntima compenetração dos dois Testamentos como única Escritura <strong>da</strong> fé cristã. A ver<strong>da</strong>deira novi<strong>da</strong>de do<br />

Novo Testamento não reside em novas ideias, mas na própria figura de Cristo, que dá carne e sangue aos<br />

conceitos — um incrível realismo. Já no Antigo Testamento a novi<strong>da</strong>de bíblica não consistia<br />

simplesmente em noções abstratas, mas na acção imprevisível e, de certa forma, inaudita de Deus. Esta<br />

acção de Deus ganha agora a sua forma dramática devido ao facto de que, em Jesus Cristo, o próprio<br />

Deus vai atrás <strong>da</strong> « ovelha perdi<strong>da</strong> », a humani<strong>da</strong>de sofredora e transvia<strong>da</strong>. Quando Jesus fala, nas suas<br />

parábolas, do pastor que vai atrás <strong>da</strong> ovelha perdi<strong>da</strong>, <strong>da</strong> mulher que procura a dracma, do pai que sai ao<br />

encontro do filho pródigo e o abraça, não se trata apenas de palavras, mas constituem a explicação do<br />

seu próprio ser e agir. Na sua morte de cruz, cumpre-se aquele virar-se de Deus contra Si próprio, com o<br />

qual Ele Se entrega para levantar o homem e salvá-lo — o amor na sua forma mais radical. O olhar fixo<br />

no lado trespassado de Cristo, de que fala João (cf. 19, 37), compreende o que serviu de ponto de parti<strong>da</strong><br />

a esta Carta Encíclica: « Deus é amor » (1 Jo 4, 8). É lá que esta ver<strong>da</strong>de pode ser contempla<strong>da</strong>. E<br />

começando de lá, pretende-se agora definir em que consiste o amor. A partir <strong>da</strong>quele olhar, o cristão<br />

encontra o caminho do seu viver e amar.<br />

13. Jesus deu a este acto de oferta uma presença duradoura através <strong>da</strong> instituição <strong>da</strong> Eucaristia durante a<br />

Última Ceia. Antecipa a sua morte e ressurreição entregando-Se já naquela hora aos seus discípulos, no<br />

pão e no vinho, a Si próprio, ao seu corpo e sangue como novo maná (cf. Jo 6, 31-33). Se o mundo<br />

antigo tinha sonhado que, no fundo, o ver<strong>da</strong>deiro alimento do homem — aquilo de que este vive<br />

enquanto homem — era o Logos, a sabedoria eterna, agora este Logos tornou-Se ver<strong>da</strong>deiramente<br />

alimento para nós — como amor. A Eucaristia arrasta-nos no acto oblativo de Jesus. Não é só de modo<br />

estático que recebemos o Logos encarnado, mas ficamos envolvidos na dinâmica <strong>da</strong> sua doação. A<br />

imagem do matrimónio entre Deus e Israel torna-se reali<strong>da</strong>de de um modo anteriormente inconcebível: o<br />

que era um estar na presença de Deus torna-se agora, através <strong>da</strong> participação na doação de Jesus,<br />

comunhão no seu corpo e sangue, torna-se união. A « mística » do Sacramento, que se fun<strong>da</strong> no<br />

abaixamento de Deus até nós, é de um alcance muito diverso e conduz muito mais alto do que qualquer<br />

mística elevação do homem poderia realizar.<br />

14. Temos agora de prestar atenção a outro aspecto: a « mística » do Sacramento tem um carácter social,<br />

porque, na comunhão sacramental, eu fico unido ao Senhor como todos os demais comungantes: « Uma<br />

vez que há um só pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos participamos do<br />

mesmo pão » — diz São Paulo (1 Cor 10, 17). A união com Cristo é, ao mesmo tempo, união com todos<br />

72


os outros aos quais Ele Se entrega. Eu não posso ter Cristo só para mim; posso pertencer-Lhe somente<br />

unido a todos aqueles que se tornaram ou tornarão Seus. A comunhão tira-me para fora de mim mesmo<br />

projectando-me para Ele e, deste modo, também para a união com todos os cristãos. Tornamo-nos « um<br />

só corpo », fundidos todos numa única existência. O amor a Deus e o amor ao próximo estão agora<br />

ver<strong>da</strong>deiramente juntos: o Deus encarnado atrai-nos todos a Si. Assim se compreende por que o termo<br />

agape se tenha tornado também um nome <strong>da</strong> Eucaristia: nesta a agape de Deus vem corporalmente a nós,<br />

para continuar a sua acção em nós e através de nós. Só a partir desta fun<strong>da</strong>mentação cristológicosacramental<br />

é que se pode entender correctamente o ensinamento de Jesus sobre o amor. A passagem<br />

que Ele faz realizar <strong>da</strong> Lei e dos Profetas ao duplo man<strong>da</strong>mento do amor a Deus e ao próximo, a<br />

derivação de to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> de fé <strong>da</strong> centrali<strong>da</strong>de deste preceito não é uma simples moral que possa, depois,<br />

subsistir autonomamente ao lado <strong>da</strong> fé em Cristo e <strong>da</strong> sua re-actualização no Sacramento: fé, culto e<br />

ethos compenetram-se mutuamente como uma única reali<strong>da</strong>de que se configura no encontro com a<br />

agape de Deus. Aqui, a habitual contraposição entre culto e ética simplesmente desaparece. No próprio «<br />

culto », na comunhão eucarística, está contido o ser amado e o amar, por sua vez, os outros. Uma<br />

Eucaristia que não se traduza em amor concretamente vivido, é em si mesma fragmentária. Por outro<br />

lado — como adiante havemos de considerar de modo mais detalhado — o « man<strong>da</strong>mento » do amor só<br />

se torna possível porque não é mera exigência: o amor pode ser « man<strong>da</strong>do », porque antes nos é <strong>da</strong>do.<br />

15. É a partir deste princípio que devem ser entendi<strong>da</strong>s também as grandes parábolas de Jesus. O rico<br />

avarento (cf. Lc 16, 19-31) implora, do lugar do suplício, que os seus irmãos sejam informados sobre o<br />

que acontece a quem levianamente ignorou o pobre que passava necessi<strong>da</strong>de. Jesus recolhe, por assim<br />

dizer, aquele grito de socorro e repete-o para nos acautelar e reconduzir ao bom caminho. A parábola do<br />

bom Samaritano (cf. Lc 10, 25-37) leva a dois esclarecimentos importantes. Enquanto o conceito de «<br />

próximo », até então, se referia essencialmente aos conci<strong>da</strong>dãos e aos estrangeiros que se tinham<br />

estabelecido na terra de Israel, ou seja, à comuni<strong>da</strong>de solidária de um país e de um povo, agora este<br />

limite é abolido. Qualquer um que necessite de mim e eu possa ajudá-lo, é o meu próximo. O conceito<br />

de próximo fica universalizado, sem deixar to<strong>da</strong>via de ser concreto. Apesar <strong>da</strong> sua extensão a todos os<br />

homens, não se reduz à expressão de um amor genérico e abstracto, em si mesmo pouco<br />

comprometedor, mas requer o meu empenho prático aqui e agora. Continua a ser tarefa <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong><br />

interpretar sempre de novo esta ligação entre distante e próximo na vi<strong>da</strong> prática dos seus membros. É<br />

preciso, enfim, recor<strong>da</strong>r de modo particular a grande parábola do Juízo final (cf. Mt 25, 31-46), onde o<br />

amor se torna o critério para a decisão definitiva sobre o valor ou a inutili<strong>da</strong>de duma vi<strong>da</strong> humana. Jesus<br />

identifica-Se com os necessitados: famintos, sedentos, forasteiros, nus, enfermos, encarcerados. «<br />

Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes » (Mt 25,<br />

40). Amor a Deus e amor ao próximo fundem-se num todo: no mais pequenino, encontramos o próprio<br />

Jesus e, em Jesus, encontramos Deus.<br />

Amor a Deus e amor ao próximo<br />

16. Depois de termos reflectido sobre a essência do amor e o seu significado na fé bíblica, resta uma<br />

dupla pergunta a propósito do nosso comportamento. A primeira: é realmente possível amar a Deus,<br />

mesmo sem O ver? E a outra: o amor pode ser man<strong>da</strong>do? Contra o duplo man<strong>da</strong>mento do amor, existe<br />

uma dupla objecção que se faz sentir nestas perguntas: ninguém jamais viu a Deus — como poderemos<br />

amá-Lo? Mais: o amor não pode ser man<strong>da</strong>do; é, em definitivo, um sentimento que pode existir ou não,<br />

mas não pode ser criado pela vontade. A Escritura parece <strong>da</strong>r o seu aval à primeira objecção, quando<br />

afirma: « Se alguém disser: "Eu amo a Deus", mas odiar a seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama a<br />

seu irmão ao qual vê, como pode amar a Deus, que não vê? » (1 Jo 4, 20). Este texto, porém, não exclui<br />

de modo algum o amor de Deus como algo impossível; pelo contrário, em todo o contexto <strong>da</strong> I Carta de<br />

João agora cita<strong>da</strong>, tal amor é explicitamente requerido. Nela se destaca o nexo indivisível entre o amor a<br />

Deus e o amor ao próximo: um exige tão estreitamente o outro que a afirmação do amor a Deus se torna<br />

uma mentira, se o homem se fechar ao próximo ou, inclusive, o odiar. O citado versículo joanino deve,<br />

antes, ser interpretado no sentido de que o amor ao próximo é uma estra<strong>da</strong> para encontrar também a<br />

Deus, e que o fechar os olhos diante do próximo torna cegos também diante de Deus.<br />

17. Com efeito, ninguém jamais viu a Deus tal como Ele é em Si mesmo. E, contudo, Deus não nos é<br />

73


totalmente invisível, não se deixou ficar pura e simplesmente inacessível a nós. Deus amou-nos primeiro<br />

— diz a Carta de João cita<strong>da</strong> (cf. 4, 10) — e este amor de Deus apareceu no meio de nós, fez-se visível<br />

quando Ele « enviou o seu Filho unigénito ao mundo, para que, por Ele, vivamos » (1 Jo 4, 9). Deus fez-<br />

Se visível: em Jesus, podemos ver o Pai (cf. Jo 14, 9). Existe, com efeito, uma múltipla visibili<strong>da</strong>de de<br />

Deus. Na história de amor que a Bíblia nos narra, Ele vem ao nosso encontro, procura conquistar-nos —<br />

até à Última Ceia, até ao Coração trespassado na cruz, até às aparições do Ressuscitado e às grandes<br />

obras pelas quais Ele, através <strong>da</strong> acção dos Apóstolos, guiou o caminho <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> nascente. Também na<br />

sucessiva história <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, o Senhor não esteve ausente: incessantemente vem ao nosso encontro,<br />

através de homens nos quais Ele Se revela; através <strong>da</strong> sua Palavra, nos Sacramentos, especialmente na<br />

Eucaristia. Na liturgia <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, na sua oração, na comuni<strong>da</strong>de viva dos crentes, nós experimentamos o<br />

amor de Deus, sentimos a sua presença e aprendemos deste modo também a reconhecê-la na nossa vi<strong>da</strong><br />

quotidiana. Ele amou-nos primeiro, e continua a ser o primeiro a amar-nos; por isso, também nós<br />

podemos responder com o amor. Deus não nos ordena um sentimento que não possamos suscitar em nós<br />

próprios. Ele ama-nos, faz-nos ver e experimentar o seu amor, e desta « antecipação » de Deus pode,<br />

como resposta, despontar também em nós o amor. No desenrolar deste encontro, revela-se com clareza<br />

que o amor não é apenas um sentimento. Os sentimentos vão e vêm. O sentimento pode ser uma<br />

maravilhosa centelha inicial, mas não é a totali<strong>da</strong>de do amor. Ao início, falámos do processo <strong>da</strong>s<br />

purificações e amadurecimentos, pelos quais o eros se torna plenamente ele mesmo, se torna amor no<br />

significado cabal <strong>da</strong> palavra. É próprio <strong>da</strong> maturi<strong>da</strong>de do amor abranger to<strong>da</strong>s as potenciali<strong>da</strong>des do<br />

homem e incluir, por assim dizer, o homem na sua totali<strong>da</strong>de. O encontro com as manifestações visíveis<br />

do amor de Deus pode suscitar em nós o sentimento <strong>da</strong> alegria, que nasce <strong>da</strong> experiência de ser amados.<br />

Tal encontro, porém, chama em causa também a nossa vontade e o nosso intelecto. O reconhecimento<br />

do Deus vivo é um caminho para o amor, e o sim <strong>da</strong> nossa vontade à d'Ele une intelecto, vontade e<br />

sentimento no acto globalizante do amor. Mas isto é um processo que permanece continuamente em<br />

caminho: o amor nunca está « concluído » e completado; transforma-se ao longo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, amadurece e,<br />

por isso mesmo, permanece fiel a si próprio. Idem velle atque idem nolle [9] — querer a mesma coisa e<br />

rejeitar a mesma coisa é, segundo os antigos, o autêntico conteúdo do amor: um tornar-se semelhante ao<br />

outro, que leva à união do querer e do pensar. A história do amor entre Deus e o homem consiste<br />

precisamente no facto de que esta comunhão de vontade cresce em comunhão de pensamento e de<br />

sentimento e, assim, o nosso querer e a vontade de Deus coincidem ca<strong>da</strong> vez mais: a vontade de Deus<br />

deixa de ser para mim uma vontade estranha que me impõem de fora os man<strong>da</strong>mentos, mas é a minha<br />

própria vontade, basea<strong>da</strong> na experiência de que realmente Deus é mais íntimo a mim mesmo de quanto o<br />

seja eu próprio. [10] Cresce então o abandono em Deus, e Deus torna-Se a nossa alegria (cf. Sal 73/72,<br />

23-28).<br />

18. Revela-se, assim, como possível o amor ao próximo no sentido enunciado por Jesus, na Bíblia.<br />

Consiste precisamente no facto de que eu amo, em Deus e com Deus, a pessoa que não me agra<strong>da</strong> ou<br />

que nem conheço sequer. Isto só é possível realizar-se a partir do encontro íntimo com Deus, um<br />

encontro que se tornou comunhão de vontade, chegando mesmo a tocar o sentimento. Então aprendo a<br />

ver aquela pessoa já não somente com os meus olhos e sentimentos, mas segundo a perspectiva de Jesus<br />

Cristo. O seu amigo é meu amigo. Para além do aspecto exterior do outro, dou-me conta <strong>da</strong> sua<br />

expectativa interior de um gesto de amor, de atenção, que eu não lhe faço chegar somente através <strong>da</strong>s<br />

organizações que disso se ocupam, aceitando-o talvez por necessi<strong>da</strong>de política. Eu vejo com os olhos de<br />

Cristo e posso <strong>da</strong>r ao outro muito mais do que as coisas externamente necessárias: posso <strong>da</strong>r-lhe o olhar<br />

de amor de que ele precisa. Aqui se vê a interacção que é necessária entre o amor a Deus e o amor ao<br />

próximo, de que fala com tanta insistência a I Carta de João. Se na minha vi<strong>da</strong> falta totalmente o<br />

contacto com Deus, posso ver no outro sempre e apenas o outro e não consigo reconhecer nele a imagem<br />

divina. Mas, se na minha vi<strong>da</strong> negligencio completamente a atenção ao outro, importando-me apenas<br />

com ser « piedoso » e cumprir os meus « deveres religiosos », então definha também a relação com<br />

Deus. Neste caso, trata-se duma relação « correcta », mas sem amor. Só a minha disponibili<strong>da</strong>de para ir<br />

ao encontro do próximo e demonstrar-lhe amor é que me torna sensível também diante de Deus. Só o<br />

serviço ao próximo é que abre os meus olhos para aquilo que Deus faz por mim e para o modo como Ele<br />

me ama. Os Santos — pensemos, por exemplo, na Beata Teresa de Calcutá — hauriram a sua<br />

capaci<strong>da</strong>de de amar o próximo, de modo sempre renovado, do seu encontro com o Senhor eucarístico e,<br />

vice-versa, este encontro ganhou o seu realismo e profundi<strong>da</strong>de precisamente no serviço deles aos<br />

outros. Amor a Deus e amor ao próximo são inseparáveis, constituem um único man<strong>da</strong>mento. Mas,<br />

74


ambos vivem do amor preveniente com que Deus nos amou primeiro. Deste modo, já não se trata de um<br />

« man<strong>da</strong>mento » que do exterior nos impõe o impossível, mas de uma experiência do amor<br />

proporciona<strong>da</strong> do interior, um amor que, por sua natureza, deve ser ulteriormente comunicado aos<br />

outros. O amor cresce através do amor. O amor é « divino », porque vem de Deus e nos une a Deus, e,<br />

através deste processo unificador, transforma-nos em um Nós, que supera as nossas divisões e nos faz<br />

ser um só, até que, no fim, Deus seja « tudo em todos » (1 Cor 15, 28).<br />

II PARTE<br />

CARITAS – A PRÁTICA DO AMOR PELA IGREJA ENQUANTO « COMUNIDADE DE AMOR »<br />

A cari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> como manifestação do amor trinitário<br />

19. « Se vês a cari<strong>da</strong>de, vês a Trin<strong>da</strong>de » — escrevia Santo Agostinho. [11] Ao longo <strong>da</strong>s reflexões<br />

anteriores, pudemos fixar o nosso olhar no Trespassado (cf. Jo 19, 37; Zc 12, 10), reconhecendo o<br />

desígnio do Pai que, movido pelo amor (cf. Jo 3, 16), enviou o Filho unigénito ao mundo para redimir o<br />

homem. Quando morreu na cruz, Jesus — como indica o evangelista — « entregou o Espírito » (cf. Jo<br />

19, 30), prelúdio <strong>da</strong>quele dom do Espírito Santo que Ele havia de realizar depois <strong>da</strong> ressurreição (cf. Jo<br />

20, 22). Desde modo, se actuaria a promessa dos « rios de água viva » que, graças à efusão do Espírito,<br />

haviam de emanar do coração dos crentes (cf. Jo 7, 38-39). De facto, o Espírito é aquela força interior<br />

que harmoniza seus corações com o coração de Cristo e leva-os a amar os irmãos como Ele os amou,<br />

quando Se inclinou para lavar os pés dos discípulos (cf. Jo 13, 1-13) e sobretudo quando deu a sua vi<strong>da</strong><br />

por todos (cf. Jo 13, 1; 15, 13).<br />

O Espírito é também força que transforma o coração <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de eclesial, para ser, no mundo,<br />

testemunha do amor do Pai, que quer fazer <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de uma única família, em seu Filho. To<strong>da</strong> a<br />

activi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> é manifestação dum amor que procura o bem integral do homem: procura a sua<br />

evangelização por meio <strong>da</strong> Palavra e dos Sacramentos, empreendimento este muitas vezes heróico nas<br />

suas realizações históricas; e procura a sua promoção nos vários âmbitos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> activi<strong>da</strong>de<br />

humana. Portanto, é amor o serviço que a <strong>Igreja</strong> exerce para acorrer constantemente aos sofrimentos e às<br />

necessi<strong>da</strong>des, mesmo materiais, dos homens. É sobre este aspecto, sobre este serviço <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de, que<br />

desejo deter-me nesta segun<strong>da</strong> parte <strong>da</strong> Encíclica<br />

A cari<strong>da</strong>de como dever <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong><br />

20. O amor do próximo, radicado no amor de Deus, é um dever antes de mais para ca<strong>da</strong> um dos fiéis,<br />

mas é-o também para a comuni<strong>da</strong>de eclesial inteira, e isto a todos os seus níveis: desde a comuni<strong>da</strong>de<br />

local passando pela <strong>Igreja</strong> particular até à <strong>Igreja</strong> universal na sua globali<strong>da</strong>de. A <strong>Igreja</strong> também enquanto<br />

comuni<strong>da</strong>de deve praticar o amor. Consequência disto é que o amor tem necessi<strong>da</strong>de também de<br />

organização enquanto pressuposto para um serviço comunitário ordenado. A consciência de tal dever<br />

teve relevância constitutiva na <strong>Igreja</strong> desde os seus inícios: « Todos os crentes viviam unidos e possuíam<br />

tudo em comum. Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos de acordo com as<br />

necessi<strong>da</strong>des de ca<strong>da</strong> um » (Act 2, 44-45). Lucas conta-nos isto no quadro duma espécie de definição <strong>da</strong><br />

<strong>Igreja</strong>, entre cujos elementos constitutivos enumera a adesão ao « ensino dos Apóstolos », à « comunhão<br />

» (koinonia), à « fracção do pão » e às « orações » (cf. Act 2, 42). O elemento <strong>da</strong> « comunhão »<br />

(koinonia), que aqui ao início não é especificado, aparece depois concretizado nos versículos<br />

anteriormente citados: consiste precisamente no facto de os crentes terem tudo em comum, pelo que, no<br />

seu meio, já não subsiste a diferença entre ricos e pobres (cf. também Act 4, 32-37). Com o crescimento<br />

<strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, esta forma radical de comunhão material — ver<strong>da</strong>de se diga — não pôde ser manti<strong>da</strong>. Mas o<br />

núcleo essencial ficou: no seio <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de dos crentes não deve haver uma forma de pobreza tal que<br />

sejam negados a alguém os bens necessários para uma vi<strong>da</strong> condigna.<br />

21. Um passo decisivo na difícil busca de soluções para realizar este princípio eclesial fun<strong>da</strong>mental<br />

torna-se patente naquela escolha de sete homens que foi o início do ofício diaconal (cf. Act 6, 5-6). De<br />

facto, na <strong>Igreja</strong> primitiva tinha-se gerado, na distribuição quotidiana às viúvas, uma dispari<strong>da</strong>de entre a<br />

parte de língua hebraica e a de língua grega. Os Apóstolos, a quem estavam confiados antes de mais a «<br />

oração » (Eucaristia e Liturgia) e o « serviço <strong>da</strong> Palavra », sentiram-se excessivamente carregados pelo «<br />

serviço <strong>da</strong>s mesas »; decidiram, por isso, reservar para eles o ministério principal e criar para a outra<br />

75


mansão, também ela necessária na <strong>Igreja</strong>, um organismo de sete pessoas. Mas este grupo não devia<br />

realizar um serviço meramente técnico de distribuição: deviam ser homens « cheios do Espírito Santo e<br />

de sabedoria » (cf. Act 6, 1-6). Quer dizer que o serviço social que tinham de cumprir era concreto sem<br />

dúvi<strong>da</strong> alguma, mas ao mesmo tempo era também um serviço espiritual; tratava-se, na ver<strong>da</strong>de, de um<br />

ofício ver<strong>da</strong>deiramente espiritual, que realizava um dever essencial <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, o do amor bem ordenado<br />

ao próximo. Com a formação deste organismo dos Sete, a « diaconia » — o serviço do amor ao próximo<br />

exercido comunitariamente e de modo ordenado — ficara instaura<strong>da</strong> na estrutura fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> própria<br />

<strong>Igreja</strong>.<br />

22. Com o passar dos anos e a progressiva difusão <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, a prática <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de confirmou-se como<br />

um dos seus âmbitos essenciais, juntamente com a administração dos Sacramentos e o anúncio <strong>da</strong><br />

Palavra: praticar o amor para com as viúvas e os órfãos, os presos, os doentes e necessitados de qualquer<br />

género pertence tanto à sua essência como o serviço dos Sacramentos e o anúncio do Evangelho. A<br />

<strong>Igreja</strong> não pode descurar o serviço <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de, tal como não pode negligenciar os Sacramentos nem a<br />

Palavra. Para o demonstrar, bastam alguns exemplos. O mártir Justino († por 155), no contexto <strong>da</strong><br />

celebração dominical dos cristãos, descreve também a sua activi<strong>da</strong>de caritativa relaciona<strong>da</strong> com a<br />

Eucaristia enquanto tal. As pessoas abasta<strong>da</strong>s fazem a sua oferta na medi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s suas possibili<strong>da</strong>des, ca<strong>da</strong><br />

uma o que quer; o Bispo serve-se disso para sustentar os órfãos, as viúvas e aqueles que por doença ou<br />

outros motivos passam necessi<strong>da</strong>de, e também os presos e os forasteiros. [12] O grande escritor cristão<br />

Tertuliano († depois de 220) conta como a solicitude dos cristãos pelos necessitados de qualquer género<br />

suscitava a admiração dos pagãos. [13] E, quando Inácio de Antioquia († por 117) designa a <strong>Igreja</strong> de<br />

Roma como aquela que « preside à cari<strong>da</strong>de (agape) », [14] pode-se supor que ele quisesse, com tal<br />

definição, exprimir de qualquer modo também a sua activi<strong>da</strong>de caritativa concreta.<br />

23. Neste contexto, pode revelar-se útil uma referência às estruturas jurídicas primitivas que tinham a<br />

ver com o serviço <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de na <strong>Igreja</strong>. A meados do século IV ganha forma no Egipto a chama<strong>da</strong> «<br />

diaconia », que é, nos diversos mosteiros, a instituição responsável pelo conjunto <strong>da</strong>s activi<strong>da</strong>des<br />

assistenciais, pelo serviço precisamente <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de. A partir destes inícios, desenvolve-se até ao século<br />

VI no Egipto uma corporação com plena capaci<strong>da</strong>de jurídica, à qual as autori<strong>da</strong>des civis confiam mesmo<br />

uma parte do trigo para a distribuição pública. No Egipto, não só ca<strong>da</strong> mosteiro mas também ca<strong>da</strong><br />

diocese acabou por ter a sua diaconia — uma instituição que se expande depois quer no Oriente quer no<br />

Ocidente. O Papa Gregório Magno († 604) fala <strong>da</strong> diaconia de Nápoles. Relativamente a Roma, as<br />

diaconias são documenta<strong>da</strong>s a partir dos séculos VII e VIII; mas naturalmente já antes, e logo desde os<br />

primórdios, a activi<strong>da</strong>de assistencial aos pobres e doentes, segundo os princípios <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cristã expostos<br />

nos Actos dos Apóstolos, era parte essencial <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> de Roma. Este dever encontra uma sua viva<br />

expressão na figura do diácono Lourenço († 258). A dramática descrição do seu martírio era já<br />

conheci<strong>da</strong> por Santo Ambrósio († 397) e, no seu núcleo, mostra-nos seguramente a figura autêntica do<br />

Santo. Após a prisão dos seus irmãos na fé e do Papa, a ele, como responsável pelo cui<strong>da</strong>do dos pobres<br />

de Roma, fora concedido mais algum tempo de liber<strong>da</strong>de, para recolher os tesouros <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> e entregálos<br />

às autori<strong>da</strong>des civis. Lourenço distribuiu o dinheiro disponível pelos pobres e, depois, apresentou<br />

estes às autori<strong>da</strong>des como sendo o ver<strong>da</strong>deiro tesouro <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. [15] Independentemente <strong>da</strong><br />

credibili<strong>da</strong>de histórica que se queira atribuir a tais particulares, Lourenço ficou presente na memória <strong>da</strong><br />

<strong>Igreja</strong> como grande expoente <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de eclesial.<br />

24. Uma alusão merece a figura do imperador Juliano o Apóstata († 363), porque demonstra uma vez<br />

mais quão essencial era para a <strong>Igreja</strong> dos primeiros séculos a cari<strong>da</strong>de organiza<strong>da</strong> e pratica<strong>da</strong>. Criança de<br />

seis anos, Juliano assistira ao assassínio de seu pai, de seu irmão e doutros familiares pelas guar<strong>da</strong>s do<br />

palácio imperial; esta brutali<strong>da</strong>de atribuiu-a ele — com razão ou sem ela — ao imperador Constâncio,<br />

que se fazia passar por um grande cristão. Em consequência disso, a fé cristã acabou desacredita<strong>da</strong> a<br />

seus olhos uma vez por to<strong>da</strong>s. Feito imperador, decide restaurar o paganismo, a antiga religião romana,<br />

mas ao mesmo tempo reformá-lo para se tornar realmente a força propulsora do império. Para isso,<br />

inspirou-se largamente no cristianismo. Instaurou uma hierarquia de metropolitas e sacerdotes. Estes<br />

deviam promover o amor a Deus e ao próximo. Numa <strong>da</strong>s suas cartas, [16] escrevera que o único<br />

aspecto do cristianismo que o maravilhava era a activi<strong>da</strong>de caritativa <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. Por isso, considerou<br />

determinante para o seu novo paganismo fazer surgir, a par do sistema de cari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, uma<br />

76


activi<strong>da</strong>de equivalente na sua religião. Os « Galileus » — dizia ele — tinham conquistado assim a sua<br />

populari<strong>da</strong>de. Havia que imitá-los, senão mesmo superá-los. Deste modo, o imperador confirmava que a<br />

cari<strong>da</strong>de era uma característica decisiva <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de cristã, <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>.<br />

25. Chegados aqui, registremos dois <strong>da</strong>dos essenciais tirados <strong>da</strong>s reflexões feitas:<br />

a) A natureza íntima <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> exprime-se num tríplice dever: anúncio <strong>da</strong> Palavra de Deus (kerygmamartyria),<br />

celebração dos Sacramentos (leiturgia), serviço <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de (diakonia). São deveres que se<br />

reclamam mutuamente, não podendo um ser separado dos outros. Para a <strong>Igreja</strong>, a cari<strong>da</strong>de não é uma<br />

espécie de activi<strong>da</strong>de de assistência social que se poderia mesmo deixar a outros, mas pertence à sua<br />

natureza, é expressão irrenunciável <strong>da</strong> sua própria essência. [17]<br />

b) A <strong>Igreja</strong> é a família de Deus no mundo. Nesta família, não deve haver ninguém que sofra por falta do<br />

necessário. Ao mesmo tempo, porém, a caritas-agape estende-se para além <strong>da</strong>s fronteiras <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>; a<br />

parábola do bom Samaritano permanece como critério de medi<strong>da</strong>, impondo a universali<strong>da</strong>de do amor<br />

que se inclina para o necessitado encontrado « por acaso » (cf. Lc 10, 31), seja ele quem for. Mas,<br />

ressalva<strong>da</strong> esta universali<strong>da</strong>de do man<strong>da</strong>mento do amor, existe também uma exigência especificamente<br />

eclesial — precisamente a exigência de que, na própria <strong>Igreja</strong> enquanto família, nenhum membro sofra<br />

porque passa necessi<strong>da</strong>de. Neste sentido se pronuncia a Carta aos Gálatas: « Portanto, enquanto temos<br />

tempo, pratiquemos o bem para com todos, mas principalmente para com os irmãos na fé » (6, 10).<br />

Justiça e cari<strong>da</strong>de<br />

26. Desde o Oitocentos, vemos levantar-se contra a activi<strong>da</strong>de caritativa <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> uma objecção,<br />

explana<strong>da</strong> depois com insistência sobretudo pelo pensamento marxista. Os pobres — diz-se — não<br />

teriam necessi<strong>da</strong>de de obras de cari<strong>da</strong>de, mas de justiça. As obras de cari<strong>da</strong>de — as esmolas — seriam<br />

na reali<strong>da</strong>de, para os ricos, uma forma de subtraírem-se à instauração <strong>da</strong> justiça e tranquilizarem a<br />

consciência, mantendo as suas posições e defrau<strong>da</strong>ndo os pobres nos seus direitos. Em vez de contribuir<br />

com as diversas obras de cari<strong>da</strong>de para a manutenção <strong>da</strong>s condições existentes, seria necessário criar<br />

uma ordem justa, na qual todos receberiam a sua respectiva parte de bens <strong>da</strong> terra e, por conseguinte, já<br />

não teriam necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s obras de cari<strong>da</strong>de. Algo de ver<strong>da</strong>de existe — devemos reconhecê-lo — nesta<br />

argumentação, mas há também, e não pouco, de errado. É ver<strong>da</strong>de que a norma fun<strong>da</strong>mental do Estado<br />

deve ser a prossecução <strong>da</strong> justiça e que a finali<strong>da</strong>de de uma justa ordem social é garantir a ca<strong>da</strong> um, no<br />

respeito do princípio <strong>da</strong> subsidiarie<strong>da</strong>de, a própria parte nos bens comuns. Isto mesmo sempre o têm<br />

sublinhado a doutrina cristã sobre o Estado e a doutrina social <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. Do ponto de vista histórico, a<br />

questão <strong>da</strong> justa ordem <strong>da</strong> colectivi<strong>da</strong>de entrou numa nova situação com a formação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />

industrial no Oitocentos. A aparição <strong>da</strong> indústria moderna dissolveu as antigas estruturas sociais e<br />

provocou, com a massa dos assalariados, uma mu<strong>da</strong>nça radical na composição <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, no seio <strong>da</strong><br />

qual a relação entre capital e trabalho se tornou a questão decisiva — questão que, sob esta forma, era<br />

desconheci<strong>da</strong> antes. As estruturas de produção e o capital tornaram-se o novo poder que, colocado nas<br />

mãos de poucos, comportava para as massas operárias uma privação de direitos, contra a qual era<br />

preciso revoltar-se.<br />

27. Forçoso é admitir que os representantes <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> só lentamente se foram <strong>da</strong>ndo conta de que se<br />

colocava em moldes novos o problema <strong>da</strong> justa estrutura <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Não faltaram pioneiros: um<br />

deles, por exemplo, foi o Bispo Ketteler de Mogúncia († 1877). Como resposta às necessi<strong>da</strong>des<br />

concretas, surgiram também círculos, associações, uniões, federações e sobretudo novas congregações<br />

religiosas que, no Oitocentos, desceram em campo contra a pobreza, as doenças e as situações de<br />

carência no sector educativo. Em 1891, entrou em cena o magistério pontifício com a Encíclica Rerum<br />

novarum de Leão XIII. Seguiu-se-lhe a Encíclica de Pio XI Quadragesimo anno, em 1931. O Beato Papa<br />

João XXIII publicou, em 1961, a Encíclica Mater et Magistra, enquanto Paulo VI, na Encíclica<br />

Populorum progressio (1967) e na Carta Apostólica Octogesima adveniens (1971), analisou com afinco<br />

a problemática social, que entretanto se tinha agravado sobretudo na América Latina. O meu grande<br />

predecessor João Paulo II deixou-nos uma trilogia de Encíclicas sociais: Laborem exercens (1981),<br />

Sollicitudo rei socialis (1987) e, por último, Centesimus annus (1991). Deste modo, ao enfrentar<br />

77


situações e problemas sempre novos, foi-se desenvolvendo uma doutrina social católica, que em 2004<br />

foi apresenta<strong>da</strong> de modo orgânico no Compêndio <strong>da</strong> doutrina social <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, redigido pelo Pontifício<br />

Conselho « Justiça e Paz ». O marxismo tinha indicado, na revolução mundial e na sua preparação, a<br />

panaceia para a problemática social: através <strong>da</strong> revolução e consequente colectivização dos meios de<br />

produção — asseverava-se em tal doutrina — devia dum momento para o outro caminhar tudo de modo<br />

diverso e melhor. Este sonho desvaneceu-se. Na difícil situação em que hoje nos encontramos por causa<br />

também <strong>da</strong> globalização <strong>da</strong> economia, a doutrina social <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> tornou-se uma indicação fun<strong>da</strong>mental,<br />

que propõe váli<strong>da</strong>s orientações muito para além <strong>da</strong>s fronteiras eclesiais: tais orientações — face ao<br />

progresso em acto — devem ser analisa<strong>da</strong>s em diálogo com todos aqueles que se preocupam seriamente<br />

do homem e do seu mundo.<br />

28. Para definir com maior cui<strong>da</strong>do a relação entre o necessário empenho em prol <strong>da</strong> justiça e o serviço<br />

<strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de, é preciso anotar duas situações de facto que são fun<strong>da</strong>mentais:<br />

a) A justa ordem <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e do Estado é dever central <strong>da</strong> política. Um Estado, que não se regesse<br />

segundo a justiça, reduzir-se-ia a uma grande ban<strong>da</strong> de ladrões, como disse Agostinho uma vez: «<br />

Remota itaque iustitia quid sunt regna nisi magna latrocinia? ». [18] Pertence à estrutura fun<strong>da</strong>mental<br />

do cristianismo a distinção entre o que é de César e o que é de Deus (cf. Mt 22, 21), isto é, a distinção<br />

entre Estado e <strong>Igreja</strong> ou, como diz o Concílio Vaticano II, a autonomia <strong>da</strong>s reali<strong>da</strong>des temporais. [19] O<br />

Estado não pode impor a religião, mas deve garantir a liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong> mesma e a paz entre os aderentes <strong>da</strong>s<br />

diversas religiões; por sua vez, a <strong>Igreja</strong> como expressão social <strong>da</strong> fé cristã tem a sua independência e<br />

vive, assente na fé, a sua forma comunitária, que o Estado deve respeitar. As duas esferas são distintas,<br />

mas sempre em recíproca relação.<br />

A justiça é o objectivo e, consequentemente, também a medi<strong>da</strong> intrínseca de to<strong>da</strong> a política. A política é<br />

mais do que uma simples técnica para a definição dos ordenamentos públicos: a sua origem e o seu<br />

objectivo estão precisamente na justiça, e esta é de natureza ética. Assim, o Estado defronta-se<br />

inevitavelmente com a questão: como realizar a justiça aqui e agora? Mas esta pergunta pressupõe outra<br />

mais radical: o que é a justiça? Isto é um problema que diz respeito à razão prática; mas, para poder<br />

operar rectamente, a razão deve ser continuamente purifica<strong>da</strong> porque a sua cegueira ética, deriva<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

prevalência do interesse e do poder que a deslumbram, é um perigo nunca totalmente eliminado.<br />

Neste ponto, política e fé tocam-se. A fé tem, sem dúvi<strong>da</strong>, a sua natureza específica de encontro com o<br />

Deus vivo — um encontro que nos abre novos horizontes muito para além do âmbito próprio <strong>da</strong> razão.<br />

Ao mesmo tempo, porém, ela serve de força purificadora para a própria razão. Partindo <strong>da</strong> perspectiva<br />

de Deus, liberta-a de suas cegueiras e, conseqüentemente, aju<strong>da</strong>-a a ser mais ela mesma. A fé consente à<br />

razão de realizar melhor a sua missão e ver mais claramente o que lhe é próprio. É aqui que se coloca a<br />

doutrina social católica: esta não pretende conferir à <strong>Igreja</strong> poder sobre o Estado; nem quer impor,<br />

àqueles que não compartilham a fé, perspectivas e formas de comportamento que pertencem a esta.<br />

Deseja simplesmente contribuir para a purificação <strong>da</strong> razão e prestar a própria aju<strong>da</strong> para fazer com que<br />

aquilo que é justo possa, aqui e agora, ser reconhecido e, depois, também realizado.<br />

A doutrina social <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> discorre a partir <strong>da</strong> razão e do direito natural, isto é, a partir <strong>da</strong>quilo que é<br />

conforme à natureza de todo o ser humano. E sabe que não é tarefa <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> fazer ela própria valer<br />

politicamente esta doutrina: quer servir a formação <strong>da</strong> consciência na política e aju<strong>da</strong>r a crescer a<br />

percepção <strong>da</strong>s ver<strong>da</strong>deiras exigências <strong>da</strong> justiça e, simultaneamente, a disponibili<strong>da</strong>de para agir com<br />

base nas mesmas, ain<strong>da</strong> que tal colidisse com situações de interesse pessoal. Isto significa que a<br />

construção de um ordenamento social e estatal justo, pelo qual seja <strong>da</strong>do a ca<strong>da</strong> um o que lhe compete, é<br />

um dever fun<strong>da</strong>mental que deve enfrentar de novo ca<strong>da</strong> geração. Tratando-se de uma tarefa política, não<br />

pode ser encargo imediato <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. Mas, como ao mesmo tempo é uma tarefa humana primária, a<br />

<strong>Igreja</strong> tem o dever de oferecer, por meio <strong>da</strong> purificação <strong>da</strong> razão e através <strong>da</strong> formação ética, a sua<br />

contribuição específica para que as exigências <strong>da</strong> justiça se tornem compreensíveis e politicamente<br />

realizáveis.<br />

A <strong>Igreja</strong> não pode nem deve tomar nas suas próprias mãos a batalha política para realizar a socie<strong>da</strong>de<br />

mais justa possível. Não pode nem deve colocar-se no lugar do Estado. Mas também não pode nem deve<br />

ficar à margem na luta pela justiça. Deve inserir-se nela pela via <strong>da</strong> argumentação racional e deve<br />

despertar as forças espirituais, sem as quais a justiça, que sempre requer renúncias também, não poderá<br />

afirmar-se nem prosperar. A socie<strong>da</strong>de justa não pode ser obra <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>; deve ser realiza<strong>da</strong> pela política.<br />

78


Mas toca à <strong>Igreja</strong>, e profun<strong>da</strong>mente, o empenhar-se pela justiça trabalhando para a abertura <strong>da</strong><br />

inteligência e <strong>da</strong> vontade às exigências do bem.<br />

b) O amor — cáritas — será sempre necessário, mesmo na socie<strong>da</strong>de mais justa. Não há qualquer<br />

ordenamento estatal justo que possa tornar supérfluo o serviço do amor. Quem quer desfazer-se do<br />

amor, prepara-se para se desfazer do homem enquanto homem. Sempre haverá sofrimento que necessita<br />

de consolação e aju<strong>da</strong>. Haverá sempre solidão. Existirão sempre também situações de necessi<strong>da</strong>de<br />

material, para as quais é indispensável uma aju<strong>da</strong> na linha de um amor concreto ao próximo. [20] Um<br />

Estado, que queira prover a tudo e tudo açambarque, torna-se no fim de contas uma instância<br />

burocrática, que não pode assegurar o essencial de que o homem sofredor — todo o homem — tem<br />

necessi<strong>da</strong>de: a amorosa dedicação pessoal. Não precisamos de um Estado que regule e domine tudo, mas<br />

de um Estado que generosamente reconheça e apoie, segundo o princípio de subsidiarie<strong>da</strong>de, as<br />

iniciativas que nascem <strong>da</strong>s diversas forças sociais e conjugam espontanei<strong>da</strong>de e proximi<strong>da</strong>de aos<br />

homens carecidos de aju<strong>da</strong>. A <strong>Igreja</strong> é uma destas forças vivas: nela pulsa a dinâmica do amor suscitado<br />

pelo Espírito de Cristo. Este amor não oferece aos homens apenas uma aju<strong>da</strong> material, mas também<br />

refrigério e cui<strong>da</strong>do para a alma — aju<strong>da</strong> esta muitas vezes mais necessária que o apoio material. A<br />

afirmação de que as estruturas justas tornariam supérfluas as obras de cari<strong>da</strong>de esconde, de fato, uma<br />

concepção materialista do homem: o preconceito segundo o qual o homem viveria « só de pão » (Mt. 4,<br />

4; cf. Dt 8, 3) — convicção que humilha o homem e ignora precisamente aquilo que é mais<br />

especificamente humano.<br />

29. Deste modo, podemos determinar agora mais concretamente, na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, a relação entre o<br />

empenho por um justo ordenamento do Estado e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, por um lado, e a activi<strong>da</strong>de caritativa<br />

organiza<strong>da</strong>, por outro. Viu-se que a formação de estruturas justas não é imediatamente um dever <strong>da</strong><br />

<strong>Igreja</strong>, mas pertence à esfera <strong>da</strong> política, isto é, ao âmbito <strong>da</strong> razão auto-responsável. Nisto, o dever <strong>da</strong><br />

<strong>Igreja</strong> é mediato, enquanto lhe compete contribuir para a purificação <strong>da</strong> razão e o despertar <strong>da</strong>s forças<br />

morais, sem as quais não se constroem estruturas justas, nem estas permanecem operativas por muito<br />

tempo.<br />

Entretanto, o dever imediato de trabalhar por uma ordem justa na socie<strong>da</strong>de é próprio dos fiéis leigos.<br />

Estes, como ci<strong>da</strong>dãos do Estado, são chamados a participar pessoalmente na vi<strong>da</strong> pública. Não podem,<br />

pois, abdicar « <strong>da</strong> múltipla e varia<strong>da</strong> acção económica, social, legislativa, administrativa e cultural,<br />

destina<strong>da</strong> a promover orgânica e institucionalmente o bem comum ». [21] Por conseguinte, é missão dos<br />

fiéis leigos configurar rectamente a vi<strong>da</strong> social, respeitando a sua legítima autonomia e cooperando,<br />

segundo a respectiva competência e sob própria responsabili<strong>da</strong>de, com os outros ci<strong>da</strong>dãos. [22] Embora<br />

as manifestações específicas <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de eclesial nunca possam confundir-se com a activi<strong>da</strong>de do<br />

Estado, no entanto a ver<strong>da</strong>de é que a cari<strong>da</strong>de deve animar a existência inteira dos fiéis leigos e,<br />

consequentemente, também a sua activi<strong>da</strong>de política vivi<strong>da</strong> como « cari<strong>da</strong>de social ». [23]<br />

Caso diverso são as organizações caritativas <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, que constituem um seu opus proprium, um dever<br />

que lhe é congénito, no qual ela não se limita a colaborar colateralmente, mas actua como sujeito<br />

directamente responsável, realizando o que corresponde à sua natureza. A <strong>Igreja</strong> nunca poderá ser<br />

dispensa<strong>da</strong> <strong>da</strong> prática <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de enquanto activi<strong>da</strong>de organiza<strong>da</strong> dos crentes, como aliás nunca haverá<br />

uma situação onde não seja precisa a cari<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> um dos indivíduos cristãos, porque o homem,<br />

além <strong>da</strong> justiça, tem e terá sempre necessi<strong>da</strong>de do amor.<br />

As múltiplas estruturas de serviço caritativo no atual contexto social<br />

30. Antes ain<strong>da</strong> de tentar uma definição do perfil específico <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des eclesiais ao serviço do<br />

homem, quero considerar a situação geral do empenho pela justiça e o amor no mundo atual.<br />

a) Os meios de comunicação de massa tornaram hoje o nosso planeta mais pequeno, aproximando<br />

rapi<strong>da</strong>mente homens e culturas profun<strong>da</strong>mente diversos. Se, às vezes, este « estar juntos » suscita<br />

incompreensões e tensões, o fato, porém, de agora se chegar de forma muito mais imediata ao<br />

conhecimento <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des dos homens constitui sobretudo um apelo a partilhar a sua situação e as<br />

suas dificul<strong>da</strong>des. Ca<strong>da</strong> dia vamos nos tornando conscientes de quanto se sofre no mundo, apesar dos<br />

grandes progressos em campo científico e técnico, por causa de uma miséria multiforme, tanto material<br />

79


como espiritual. Por isso, este nosso tempo requer uma nova disponibili<strong>da</strong>de para socorrer o próximo<br />

necessitado. Sublinhou-o já o Concílio Vaticano II com palavras muito claras: « No nosso tempo, em que<br />

os meios de comunicação são mais rápidos, em que quase se venceu a distância entre os homens, (...) a<br />

ativi<strong>da</strong>de caritativa pode e deve atingir as necessi<strong>da</strong>des de todos os homens ». [24]<br />

Por outro lado — e trata-se de um aspecto provocatório e ao mesmo tempo encorajador do processo de<br />

globalização —, o presente põe à nossa disposição inumeráveis instrumentos para prestar aju<strong>da</strong><br />

humanitária aos irmãos necessitados, não sendo os menos notáveis entre eles os sistemas modernos para<br />

a distribuição de alimento e vestuário, e também para a oferta de habitação e acolhimento. Superando as<br />

fronteiras <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des nacionais, a solicitude pelo próximo tende, assim, a alargar os seus<br />

horizontes ao mundo inteiro. Justamente o pôs em relevo o Concílio Vaticano II: « Entre os sinais do<br />

nosso tempo, é digno de especial menção o crescente e inelutável sentido de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de entre todos<br />

os povos ». [25] Os entes do Estado e as associações humanitárias apadrinham iniciativas com tal<br />

finali<strong>da</strong>de, fazendo-o na maior parte dos casos através de subsídios ou descontos fiscais, os primeiros, e<br />

pondo à disposição verbas consideráveis, as segun<strong>da</strong>s. E assim a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de expressa pela socie<strong>da</strong>de<br />

civil supera significativamente a dos indivíduos.<br />

b) Nesta situação, nasceram e desenvolveram-se numerosas formas de colaboração entre as estruturas<br />

estatais e as eclesiais, que se revelaram frutuosas. As estruturas eclesiais, com a transparência <strong>da</strong> sua<br />

ação e a fideli<strong>da</strong>de ao dever de testemunhar o amor, poderão animar de maneira cristã também as<br />

estruturas civis, favorecendo uma recíproca coordenação que não deixará de potenciar a eficácia do<br />

serviço caritativo. [26] Neste contexto, formaram-se também muitas organizações com fins caritativos<br />

ou filantrópicos, que procuram, face aos problemas sociais e políticos existentes, alcançar soluções<br />

satisfatórias sob o aspecto humanitário. Um fenômeno importante do nosso tempo é a aparição e difusão<br />

de diversas formas de voluntariado, que se ocupam duma plurali<strong>da</strong>de de serviços. [27] Desejo aqui<br />

deixar uma palavra de particular apreço e gratidão a todos aqueles que participam, de diversas formas,<br />

nestas ativi<strong>da</strong>des. Tal empenho generalizado constitui, para os jovens, uma escola de vi<strong>da</strong> que educa<br />

para a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de e a disponibili<strong>da</strong>de a <strong>da</strong>rem não simplesmente qualquer coisa, mas <strong>da</strong>rem-se a si<br />

próprios. À anti-cultura <strong>da</strong> morte, que se exprime por exemplo na droga, contrapõe-se deste modo o<br />

amor que não procura o próprio interesse, mas que, precisamente na disponibili<strong>da</strong>de a « perder-se a si<br />

mesmo » pelo outro (cf. Lc. 17, 33 e paralelos), se revela como cultura <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.<br />

Na <strong>Igreja</strong> Católica e noutras <strong>Igreja</strong>s e Comuni<strong>da</strong>des eclesiais, também apareceram novas formas de<br />

ativi<strong>da</strong>de caritativa e ressurgiram antigas com zelo renovado. São formas nas quais se consegue muitas<br />

vezes estabelecer uma feliz ligação entre evangelização e obras de cari<strong>da</strong>de. Desejo aqui confirmar<br />

explicitamente aquilo que o meu grande predecessor João Paulo II escreveu na sua Encíclica Sollicitudo<br />

rei socialis, [28] quando declarou a disponibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica para colaborar com as<br />

organizações caritativas destas <strong>Igreja</strong>s e Comuni<strong>da</strong>des, uma vez que todos nós somos movidos pela<br />

mesma motivação fun<strong>da</strong>mental e temos diante dos olhos idêntico objetivo: um ver<strong>da</strong>deiro humanismo,<br />

que reconhece no homem a imagem de Deus e quer ajudá-lo a levar uma vi<strong>da</strong> conforme a esta<br />

digni<strong>da</strong>de. Depois, a Encíclica Ut unum sint voltou a sublinhar que, para o progresso rumo a um mundo<br />

melhor, é necessária a voz comum dos cristãos, o seu empenho em « fazer triunfar o respeito pelos<br />

direitos e necessi<strong>da</strong>des de todos, especialmente dos pobres, humilhados e desprotegidos ». [29] Quero<br />

exprimir aqui a minha alegria pelo fato de este desejo ter encontrado um vasto eco por todo o mundo em<br />

numerosas iniciativas.<br />

O perfil específico <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de caritativa <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong><br />

31. O aumento de organizações diversifica<strong>da</strong>s, que se dedicam ao homem em suas várias necessi<strong>da</strong>des,<br />

explica-se fun<strong>da</strong>mentalmente pelo fato de o imperativo do amor ao próximo ter sido inscrito pelo<br />

Criador na própria natureza do homem. Mas, o referido aumento é efeito também <strong>da</strong> presença, no<br />

mundo, do cristianismo, que não cessa de despertar e tornar eficaz este imperativo, muitas vezes<br />

profun<strong>da</strong>mente obscurecido no decurso <strong>da</strong> história. A reforma do paganismo, tenta<strong>da</strong> pelo imperador<br />

Juliano o Apóstata, é apenas um exemplo incipiente de tal eficácia. Neste sentido, a força do<br />

cristianismo propaga-se muito para além <strong>da</strong>s fronteiras <strong>da</strong> fé cristã. Por isso, é muito importante que a<br />

ativi<strong>da</strong>de caritativa <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> mantenha todo o seu esplendor e não se dissolva na organização<br />

assistencial comum, tornando-se uma simples variante <strong>da</strong> mesma. Mas, então quais são os elementos<br />

80


constitutivos que formam a essência <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de cristã e eclesial?<br />

a) Segundo o modelo oferecido pela parábola do bom Samaritano, a cari<strong>da</strong>de cristã é, em primeiro lugar,<br />

simplesmente a resposta àquilo que, numa determina<strong>da</strong> situação, constitui a necessi<strong>da</strong>de imediata: os<br />

famintos devem ser saciados, os nus vestidos, os doentes tratados para se curarem, os presos visitados,<br />

etc. As organizações caritativas <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, a começar pela Cáritas (diocesana, nacional e internacional),<br />

devem fazer o possível para colocar à disposição os correlativos meios e sobretudo os homens e<br />

mulheres que assumam tais tarefas. Relativamente ao serviço que as pessoas realizam em favor dos<br />

doentes, requer-se antes de mais a competência profissional: os socorristas devem ser formados de tal<br />

modo que saibam fazer a coisa justa de modo justo, assumindo também o compromisso de continuar o<br />

tratamento. A competência profissional é uma primeira e fun<strong>da</strong>mental necessi<strong>da</strong>de, mas por si só não<br />

basta. É que se trata de seres humanos, e estes necessitam sempre de algo mais que um tratamento<br />

apenas tecnicamente correto: têm necessi<strong>da</strong>de de humani<strong>da</strong>de, precisam <strong>da</strong> atenção do coração. Todos<br />

os que trabalham nas instituições caritativas <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> devem distinguir-se pelo fato de que não se<br />

limitam a executar habilidosamente a ação conveniente naquele momento, mas dedicam-se ao outro com<br />

as atenções sugeri<strong>da</strong>s pelo coração, de modo que ele sinta a sua riqueza de humani<strong>da</strong>de. Por isso, para<br />

tais agentes, além <strong>da</strong> preparação profissional, requer-se também e sobretudo a « formação do coração »:<br />

é preciso levá-los àquele encontro com Deus em Cristo que neles suscite o amor e abra o seu íntimo ao<br />

outro de tal modo que, para eles, o amor do próximo já não seja um man<strong>da</strong>mento por assim dizer<br />

imposto de fora, mas uma conseqüência resultante <strong>da</strong> sua fé que se torna operativa pelo amor (cf. Gal 5,<br />

6).<br />

b) A ativi<strong>da</strong>de caritativa cristã deve ser independente de partidos e ideologias. Não é um meio para<br />

mu<strong>da</strong>r o mundo de maneira ideológica, nem está ao serviço de estratégias mun<strong>da</strong>nas, mas é atualização<br />

aqui e agora <strong>da</strong>quele amor de que o homem sempre tem necessi<strong>da</strong>de. O tempo moderno, sobretudo a<br />

partir do Oitocentos, aparece dominado por diversas variantes duma filosofia do progresso, cuja forma<br />

mais radical é o marxismo. Uma parte <strong>da</strong> estratégia marxista é a teoria do empobrecimento: esta defende<br />

que, numa situação de poder injusto, quem aju<strong>da</strong> o homem com iniciativas de cari<strong>da</strong>de, coloca-se de fato<br />

ao serviço <strong>da</strong>quele sistema de injustiça, fazendo-o resultar, pelo menos até certo ponto, suportável. Deste<br />

modo fica refreado o potencial revolucionário e, conseqüentemente, bloquea<strong>da</strong> a reviravolta para um<br />

mundo melhor. Por isso, se contesta e ataca a cari<strong>da</strong>de como sistema de conservação do status quo. Na<br />

reali<strong>da</strong>de, esta é uma filosofia desumana. O homem que vive no presente é sacrificado ao moloch do<br />

futuro — um futuro cuja efetiva realização permanece pelo menos duvidosa. Na ver<strong>da</strong>de, a humanização<br />

do mundo não pode ser promovi<strong>da</strong> renunciando, de momento, a comportar-se de modo humano. Só se<br />

contribui para um mundo melhor, fazendo o bem agora e pessoalmente, com paixão e em todo o lado<br />

onde for possível, independentemente de estratégias e programas de partido. O programa do cristão — o<br />

programa do bom Samaritano, o programa de Jesus — é « um coração que vê ». Este coração vê onde há<br />

necessi<strong>da</strong>de de amor, e atua em conseqüência. Obviamente, quando a ativi<strong>da</strong>de caritativa è assumi<strong>da</strong><br />

pela <strong>Igreja</strong> como iniciativa comunitária, à espontanei<strong>da</strong>de do indivíduo há que acrescentar também a<br />

programação, a previdência, a colaboração com outras instituições idênticas.<br />

c) Além disso, a cari<strong>da</strong>de não deve ser um meio em função <strong>da</strong>quilo que hoje é indicado como<br />

proselitismo. O amor é gratuito; não é realizado para alcançar outros fins. [30] Isto, porém, não significa<br />

que a ação caritativa deva, por assim dizer, deixar Deus e Cristo de lado. Sempre está em jogo o homem<br />

todo. Muitas vezes é precisamente a ausência de Deus a raiz mais profun<strong>da</strong> do sofrimento. Quem realiza<br />

a cari<strong>da</strong>de em nome <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, nunca procurará impor aos outros a fé <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. Sabe que o amor, na sua<br />

pureza e gratui<strong>da</strong>de, é o melhor testemunho do Deus em que acreditamos e pelo qual somos impelidos a<br />

amar. O cristão sabe quando é tempo de falar de Deus e quando é justo não o fazer, deixando falar<br />

somente o amor. Sabe que Deus é amor (cf. 1 Jo 4, 8) e torna-Se presente precisamente nos momentos<br />

em que na<strong>da</strong> mais se faz a não ser amar. Sabe — voltando às questões anteriores — que o vilipêndio do<br />

amor é vilipêndio de Deus e do homem, é a tentativa de prescindir de Deus. Conseqüentemente, a<br />

melhor defesa de Deus e do homem consiste precisamente no amor. É dever <strong>da</strong>s organizações caritativas<br />

<strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> reforçar de tal modo esta consciência em seus membros, que estes, através do seu agir — como<br />

também do seu falar, do seu silêncio, do seu exemplo —, se tornem testemunhas credíveis de Cristo.<br />

81


Os responsáveis <strong>da</strong> ação caritativa <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong><br />

32. Por último, devemos ain<strong>da</strong> fixar a nossa atenção sobre os responsáveis pela acção caritativa <strong>da</strong><br />

<strong>Igreja</strong>, a que já aludimos. Das reflexões feitas anteriormente, resulta claramente que o ver<strong>da</strong>deiro sujeito<br />

<strong>da</strong>s várias organizações católicas que realizam um serviço de cari<strong>da</strong>de é a própria <strong>Igreja</strong> — e isto a todos<br />

os níveis, a começar <strong>da</strong>s paróquias passando pelas <strong>Igreja</strong>s particulares até chegar à <strong>Igreja</strong> universal. Por<br />

isso, foi muito oportuna a instituição do Pontifício Conselho Cor Unum, feita pelo meu venerado<br />

predecessor Paulo VI, como instância <strong>da</strong> Santa Sé responsável pela orientação e coordenação entre as<br />

organizações e as ativi<strong>da</strong>des caritativas promovi<strong>da</strong>s pela <strong>Igreja</strong> Católica. Depois, é cônsono à estrutura<br />

episcopal <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> o fato de, nas <strong>Igreja</strong>s particulares, caber aos Bispos enquanto sucessores dos<br />

Apóstolos a primeira responsabili<strong>da</strong>de pela realização, mesmo atualmente, do programa indicado nos<br />

Atos dos Apóstolos (cf. 2, 42-44): a <strong>Igreja</strong> enquanto família de Deus deve ser, hoje como ontem, um<br />

espaço de aju<strong>da</strong> recíproca e simultaneamente um espaço de disponibili<strong>da</strong>de para servir mesmo aqueles<br />

que, fora dela, têm necessi<strong>da</strong>de de aju<strong>da</strong>. No rito de Ordenação Episcopal, o ato ver<strong>da</strong>deiro e próprio de<br />

consagração é precedido por algumas perguntas ao candi<strong>da</strong>to, nas quais se exprimem os elementos<br />

essenciais do seu ofício e são-lhe lembrados os deveres do seu futuro ministério. Neste contexto, o<br />

Ordenando promete expressamente que será, em nome do Senhor, bondoso e compassivo com os pobres<br />

e todos os necessitados de conforto e aju<strong>da</strong>. [31] O Código de Direito Canônico, nos cânones relativos<br />

ao ministério episcopal, não trata explicitamente <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de como âmbito específico <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de<br />

episcopal, falando apenas em geral do dever que tem o Bispo de coordenar as diversas obras de<br />

apostolado no respeito <strong>da</strong> índole própria de ca<strong>da</strong> uma. [32] Recentemente, porém, o Diretório para o<br />

ministério pastoral dos Bispos aprofundou, de forma mais concreta, o dever <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de como tarefa<br />

intrínseca <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> inteira e do Bispo na sua diocese, [33] sublinhando que a prática <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de é um<br />

ato <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> enquanto tal e que também ela, tal como o serviço <strong>da</strong> Palavra e dos Sacramentos, faz parte<br />

<strong>da</strong> essência <strong>da</strong> sua missão originária. [34]<br />

33. No que diz respeito aos colaboradores que realizam, a nível prático, o trabalho caritativo na <strong>Igreja</strong>,<br />

foi dito já o essencial: eles não se devem inspirar nas ideologias do melhoramento do mundo, mas<br />

deixarem-se guiar pela fé que atua pelo amor (cf. Gal 5, 6). Por isso, devem ser pessoas movi<strong>da</strong>s antes<br />

de mais na<strong>da</strong> pelo amor de Cristo, pessoas cujo coração Cristo conquistou com o seu amor, nele<br />

despertando o amor ao próximo. O critério inspirador <strong>da</strong> sua ação deveria ser a afirmação presente na II<br />

Carta aos Coríntios: « O amor de Cristo nos constrange » (5, 14). A consciência de que, n'Ele, o próprio<br />

Deus Se entregou por nós até à morte, deve induzir-nos a viver, não mais para nós mesmos, mas para<br />

Ele e, com Ele, para os outros. Quem ama Cristo, ama a <strong>Igreja</strong> e quer que esta seja ca<strong>da</strong> vez mais<br />

expressão e instrumento do amor que d'Ele dimana. O colaborador de qualquer organização caritativa<br />

católica quer trabalhar com a <strong>Igreja</strong>, e conseqüentemente com o Bispo, para que o amor de Deus se<br />

espalhe no mundo. Com a sua participação na prática eclesial do amor, quer ser testemunha de Deus e de<br />

Cristo e, por isso mesmo, quer fazer bem aos homens gratuitamente.<br />

34. A abertura interior à dimensão católica <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> não poderá deixar de predispor o colaborador a<br />

sintonizar-se com as outras organizações que estão ao serviço <strong>da</strong>s várias formas de necessi<strong>da</strong>de; mas<br />

isso deverá verificar-se no respeito do perfil específico do serviço requerido por Cristo aos seus<br />

discípulos. No seu hino à cari<strong>da</strong>de (cf. 1 Cor 13), São Paulo ensina-nos que a cari<strong>da</strong>de é sempre algo<br />

mais do que mera ativi<strong>da</strong>de: « Ain<strong>da</strong> que distribua todos os meus bens em esmolas e entregue o meu<br />

corpo a fim de ser queimado, se não tiver cari<strong>da</strong>de, de na<strong>da</strong> me aproveita » (v. 3). Este hino deve ser a<br />

Magna Carta de todo o serviço eclesial; nele se encontram resumi<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s as reflexões que fiz sobre o<br />

amor, ao longo desta Carta Encíclica. A ação prática resulta insuficiente se não for palpável nela o amor<br />

pelo homem, um amor que se nutre do encontro com Cristo. A íntima participação pessoal nas<br />

necessi<strong>da</strong>des e no sofrimento do outro torna-se assim um <strong>da</strong>r-se-lhe a mim mesmo: para que o dom não<br />

humilhe o outro, devo não apenas <strong>da</strong>r-lhe qualquer coisa minha, mas <strong>da</strong>r-me a mim mesmo, devo estar<br />

presente no dom como pessoa.<br />

35. Este modo justo de servir torna humilde o agente. Este não assume uma posição de superiori<strong>da</strong>de<br />

face ao outro, por mais miserável que possa ser de momento a sua situação. Cristo ocupou o último lugar<br />

82


no mundo — a cruz — e, precisamente com esta humil<strong>da</strong>de radical, nos redimiu e aju<strong>da</strong> sem cessar.<br />

Quem se acha em condições de aju<strong>da</strong>r há de reconhecer que, precisamente deste modo, é aju<strong>da</strong>do ele<br />

próprio também; não é mérito seu nem título de glória o fato de poder aju<strong>da</strong>r. Esta tarefa é graça. Quanto<br />

mais alguém trabalhar pelos outros, tanto melhor compreenderá e assumirá como própria esta palavra de<br />

Cristo: « Somos servos inúteis » (Lc 17, 10). Na reali<strong>da</strong>de, ele reconhece que age, não em virtude de<br />

uma superiori<strong>da</strong>de ou uma maior eficiência pessoal, mas porque o Senhor lhe concedeu este dom. Às<br />

vezes, a excessiva vastidão <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des e as limitações do próprio agir poderão expô-lo à tentação<br />

do desânimo. Mas é precisamente então que lhe serve de aju<strong>da</strong> saber que, em última instância, ele não<br />

passa de um instrumento nas mãos do Senhor; libertar-se-á assim <strong>da</strong> presunção de dever realizar,<br />

pessoalmente e sozinho, o necessário melhoramento do mundo. Com humil<strong>da</strong>de, fará o que lhe for<br />

possível realizar e, com humil<strong>da</strong>de, confiará o resto ao Senhor. É Deus quem governa o mundo, não nós.<br />

Prestamos-Lhe apenas o nosso serviço por quanto podemos e até onde Ele nos dá a força. Mas, fazer<br />

tudo o que nos for possível e com a força de que dispomos, tal é o dever que mantém o servo bom de<br />

Cristo sempre em movimento: « O amor de Cristo nos constrange » (2 Cor 5, 14).<br />

36. A experiência <strong>da</strong> incomensurabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des pode, por um lado, fazer-nos cair na<br />

ideologia que pretende realizar agora aquilo que o governo do mundo por parte de Deus, pelos vistos,<br />

não consegue: a solução universal de todo o problema. Por outro lado, aquela pode tornar-se uma<br />

tentação para a inércia a partir <strong>da</strong> impressão de que, seja como for, nunca se levaria na<strong>da</strong> a termo. Nesta<br />

situação, o contacto vivo com Cristo é a aju<strong>da</strong> decisiva para prosseguir pela justa estra<strong>da</strong>: nem cair numa<br />

soberba que despreza o homem e, na reali<strong>da</strong>de, na<strong>da</strong> constrói, antes até destrói; nem abandonar-se à<br />

resignação que impediria de deixar-se guiar pelo amor e, deste modo, servir o homem. A oração, como<br />

meio para haurir continuamente força de Cristo, torna-se aqui uma urgência inteiramente concreta.<br />

Quem reza não desperdiça o seu tempo, mesmo quando a situação apresenta to<strong>da</strong>s as características<br />

duma emergência e parece impelir unicamente para a ação. A pie<strong>da</strong>de não afrouxa a luta contra a<br />

pobreza ou mesmo contra a miséria do próximo. A Beata Teresa de Calcutá é um exemplo evidentíssimo<br />

do fato que o tempo dedicado a Deus na oração não só não lesa a eficácia nem a operosi<strong>da</strong>de do amor ao<br />

próximo, mas é realmente a sua fonte inexaurível. Na sua carta para a Quaresma de 1996, esta Beata<br />

escrevia aos seus colaboradores leigos: « Nós precisamos desta união íntima com Deus na nossa vi<strong>da</strong><br />

quotidiana. E como poderemos obtê-la? Através <strong>da</strong> oração ».<br />

37. Chegou o momento de reafirmar a importância <strong>da</strong> oração face ao ativismo e ao secularismo que<br />

ameaça muitos cristãos empenhados no trabalho caritativo. Obviamente o cristão que reza, não pretende<br />

mu<strong>da</strong>r os planos de Deus nem corrigir o que Deus previu; procura, antes, o encontro com o Pai de Jesus<br />

Cristo, pedindo-Lhe que esteja presente, com o conforto do seu Espírito, nele e na sua obra. A<br />

familiari<strong>da</strong>de com o Deus pessoal e o abandono à sua vontade impedem a degra<strong>da</strong>ção do homem,<br />

salvam-no <strong>da</strong> prisão de doutrinas fanáticas e terroristas. Um comportamento autenticamente religioso<br />

evita que o homem se arvore em juiz de Deus, acusando-O de permitir a miséria sem sentir compaixão<br />

pelas suas criaturas. Mas, quem pretender lutar contra Deus tomando como ponto de apoio o interesse do<br />

homem, sobre quem poderá contar quando a ação humana se demonstrar impotente?<br />

38. É certo que Jó pôde lamentar-se com Deus pelo sofrimento, incompreensível e aparentemente<br />

injustificado, presente no mundo. Assim se exprime ele na sua dor: « Oh! Se pudesse encontrá-Lo e<br />

chegar até ao seu próprio trono! (...) Saberia o que Ele iria responder-me e ouviria o que Ele teria para<br />

me dizer. Oporia Ele contra mim o seu grande poder? (...) Por isso, a sua presença me atemoriza;<br />

contemplo-O e tremo diante d'Ele. Deus enervou o meu coração, o Onipotente encheu-me de terror »<br />

(23, 3.5-6. 15-16). Muitas vezes não nos é concedido saber o motivo pelo qual Deus retém o seu braço,<br />

em vez de intervir. Aliás Ele não nos impede sequer de gritar, como Jesus na cruz: « Meu Deus, meu<br />

Deus, porque Me abandonaste? » (Mt 27, 46). Num diálogo orante, havemos de lançar-Lhe em rosto<br />

esta pergunta: « Até quando esperarás, Senhor, Tu que és santo e ver<strong>da</strong>deiro? » (Ap. 6, 10). Santo<br />

Agostinho dá a este nosso sofrimento a resposta <strong>da</strong> fé: « Si comprehendis, non est Deus – se O<br />

compreendesses, não seria Deus ». [35] O nosso protesto não quer desafiar a Deus, nem insinuar n'Ele a<br />

presença de erro, fraqueza ou indiferença. Para o crente, não é possível pensar que Ele seja impotente,<br />

ou então que « esteja a dormir » (cf. 1 Re 18, 27). Antes, a ver<strong>da</strong>de é que até mesmo o nosso clamor<br />

constitui, como na boca de Jesus na cruz, o modo extremo e mais profundo de afirmar a nossa fé no seu<br />

83


poder soberano. Na reali<strong>da</strong>de, os cristãos continuam a crer, não obstante to<strong>da</strong>s as incompreensões e<br />

confusões do mundo circunstante, « na bon<strong>da</strong>de de Deus e no seu amor pelos homens » (Tt. 3, 4).<br />

Apesar de estarem imersos como os outros homens na complexi<strong>da</strong>de dramática <strong>da</strong>s vicissitudes <strong>da</strong><br />

história, eles permanecem inabaláveis na certeza de que Deus é Pai e nos ama, ain<strong>da</strong> que o seu silêncio<br />

seja incompreensível para nós.<br />

39. A fé, a esperança e a cari<strong>da</strong>de caminham juntas. A esperança manifesta-se praticamente nas virtudes<br />

<strong>da</strong> paciência, que não esmorece no bem nem sequer diante de um aparente insucesso, e <strong>da</strong> humil<strong>da</strong>de,<br />

que aceita o mistério de Deus e confia n'Ele mesmo na escuridão. A fé mostra-nos o Deus que entregou<br />

o seu Filho por nós e assim gera em nós a certeza vitoriosa de que isto é mesmo ver<strong>da</strong>de: Deus é amor!<br />

Deste modo, ela transforma a nossa impaciência e as nossas dúvi<strong>da</strong>s em esperança segura de que Deus<br />

tem o mundo nas suas mãos e que, não obstante to<strong>da</strong>s as trevas, Ele vence, como revela de forma<br />

esplendorosa o Apocalipse, no final, com as suas imagens impressionantes. A fé, que toma consciência<br />

do amor de Deus revelado no coração trespassado de Jesus na cruz, suscita por sua vez o amor. Aquele<br />

amor divino é a luz — fun<strong>da</strong>mentalmente, a única — que ilumina incessantemente um mundo às escuras<br />

e nos dá a coragem de viver e agir. O amor é possível, e nós somos capazes de o praticar porque criados<br />

à imagem de Deus. Viver o amor e, deste modo, fazer entrar a luz de Deus no mundo: tal é o convite que<br />

vos queria deixar com a presente Encíclica.<br />

CONCLUSÃO<br />

40. Por fim, olhemos os Santos, aqueles que praticaram de forma exemplar a cari<strong>da</strong>de. Penso, de modo<br />

especial, em Martinho de Tours († 397), primeiro sol<strong>da</strong>do, depois monge e Bispo: como se fosse um<br />

ícone, ele mostra o valor insubstituível do testemunho individual <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de. Às portas de Amiens,<br />

Martinho partilhara metade do seu manto com um pobre; durante a noite, aparece-lhe num sonho o<br />

próprio Jesus trazendo vestido aquele manto, para confirmar a perene vali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sentença evangélica: «<br />

Estava nu e destes-Me de vestir (...). Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos,<br />

a Mim mesmo o fizestes » (Mt 25, 36.40). [36] Mas, na história <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, quantos outros testemunhos<br />

de cari<strong>da</strong>de podem ser citados! Em particular, todo o movimento monástico, logo desde os seus inícios<br />

com Santo Antão Abade († 356), exprime um imenso serviço de cari<strong>da</strong>de para com o próximo. No<br />

encontro « face a face » com aquele Deus que é Amor, o monge sente a impelente exigência de<br />

transformar to<strong>da</strong> a sua vi<strong>da</strong> em serviço do próximo, além do de Deus naturalmente. Assim se explicam<br />

as grandes estruturas de acolhimento, internamento e tratamento que surgiram ao lado dos mosteiros. De<br />

igual modo se explicam as extraordinárias iniciativas de promoção humana e de formação cristã,<br />

destina<strong>da</strong>s primariamente aos mais pobres, de que se ocuparam primeiro as ordens monásticas e<br />

mendicantes e, depois, os vários institutos religiosos masculinos e femininos ao longo de to<strong>da</strong> a história<br />

<strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. Figuras de Santos como Francisco de Assis, Inácio de Loyola, João de Deus, Camilo de Léllis,<br />

Vicente de Paulo, Luísa de Marillac, José B. Cottolengo, João Bosco, Luís Orione, Teresa de Calcutá —<br />

para citar apenas alguns nomes — permanecem modelos insignes de cari<strong>da</strong>de social para todos os<br />

homens de boa vontade. Os Santos são os ver<strong>da</strong>deiros portadores de luz dentro <strong>da</strong> história, porque são<br />

homens e mulheres de fé, esperança e cari<strong>da</strong>de.<br />

41. Entre os Santos, sobressai <strong>Maria</strong>, <strong>Mãe</strong> do Senhor e espelho de to<strong>da</strong> a santi<strong>da</strong>de. No Evangelho de<br />

Lucas, encontramo-La empenha<strong>da</strong> num serviço de cari<strong>da</strong>de à prima Isabel, junto <strong>da</strong> qual permanece «<br />

cerca de três meses » (1, 56) assistindo-a na última fase <strong>da</strong> gravidez. « Magnificat anima mea Dominum<br />

– A minha alma engrandece o Senhor » (Lc 1, 46), disse Ela por ocasião de tal visita, exprimindo assim<br />

todo o programa <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>: não colocar-Se a Si mesma ao centro, mas <strong>da</strong>r espaço ao Deus que<br />

encontra tanto na oração como no serviço ao próximo — só então o mundo se torna bom. <strong>Maria</strong> é<br />

grande, precisamente porque não quer fazer-Se grande a Si mesma, mas engrandecer a Deus. Ela é<br />

humilde: não deseja ser mais na<strong>da</strong> senão a serva do Senhor (cf. Lc 1, 38.48). Sabe que contribui para a<br />

salvação do mundo, não realizando uma sua obra, mas apenas colocando-Se totalmente à disposição <strong>da</strong>s<br />

iniciativas de Deus. É uma mulher de esperança: só porque crê nas promessas de Deus e espera a<br />

salvação de Israel, é que o Anjo pode vir ter com Ela e chamá-La para o serviço decisivo de tais<br />

promessas. É uma mulher de fé: « Feliz de Ti, que acreditaste », diz-lhe Isabel (cf. Lc. 1, 45). O<br />

Magnificat — um retrato, por assim dizer, <strong>da</strong> sua alma — é inteiramente tecido com fios <strong>da</strong> Sagra<strong>da</strong><br />

84


Escritura, com fios tirados <strong>da</strong> Palavra de Deus. Desta maneira se manifesta que Ela Se sente<br />

ver<strong>da</strong>deiramente em casa na Palavra de Deus, dela sai e a ela volta com naturali<strong>da</strong>de. Fala e pensa com a<br />

Palavra de Deus; esta torna-se palavra d'Ela, e a sua palavra nasce <strong>da</strong> Palavra de Deus. Além disso, fica<br />

assim patente que os seus pensamentos estão em sintonia com os de Deus, que o d'Ela é um querer<br />

juntamente com Deus. Vivendo intimamente permea<strong>da</strong> pela Palavra de Deus, Ela pôde tornar-Se mãe <strong>da</strong><br />

Palavra encarna<strong>da</strong>. Enfim, <strong>Maria</strong> é uma mulher que ama. E como poderia ser de outro modo? Enquanto<br />

crente que na fé pensa com os pensamentos de Deus e quer com a vontade de Deus, Ela não pode ser<br />

senão uma mulher que ama. Isto mesmo o intuímos nós nos gestos silenciosos que nos referem os relatos<br />

evangélicos <strong>da</strong> infância. Vemo-la na delicadeza com que, em Caná, se <strong>da</strong> conta <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de em que<br />

se acham os esposos e apresenta-a a Jesus. Vemo-la na humil<strong>da</strong>de com que Ela aceita ser transcura<strong>da</strong> no<br />

período <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> pública de Jesus, sabendo que o Filho deve fun<strong>da</strong>r uma nova família e que a hora <strong>da</strong><br />

<strong>Mãe</strong> chegará apenas no momento <strong>da</strong> cruz, que será a ver<strong>da</strong>deira hora de Jesus (cf. Jo. 2, 4; 13, 1). Então,<br />

quando os discípulos tiverem fugido, <strong>Maria</strong> permanecerá junto <strong>da</strong> cruz (cf. Jo. 19, 25-27); mais tarde, na<br />

hora de Pentecostes, serão eles a juntar-se ao redor d'Ela à espera do Espírito Santo (cf. At. 1, 14).<br />

42. À vi<strong>da</strong> dos Santos, não pertence somente a sua biografia terrena, mas também o seu viver e agir em<br />

Deus depois <strong>da</strong> morte. Nos Santos, torna-se óbvio como quem caminha para Deus não se afasta dos<br />

homens, antes pelo contrário torna-se-lhes ver<strong>da</strong>deiramente vizinho. Em ninguém, vemos melhor isto do<br />

que em <strong>Maria</strong>. A palavra do Crucificado ao discípulo — a João e, através dele, a todos os discípulos de<br />

Jesus: « Eis aí a tua mãe » (Jo. 19, 27) — torna-se sempre de novo ver<strong>da</strong>deira no decurso <strong>da</strong>s gerações.<br />

<strong>Maria</strong> tornou-Se realmente <strong>Mãe</strong> de todos os crentes. À sua bon<strong>da</strong>de materna e bem assim à sua pureza e<br />

beleza virginal, recorrem os homens de todos os tempos e lugares do mundo nas suas necessi<strong>da</strong>des e<br />

esperanças, nas suas alegrias e sofrimentos, nos seus momentos de solidão, mas também na partilha<br />

comunitária; e sempre experimentam o benefício <strong>da</strong> sua bon<strong>da</strong>de, o amor inexaurível que Ela exala do<br />

fundo do seu coração. Os testemunhos de gratidão, tributados a Ela em todos os continentes e culturas,<br />

são o reconhecimento <strong>da</strong>quele amor puro que não se busca a si próprio, mas quer simplesmente o bem.<br />

A devoção dos fiéis mostra, ao mesmo tempo, a infalível intuição de como um tal amor é possível: é-o<br />

graças à mais íntima união com Deus, em virtude <strong>da</strong> qual se fica totalmente permeado por Ele —<br />

condição esta que permite, a quem bebeu na fonte do amor de Deus, tornar-se ele próprio uma fonte « <strong>da</strong><br />

qual jorram rios de água viva » (Jo. 7, 38). <strong>Maria</strong>, Virgem e <strong>Mãe</strong>, mostra-nos o que é o amor e donde<br />

este tem a sua origem e recebe incessantemente a sua força. A Ela confiamos a <strong>Igreja</strong>, a sua missão ao<br />

serviço do amor:<br />

“Santa <strong>Maria</strong>, <strong>Mãe</strong> de Deus, Vós destes ao mundo a luz ver<strong>da</strong>deira, Jesus, vosso Filho – Filho de Deus.<br />

Entregastes-Vos completamente ao chamamento de Deus e assim Vos tornastes fonte <strong>da</strong> bon<strong>da</strong>de que<br />

brota d'Ele. Mostrai-nos Jesus. Guiai-nos para Ele. Ensinai-nos a conhecê-Lo e a amá-Lo, para<br />

podermos também nós tornar-nos capazes de ver<strong>da</strong>deiro amor e de ser fontes de água viva no meio de<br />

um mundo sequioso.”<br />

Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 25 de Dezembro — soleni<strong>da</strong>de do Natal do Senhor — de<br />

2005, primeiro ano de Pontificado.<br />

BENEDICTUS PP. <strong>XVI</strong><br />

Fonte: http://www.vatican.va<br />

CARTA ENCÍCLICA<br />

SPE SALVI<br />

DO SUMO PONTÍFICE BENTO <strong>XVI</strong><br />

AOS BISPOS, AOS PRESBÍTEROS, AOS DIÁCONOS, ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E A<br />

TODOS OS FIÉIS LEIGOS SOBRE A ESPERANÇA CRISTÃ<br />

Introdução<br />

1. « SPE SALVI facti sumus » – é na esperança que fomos salvos: diz São Paulo aos Romanos e a nós<br />

também (Rm 8,24). A « redenção », a salvação, segundo a fé cristã, não é um simples <strong>da</strong>do de fato. A<br />

redenção é-nos ofereci<strong>da</strong> no sentido que nos foi <strong>da</strong><strong>da</strong> a esperança, uma esperança fidedigna, graças à<br />

qual podemos enfrentar o nosso tempo presente: o presente, ain<strong>da</strong> que custoso, pode ser vivido e aceito,<br />

85


se levar a uma meta e se pudermos estar seguros desta meta, se esta meta for tão grande que justifique a<br />

canseira do caminho. E imediatamente se levanta a questão: mas de que gênero é uma tal esperança para<br />

poder justificar a afirmação segundo a qual a partir dela, e simplesmente porque ela existe, nós fomos<br />

redimidos? E de que tipo de certeza se trata?<br />

A fé é esperança<br />

2. Antes de nos debruçarmos sobre estas questões, hoje particularmente senti<strong>da</strong>s, devemos escutar com<br />

um pouco mais de atenção o testemunho <strong>da</strong> Bíblia sobre a esperança. Esta é, de fato, uma palavra central<br />

<strong>da</strong> fé bíblica, a ponto de, em várias passagens, ser possível intercambiar os termos « fé » e « esperança ».<br />

Assim, a Carta aos Hebreus liga estreitamente a « plenitude <strong>da</strong> fé » (10,22) com a « imutável profissão<br />

<strong>da</strong> esperança » (10,23). De igual modo, quando a Primeira Carta de Pedro exorta os cristãos a estarem<br />

sempre prontos a responder a propósito do logos – o sentido e a razão – <strong>da</strong> sua esperança (3,15), «<br />

esperança » equivale a « fé ». Quão determinante se revelasse para a consciência dos primeiros cristãos<br />

o fato de terem recebido o dom de uma esperança fidedigna, manifesta-se também nos textos onde se<br />

compara a existência cristã com a vi<strong>da</strong> anterior à fé ou com a situação dos adeptos de outras religiões.<br />

Paulo lembra aos Efésios que, antes do seu encontro com Cristo, estavam « sem esperança e sem Deus<br />

no mundo » (Ef 2,12). Naturalmente, ele sabe que eles tinham seguido deuses, que tiveram uma religião,<br />

mas os seus deuses revelaram-se discutíveis e, dos seus mitos contraditórios, não emanava qualquer<br />

esperança. Apesar de terem deuses, estavam « sem Deus » e, conseqüentemente, achavam-se num<br />

mundo tenebroso, perante um futuro obscuro. « In nihil ab nihilo quam cito recidimus » (No na<strong>da</strong>, do<br />

na<strong>da</strong>, quão cedo recaímos) diz um epitáfio <strong>da</strong>quela época; palavras nas quais aparece, sem rodeios,<br />

aquilo a que Paulo alude. Ao mesmo tempo, diz aos Tessalonicenses: não deveis « entristecer-vos como<br />

os outros que não têm esperança » (1 Ts 4,13). Aparece aqui também como elemento distintivo dos<br />

cristãos o fato de estes terem um futuro: não é que conheçam em detalhe o que os espera, mas sabem em<br />

termos gerais que a sua vi<strong>da</strong> não acaba no vazio. Somente quando o futuro é certo como reali<strong>da</strong>de<br />

positiva, é que se torna vivível também o presente. Sendo assim, podemos agora dizer: o cristianismo<br />

não era apenas uma « boa nova », ou seja, uma comunicação de conteúdos até então ignorados. Em<br />

linguagem atual, dir-se-ia: a mensagem cristã não era só « informativa », mas « performativa ».<br />

Significa isto que o Evangelho não é apenas uma comunicação de reali<strong>da</strong>des que se podem saber, mas<br />

uma comunicação que gera fatos e mu<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>. A porta tenebrosa do tempo, do futuro, foi aberta de par<br />

em par. Quem tem esperança, vive diversamente; foi-lhe <strong>da</strong><strong>da</strong> uma vi<strong>da</strong> nova.<br />

3. Porém, agora coloca-se a questão: em que consiste esta esperança que, enquanto esperança, é «<br />

redenção »? Pois bem, o núcleo <strong>da</strong> resposta encontra-se no trecho <strong>da</strong> Carta aos Efésios já citado: os<br />

Efésios, antes do encontro com Cristo, estavam sem esperança, porque estavam « sem Deus no mundo ».<br />

Chegar a conhecer Deus, o ver<strong>da</strong>deiro Deus: isto significa receber esperança. A nós, que desde sempre<br />

convivemos com o conceito cristão de Deus e a ele nos habituamos, a posse duma tal esperança que<br />

provém do encontro real com este Deus quase nos passa despercebi<strong>da</strong>. O exemplo de uma santa <strong>da</strong> nossa<br />

época pode, de certo modo, aju<strong>da</strong>r-nos a entender o que significa encontrar pela primeira vez e<br />

realmente este Deus. Refiro-me a Josefina Bakhita, uma africana canoniza<strong>da</strong> pelo Papa João Paulo II.<br />

Nascera por volta de 1869 – ela mesma não sabia a <strong>da</strong>ta precisa – no Darfur, Sudão. Aos nove anos de<br />

i<strong>da</strong>de foi rapta<strong>da</strong> pelos traficantes de escravos, espanca<strong>da</strong> barbaramente e vendi<strong>da</strong> cinco vezes nos<br />

mercados do Sudão. Por último, acabou escrava ao serviço <strong>da</strong> mãe e <strong>da</strong> esposa de um general, onde era<br />

diariamente sevicia<strong>da</strong> até ao sangue; resultado disso mesmo foram as 144 cicatrizes que lhe ficaram para<br />

to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>. Finalmente, em 1882, foi compra<strong>da</strong> por um comerciante italiano para o cônsul Callisto<br />

Legnani que, ante a avança<strong>da</strong> dos mahdistas, voltou para a Itália. Aqui, depois de « patrões » tão<br />

terríveis que a tiveram como sua proprie<strong>da</strong>de até agora, Bakhita acabou por conhecer um « patrão »<br />

totalmente diferente – no dialeto veneziano que agora tinha aprendido, chamava « paron » ao Deus vivo,<br />

ao Deus de Jesus Cristo. Até então só tinha conhecido patrões que a desprezavam e maltratavam ou, na<br />

melhor <strong>da</strong>s hipóteses, a consideravam uma escrava útil. Mas agora ouvia dizer que existe um « paron »<br />

acima de todos os patrões, o Senhor de todos os senhores, e que este Senhor é bom, a bon<strong>da</strong>de em<br />

pessoa. Soube que este Senhor também a conhecia, tinha-a criado; mais ain<strong>da</strong>, amava-a. Também ela era<br />

ama<strong>da</strong>, e precisamente pelo « Paron » supremo, diante do qual todos os outros patrões não passam de<br />

miseráveis servos. Ela era conheci<strong>da</strong>, ama<strong>da</strong> e espera<strong>da</strong>. Mais ain<strong>da</strong>, este Patrão tinha enfrentado<br />

pessoalmente o destino de ser flagelado e agora estava à espera dela « à direita de Deus Pai ». Agora ela<br />

86


tinha « esperança »; já não aquela pequena esperança de achar patrões menos cruéis, mas a grande<br />

esperança: eu sou definitivamente ama<strong>da</strong> e aconteça o que acontecer, eu sou espera<strong>da</strong> por este Amor.<br />

Assim a minha vi<strong>da</strong> é boa. Mediante o conhecimento desta esperança, ela estava « redimi<strong>da</strong> », já não se<br />

sentia escrava, mas uma livre filha de Deus. Entendia aquilo que Paulo queria dizer quando lembrava<br />

aos Efésios que, antes, estavam sem esperança e sem Deus no mundo: sem esperança porque sem Deus.<br />

Por isso, quando quiseram levá-la de novo para o Sudão, Bakhita negou-se; não estava disposta a deixarse<br />

separar novamente do seu « Paron ». A 9 de Janeiro de 1890, foi batiza<strong>da</strong> e crisma<strong>da</strong> e recebeu a<br />

Sagra<strong>da</strong> Comunhão <strong>da</strong>s mãos do Patriarca de Veneza. A 8 de Dezembro de 1896, em Verona,<br />

pronunciou os votos na Congregação <strong>da</strong>s Irmãs Canossianas e desde então, a par dos serviços na<br />

sacristia e na portaria do convento, em várias viagens pela Itália procurou sobretudo incitar à missão: a<br />

libertação recebi<strong>da</strong> através do encontro com o Deus de Jesus Cristo, sentia que devia estendê-la, tinha de<br />

ser <strong>da</strong><strong>da</strong> também a outros, ao maior número possível de pessoas. A esperança, que nascera para ela e a «<br />

redimira », não podia guardá-la para si; esta esperança devia chegar a muitos, chegar a todos.<br />

O conceito de esperança basea<strong>da</strong> sobre a fé no Novo Testamento e na <strong>Igreja</strong> primitiva<br />

4. Antes de enfrentar a questão de saber se também para nós o encontro com aquele Deus que, em<br />

Cristo, nos mostrou a sua Face e abriu o seu Coração poderá ser « performativo » e não somente «<br />

informativo », ou seja, se poderá transformar a nossa vi<strong>da</strong> a ponto de nos fazer sentir redimidos através<br />

<strong>da</strong> esperança que o mesmo exprime, voltemos de novo à <strong>Igreja</strong> primitiva. Não é difícil notar como a<br />

experiência <strong>da</strong> humilde escrava africana Bakhita foi também a experiência de muitas pessoas<br />

maltrata<strong>da</strong>s e condena<strong>da</strong>s à escravidão no tempo do cristianismo nascente. O cristianismo não tinha<br />

trazido uma mensagem sócio-revolucionária semelhante à de Espártaco que tinha fracassado após lutas<br />

cruentas. Jesus não era Espártaco, não era um guerreiro em luta por uma libertação política, como<br />

Barrabás ou Bar-Kochba. Aquilo que Jesus – Ele mesmo morto na cruz – tinha trazido era algo de<br />

totalmente distinto: o encontro com o Senhor de todos os senhores, o encontro com o Deus vivo e, deste<br />

modo, o encontro com uma esperança que era mais forte do que os sofrimentos <strong>da</strong> escravatura e, por isso<br />

mesmo, transformava a partir de dentro a vi<strong>da</strong> e o mundo. A novi<strong>da</strong>de do que tinha acontecido revela-se,<br />

com a máxima evidência, na Carta de São Paulo a filêmon. Trata-se de uma carta, muito pessoal, que<br />

Paulo escreve no cárcere e entrega ao escravo fugitivo Onésimo para o seu patrão – precisamente<br />

filêmon. É ver<strong>da</strong>de, Paulo envia de novo o escravo para o seu patrão, de quem tinha fugido, e fá-lo não<br />

impondo, mas suplicando: « Venho pedir-te por Onésimo, meu filho, que gerei na prisão [...]. De novo<br />

to enviei e tu torna a recebê-lo, como às minhas entranhas [...]. Talvez ele se tenha apartado de ti por<br />

algum tempo, para que tu o recobrasses para sempre, não já como escravo, mas, em vez de escravo,<br />

como irmão muito amado » (Flm 10-16). Os homens que, segundo o próprio estado civil, se relacionam<br />

entre si como patrões e escravos, quando se tornaram membros <strong>da</strong> única <strong>Igreja</strong> passaram as ser entre si<br />

irmãos e irmãs – assim se tratavam os cristãos mutuamente. Em virtude do batismo, tinham sido<br />

regenerados, tinham bebido do mesmo Espírito e recebiam conjuntamente, um ao lado do outro, o Corpo<br />

do Senhor. Apesar de as estruturas externas permanecerem as mesmas, isto transformava a socie<strong>da</strong>de a<br />

partir de dentro. Se a Carta aos Hebreus diz que os cristãos não têm aqui neste mundo uma mora<strong>da</strong><br />

permanente, mas procuram a futura (cf. Heb 11, 13-14; Fil 3,20), isto não significa de modo algum adiar<br />

para uma perspectiva futura: a socie<strong>da</strong>de presente é reconheci<strong>da</strong> pelos cristãos como uma socie<strong>da</strong>de<br />

imprópria; eles pertencem a uma socie<strong>da</strong>de nova, rumo à qual caminham e que, na sua peregrinação, é<br />

antecipa<strong>da</strong>.<br />

5. Devemos acrescentar ain<strong>da</strong> um outro ponto de vista. A Primeira Carta aos Coríntios (1,18-31)<br />

mostra-nos que uma grande parte dos primeiros cristãos pertencia às classes baixas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e, por<br />

isso mesmo, se sentia livre para a experiência <strong>da</strong> nova esperança, como constatamos no exemplo de<br />

Bakhita. Porém, já desde os começos, havia também conversões nas classes aristocráticas e cultas, visto<br />

que também estas viviam « sem esperança e sem Deus no mundo ». O mito tinha perdido a sua<br />

credibili<strong>da</strong>de; a religião romana de Estado tinha-se esclerosado em mero cerimonial, que se realizava<br />

escrupulosamente, mas reduzido já simplesmente a uma « religião política ». O racionalismo filosófico<br />

tinha relegado os deuses para o campo do irreal. O Divino era visto de variados modos nas forças<br />

cósmicas, mas um Deus a Quem se podia rezar não existia. Paulo ilustra, de forma absolutamente<br />

apropria<strong>da</strong>, a problemática essencial <strong>da</strong> religião de então, quando contrapõe à vi<strong>da</strong> « segundo Cristo »<br />

87


uma vi<strong>da</strong> sob o domínio dos « elementos do mundo » (Col 2,8). Nesta perspectiva, pode ser esclarecedor<br />

um texto de São Gregório Nazianzeno. Diz ele que, no momento em que os magos guiados pela estrela<br />

adoraram Cristo, o novo rei, deu-se por encerra<strong>da</strong> a astrologia, pois agora as estrelas giram segundo a<br />

órbita determina<strong>da</strong> por Cristo. De fato, nesta cena fica inverti<strong>da</strong> a concepção do mundo de então, que<br />

hoje, de um modo distinto, aparece de novo florescente. Não são os elementos do cosmo, as leis <strong>da</strong><br />

matéria que, no fim <strong>da</strong>s contas, governam o mundo e o homem, mas é um Deus pessoal que governa as<br />

estrelas, ou seja, o universo; as leis <strong>da</strong> matéria e <strong>da</strong> evolução não são a última instância, mas razão,<br />

vontade, amor: uma Pessoa. E se conhecemos esta Pessoa e Ela nos conhece, então ver<strong>da</strong>deiramente o<br />

poder inexorável dos elementos materiais deixa de ser a última instância; deixamos de ser escravos do<br />

universo e <strong>da</strong>s suas leis, então somos livres. Tal consciência impeliu na antigui<strong>da</strong>de os ânimos sinceros a<br />

in<strong>da</strong>gar. O céu não está vazio. A vi<strong>da</strong> não é um simples produto <strong>da</strong>s leis e <strong>da</strong> casuali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> matéria,<br />

mas em tudo e, contemporaneamente, acima de tudo há uma vontade pessoal, há um Espírito que em<br />

Jesus Se revelou como Amor.<br />

6. Os sarcófagos dos primórdios do cristianismo ilustram visivelmente esta concepção (com a morte<br />

diante dos olhos a questão do significado <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> torna-se inevitável). A figura de Cristo é interpreta<strong>da</strong>,<br />

nos antigos sarcófagos, sobretudo através de duas imagens: a do filósofo e a do pastor. Em geral, por<br />

filosofia não se entendia então uma difícil disciplina acadêmica, tal como ela se apresenta hoje. O<br />

filósofo era antes aquele que sabia ensinar a arte essencial: a arte de ser retamente homem, a arte de<br />

viver e de morrer. Certamente, já há muito tempo que os homens se tinham apercebido de que boa parte<br />

dos que circulavam como filósofos, como mestres de vi<strong>da</strong>, não passavam de charlatões que com suas<br />

palavras granjeavam dinheiro, enquanto sobre a ver<strong>da</strong>deira vi<strong>da</strong> na<strong>da</strong> tinham a dizer. Isto era mais uma<br />

razão para se procurar o ver<strong>da</strong>deiro filósofo que soubesse realmente indicar o itinerário <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Quase<br />

ao fim do século terceiro, encontramos pela primeira vez em Roma, no sarcófago de um menino e no<br />

contexto <strong>da</strong> ressurreição de Lázaro, a figura de Cristo como o ver<strong>da</strong>deiro filósofo que, numa mão,<br />

segura o Evangelho e, na outra, o bastão do vian<strong>da</strong>nte, próprio do filósofo. Com este bastão, Ele vence a<br />

morte; o Evangelho traz a ver<strong>da</strong>de que os filósofos peregrinos tinham buscado em vão. Nesta imagem,<br />

que sucessivamente por um longo período havia de perdurar na arte dos sarcófagos, torna-se evidente<br />

aquilo que tanto as pessoas cultas como as simples encontravam em Cristo: Ele diz-nos quem é na<br />

reali<strong>da</strong>de o homem e o que ele deve fazer para ser ver<strong>da</strong>deiramente homem. Ele indica-nos o caminho, e<br />

este caminho é a ver<strong>da</strong>de. Ele mesmo é simultaneamente um e outra, sendo por isso também a vi<strong>da</strong> de<br />

que todos nós an<strong>da</strong>mos à procura. Ele indica ain<strong>da</strong> o caminho para além <strong>da</strong> morte; só quem tem a<br />

possibili<strong>da</strong>de de fazer isto é um ver<strong>da</strong>deiro mestre de vi<strong>da</strong>. O mesmo se torna visível na imagem do<br />

pastor. Tal como sucedia com a representação do filósofo, assim também na figura do pastor a <strong>Igreja</strong><br />

primitiva podia apelar-se a modelos existentes <strong>da</strong> arte romana. Nesta, o pastor era, em geral, expressão<br />

do sonho de uma vi<strong>da</strong> serena e simples de que as pessoas, na confusão <strong>da</strong> grande ci<strong>da</strong>de, sentiam<br />

sau<strong>da</strong>de. Agora a imagem era li<strong>da</strong> no âmbito de um novo cenário que lhe conferia um conteúdo mais<br />

profundo: « O Senhor é meu pastor, na<strong>da</strong> me falta [...] Mesmo que atravesse vales sombrios, nenhum<br />

mal temerei, porque estais comigo » (Sal 23[22], 1.4). O ver<strong>da</strong>deiro pastor é Aquele que conhece<br />

também o caminho que passa pelo vale <strong>da</strong> morte; Aquele que, mesmo na estra<strong>da</strong> <strong>da</strong> derradeira solidão,<br />

onde ninguém me pode acompanhar, caminha comigo servindo-me de guia ao atravessá-la: Ele mesmo<br />

percorreu esta estra<strong>da</strong>, desceu ao reino <strong>da</strong> morte, venceu-a e voltou para nos acompanhar a nós agora e<br />

nos <strong>da</strong>r a certeza de que, juntamente com Ele, acha-se uma passagem. A certeza de que existe Aquele<br />

que, mesmo na morte, me acompanha e com o seu « bastão e o seu cajado me conforta », de modo que «<br />

não devo temer nenhum mal » (cf. Sal 23[22],4): esta era a nova « esperança » que surgia na vi<strong>da</strong> dos<br />

crentes.<br />

7. Devemos voltar, uma vez mais, ao Novo Testamento. No décimo primeiro capítulo <strong>da</strong> Carta aos<br />

Hebreus (v. 1), encontra-se, por assim dizer, uma certa definição <strong>da</strong> fé que entrelaça estreitamente esta<br />

virtude com a esperança. À volta <strong>da</strong> palavra central desta frase começou a gerar-se desde a Reforma,<br />

uma discussão entre os exegetas, mas que parece hoje encaminhar-se para uma interpretação comum.<br />

Por enquanto, deixo o termo em questão sem traduzir. A frase soa, pois, assim: « A fé é hypostasis <strong>da</strong>s<br />

coisas que se esperam; prova <strong>da</strong>s coisas que não se vêem ». Para os Padres e para os teólogos <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de<br />

Média era claro que a palavra grega hypostasis devia ser traduzi<strong>da</strong> em latim pelo termo substantia. De<br />

fato, a tradução latina do texto, feita na <strong>Igreja</strong> antiga, diz: « Est autem fides speran<strong>da</strong>rum substantia<br />

88


erum, argumentum non apparentium – a fé é a “substância” <strong>da</strong>s coisas que se esperam; a prova <strong>da</strong>s<br />

coisas que não se vêem ». Tomás de Aquino, servindo-se <strong>da</strong> terminologia <strong>da</strong> tradição filosófica em que<br />

se encontra, explica: a fé é um « habitus », ou seja, uma predisposição constante do espírito, em virtude<br />

do qual a vi<strong>da</strong> eterna tem início em nós e a razão é leva<strong>da</strong> a consentir naquilo que não vê. Deste modo, o<br />

conceito de « substância » é modificado para significar que pela fé, de forma incoativa – poderíamos<br />

dizer « em gérmen » e portanto segundo a « substância » – já estão presentes em nós as coisas que se<br />

esperam: a totali<strong>da</strong>de, a vi<strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira. E precisamente porque a coisa em si já está presente, esta<br />

presença <strong>da</strong>quilo que há de vir cria também certeza: esta « coisa » que deve vir ain<strong>da</strong> não é visível no<br />

mundo externo (não « aparece »), mas pelo fato de a trazermos, como reali<strong>da</strong>de incoativa e dinâmica<br />

dentro de nós, surge já agora uma certa percepção dela. Para Lutero, que não nutria muita simpatia pela<br />

Carta aos Hebreus em si própria, o conceito de « substância », no contexto <strong>da</strong> sua visão <strong>da</strong> fé, na<strong>da</strong><br />

significava. Por isso, interpretou o termo hipóstase/substância não no sentido objetivo (de reali<strong>da</strong>de<br />

presente em nós), mas no subjetivo, isto é, como expressão de uma atitude interior e, conseqüentemente,<br />

teve naturalmente de entender também o termo argumentum como uma disposição do sujeito. No século<br />

XX, esta interpretação impôs-se também na exegese católica – pelo menos na Alemanha – de modo que<br />

a tradução ecumênica em alemão do Novo Testamento, aprova<strong>da</strong> pelos Bispos diz: « Glaube aber ist:<br />

Feststehen in dem, was man erhofft, Überzeugtsein von dem, was man nicht sieht » (fé é: permanecer<br />

firmes naquilo que se espera, estar convencidos <strong>da</strong>quilo que não se vê). Em si mesmo, isto não está<br />

errado; mas não é o sentido do texto, porque o termo grego usado (elenchos) não tem o valor subjetivo<br />

de « convicção », mas o valor objetivo de « prova ». Com razão, pois, a recente exegese protestante<br />

chegou a uma convicção diversa: « Agora, porém, já não restam dúvi<strong>da</strong>s de que esta interpretação<br />

protestante, ti<strong>da</strong> como clássica, é insustentável ». A fé não é só uma inclinação <strong>da</strong> pessoa para reali<strong>da</strong>des<br />

que hão de vir, mas estão ain<strong>da</strong> totalmente ausentes; ela dá-nos algo. Dá-nos já agora algo <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de<br />

espera<strong>da</strong>, e esta reali<strong>da</strong>de presente constitui para nós uma « prova » <strong>da</strong>s coisas que ain<strong>da</strong> não se vêem.<br />

Ela atrai o futuro para dentro do presente, de modo que aquele já não é o puro « ain<strong>da</strong> não ». O fato de<br />

este futuro existir, mu<strong>da</strong> o presente; o presente é tocado pela reali<strong>da</strong>de futura, e assim as coisas futuras<br />

derramam-se naquelas presentes e as presentes nas futuras.<br />

8. Esta explicação fica ain<strong>da</strong> mais reforça<strong>da</strong> e aplica<strong>da</strong> à vi<strong>da</strong> concreta, se considerarmos o versículo 34<br />

do décimo capítulo <strong>da</strong> Carta aos Hebreus que, sob o aspecto <strong>da</strong> língua e do conteúdo, tem a ver com<br />

esta definição de uma fé perpassa<strong>da</strong> de esperança e prepara-a. No texto, o autor fala aos crentes que<br />

viveram a experiência <strong>da</strong> perseguição, dizendo-lhes: « Não só vos compadecestes dos encarcerados, mas<br />

aceitastes com alegria a confiscação dos vossos bens (hyparchonton – Vg: bonorum), sabendo que<br />

possuís uma riqueza melhor (hyparxin – Vg: substantiam) e imperecível ». Hyparchonta são as<br />

proprie<strong>da</strong>des, aquilo que na vi<strong>da</strong> terrena constitui a sustentação, precisamente a base, a « substância » <strong>da</strong><br />

qual se necessita para viver. Esta « substância », a segurança normal para a vi<strong>da</strong>, foi tira<strong>da</strong> aos cristãos<br />

durante a perseguição. Eles suportaram-no, porque em todo o caso consideravam transcurável esta<br />

substância material. Podiam prescindir dela, porque tinham achado uma « base » melhor para a sua<br />

existência – uma base que permanece e que ninguém lhes pode tirar. Não é possível deixar de ver a<br />

ligação existente entre estas duas espécies de « substância », entre a sustentação ou base material e a<br />

afirmação <strong>da</strong> fé como « base », como « substância » que permanece. A fé confere à vi<strong>da</strong> uma nova base,<br />

um novo fun<strong>da</strong>mento, sobre o qual o homem se pode apoiar, e conseqüentemente, o fun<strong>da</strong>mento<br />

habitual, ou seja a confiança na riqueza material, relativiza-se. Cria-se uma nova liber<strong>da</strong>de diante deste<br />

fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> que só aparentemente é capaz de sustentar, embora o seu significado normal não<br />

seja certamente negado com isso. Esta nova liber<strong>da</strong>de, a consciência <strong>da</strong> nova « substância » que nos foi<br />

<strong>da</strong><strong>da</strong>, ficou patente no martírio, quando as pessoas se opuseram à prepotência <strong>da</strong> ideologia e dos seus<br />

órgãos políticos e, com a sua morte, renovaram o mundo. Mas não é só no martírio... Aquela<br />

manifestou-se sobretudo nas grandes renúncias a começar dos monges <strong>da</strong> antigui<strong>da</strong>de até Francisco de<br />

Assis e às pessoas do nosso tempo que, nos Institutos e Movimentos religiosos atuais, deixaram tudo<br />

para levar aos homens a fé e o amor de Cristo, para aju<strong>da</strong>r as pessoas que sofrem no corpo e na alma.<br />

Aqui a nova « substância » confirmou-se realmente como « substância »: <strong>da</strong> esperança destas pessoas<br />

toca<strong>da</strong>s por Cristo brotou esperança para outros que viviam na escuridão e sem esperança. Ficou<br />

demonstrado que esta nova vi<strong>da</strong> possui realmente « substância » e é « substância » que suscita vi<strong>da</strong> para<br />

os outros. Para nós, que vemos tais figuras, este seu atuar e viver é, de fato, uma « prova » de que as<br />

coisas futuras, ou seja, a promessa de Cristo não é uma reali<strong>da</strong>de apenas espera<strong>da</strong>, mas uma ver<strong>da</strong>deira<br />

89


presença: Ele é realmente o « filósofo » e o « pastor » que nos indica o que seja e onde está a vi<strong>da</strong>.<br />

9. Para compreender mais profun<strong>da</strong>mente esta reflexão sobre as duas espécies de substâncias -<br />

hypostasis e hyparchonta – e sobre as duas maneiras de viver que com elas se exprimem, devemos<br />

refletir ain<strong>da</strong> brevemente sobre duas palavras referentes ao assunto, que se encontram no décimo<br />

capítulo <strong>da</strong> Carta aos Hebreus. Trata-se <strong>da</strong>s palavras hypomone (10,36) e hypostole (10,39). Hypomone<br />

traduz-se normalmente por « paciência », perseverança, constância. Este saber esperar, suportando<br />

pacientemente as provas, é necessário para o crente poder « obter as coisas prometi<strong>da</strong>s » (cf. 10,36). Na<br />

religiosi<strong>da</strong>de do antigo ju<strong>da</strong>ísmo, esta palavra era usa<strong>da</strong> expressamente para a espera de Deus,<br />

característica de Israel, para este perseverar na fideli<strong>da</strong>de a Deus, na base <strong>da</strong> certeza <strong>da</strong> Aliança, num<br />

mundo que contradiz a Deus. Sendo assim, a palavra indica uma esperança vivi<strong>da</strong>, uma vi<strong>da</strong> basea<strong>da</strong> na<br />

certeza <strong>da</strong> esperança. No Novo Testamento, esta espera de Deus, este estar <strong>da</strong> parte de Deus assume um<br />

novo significado: é que em Cristo, Deus manifestou-Se. Comunicou-nos já a « substância » <strong>da</strong>s coisas<br />

futuras, e assim a espera de Deus adquire uma nova certeza. É espera <strong>da</strong>s coisas futuras a partir de um<br />

dom já presente. É espera – na presença de Cristo, isto é, com Cristo presente – que se completa no seu<br />

Corpo, na perspectiva <strong>da</strong> sua vin<strong>da</strong> definitiva. Diversamente com hypostole, exprime-se o esquivar-se de<br />

alguém que não ousa dizer, abertamente e com franqueza, a ver<strong>da</strong>de talvez perigosa. Este dissimular por<br />

espírito de temor diante dos homens, conduz à « perdição » (Heb 10,39). Pois, « Deus não nos deu um<br />

espírito de timidez, mas de fortaleza, amor e sabedoria », lê-se na Segun<strong>da</strong> Carta a Timóteo (1,7)<br />

caracterizando assim, com uma bela expressão, a atitude fun<strong>da</strong>mental do cristão.<br />

A vi<strong>da</strong> eterna – o que é?<br />

10. Até agora estivemos a falar <strong>da</strong> fé e <strong>da</strong> esperança no Novo Testamento e nos inícios do cristianismo,<br />

mas deixando sempre claro que não se tratava apenas do passado; to<strong>da</strong> a reflexão feita tem a ver com a<br />

vi<strong>da</strong> e a morte do homem em geral e, portanto, interessa-nos também a nós, aqui e agora. Chegou o<br />

momento, porém, de nos colocarmos explicitamente a questão: para nós, hoje a fé cristã é também uma<br />

esperança que transforma e sustenta a nossa vi<strong>da</strong>? Para nós aquela é « performativa » – uma mensagem<br />

que plasma de modo novo a mesma vi<strong>da</strong> – ou é simplesmente « informação » que, entretanto, pusemos<br />

de lado porque nos parece supera<strong>da</strong> por informações mais recentes? Na busca de uma resposta, desejo<br />

partir <strong>da</strong> forma clássica do diálogo, usado no rito do batismo, para exprimir o acolhimento do recémnascido<br />

na comuni<strong>da</strong>de dos crentes e o seu renascimento em Cristo. O sacerdote perguntava, antes de<br />

mais na<strong>da</strong>, qual era o nome que os pais tinham escolhido para a criança, e prosseguia: « O que é que<br />

pedis à <strong>Igreja</strong>? ». Resposta: « A fé ». « E o que é que vos dá a fé? ». « A vi<strong>da</strong> eterna ». Como vemos por<br />

este diálogo, os pais pediam para a criança o acesso à fé, a comunhão com os crentes, porque viam na fé<br />

a chave para a « vi<strong>da</strong> eterna ». Com efeito hoje, como sempre, é disto que se trata no batismo, quando<br />

nos tornamos cristãos: é não somente um ato de socialização no âmbito <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, nem<br />

simplesmente de acolhimento na <strong>Igreja</strong>. Os pais esperam algo mais para o batizando: esperam que a fé –<br />

de que faz parte a corporei<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> e dos seus sacramentos – lhe dê a vi<strong>da</strong>, a vi<strong>da</strong> eterna. Fé é<br />

substância <strong>da</strong> esperança. Aqui, porém, surge a pergunta: Queremos nós realmente isto: viver<br />

eternamente? Hoje, muitas pessoas rejeitam a fé, talvez simplesmente porque a vi<strong>da</strong> eterna não lhes<br />

parece uma coisa desejável. Não querem de modo algum a vi<strong>da</strong> eterna, mas a presente; antes, a fé na<br />

vi<strong>da</strong> eterna parece, para tal fim, um obstáculo. Continuar a viver eternamente – sem fim – parece mais<br />

uma condenação do que um dom. Certamente a morte queria-se adiá-la o mais possível. Mas, viver<br />

sempre, sem um termo, acabaria por ser fastidioso e, em última análise, insuportável. É isto<br />

precisamente que diz, por exemplo, o Padre <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Ambrósio na sua elegia pelo irmão defunto Sátiro:<br />

« Sem dúvi<strong>da</strong>, a morte não fazia parte <strong>da</strong> natureza, mas tornou-se natural; porque Deus não instituiu a<br />

morte ao princípio, mas deu-a como remédio. Condena<strong>da</strong> pelo pecado a um trabalho contínuo e a<br />

lamentações insuportáveis, a vi<strong>da</strong> dos homens começou a ser miserável. Deus teve de pôr fim a estes<br />

males, para que a morte restituísse o que a vi<strong>da</strong> tinha perdido. Com efeito, a imortali<strong>da</strong>de seria mais<br />

penosa que benéfica, se não fosse promovi<strong>da</strong> pela graça ». Antes, Ambrósio tinha dito: « Não devemos<br />

chorar a morte, que é a causa de salvação universal ».<br />

11. Independentemente do que Santo Ambrósio quisesse dizer precisamente com estas palavras, é certo<br />

que a eliminação <strong>da</strong> morte ou mesmo o seu adiamento quase ilimitado, deixaria a terra e a humani<strong>da</strong>de<br />

90


numa condição impossível e nem mesmo prestaria um benefício ao indivíduo. Obviamente há uma<br />

contradição na nossa atitude, que evoca um conflito interior <strong>da</strong> nossa mesma existência. Por um lado,<br />

não queremos morrer; sobretudo quem nos ama não quer que morramos. Mas, por outro, também não<br />

desejamos continuar a existir ilimita<strong>da</strong>mente, nem a terra foi cria<strong>da</strong> com esta perspectiva. Então, o que é<br />

que queremos na reali<strong>da</strong>de? Este paradoxo <strong>da</strong> nossa própria conduta suscita uma questão mais profun<strong>da</strong>:<br />

o que é, na ver<strong>da</strong>de, a « vi<strong>da</strong> »? E o que significa realmente « eterni<strong>da</strong>de »? Há momentos em que de<br />

repente temos a sua percepção: sim, isto seria precisamente a « vi<strong>da</strong> » ver<strong>da</strong>deira, assim deveria ser. Em<br />

comparação, aquilo que no dia-a-dia chamamos « vi<strong>da</strong> », na ver<strong>da</strong>de não o é. Agostinho, na sua extensa<br />

carta sobre a oração, dirigi<strong>da</strong> a Proba – uma viúva romana rica e mãe de três cônsules –, escreve: no<br />

fundo, queremos uma só coisa, « a vi<strong>da</strong> bem-aventura<strong>da</strong> », a vi<strong>da</strong> que é simplesmente vi<strong>da</strong>, pura «<br />

felici<strong>da</strong>de ». No fim de contas, na<strong>da</strong> mais pedimos na oração. Só para ela caminhamos; só disto se trata.<br />

Porém, depois Agostinho diz também: se considerarmos melhor, no fundo não sabemos realmente o que<br />

desejamos, o que propriamente queremos. Não conhecemos de modo algum esta reali<strong>da</strong>de; mesmo<br />

naqueles momentos em que pensamos tocá-la, não a alcançamos realmente. « Não sabemos o que<br />

convém pedir » – confessa ele citando São Paulo (Rm 8,26). Sabemos apenas que não é isto. Porém, no<br />

fato de não saber sabemos que esta reali<strong>da</strong>de deve existir. « Há em nós, por assim dizer, uma douta<br />

ignorância » (docta ignorantia) – escreve ele. Não sabemos realmente o que queremos; não conhecemos<br />

esta « vi<strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira »; e, no entanto, sabemos que deve existir algo que não conhecemos e para isso<br />

nos sentimos impelidos.<br />

12. Penso que Agostinho descreve aqui, de modo muito preciso e sempre válido, a situação essencial do<br />

homem, uma situação donde provêm to<strong>da</strong>s as suas contradições e as suas esperanças. De certo modo,<br />

desejamos a própria vi<strong>da</strong>, a vi<strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira, que depois não seja toca<strong>da</strong> sequer pela morte; mas, ao<br />

mesmo tempo, não conhecemos aquilo para que nos sentimos impelidos. Não podemos deixar de tender<br />

para isto e, no entanto, sabemos que tudo quanto podemos experimentar ou realizar não é aquilo por que<br />

anelamos. Esta « coisa » desconheci<strong>da</strong> é a ver<strong>da</strong>deira « esperança » que nos impele e o fato de nos ser<br />

desconheci<strong>da</strong> é, ao mesmo tempo, a causa de to<strong>da</strong>s as ansie<strong>da</strong>des como também de todos os ímpetos<br />

positivos ou destruidores para o mundo autêntico e o homem ver<strong>da</strong>deiro. A palavra « vi<strong>da</strong> eterna »<br />

procura <strong>da</strong>r um nome a esta desconheci<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de conheci<strong>da</strong>. Necessariamente é uma expressão<br />

insuficiente, que cria confusão. Com efeito, « eterno » suscita em nós a idéia do interminável, e isto nos<br />

amedronta; « vi<strong>da</strong> », faz-nos pensar na existência por nós conheci<strong>da</strong>, que amamos e não queremos<br />

perder, mas que, freqüentemente, nos reserva mais canseiras que satisfações, de tal maneira que se por<br />

um lado a desejamos, por outro não a queremos. A única possibili<strong>da</strong>de que temos é procurar sair, com o<br />

pensamento, <strong>da</strong> temporali<strong>da</strong>de de que somos prisioneiros e, de alguma forma, conjecturar que a<br />

eterni<strong>da</strong>de não seja uma sucessão contínua de dias do calendário, mas algo parecido com o instante<br />

repleto de satisfação, onde a totali<strong>da</strong>de nos abraça e nós abraçamos a totali<strong>da</strong>de. Seria o instante de<br />

mergulhar no oceano do amor infinito, no qual o tempo – o antes e o depois – já não existe. Podemos<br />

somente procurar pensar que este instante é a vi<strong>da</strong> em sentido pleno, um incessante mergulhar na<br />

vastidão do ser, ao mesmo tempo que ficamos simplesmente inun<strong>da</strong>dos pela alegria. Assim o exprime<br />

Jesus, no Evangelho de João: « Eu hei de ver-vos de novo; e o vosso coração alegrar-se-á e ninguém vos<br />

poderá tirar a vossa alegria » (16,22). Devemos olhar neste sentido, se quisermos entender o que visa a<br />

esperança cristã, o que esperamos <strong>da</strong> fé, do nosso estar com Cristo.<br />

A esperança cristã é individualista?<br />

13. Ao longo <strong>da</strong> sua história, os cristãos procuraram traduzir este saber, que desconhece, em figuras<br />

ilustrativas, explanando imagens do « céu » que ficam sempre aquém <strong>da</strong>quilo que conhecemos<br />

precisamente só por negação, através de um não-conhecimento. To<strong>da</strong>s estas tentativas de representação<br />

<strong>da</strong> esperança deram a muitos, no decorrer dos séculos, a coragem de viverem segundo a fé e, assim,<br />

abandonarem inclusivamente os seus « hyparchonta », os bens materiais para a sua existência. O autor<br />

<strong>da</strong> Carta aos Hebreus, no décimo primeiro capítulo, traçou, por assim dizer, uma história <strong>da</strong>queles que<br />

vivem na esperança e <strong>da</strong> sua condição de caminhantes, uma história que desde Abel chega até à sua<br />

época. Contra este tipo de esperança acendeu-se, na i<strong>da</strong>de moderna, uma crítica sempre mais dura:<br />

tratar-se-ia de puro individualismo, que teria abandonado o mundo à sua miséria indo refugiar-se numa<br />

salvação eterna puramente priva<strong>da</strong>. Henry de Lubac, na introdução à sua obra fun<strong>da</strong>mental «<br />

91


Catholicisme. Aspects sociaux du dogme », recolheu algumas vozes características deste tipo, uma <strong>da</strong>s<br />

quais merece ser cita<strong>da</strong>: « Será que encontrei a alegria? Não... Encontrei a minha alegria. O que é algo<br />

terrivelmente diferente... A alegria de Jesus pode ser individual. Pode pertencer a uma só pessoa, e esta<br />

está salva. Está em paz... agora e para sempre, mas ela só. Esta solidão na alegria não a perturba. Pelo<br />

contrário: ela sente-se precisamente a eleita! Na sua bem-aventurança, atravessa as batalhas com uma<br />

rosa na mão ».<br />

14. A este respeito, Henry de Lubac, baseando-se na teologia dos Padres em to<strong>da</strong> a sua amplidão, pôde<br />

demonstrar que a salvação foi sempre considera<strong>da</strong> como uma reali<strong>da</strong>de comunitária. A mesma Carta<br />

aos Hebreus fala de uma « ci<strong>da</strong>de » (cf. 11,10.16; 12,22; 13,14) e, portanto, de uma salvação<br />

comunitária. Coerentemente, o pecado é entendido pelos Padres como destruição <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de do gênero<br />

humano, como fragmentação e divisão. Babel, o lugar <strong>da</strong> confusão <strong>da</strong>s línguas e <strong>da</strong> separação,<br />

apresenta-se como expressão <strong>da</strong>quilo que é radicalmente o pecado. Deste modo, a « redenção » aparece<br />

precisamente como a restauração <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de, onde nos encontramos novamente juntos numa união que<br />

se delineia na comuni<strong>da</strong>de mundial dos crentes. Não é necessário ocuparmo-nos aqui de todos os textos,<br />

onde transparece o caráter comunitário <strong>da</strong> esperança. Retomemos a Carta a Proba em que Agostinho<br />

tenta ilustrar um pouco esta desconheci<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de conheci<strong>da</strong> de que an<strong>da</strong>mos à procura. O seu ponto<br />

de parti<strong>da</strong> é simplesmente a expressão « vi<strong>da</strong> bem-aventura<strong>da</strong> [feliz] ». Em segui<strong>da</strong> cita o Salmo 144<br />

(143), 15: « Feliz o povo cujo Deus é o Senhor ». E continua: « Para poder formar parte deste povo e<br />

[...] viver eternamente com Ele, recordemos que “o fim dos man<strong>da</strong>mentos é promover a cari<strong>da</strong>de, que<br />

procede de um coração puro, de uma consciência reta e de uma fé sincera” (1 Tm 1,5) ». Esta vi<strong>da</strong><br />

ver<strong>da</strong>deira, para a qual sempre tendemos, depende do fato de se estar na união existencial com um «<br />

povo » e pode realizar-se para ca<strong>da</strong> pessoa somente no âmbito deste « nós ». Aquela pressupõe,<br />

precisamente, o êxodo <strong>da</strong> prisão do próprio « eu », pois só na abertura deste sujeito universal é que se<br />

abre também o olhar para a fonte <strong>da</strong> alegria, para o amor em pessoa, para Deus.<br />

15. Esta visão <strong>da</strong> « vi<strong>da</strong> bem-aventura<strong>da</strong> » orienta<strong>da</strong> para a comuni<strong>da</strong>de visa, certamente, algo que está<br />

para além do mundo presente, mas é precisamente deste modo que ela tem a ver também com a<br />

edificação do mundo – segundo formas muito distintas, conforme o contexto histórico e as<br />

possibili<strong>da</strong>des por ele ofereci<strong>da</strong>s ou excluí<strong>da</strong>s. No tempo de Agostinho, quando a irrupção de novos<br />

povos ameaçava aquela coesão do mundo que <strong>da</strong>va uma certa garantia de direito e de vi<strong>da</strong> numa<br />

comuni<strong>da</strong>de jurídica, tratava-se de fortalecer os fun<strong>da</strong>mentos realmente basilares desta comuni<strong>da</strong>de de<br />

vi<strong>da</strong> e de paz, para poder sobreviver no meio <strong>da</strong> transformação do mundo. Deixando de lado outros<br />

casos, procuremos lançar um olhar sobre um momento <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média, emblemático sob determinados<br />

aspectos. Na consciência comum, os mosteiros eram vistos como os lugares <strong>da</strong> fuga do mundo («<br />

contemptus mundi ») e do subtrair-se à responsabili<strong>da</strong>de pelo mundo na procura <strong>da</strong> salvação priva<strong>da</strong>.<br />

Bernardo de Claraval, que, com a sua Ordem reforma<strong>da</strong>, trouxe uma multidão de jovens para os<br />

mosteiros, tinha a este respeito uma visão muito distinta. Na sua opinião, os monges desempenham uma<br />

tarefa para bem de to<strong>da</strong> a <strong>Igreja</strong> e, por conseguinte, também de todo o mundo. Com muitas imagens, ele<br />

ilustra a responsabili<strong>da</strong>de dos monges pelo organismo inteiro <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, antes, pela humani<strong>da</strong>de; aplica a<br />

eles esta frase do Pseudo-Rufino: « O gênero humano vive graças a poucos; se estes não existissem, o<br />

mundo pereceria... ». Os contemplativos (contemplantes) devem tornar-se trabalhadores agrícolas<br />

(laborantes) – diz ele. A nobreza do trabalho, que o cristianismo herdou do ju<strong>da</strong>ísmo, estava patente nas<br />

regras monásticas de Agostinho e de <strong>Bento</strong>. Bernardo retoma este conceito. Os jovens nobres que<br />

afluíam aos seus mosteiros deviam submeter-se ao trabalho manual. É ver<strong>da</strong>de que Bernardo diz<br />

explicitamente que nem mesmo o mosteiro pode restabelecer o Paraíso; mas defende que aquele deve,<br />

como lugar de amanho manual e espiritual, preparar o novo Paraíso. O terreno bravio de um bosque<br />

torna-se fértil, precisamente quando, ao mesmo tempo, se deitam abaixo as árvores <strong>da</strong> soberba, se<br />

extirpa o que de bravio cresce nas almas e se prepara assim o terreno onde possa prosperar pão para o<br />

corpo e para a alma. Por acaso, olhando precisamente a história atual, não se constata novamente que<br />

nenhuma estruturação positiva do mundo é possível nos lugares onde as almas se brutalizam?<br />

A transformação <strong>da</strong> fé-esperança cristã no tempo moderno<br />

16. Como pôde desenvolver-se a idéia de que a mensagem de Jesus é estritamente individualista e visa<br />

92


apenas o indivíduo? Como é que se chegou a interpretar a « salvação <strong>da</strong> alma » como fuga <strong>da</strong><br />

responsabili<strong>da</strong>de geral e, conseqüentemente, a considerar o programa do cristianismo como busca<br />

egoísta <strong>da</strong> salvação que se recusa a servir os outros? Para encontrar uma resposta à questão, devemos<br />

lançar um olhar sobre as componentes fun<strong>da</strong>mentais do tempo moderno. Estas aparecem, com particular<br />

clareza, em Francisco Bacon. Que uma nova época tenha surgido – graças à descoberta <strong>da</strong> América e às<br />

novas conquistas técnicas que permitiram este desenvolvimento – é um <strong>da</strong>do fora de discussão. Mas,<br />

sobre o que é que se baseia esta mu<strong>da</strong>nça epocal? É a nova correlação de experiência e método que<br />

coloca o homem em condições de chegar a uma interpretação <strong>da</strong> natureza conforme às suas leis e, deste<br />

modo, conseguir finalmente « a vitória <strong>da</strong> arte sobre a natureza » (victoria cursus artis super naturam).<br />

A novi<strong>da</strong>de – conforme a visão de Bacon – está numa nova correlação entre ciência e prática. Isto foi<br />

depois aplicado também teologicamente: esta nova correlação entre ciência e prática significaria que o<br />

domínio sobre a criação, <strong>da</strong>do ao homem por Deus e perdido no pecado original, ficaria restabelecido.<br />

17. Quem lê estas afirmações e nelas reflete com atenção, reconhece uma transição desconcertante: até<br />

então a recuperação <strong>da</strong>quilo que o homem, expulso do paraíso terrestre, tinha perdido esperava-se <strong>da</strong> fé<br />

em Jesus Cristo, e nisto se via a « redenção ». Agora, esta « redenção », a restauração do « paraíso »<br />

perdido, já não se espera <strong>da</strong> fé, mas <strong>da</strong> ligação recém-descoberta entre ciência e prática. Com isto, não é<br />

que se negue simplesmente a fé; mas, esta acaba desloca<strong>da</strong> para outro nível – o <strong>da</strong>s coisas somente<br />

priva<strong>da</strong>s e ultraterrestres – e, simultaneamente, torna-se de algum modo irrelevante para o mundo. Esta<br />

visão programática determinou o caminho dos tempos modernos, e influencia inclusive a atual crise <strong>da</strong><br />

fé que, concretamente, é sobretudo uma crise <strong>da</strong> esperança cristã. Assim também a esperança, segundo<br />

Bacon, ganha uma nova forma. Agora chama-se fé no progresso. Com efeito, para Bacon, resulta claro<br />

que os descobrimentos e as recentes invenções são apenas um começo e que, graças à sinergia entre<br />

ciência e prática, seguir-se-ão descobertas completamente novas, surgirá um mundo totalmente novo, o<br />

reino do homem. Nesta linha, apresentou um panorama <strong>da</strong>s invenções previsíveis, chegando ao avião e<br />

ao submarino. Ao longo do sucessivo desenvolvimento <strong>da</strong> ideologia do progresso, a alegria pelos<br />

avanços palpáveis <strong>da</strong>s potenciali<strong>da</strong>des humanas permanece uma confirmação constante <strong>da</strong> fé no<br />

progresso enquanto tal.<br />

18. Simultaneamente, há duas categorias que penetram sempre mais no centro <strong>da</strong> idéia de progresso:<br />

razão e liber<strong>da</strong>de. Aquele é sobretudo um progresso no crescente domínio <strong>da</strong> razão, sendo esta<br />

considera<strong>da</strong> obviamente um poder do bem e para o bem. O progresso é a superação de to<strong>da</strong>s as<br />

dependências; é avanço para a liber<strong>da</strong>de perfeita. Também a liber<strong>da</strong>de é vista só como promessa, na qual<br />

o homem se realiza rumo à plenitude. Em ambos os conceitos – liber<strong>da</strong>de e razão – está presente um<br />

aspecto político. O reino <strong>da</strong> razão, de fato, é aguar<strong>da</strong>do como a nova condição <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de feita<br />

totalmente livre. To<strong>da</strong>via, as condições políticas deste reino <strong>da</strong> razão e <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de aparecem, à<br />

primeira vista, pouco defini<strong>da</strong>s. Razão e liber<strong>da</strong>de parecem garantir por si mesmas, em virtude <strong>da</strong> sua<br />

intrínseca bon<strong>da</strong>de, uma nova comuni<strong>da</strong>de humana perfeita. Nos dois conceitos-chave de « razão » e «<br />

liber<strong>da</strong>de », tacitamente o pensamento coloca-se sempre em contraste com os vínculos <strong>da</strong> fé e <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>,<br />

como também com os vínculos dos ordenamentos estatais de então. Por isso, ambos os conceitos trazem<br />

em si um potencial revolucionário de enorme força explosiva.<br />

19. Temos de lançar brevemente um olhar sobre duas etapas essenciais <strong>da</strong> concretização política desta<br />

esperança, porque são de grande importância para o caminho <strong>da</strong> esperança cristã, para a sua<br />

compreensão e persistência. Há, antes de mais na<strong>da</strong>, a Revolução francesa como tentativa de instaurar o<br />

domínio <strong>da</strong> razão e <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de agora também de modo politicamente real. Inicialmente, a Europa do<br />

Iluminismo contemplou fascina<strong>da</strong> estes acontecimentos, mas depois, à vista <strong>da</strong> sua evolução, teve de<br />

refletir de modo novo sobre razão e liber<strong>da</strong>de. Significativos destas duas fases de recepção do que<br />

acontecera em França são dois escritos de Emanuel Kant, nos quais ele reflete sobre os acontecimentos.<br />

Em 1792, escreve a obra « Der Sieg des guten Prinzips über <strong>da</strong>s böse und die Gründung eines Reichs<br />

Gottes auf Erden » (A vitória do princípio bom sobre o princípio mau e a constituição de um reino de<br />

Deus sobre a terra). Nela afirma: « A passagem gradual <strong>da</strong> fé eclesiástica ao domínio exclusivo <strong>da</strong> pura<br />

fé religiosa constitui a aproximação do reino de Deus ». Diz também que as revoluções podem apressar<br />

os tempos desta passagem <strong>da</strong> fé eclesiástica à fé racional. O « reino de Deus », de que falara Jesus,<br />

recebeu aqui uma nova definição e assumiu também uma nova presença; existe, por assim dizer, uma<br />

93


nova « expectativa imediata »: o « reino de Deus » chega onde a « fé eclesiástica » é supera<strong>da</strong> e<br />

substituí<strong>da</strong> pela « fé religiosa », ou seja, pela mera fé racional. Em 1795, no livro « Das Ende aller<br />

Dinge » (O fim de to<strong>da</strong>s as coisas), aparece uma imagem diferente. Agora, Kant toma em consideração a<br />

possibili<strong>da</strong>de de que, a par do fim natural de to<strong>da</strong>s as coisas, se verifique também um fim contrário à<br />

natureza, perverso. Escreve a tal respeito: « Se acontecesse um dia chegar o cristianismo a não ser mais<br />

digno de amor, então o pensamento dominante dos homens deveria tomar a forma de rejeição e de<br />

oposição contra ele; e o anticristo [...] inauguraria o seu regime, mesmo que breve, (baseado<br />

presumivelmente sobre o medo e o egoísmo). Em segui<strong>da</strong>, porém, visto que o cristianismo, embora<br />

destinado a ser a religião universal, de fato não teria sido aju<strong>da</strong>do pelo destino a sê-lo, poderia verificarse,<br />

sob o aspecto moral, o fim (perverso) de to<strong>da</strong>s as coisas ».<br />

20. O século XIX não perdeu a sua fé no progresso como nova forma <strong>da</strong> esperança humana e continuou<br />

a considerar razão e liber<strong>da</strong>de como as estrelas-guia a seguir no caminho <strong>da</strong> esperança. To<strong>da</strong>via a<br />

evolução sempre mais rápi<strong>da</strong> do progresso técnico e a industrialização com ele relaciona<strong>da</strong> criaram, bem<br />

depressa, uma situação social completamente nova: formou-se a classe dos trabalhadores <strong>da</strong> indústria e o<br />

chamado « proletariado industrial », cujas terríveis condições de vi<strong>da</strong> foram ilustra<strong>da</strong>s de modo<br />

impressionante por Frederico Engels, em 1845. Ao leitor, devia resultar claro que isto não pode<br />

continuar; é necessária uma mu<strong>da</strong>nça. Mas a mu<strong>da</strong>nça haveria de abalar e derrubar to<strong>da</strong> a estrutura <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de burguesa. Depois <strong>da</strong> revolução burguesa de 1789, tinha chegado a hora para uma nova<br />

revolução: a proletária. O progresso não podia limitar-se a avançar de forma linear e com pequenos<br />

passos. Urgia o salto revolucionário. Karl Marx recolheu este apelo do momento e, com vigor de<br />

linguagem e de pensamento, procurou iniciar este novo passo grande e, como supunha, definitivo <strong>da</strong><br />

história rumo à salvação, rumo àquilo que Kant tinha qualificado como o « reino de Deus ». Tendo-se<br />

diluí<strong>da</strong> a ver<strong>da</strong>de do além, tratar-se-ia agora de estabelecer a ver<strong>da</strong>de de aquém. A crítica do céu<br />

transforma-se na crítica <strong>da</strong> terra, a crítica <strong>da</strong> teologia na crítica <strong>da</strong> política. O progresso rumo ao melhor,<br />

rumo ao mundo definitivamente bom, já não vem simplesmente <strong>da</strong> ciência, mas <strong>da</strong> política – de uma<br />

política pensa<strong>da</strong> cientificamente, que sabe reconhecer a estrutura <strong>da</strong> história e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, indicando<br />

assim a estra<strong>da</strong> <strong>da</strong> revolução, <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça de to<strong>da</strong>s as coisas. Com pontual precisão, embora de forma<br />

unilateralmente parcial, Marx descreveu a situação do seu tempo e ilustrou, com grande capaci<strong>da</strong>de<br />

analítica, as vias para a revolução. E não só teoricamente, pois com o partido comunista, nascido do<br />

manifesto comunista de 1848, também a iniciou concretamente. A sua promessa, graças à agudeza <strong>da</strong>s<br />

análises e à clara indicação dos instrumentos para a mu<strong>da</strong>nça radical, fascinou e não cessa de fascinar<br />

ain<strong>da</strong> hoje. E a revolução deu-se, depois, na forma mais radical na Rússia.<br />

21. Com a sua vitória, porém, tornou-se evidente também o erro fun<strong>da</strong>mental de Marx. Ele indicou com<br />

exatidão o modo como realizar o derrubamento. Mas, não nos disse, como as coisas deveriam proceder<br />

depois. Ele supunha simplesmente que, com a expropriação <strong>da</strong> classe dominante, a que<strong>da</strong> do poder<br />

político e a socialização dos meios de produção, ter-se-ia realizado a Nova Jerusalém. Com efeito, então<br />

ficariam anula<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s as contradições; o homem e o mundo haveriam finalmente de ver claro em si<br />

próprios. Então tudo poderia proceder espontaneamente pelo reto caminho, porque tudo pertenceria a<br />

todos e todos haviam de querer o melhor um para o outro. Assim, depois de cumpri<strong>da</strong> a revolução,<br />

Lênin deu-se conta de que, nos escritos do mestre, não se achava qualquer indicação sobre o modo como<br />

proceder. É ver<strong>da</strong>de que ele tinha falado <strong>da</strong> fase intermédia <strong>da</strong> ditadura do proletariado como de uma<br />

necessi<strong>da</strong>de que, porém, num segundo momento ela mesma se demonstraria caduca. Esta « fase<br />

intermédia » conhecemo-la muito bem e sabemos também como depois evoluiu, não <strong>da</strong>ndo à luz o<br />

mundo sadio, mas deixando atrás de si uma destruição desoladora. Marx não falhou só ao deixar de<br />

idealizar os ordenamentos necessários para o mundo novo; com efeito, já não deveria haver mais<br />

necessi<strong>da</strong>de deles. O fato de não dizer na<strong>da</strong> sobre isso é lógica conseqüência <strong>da</strong> sua perspectiva. O seu<br />

erro situa-se numa profundi<strong>da</strong>de maior. Ele esqueceu que o homem permanece sempre homem.<br />

Esqueceu o homem e a sua liber<strong>da</strong>de. Esqueceu que a liber<strong>da</strong>de permanece sempre liber<strong>da</strong>de, inclusive<br />

para o mal. Pensava que, uma vez coloca<strong>da</strong> em ordem a economia, tudo se arranjaria. O seu ver<strong>da</strong>deiro<br />

erro é o materialismo: de fato, o homem não é só o produto de condições econômicas nem se pode curálo<br />

apenas do exterior criando condições econômicas favoráveis.<br />

22. Encontramo-nos assim novamente diante <strong>da</strong> questão: o que é que podemos esperar? É necessária<br />

94


uma autocrítica <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de moderna feita em diálogo com o cristianismo e com a sua concepção <strong>da</strong><br />

esperança. Neste diálogo, também os cristãos devem aprender de novo, no contexto dos seus<br />

conhecimentos e experiências, em que consiste ver<strong>da</strong>deiramente a sua esperança, o que é que temos para<br />

oferecer ao mundo e, ao contrário, o que é que não podemos oferecer. É preciso que, na autocrítica <strong>da</strong><br />

i<strong>da</strong>de moderna, conflua também uma autocrítica do cristianismo moderno, que deve aprender sempre de<br />

novo a compreender-se a si mesmo a partir <strong>da</strong>s próprias raízes. A este respeito, pode-se aqui mencionar<br />

somente alguns indícios. Antes de mais, devemos perguntar-nos: o que é que significa ver<strong>da</strong>deiramente<br />

« progresso »; o que é que ele promete e o que é que não promete? No século XIX, já existia uma crítica<br />

à fé no progresso. No século XX, Teodoro W. Adorno formulou, de modo drástico, a problemática <strong>da</strong> fé<br />

no progresso: este, visto de perto, seria o progresso <strong>da</strong> fun<strong>da</strong> à megabomba. Certamente, este é um lado<br />

do progresso que não se deve encobrir. Dito de outro modo: torna-se evidente a ambigüi<strong>da</strong>de do<br />

progresso. Não há dúvi<strong>da</strong> que este oferece novas potenciali<strong>da</strong>des para o bem, mas abre também<br />

possibili<strong>da</strong>des abissais de mal – possibili<strong>da</strong>des que antes não existiam. Todos fomos testemunhas de<br />

como o progresso em mãos erra<strong>da</strong>s possa tornar-se, e tornou-se realmente, um progresso terrível no mal.<br />

Se ao progresso técnico não corresponde um progresso na formação ética do homem, no crescimento do<br />

homem interior (cf. Ef 3,16; 2 Cor 4,16), então aquele não é um progresso, mas uma ameaça para o<br />

homem e para o mundo.<br />

23. No que diz respeito aos dois grandes temas « razão » e « liber<strong>da</strong>de », aqui é possível apenas acenar<br />

às questões relaciona<strong>da</strong>s com eles. Sem dúvi<strong>da</strong>, a razão é o grande dom de Deus ao homem, e a vitória<br />

<strong>da</strong> razão sobre a irracionali<strong>da</strong>de é também um objetivo <strong>da</strong> fé cristã. Mas, quando é que a razão domina<br />

ver<strong>da</strong>deiramente? Quando se separou de Deus? Quando ficou cega a Deus? A razão inteira reduz-se à<br />

razão do poder e do fazer? Se o progresso, para ser digno deste nome necessita do crescimento moral <strong>da</strong><br />

humani<strong>da</strong>de, então a razão do poder e do fazer deve de igual modo urgentemente ser integra<strong>da</strong> mediante<br />

a abertura <strong>da</strong> razão às forças salvíficas <strong>da</strong> fé, ao discernimento entre o bem e o mal. Somente assim é<br />

que se torna uma razão ver<strong>da</strong>deiramente humana. Torna-se humana apenas se for capaz de indicar o<br />

caminho à vontade, e só é capaz disso se olhar para além de si própria. Caso contrário, a situação do<br />

homem, devido à discrepância entre a capaci<strong>da</strong>de material e a falta de juízo do coração, torna-se uma<br />

ameaça para ele e para a criação. Por isso, falando de liber<strong>da</strong>de, é preciso recor<strong>da</strong>r que a liber<strong>da</strong>de<br />

humana requer sempre um concurso de várias liber<strong>da</strong>des. Este concurso, porém, não se pode efetuar se<br />

não for determinado por um critério intrínseco comum de ponderação, que é fun<strong>da</strong>mento e meta <strong>da</strong><br />

nossa liber<strong>da</strong>de. Digamos isto de uma forma mais simples: o homem tem necessi<strong>da</strong>de de Deus; de<br />

contrário, fica privado de esperança. Considera<strong>da</strong>s as mu<strong>da</strong>nças <strong>da</strong> era moderna, a afirmação de S.<br />

Paulo, cita<strong>da</strong> ao princípio (Ef 2,12), revela-se muito realista e inteiramente ver<strong>da</strong>deira. Portanto, não há<br />

dúvi<strong>da</strong> de que um « reino de Deus » realizado sem Deus – e por conseguinte um reino somente do<br />

homem – resolve-se inevitavelmente no « fim perverso » de to<strong>da</strong>s as coisas, descrito por Kant: já o<br />

vimos e vemo-lo sempre de novo. De igual modo, também não há dúvi<strong>da</strong> de que, para Deus entrar<br />

ver<strong>da</strong>deiramente nas reali<strong>da</strong>des humanas, não basta ser pensado por nós, requer-se que Ele mesmo<br />

venha ao nosso encontro e nos fale. Por isso, a razão necessita <strong>da</strong> fé para chegar a ser totalmente ela<br />

própria: razão e fé precisam uma <strong>da</strong> outra para realizar a sua ver<strong>da</strong>deira natureza e missão.<br />

A ver<strong>da</strong>deira fisionomia <strong>da</strong> esperança cristã<br />

24. Retomemos agora a questão: o que é que podemos esperar? E o que é que não podemos esperar?<br />

Antes de mais, devemos constatar que um progresso por adição só é possível no campo material. Aqui,<br />

no conhecimento crescente <strong>da</strong>s estruturas <strong>da</strong> matéria e correlativas invenções ca<strong>da</strong> vez mais avança<strong>da</strong>s,<br />

verifica-se claramente uma continui<strong>da</strong>de do progresso rumo a um domínio sempre maior <strong>da</strong> natureza.<br />

Mas, no âmbito <strong>da</strong> consciência ética e <strong>da</strong> decisão moral, não há tal possibili<strong>da</strong>de de adição,<br />

simplesmente porque a liber<strong>da</strong>de do homem é sempre nova e deve sempre de novo tomar as suas<br />

decisões. Nunca aparecem simplesmente já toma<strong>da</strong>s em nossa vez por outros – neste caso, de fato,<br />

deixaríamos de ser livres. A liber<strong>da</strong>de pressupõe que, nas decisões fun<strong>da</strong>mentais, ca<strong>da</strong> homem, ca<strong>da</strong><br />

geração seja um novo início. Certamente as novas gerações, tal como podem construir sobre os<br />

conhecimentos e as experiências <strong>da</strong>queles que as precederam, podem haurir do tesouro moral <strong>da</strong><br />

humani<strong>da</strong>de inteira. Mas podem também recusá-lo, pois este não pode ter a mesma evidência <strong>da</strong>s<br />

invenções materiais. O tesouro moral <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de não está presente como o estão os instrumentos<br />

95


que se usam; aquele existe como convite à liber<strong>da</strong>de e como sua possibili<strong>da</strong>de. Isto, porém, significa<br />

que:<br />

a) O reto estado <strong>da</strong>s coisas humanas, o bem-estar moral do mundo não pode jamais ser garantido<br />

simplesmente mediante as estruturas, por mais váli<strong>da</strong>s que estas sejam. Tais estruturas são não só<br />

importantes, mas necessárias; to<strong>da</strong>via, não podem nem devem impedir a liber<strong>da</strong>de do homem. Inclusive,<br />

as melhores estruturas só funcionam se numa comuni<strong>da</strong>de subsistem convicções que sejam capazes de<br />

motivar os homens para uma livre adesão ao ordenamento comunitário. A liber<strong>da</strong>de necessita de uma<br />

convicção; esta não existe por si mesma, mas deve ser sempre novamente conquista<strong>da</strong><br />

comunitariamente.<br />

b) Visto que o homem permanece sempre livre e <strong>da</strong>do que a sua liber<strong>da</strong>de é também sempre frágil, não<br />

existirá jamais neste mundo o reino do bem definitivamente consoli<strong>da</strong>do. Quem prometesse o mundo<br />

melhor que duraria irrevogavelmente para sempre, faria uma promessa falsa; ignora a liber<strong>da</strong>de humana.<br />

A liber<strong>da</strong>de deve ser incessantemente conquista<strong>da</strong> para o bem. A livre adesão ao bem nunca acontece<br />

simplesmente por si mesma. Se houvesse estruturas que fixassem de modo irrevogável uma determina<strong>da</strong><br />

– boa – condição do mundo, ficaria nega<strong>da</strong> a liber<strong>da</strong>de do homem e, por este motivo, não seriam de<br />

modo algum, em definitivo, boas estruturas.<br />

25. Conseqüência de tudo isto é que a busca sempre nova e trabalhosa de retos ordenamentos para as<br />

reali<strong>da</strong>des humanas é tarefa de ca<strong>da</strong> geração: nunca é uma tarefa que se possa simplesmente <strong>da</strong>r por<br />

concluí<strong>da</strong>. Mas, ca<strong>da</strong> geração deve <strong>da</strong>r a própria contribuição para estabelecer razoáveis ordenamentos<br />

de liber<strong>da</strong>de e de bem, que ajudem a geração seguinte na sua orientação para o reto uso <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de<br />

humana, <strong>da</strong>ndo assim – sempre dentro dos limites humanos – uma certa garantia para o futuro também.<br />

Por outras palavras: as boas estruturas aju<strong>da</strong>m, mas por si só não bastam. O homem não poderá jamais<br />

ser redimido simplesmente a partir de fora. Equivocaram-se Francisco Bacon e os adeptos <strong>da</strong> corrente de<br />

pensamento <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de moderna nele inspira<strong>da</strong>, ao considerar que o homem teria sido redimido através <strong>da</strong><br />

ciência. Com uma tal expectativa, está-se a pedir demasiado à ciência; esta espécie de esperança é falaz.<br />

A ciência pode contribuir muito para a humanização do mundo e dos povos. Mas, pode também pode<br />

destruir o homem e o mundo, se não for orienta<strong>da</strong> por forças que se encontram fora dela. Além disso,<br />

devemos constatar também que o cristianismo moderno, diante dos sucessos <strong>da</strong> ciência na progressiva<br />

estruturação do mundo, tinha-se concentrado em grande parte somente sobre o indivíduo e a sua<br />

salvação. Deste modo, restringiu o horizonte <strong>da</strong> sua esperança e não reconheceu suficientemente sequer<br />

a grandeza <strong>da</strong> sua tarefa – apesar de ser grande o que continuou a fazer na formação do homem e no<br />

cui<strong>da</strong>do dos fracos e dos que sofrem.<br />

26. Não é a ciência que redime o homem. O homem é redimido pelo amor. Isto vale já no âmbito deste<br />

mundo. Quando alguém experimenta na sua vi<strong>da</strong> um grande amor, conhece um momento de « redenção<br />

» que dá um sentido novo à sua vi<strong>da</strong>. Mas, rapi<strong>da</strong>mente se <strong>da</strong>rá conta também de que o amor que lhe foi<br />

<strong>da</strong>do não resolve, por si só, o problema <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>. É um amor que permanece frágil. Pode ser destruído<br />

pela morte. O ser humano necessita do amor incondicionado. Precisa <strong>da</strong>quela certeza que o faz<br />

exclamar: « Nem a morte, nem a vi<strong>da</strong>, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro,<br />

nem as potestades, nem a altura, nem a profundi<strong>da</strong>de, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos<br />

do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor » (Rm. 8,38-39). Se existe este amor absoluto<br />

com a sua certeza absoluta, então – e somente então – o homem está « redimido », independentemente<br />

do que lhe possa acontecer naquela circunstância. É isto o que se entende, quando afirmamos: Jesus<br />

Cristo « redimiu-nos ». Através d'Ele tornamo-nos seguros de Deus – de um Deus que não constitui uma<br />

remota « causa primeira » do mundo, porque o seu Filho unigênito fez-Se homem e d'Ele pode ca<strong>da</strong> um<br />

dizer: « Vivo na fé do Filho de Deus, que me amou e Se entregou a Si mesmo por mim » (Gal 2,20).<br />

27. Neste sentido, é ver<strong>da</strong>de que quem não conhece Deus, mesmo podendo ter muitas esperanças, no<br />

fundo está sem esperança, sem a grande esperança que sustenta to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> (cf. Ef 2,12). A ver<strong>da</strong>deira e<br />

grande esperança do homem, que resiste apesar de to<strong>da</strong>s as desilusões, só pode ser Deus – o Deus que<br />

nos amou, e ama ain<strong>da</strong> agora « até ao fim », « até à plena consumação » (cf. Jo 13,1 e 19,30). Quem é<br />

atingido pelo amor começa a intuir em que consistiria propriamente a « vi<strong>da</strong> ». Começa a intuir o<br />

96


significado <strong>da</strong> palavra de esperança que encontramos no rito do batismo: <strong>da</strong> fé espero a « vi<strong>da</strong> eterna » –<br />

a vi<strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira que, inteiramente e sem ameaças, em to<strong>da</strong> a sua plenitude é simplesmente vi<strong>da</strong>. Jesus,<br />

que disse de Si mesmo ter vindo ao mundo para que tenhamos a vi<strong>da</strong> e a tenhamos em plenitude, em<br />

abundância (cf. Jo 10,10), também nos explicou o que significa « vi<strong>da</strong> »: « A vi<strong>da</strong> eterna consiste nisto:<br />

Que Te conheçam a Ti, por único Deus ver<strong>da</strong>deiro, e a Jesus Cristo, a Quem enviaste » (Jo 17,3). A<br />

vi<strong>da</strong>, no ver<strong>da</strong>deiro sentido, não a possui ca<strong>da</strong> um em si próprio sozinho, nem mesmo por si só: aquela é<br />

uma relação. E a vi<strong>da</strong> na sua totali<strong>da</strong>de é relação com Aquele que é a fonte <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Se estivermos em<br />

relação com Aquele que não morre, que é a própria Vi<strong>da</strong> e o próprio Amor, então estamos na vi<strong>da</strong>.<br />

Então « vivemos ».<br />

28. Surge agora, porém, a questão: não será que, desta maneira, caímos de novo no individualismo <strong>da</strong><br />

salvação? Na esperança só para mim, que aliás não é uma esperança ver<strong>da</strong>deira porque esquece e<br />

descui<strong>da</strong> os outros? Não. A relação com Deus estabelece-se através <strong>da</strong> comunhão com Jesus – sozinhos<br />

e apenas com as nossas possibili<strong>da</strong>des não o conseguimos. Mas, a relação com Jesus é uma relação com<br />

Aquele que Se entregou a Si próprio em resgate por todos nós (cf. 1 Tim 2,6). O fato de estarmos em<br />

comunhão com Jesus Cristo envolve-nos no seu ser « para todos », fazendo disso o nosso modo de ser.<br />

Ele compromete-nos a ser para os outros, mas só na comunhão com Ele é que se torna possível sermos<br />

ver<strong>da</strong>deiramente para os outros, para a comuni<strong>da</strong>de. Neste contexto, queria citar o grande doutor grego<br />

<strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, S. Máximo o Confessor († 662), o qual começa por exortar a não antepor na<strong>da</strong> ao<br />

conhecimento e ao amor de Deus, mas depois passa imediatamente a aplicações muito práticas: « Quem<br />

ama Deus não pode reservar o dinheiro para si próprio. Distribui-o de modo “divino” [...] do mesmo<br />

modo segundo a medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> justiça ». Do amor para com Deus consegue a participação na justiça e na<br />

bon<strong>da</strong>de de Deus para com os outros; amar a Deus requer a liber<strong>da</strong>de interior diante de ca<strong>da</strong> bem<br />

possuído e de to<strong>da</strong>s as coisas materiais: o amor de Deus revela-se na responsabili<strong>da</strong>de pelo outro. A<br />

mesma conexão entre amor de Deus e responsabili<strong>da</strong>de pelos homens podemos observá-la com comoção<br />

na vi<strong>da</strong> de S. Agostinho. Depois <strong>da</strong> sua conversão à fé cristã, ele, juntamente com alguns amigos<br />

possuídos pelos mesmos ideais, queria levar uma vi<strong>da</strong> dedica<strong>da</strong> totalmente à palavra de Deus e às<br />

reali<strong>da</strong>des eternas. Pretendia realizar com valores cristãos o ideal <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> contemplativa expressa pela<br />

grande filosofia grega, escolhendo deste modo « a melhor parte » (cf. Lc 10,42). Mas as coisas foram de<br />

outro modo. Participava ele na Missa dominical, na ci<strong>da</strong>de portuária de Hipona, quando foi chamado<br />

pelo Bispo do meio <strong>da</strong> multidão e instado a deixar-se ordenar para exercer o ministério sacerdotal<br />

naquela ci<strong>da</strong>de. Olhando retrospectivamente para aquela hora, escreve nas suas « Confissões »: «<br />

Aterrorizado com os meus pecados e com o peso <strong>da</strong> minha miséria, tinha resolvido e meditado em meu<br />

coração, o projeto de fugir para o ermo. Mas Vós mo impedistes e me fortalecestes dizendo: “Cristo<br />

morreu por todos, para que os viventes não vivam para si, mas para Aquele que morreu por todos” (cf. 2<br />

Cor 5,15) ». Cristo morreu por todos. Viver para Ele significa deixar-se envolver no seu « ser para ».<br />

29. Para Agostinho, isto significou uma vi<strong>da</strong> totalmente nova. Assim descreveu ele uma vez o seu dia-adia:<br />

« Corrigir os indisciplinados, confortar os pusilânimes, amparar os fracos, refutar os opositores,<br />

precaver-se dos maliciosos, instruir os ignorantes, estimular os negligentes, frear os provocadores,<br />

moderar os ambiciosos, encorajar os desanimados, pacificar os litigiosos, aju<strong>da</strong>r os necessitados,<br />

libertar os oprimidos, demonstrar aprovação aos bons, tolerar o maus e [ai de mim!] amar a todos ».<br />

«É o Evangelho que me assusta » – aquele susto salutar que nos impede de viver para nós mesmos e que<br />

nos impele a transmitir a nossa esperança comum. De fato, era esta precisamente a intenção de<br />

Agostinho: na difícil situação do império romano, que ameaçava também a África romana e – no final<br />

<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> de Agostinho – até a destruiu, transmite esperança, a esperança que lhe vinha <strong>da</strong> fé e que,<br />

contrariamente ao seu temperamento introvertido, o tornou capaz de participar decidi<strong>da</strong>mente e com<br />

to<strong>da</strong>s as forças na edificação <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. No mesmo capítulo <strong>da</strong>s Confissões, onde acabamos de ver o<br />

motivo decisivo do seu empenhamento « por todos », diz ele: Cristo intercede por nós. Doutro modo<br />

desesperaria, pois são muitas e grandes as minhas fraquezas! Sim, são muito pesa<strong>da</strong>s, mas maior é o<br />

poder <strong>da</strong> vossa medicina. Poderíamos pensar que a vossa Palavra Se tinha afastado <strong>da</strong> união com o<br />

homem e desesperado de nos salvar, se não se tivesse feito homem e habitado entre nós». Em virtude <strong>da</strong><br />

sua esperança, Agostinho prodigalizou-se pelas pessoas simples e pela sua ci<strong>da</strong>de – renunciou à sua<br />

nobreza espiritual e pregou e agiu de modo simples para a gente simples.<br />

97


30. Façamos um resumo <strong>da</strong>quilo que emergiu no desenrolar <strong>da</strong>s nossas reflexões. O homem, na sucessão<br />

dos dias, tem muitas esperanças – menores ou maiores – distintas nos diversos períodos <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>. Às<br />

vezes pode parecer que uma destas esperanças o satisfaça totalmente, sem ter necessi<strong>da</strong>de de outras. Na<br />

juventude, pode ser a esperança do grande e fagueiro amor; a esperança de uma certa posição na<br />

profissão, deste ou <strong>da</strong>quele sucesso determinante para o resto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Mas quando estas esperanças se<br />

realizam, resulta com clareza que na reali<strong>da</strong>de, isso não era a totali<strong>da</strong>de. Torna-se evidente que o homem<br />

necessita de uma esperança que vá mais além. Vê-se que só algo de infinito lhe pode bastar, algo que<br />

será sempre mais do que aquilo que ele alguma vez possa alcançar. Neste sentido, a época moderna<br />

desenvolveu a esperança <strong>da</strong> instauração de um mundo perfeito que, graças aos conhecimentos <strong>da</strong> ciência<br />

e a uma política cientificamente fun<strong>da</strong><strong>da</strong>, parecia tornar-se realizável. Assim, a esperança bíblica do<br />

reino de Deus foi substituí<strong>da</strong> pela esperança do reino do homem, pela esperança de um mundo melhor<br />

que seria o ver<strong>da</strong>deiro « reino de Deus ». Esta parecia finalmente a esperança grande e realista de que o<br />

homem necessita. Estava em condições de mobilizar – por um certo tempo – to<strong>da</strong>s as energias do<br />

homem; o grande objetivo parecia merecedor de todo o esforço. Mas, com o passar do tempo fica claro<br />

que esta esperança escapa sempre para mais longe. Primeiro deram-se conta de que esta era talvez uma<br />

esperança para os homens de amanhã, mas não uma esperança para mim. E, embora o elemento « para<br />

todos » faça parte <strong>da</strong> grande esperança – com efeito, não posso ser feliz contra e sem os demais – o certo<br />

é que uma esperança que não me diga respeito a mim pessoalmente não é sequer uma ver<strong>da</strong>deira<br />

esperança. E tornou-se evidente que esta era uma esperança contra a liber<strong>da</strong>de, porque a situação <strong>da</strong>s<br />

reali<strong>da</strong>des humanas depende em ca<strong>da</strong> geração novamente <strong>da</strong> livre decisão dos homens que dela fazem<br />

parte. Se esta liber<strong>da</strong>de, por causa <strong>da</strong>s condições e <strong>da</strong>s estruturas, lhes fosse tira<strong>da</strong>, o mundo, em última<br />

análise, não seria bom, porque um mundo sem liber<strong>da</strong>de não é de forma alguma um mundo bom. Deste<br />

modo, apesar de ser necessário um contínuo esforço pelo melhoramento do mundo, o mundo melhor de<br />

amanhã não pode ser o conteúdo próprio e suficiente <strong>da</strong> nossa esperança. E, sempre a este respeito,<br />

pergunta-se: Quando é « melhor » o mundo? O que é que o torna bom? Com qual critério se pode avaliar<br />

o seu ser bom? E por quais caminhos se pode alcançar esta « bon<strong>da</strong>de »?<br />

31. Mais ain<strong>da</strong>: precisamos <strong>da</strong>s esperanças – menores ou maiores – que, dia após dia, nos mantêm a<br />

caminho. Mas, sem a grande esperança que deve superar tudo o resto, aquelas não bastam. Esta grande<br />

esperança só pode ser Deus, que abraça o universo e nos pode propor e <strong>da</strong>r aquilo que, sozinhos, não<br />

podemos conseguir. Precisamente o ser gratificado com um dom faz parte <strong>da</strong> esperança. Deus é o<br />

fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> esperança – não um deus qualquer, mas aquele Deus que possui um rosto humano e que<br />

nos amou até ao fim: ca<strong>da</strong> indivíduo e a humani<strong>da</strong>de no seu conjunto. O seu reino não é um além<br />

imaginário, colocado num futuro que nunca mais chega; o seu reino está presente onde Ele é amado e<br />

onde o seu amor nos alcança. Somente o seu amor nos dá a possibili<strong>da</strong>de de perseverar com to<strong>da</strong> a<br />

sobrie<strong>da</strong>de dia após dia, sem perder o ardor <strong>da</strong> esperança, num mundo que, por sua natureza, é<br />

imperfeito. E, ao mesmo tempo, o seu amor é para nós a garantia de que existe aquilo que intuímos só<br />

vagamente e, contudo, no íntimo esperamos: a vi<strong>da</strong> que é « ver<strong>da</strong>deiramente » vi<strong>da</strong>. Procuremos<br />

concretizar ain<strong>da</strong> mais esta idéia na última parte, dirigindo a nossa atenção para alguns « lugares » de<br />

aprendizagem prática e de exercício <strong>da</strong> esperança.<br />

« Lugares » de aprendizagem e de exercício <strong>da</strong> esperança<br />

I. A oração como escola <strong>da</strong> esperança<br />

32. Primeiro e essencial lugar de aprendizagem <strong>da</strong> esperança é a oração. Quando já ninguém me escuta,<br />

Deus ain<strong>da</strong> me ouve. Quando já não posso falar com ninguém, nem invocar mais ninguém, a Deus<br />

sempre posso falar. Se não há mais ninguém que me possa aju<strong>da</strong>r – por tratar-se de uma necessi<strong>da</strong>de ou<br />

de uma expectativa que supera a capaci<strong>da</strong>de humana de esperar – Ele pode aju<strong>da</strong>r-me. Se me encontro<br />

confinado numa extrema solidão...o orante jamais está totalmente só. Dos seus 13 anos de prisão, 9 dos<br />

quais em isolamento, o inesquecível Cardeal Nguyen Van Thuan deixou-nos um livrinho precioso:<br />

Orações de esperança. Durante 13 anos de prisão, numa situação de desespero aparentemente total, a<br />

escuta de Deus, o poder falar-Lhe, tornou-se para ele uma força crescente de esperança, que, depois <strong>da</strong><br />

sua libertação, lhe permitiu ser para os homens em todo o mundo uma testemunha <strong>da</strong> esperança, <strong>da</strong>quela<br />

98


grande esperança que não declina, mesmo nas noites <strong>da</strong> solidão.<br />

33. De forma muito bela Agostinho ilustrou a relação íntima entre oração e esperança, numa homilia<br />

sobre a Primeira Carta de João. Ele define a oração como um exercício do desejo. O homem foi criado<br />

para uma reali<strong>da</strong>de grande, ou seja, para o próprio Deus, para ser preenchido por Ele. Mas, o seu<br />

coração é demasiado estreito para a grande reali<strong>da</strong>de que lhe está destina<strong>da</strong>. Tem de ser dilatado. «<br />

Assim procede Deus: diferindo a sua promessa, faz aumentar o desejo; e com o desejo, dilata a alma,<br />

tornando-a mais apta a receber os seus dons ». Aqui Agostinho pensa em S. Paulo que, de si mesmo,<br />

afirma viver inclinado para as coisas que hão de vir (Fil 3,13). Depois usa uma imagem muito bela para<br />

descrever este processo de dilatação e preparação do coração humano. « Supõe que Deus queira encherte<br />

de mel (símbolo <strong>da</strong> ternura de Deus e <strong>da</strong> sua bon<strong>da</strong>de). Se tu, porém, estás cheio de vinagre, onde<br />

vais pôr o mel? » O vaso, ou seja o coração, deve primeiro ser dilatado e depois limpo: livre do vinagre<br />

e do seu sabor. Isto requer trabalho, faz sofrer, mas só assim se realiza o ajustamento àquilo para que<br />

somos destinados. Apesar de Agostinho falar diretamente só <strong>da</strong> receptivi<strong>da</strong>de para Deus, resulta claro,<br />

no entanto, que o homem neste esforço, com que se livra do vinagre e do seu sabor amargo, não se torna<br />

livre só para Deus, mas abre-se também para os outros. De fato, só tornando-nos filhos de Deus é que<br />

podemos estar com o nosso Pai comum. Orar não significa sair <strong>da</strong> história e retirar-se para o canto<br />

privado <strong>da</strong> própria felici<strong>da</strong>de. O modo carreto de rezar é um processo de purificação interior que nos<br />

torna aptos para Deus e, precisamente desta forma, aptos também para os homens. Na oração, o homem<br />

deve aprender o que ver<strong>da</strong>deiramente pode pedir a Deus, o que é digno de Deus. Deve aprender que não<br />

pode rezar contra o outro. Deve aprender que não pode pedir as coisas superficiais e cômo<strong>da</strong>s que de<br />

momento deseja – a pequena esperança equivoca<strong>da</strong> que o leva para longe de Deus. Deve purificar os<br />

seus desejos e as suas esperanças. Deve livrar-se <strong>da</strong>s mentiras secretas com que se engana a si próprio:<br />

Deus perscruta-as, e o contacto com Deus obriga o homem a reconhecê-las também. « Quem poderá<br />

discernir todos os erros? Purificai-me <strong>da</strong>s faltas escondi<strong>da</strong>s », reza o Salmista (19/18,13). O não<br />

reconhecimento <strong>da</strong> culpa, a ilusão de inocência não me justifica nem me salva, porque o entorpecimento<br />

<strong>da</strong> consciência, a incapaci<strong>da</strong>de de reconhecer em mim o mal enquanto tal é culpa minha. Se Deus não<br />

existe, talvez me deva refugiar em tais mentiras, porque não há ninguém que me possa perdoar, ninguém<br />

que seja a medi<strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira. Pelo contrário, o encontro com Deus desperta a minha consciência, para<br />

que deixe de fornecer-me uma auto-justificação, cesse de ser um reflexo de mim mesmo e dos<br />

contemporâneos que me condicionam, mas se torne capaci<strong>da</strong>de de escuta do mesmo Bem.<br />

34. Para que a oração desenvolva esta força purificadora, deve, por um lado, ser muito pessoal, um<br />

confronto do meu eu com Deus, com o Deus vivo; mas, por outro, deve ser incessantemente guia<strong>da</strong> e<br />

ilumina<strong>da</strong> pelas grandes orações <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> e dos santos, pela oração litúrgica, na qual o Senhor nos<br />

ensina continuamente a rezar de modo justo. O Cardeal Nyugen Van Thuan, contou no seu livro de<br />

Exercícios Espirituais, como na sua vi<strong>da</strong> tinha havido longos períodos de incapaci<strong>da</strong>de para rezar, e<br />

como ele se tinha agarrado às palavras de oração <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>: ao Pai Nosso, à Ave <strong>Maria</strong> e às orações <strong>da</strong><br />

Liturgia. Na oração, deve haver sempre este entrelaçamento de oração pública e oração pessoal. Assim<br />

podemos falar a Deus, assim Deus fala a nós. Deste modo, realizam-se em nós as purificações, mediante<br />

as quais nos tornamos capazes de Deus e idôneos ao serviço dos homens. Assim tornamo-nos capazes <strong>da</strong><br />

grande esperança e ministros <strong>da</strong> esperança para os outros: a esperança em sentido cristão é sempre<br />

esperança também para os outros. E é esperança ativa, que nos faz lutar para que as coisas não<br />

caminhem para o « fim perverso ». É esperança ativa precisamente também no sentido de mantermos o<br />

mundo aberto a Deus. Somente assim, ela permanece também uma esperança ver<strong>da</strong>deiramente humana.<br />

II. Agir e sofrer como lugares de aprendizagem <strong>da</strong> esperança<br />

35. To<strong>da</strong> a ação séria e reta do homem é esperança em ato. É-o antes de tudo no sentido de que assim<br />

procuramos concretizar as nossas esperanças menores ou maiores: resolver este ou aquele assunto que é<br />

importante, para prosseguir na caminha<strong>da</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>; com o nosso empenho contribuir a fim de que o<br />

mundo se torne um pouco mais luminoso e humano, e assim se abram também as portas para o futuro.<br />

Mas o esforço quotidiano pela continuação <strong>da</strong> nossa vi<strong>da</strong> e pelo futuro <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de cansa-nos ou<br />

transforma-se em fanatismo, se não nos ilumina a luz <strong>da</strong>quela grande esperança que não pode ser<br />

destruí<strong>da</strong> sequer pelos pequenos fracassos e pela falência em vicissitudes de alcance histórico. Se não<br />

99


podemos esperar mais do que é realmente alcançável de ca<strong>da</strong> vez e de quanto nos seja possível<br />

oferecerem as autori<strong>da</strong>des políticas e econômicas, a nossa vi<strong>da</strong> arrisca-se a ficar bem depressa sem<br />

esperança. É importante saber: eu posso sempre continuar a esperar, ain<strong>da</strong> que pela minha vi<strong>da</strong> ou pelo<br />

momento histórico que estou a viver aparentemente não tenha mais qualquer motivo para esperar. Só a<br />

grande esperança-certeza de que, não obstante todos os fracassos, a minha vi<strong>da</strong> pessoal e a história no<br />

seu conjunto estão conserva<strong>da</strong>s no poder indestrutível do Amor e, graças a isso e por isso, possuem<br />

sentido e importância, só uma tal esperança pode, naquele caso, <strong>da</strong>r ain<strong>da</strong> a coragem de agir e de<br />

continuar. Certamente, não podemos « construir » o reino de Deus com as nossas forças; o que<br />

construímos permanece sempre reino do homem com todos os limites próprios <strong>da</strong> natureza humana. O<br />

reino de Deus é um dom, e por isso mesmo é grande e belo, constituindo a resposta à esperança. Nem<br />

podemos – para usar a terminologia clássica – « merecer » o céu com as nossas obras. Este é sempre<br />

mais do que aquilo que merecemos, tal como o ser amados nunca é algo « merecido », mas um dom.<br />

Porém, com to<strong>da</strong> a nossa consciência <strong>da</strong> « mais valia » do céu, permanece igualmente ver<strong>da</strong>de que o<br />

nosso agir não é indiferente diante de Deus e, portanto, também não o é para o desenrolar <strong>da</strong> história.<br />

Podemos abrir-nos nós mesmos e o mundo ao ingresso de Deus: <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, do amor e do bem. É o que<br />

fizeram os santos que, como « colaboradores de Deus » contribuíram para a salvação do mundo (cf. 1<br />

Cor 3,9; 1 Tes 3,2). Temos a possibili<strong>da</strong>de de livrar a nossa vi<strong>da</strong> e o mundo dos venenos e<br />

contaminações que poderiam destruir o presente e o futuro. Podemos descobrir e manter limpas as fontes<br />

<strong>da</strong> criação e assim, juntamente com a criação que nos precede como dom recebido, fazer o que é justo<br />

conforme as suas intrínsecas exigências e a sua finali<strong>da</strong>de. Isto conserva um sentido, mesmo quando,<br />

aparentemente, não temos sucesso ou parecemos impotentes face à hegemonia de forças hostis. Assim,<br />

por um lado, <strong>da</strong> nossa ação nasce esperança para nós e para os outros; mas, ao mesmo tempo, é a grande<br />

esperança apoia<strong>da</strong> nas promessas de Deus que, tanto nos momentos bons como nos maus, nos dá<br />

coragem e orienta o nosso agir.<br />

36. Tal como o agir, também o sofrimento faz parte <strong>da</strong> existência humana. Este deriva, por um lado, <strong>da</strong><br />

nossa finitude e, por outro, do volume de culpa que se acumulou ao longo <strong>da</strong> história e, mesmo<br />

atualmente, cresce de modo irreprimível. Certamente é preciso fazer tudo o possível para diminuir o<br />

sofrimento: impedir, na medi<strong>da</strong> do possível, o sofrimento dos inocentes; amenizar as dores; aju<strong>da</strong>r a<br />

superar os sofrimentos psíquicos. Todos estes são deveres tanto <strong>da</strong> justiça como <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de, que se<br />

inserem nas exigências fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> existência cristã e de ca<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deiramente humana. Na<br />

luta contra a dor física conseguiu-se realizar grandes progressos; mas o sofrimento dos inocentes e<br />

inclusive os sofrimentos psíquicos aumentaram durante os últimos decênios. Devemos – é ver<strong>da</strong>de –<br />

fazer tudo por superar o sofrimento, mas eliminá-lo completamente do mundo não entra nas nossas<br />

possibili<strong>da</strong>des, simplesmente porque não podemos desfazer-nos <strong>da</strong> nossa finitude e porque nenhum de<br />

nós é capaz de eliminar o poder do mal, <strong>da</strong> culpa que – como constatamos – é fonte contínua de<br />

sofrimento. Isto só Deus o poderia fazer: só um Deus que pessoalmente entra na história fazendo-Se<br />

homem e sofre nela. Nós sabemos que este Deus existe e que por isso este poder que « tira os pecados<br />

do mundo » (Jo 1,29) está presente no mundo. Com a fé na existência deste poder, surgiu na história a<br />

esperança <strong>da</strong> cura do mundo. Mas, trata-se precisamente de esperança, e não ain<strong>da</strong> de cumprimento;<br />

esperança que nos dá a coragem de nos colocarmos <strong>da</strong> parte do bem, inclusive onde a reali<strong>da</strong>de parece<br />

sem esperança, cientes de que, olhando o desenrolar <strong>da</strong> história tal como nos aparece exteriormente, o<br />

poder <strong>da</strong> culpa vai continuar uma presença terrível ain<strong>da</strong> no futuro.<br />

37. Voltemos ao nosso tema. Podemos procurar limitar o sofrimento e lutar contra ele, mas não podemos<br />

eliminá-lo. Precisamente onde os homens, na tentativa de evitar qualquer sofrimento, procuram<br />

esquivar-se de tudo o que poderia significar padecimento, onde querem evitar a canseira e o sofrimento<br />

por causa <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, do amor, do bem, descambam numa vi<strong>da</strong> vazia, na qual provavelmente já quase<br />

não existe a dor, mas experimenta-se muito mais a obscura sensação <strong>da</strong> falta de sentido e <strong>da</strong> solidão.<br />

Não é o evitar o sofrimento, a fuga diante <strong>da</strong> dor, que cura o homem, mas a capaci<strong>da</strong>de de aceitar a<br />

tribulação e nela amadurecer, de encontrar o seu sentido através <strong>da</strong> união com Cristo, que sofreu com<br />

infinito amor. Neste contexto, desejo citar algumas frases de uma carta do mártir vietnamita Paulo Le-<br />

Bao-Thin († 1857), onde é clara esta transformação do sofrimento mediante a força <strong>da</strong> esperança que<br />

provém <strong>da</strong> fé. « Eu, Paulo, prisioneiro pelo nome de Cristo, quero falar-vos <strong>da</strong>s tribulações que suporto<br />

ca<strong>da</strong> dia, para que, inflamados no amor de Deus, comigo louveis o Senhor, porque é eterna a sua<br />

100


misericórdia (Sal 136/135). Este cárcere é realmente a imagem do inferno eterno: além de suplícios de<br />

todo o gênero, tais como algemas, grilhões, cadeias de ferro, tenho de suportar o ódio, as agressões,<br />

calúnias, palavras indecorosas, repreensões, mal<strong>da</strong>des, juramentos falsos, e, além disso, as angústias e<br />

a tristeza. Mas Deus, que outrora libertou os três jovens <strong>da</strong> fornalha ardente, está sempre comigo e<br />

libertou-me destas tribulações, convertendo-as em suave doçura, porque é eterna a sua misericórdia.<br />

Imerso nestes tormentos, que costumam aterrorizar os outros, pela graça de Deus sinto-me alegre e<br />

contente, porque não estou só, mas estou com Cristo. [...] Como posso eu suportar este espetáculo, ao<br />

ver todos os dias os imperadores, man<strong>da</strong>rins e seus guar<strong>da</strong>s blasfemar o vosso santo nome, Senhor, que<br />

estais sentado sobre os Querubins (cf. Sal 80/79, 2) e os Serafins? Vede como a vossa cruz é calca<strong>da</strong><br />

aos pés dos pagãos! Onde está a vossa glória? Ao ver tudo isto, sinto inflamar-se o meu coração no<br />

vosso amor e prefiro ser dilacerado e morrer em testemunho <strong>da</strong> vossa infinita bon<strong>da</strong>de. Mostrai,<br />

Senhor, o vosso poder, salvai-me e amparai-me, para que na minha fraqueza se manifeste a vossa força<br />

e seja glorifica<strong>da</strong> diante dos gentios [...] Ouvindo tudo isto, caríssimos irmãos, tende coragem e<br />

alegrai-vos, <strong>da</strong>i graças eternamente a Deus, de quem procedem todos os bens, bendizei comigo ao<br />

Senhor, porque é eterna a sua misericórdia [...] Escrevo to<strong>da</strong>s estas coisas, para que estejam uni<strong>da</strong>s a<br />

vossa e a minha fé. No meio <strong>da</strong> tempestade, lanço a âncora que me permitirá subir até ao trono de<br />

Deus: a esperança viva que está no meu coração ». Esta é uma carta do « inferno ». Nela se mostra<br />

todo o horror de um campo de concentração, onde aos tormentos infligidos pelos tiranos se vem juntar<br />

o desencadeamento do mal nas mesmas vítimas que, deste modo, se tornam novos instrumentos <strong>da</strong><br />

cruel<strong>da</strong>de dos algozes. É uma carta do inferno, mas nela tem cumprimento a palavra do Salmo: « Se<br />

subir aos céus, lá Vos encontro, se descer aos infernos, igualmente. [...] Se eu disser: “ao menos as<br />

trevas me cobrirão”, [...] nem sequer as trevas serão bastante escuras para Vós, e a noite será clara<br />

como o dia, tanto faz a luz como as trevas » (Sl 139/138, 8-12; cf. também Sal 23//22, 4). Cristo desceu<br />

aos « infernos » ficando assim perto de quem é nele lançado, transformando para ele as trevas em luz.<br />

O sofrimento, os tormentos continuam terríveis e quase insuportáveis. Surgiu, porém, a estrela <strong>da</strong><br />

esperança, a âncora do coração chega até o trono de Deus. Não se desencadeia o mal no homem, mas<br />

vence a luz: o sofrimento – sem deixar de o ser – torna-se, apesar de tudo, canto de louvor.<br />

38. A grandeza <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de determina-se essencialmente na relação com o sofrimento e com quem<br />

sofre. Isto vale tanto para o indivíduo como para a socie<strong>da</strong>de. Uma socie<strong>da</strong>de que não consegue aceitar<br />

os que sofrem e não é capaz de contribuir, mediante a compaixão, para fazer com que o sofrimento seja<br />

compartilhado e assumido mesmo interiormente é uma socie<strong>da</strong>de cruel e desumana. A socie<strong>da</strong>de,<br />

porém, não pode aceitar os que sofrem e apoiá-los no seu sofrimento, se os próprios indivíduos não são<br />

capazes disso mesmo; e, por outro lado, o indivíduo não pode aceitar o sofrimento do outro, se ele<br />

pessoalmente não consegue encontrar no sofrimento um sentido, um caminho de purificação e de<br />

amadurecimento, um caminho de esperança. Aceitar o outro que sofre significa, de fato, assumir de<br />

alguma forma o seu sofrimento, de tal modo que este se torna também meu. Mas, precisamente porque<br />

agora se tornou sofrimento compartilhado, no qual há a presença do outro, este sofrimento é penetrado<br />

pela luz do amor. A palavra latina con-solatio, consolação, exprime isto mesmo de forma muito bela<br />

sugerindo um estar-com na solidão, que então deixa der ser solidão. Mas, a capaci<strong>da</strong>de de aceitar o<br />

sofrimento por amor do bem, <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> justiça é também constitutiva <strong>da</strong> grandeza <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de,<br />

porque se, em definitiva, o meu bem-estar, a minha incolumi<strong>da</strong>de é mais importante do que a ver<strong>da</strong>de e<br />

a justiça, então vigora o domínio do mais forte; então reinam a violência e a mentira. A ver<strong>da</strong>de e a<br />

justiça devem estar acima <strong>da</strong> minha comodi<strong>da</strong>de e incolumi<strong>da</strong>de física, senão a minha própria vi<strong>da</strong><br />

torna-se uma mentira. E, por fim, também o « sim » ao amor é fonte de sofrimento, porque o amor exige<br />

sempre expropriações do meu eu, nas quais me deixo po<strong>da</strong>r e ferir. O amor não pode de modo algum<br />

existir sem esta renúncia mesmo dolorosa a mim mesmo, senão torna-se puro egoísmo, anulando-se<br />

deste modo a si próprio enquanto tal.<br />

39. Sofrer com o outro, pelos outros; sofrer por amor <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> justiça; sofrer por causa do amor e<br />

para se tornar uma pessoa que ama ver<strong>da</strong>deiramente: estes são elementos fun<strong>da</strong>mentais de humani<strong>da</strong>de,<br />

o seu abandono destruiria o mesmo homem. Entretanto levanta-se uma vez mais a questão: somos<br />

capazes disto? O outro é suficientemente importante, para que por ele eu me torne uma pessoa que<br />

sofre? Para mim, a ver<strong>da</strong>de é tão importante que compensa o sofrimento? A promessa do amor é assim<br />

tão grande que justifique o dom de mim mesmo? Na história <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, cabe à fé cristã<br />

101


precisamente o mérito de ter suscitado no homem, de maneira nova e a uma nova profundi<strong>da</strong>de, a<br />

capaci<strong>da</strong>de dos referidos modos de sofrer que são decisivos para a sua humani<strong>da</strong>de. A fé cristã mostrounos<br />

que ver<strong>da</strong>de, justiça, amor não são simplesmente ideais, mas reali<strong>da</strong>des de imensa densi<strong>da</strong>de. Com<br />

efeito, mostrou-nos que Deus – a Ver<strong>da</strong>de e o Amor em pessoa – quis sofrer por nós e conosco.<br />

Bernardo de Claraval cunhou esta frase maravilhosa: Impassibilis est Deus, sed non incompassibilis –<br />

Deus não pode padecer, mas pode-se compadecer. O homem tem para Deus um valor tão grande que Ele<br />

mesmo Se fez homem para poder padecer com o homem, de modo muito real, na carne e no sangue,<br />

como nos é demonstrado na narração <strong>da</strong> Paixão de Jesus. A partir de lá entrou em todo o sofrimento<br />

humano alguém que partilha o sofrimento e a sua suportação; a partir de lá se propaga em todo o<br />

sofrimento a con-solatio, a consolação do amor solidário de Deus, surgindo assim a estrela <strong>da</strong> esperança.<br />

Certamente, nos nossos inúmeros sofrimentos e provas sempre temos necessi<strong>da</strong>de também <strong>da</strong>s nossas<br />

pequenas ou grandes esperanças – de uma visita amiga, <strong>da</strong> cura <strong>da</strong>s feri<strong>da</strong>s internas e externas, <strong>da</strong><br />

solução positiva de uma crise, etc. Nas provações menores, estes tipos de esperança podem mesmo ser<br />

suficientes. Mas, nas provações ver<strong>da</strong>deiramente graves, quando tenho de assumir a decisão definitiva<br />

de antepor a ver<strong>da</strong>de ao bem-estar, à carreira e à proprie<strong>da</strong>de, a certeza <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira grande esperança,<br />

de que falamos, faz-se necessária. Para isto, precisamos também de testemunhas, de mártires, que se<br />

entregaram totalmente, para que no-lo manifestem, dia após dia. Temos necessi<strong>da</strong>de deles para<br />

preferirmos, mesmo nas pequenas alternativas do dia-a-dia, o bem à comodi<strong>da</strong>de, sabendo que<br />

precisamente assim vivemos a vi<strong>da</strong> de ver<strong>da</strong>de. Digamo-lo uma vez mais: a capaci<strong>da</strong>de de sofrer por<br />

amor <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de é medi<strong>da</strong> de humani<strong>da</strong>de. No entanto, esta capaci<strong>da</strong>de de sofrer depende do gênero e <strong>da</strong><br />

grandeza <strong>da</strong> esperança que trazemos dentro de nós e sobre a qual construímos. Os santos puderam<br />

percorrer o grande caminho do ser-homem no modo como Cristo o percorreu antes de nós, porque<br />

estavam repletos <strong>da</strong> grande esperança.<br />

40. Gostaria de acrescentar ain<strong>da</strong> uma pequena observação, não sem importância para os acontecimentos<br />

de todos os dias. Fazia parte duma forma de devoção – talvez menos pratica<strong>da</strong> hoje, mas não vai ain<strong>da</strong><br />

há muito tempo que era bastante difundi<strong>da</strong> – a idéia de poder « oferecer » as pequenas canseiras <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

quotidiana, que nos ferem com freqüência como alfineta<strong>da</strong>s mais ou menos incômo<strong>da</strong>, <strong>da</strong>ndo-lhes assim<br />

um sentido. Nesta devoção, houve sem dúvi<strong>da</strong> coisas exagera<strong>da</strong>s e talvez mesmo estranhas, mas é<br />

preciso interrogar-se se não havia de algum modo contido nela algo de essencial que poderia servir de<br />

aju<strong>da</strong>. O que significa « oferecer »? Estas pessoas estavam convenci<strong>da</strong>s de poderem inserir no grande<br />

compadecer de Cristo as suas pequenas canseiras, que entravam assim, de algum modo, a fazer parte do<br />

tesouro de compaixão de que o gênero humano necessita. Deste modo, também as mesmas pequenas<br />

moléstias do dia-a-dia poderiam adquirir um sentido e contribuir para a economia do bem, do amor entre<br />

os homens. Deveríamos talvez interrogar-nos se ver<strong>da</strong>deiramente isto não poderia voltar a ser uma<br />

perspectiva sensata também para nós.<br />

III. O Juízo como lugar de aprendizagem e de exercício <strong>da</strong> esperança<br />

41. No grande Credo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, a parte central – que trata do mistério de Cristo a partir <strong>da</strong> sua geração<br />

eterna no Pai e do nascimento temporal <strong>da</strong> Virgem <strong>Maria</strong>, passando pela cruz e a ressurreição até ao seu<br />

retorno – conclui com as palavras: « ... de novo há de vir em sua glória, para julgar os vivos e os mortos<br />

». Já desde os primeiros tempos, a perspectiva do Juízo influenciou os cristãos até na sua própria vi<strong>da</strong><br />

quotidiana enquanto critério segundo o qual ordenar a vi<strong>da</strong> presente, enquanto apelo à sua consciência e,<br />

ao mesmo tempo, enquanto esperança na justiça de Deus. A fé em Cristo nunca se limitou a olhar só<br />

para trás nem só para o alto, mas olhou sempre também para a frente para a hora <strong>da</strong> justiça que o Senhor<br />

repeti<strong>da</strong>s vezes preanunciara. Este olhar para diante conferiu ao cristianismo a sua importância para o<br />

presente. Na configuração dos edifícios sacros cristãos, que queriam tornar visível a vastidão histórica e<br />

cósmica <strong>da</strong> fé em Cristo, tornou-se habitual representar, no lado oriental, o Senhor que volta como rei –<br />

a imagem <strong>da</strong> esperança –, e no lado ocidental, o Juízo final como imagem <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de pela<br />

nossa vi<strong>da</strong>, uma representação que apontava e acompanhava precisamente os fiéis na sua caminha<strong>da</strong><br />

diária. Na evolução <strong>da</strong> iconografia, porém, foi se <strong>da</strong>ndo ca<strong>da</strong> vez mais relevo ao aspecto ameaçador e<br />

lúgubre do Juízo, que obviamente fascinava os artistas mais do que o esplendor <strong>da</strong> esperança que<br />

acabava, com freqüência, excessivamente escondido por debaixo <strong>da</strong> ameaça.<br />

102


42. Na época moderna, o pensamento do Juízo final diluiu-se: a fé cristã é caracteriza<strong>da</strong> e orienta<strong>da</strong><br />

sobretudo para a salvação pessoal <strong>da</strong> alma; ao contrário, a reflexão sobre a história universal está em<br />

grande parte domina<strong>da</strong> pela idéia do progresso. To<strong>da</strong>via, o conteúdo fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> expectativa do<br />

Juízo não desapareceu pura e simplesmente. Agora, porém, assume uma forma totalmente distinta. O<br />

ateísmo dos séculos XIX e XX é, de acordo com as suas raízes e finali<strong>da</strong>de, um moralismo: um protesto<br />

contra as injustiças do mundo e <strong>da</strong> história universal. Um mundo, onde exista uma tal dimensão de<br />

injustiça, de sofrimento dos inocentes e de cinismo do poder, não pode ser a obra de um Deus bom. O<br />

Deus que tivesse a responsabili<strong>da</strong>de de um mundo assim, não seria um Deus justo e menos ain<strong>da</strong> um<br />

Deus bom. É em nome <strong>da</strong> moral que é preciso contestar este Deus. Visto que não há um Deus que cria<br />

justiça, parece que o próprio homem seja agora chamado a estabelecer a justiça. Se diante do sofrimento<br />

deste mundo o protesto contra Deus é compreensível, a pretensão de a humani<strong>da</strong>de poder e dever fazer<br />

aquilo que nenhum Deus faz nem é capaz de fazer, é presunçosa e intrinsecamente não ver<strong>da</strong>deira. Não é<br />

por acaso que desta premissa tenham resultado as maiores cruel<strong>da</strong>des e violações <strong>da</strong> justiça, mas fun<strong>da</strong>se<br />

na falsi<strong>da</strong>de intrínseca desta pretensão. Um mundo que deve criar a justiça por sua conta, é um mundo<br />

sem esperança. Na<strong>da</strong> e ninguém responde pelo sofrimento dos séculos. Na<strong>da</strong> e ninguém garante que o<br />

cinismo do poder – independentemente do revestimento ideológico sedutor com que se apresente – não<br />

continue a imperar no mundo. Foi assim que os grandes pensadores <strong>da</strong> escola de Francoforte, Max<br />

Horkheimer e Teodoro W. Adorno, criticaram tanto o ateísmo como o teísmo. Horkheimer excluiu<br />

radicalmente que se possa encontrar qualquer substitutivo imanente para Deus, rejeitando porém, ao<br />

mesmo tempo, a imagem do Deus bom e justo. Numa radicalização extrema <strong>da</strong> proibição <strong>da</strong>s imagens<br />

no Antigo Testamento, ele fala <strong>da</strong> « nostalgia do totalmente Outro » que permanece inacessível – um<br />

grito do desejo dirigido à história universal. Adorno também se ateve decidi<strong>da</strong>mente a esta renúncia de<br />

to<strong>da</strong> a imagem que exclui, precisamente, também a « imagem » do Deus que ama. Mas ele sempre<br />

sublinhou esta dialética « negativa », afirmando que a justiça, uma ver<strong>da</strong>deira justiça, requereria um<br />

mundo « onde não só fosse anulado o sofrimento presente, mas também revogado o que passou<br />

irrevogavelmente. ». Isto, porém, significaria – expresso em símbolos positivos e, portanto, para ele<br />

inadequados – que não pode haver justiça sem ressurreição dos mortos e, concretamente, sem a sua<br />

ressurreição corporal. To<strong>da</strong>via uma tal perspectiva, comportaria « a ressurreição <strong>da</strong> carne, um <strong>da</strong>do que<br />

para o idealismo, para o reino do espírito absoluto, é totalmente estranho ».<br />

43. Da rigorosa renúncia a qualquer imagem, que faz parte do primeiro Man<strong>da</strong>mento de Deus (cf. Ex<br />

20,4), também o cristão pode e deve aprender sempre de novo. A ver<strong>da</strong>de <strong>da</strong> teologia negativa foi<br />

evidencia<strong>da</strong> pelo IV Concílio de Latrão, ao declarar explicitamente que, por grande que seja a<br />

semelhança verifica<strong>da</strong> entre o Criador e a criatura, sempre maior é a diferença entre ambos. Para o<br />

crente, no entanto, a renúncia a qualquer imagem não pode ir até ao ponto em que se devia deter, como<br />

gostariam Horkheimer e Adorno, no « não » a ambas as teses: ao teísmo e ao ateísmo. O mesmo Deus<br />

fez-Se uma « imagem »: em Cristo que Se fez homem. N'Ele, o Crucificado, a negação de imagens<br />

erra<strong>da</strong>s de Deus é leva<strong>da</strong> ao extremo. Agora, Deus revela a sua Face precisamente na figura do servo<br />

sofredor que partilha a condição do homem abandonado por Deus, tomando-a sobre si. Este sofredor<br />

inocente tornou-se esperança-certeza: Deus existe, e Deus sabe criar a justiça de um modo que nós não<br />

somos capazes de conceber mas que, pela fé, podemos intuir. Sim, existe a ressurreição <strong>da</strong> carne. Existe<br />

uma justiça. Existe a « revogação » do sofrimento passado, a reparação que restabelece o direito. Por<br />

isso, a fé no Juízo final é, primariamente, e sobretudo esperança – aquela esperança, cuja necessi<strong>da</strong>de se<br />

tornou evidente justamente nas convulsões dos últimos séculos. Estou convencido de que a questão <strong>da</strong><br />

justiça constitui o argumento essencial – em todo o caso o argumento mais forte – a favor <strong>da</strong> fé na vi<strong>da</strong><br />

eterna. A necessi<strong>da</strong>de meramente individual de uma satisfação – que nos é nega<strong>da</strong> nesta vi<strong>da</strong> – <strong>da</strong><br />

imortali<strong>da</strong>de do amor que anelamos, é certamente um motivo importante para crer que o homem seja<br />

feito para a eterni<strong>da</strong>de; mas só em conexão com a impossibili<strong>da</strong>de de a injustiça <strong>da</strong> história ser a última<br />

palavra, é que se torna plenamente convincente a necessi<strong>da</strong>de do retorno de Cristo e <strong>da</strong> nova vi<strong>da</strong>.<br />

44. O protesto contra Deus em nome <strong>da</strong> justiça não basta. Um mundo sem Deus é um mundo sem<br />

esperança (cf. Ef 2,12). Só Deus pode criar justiça. E a fé dá-nos a certeza: Ele fá-lo. A imagem do Juízo<br />

final não é primariamente uma imagem aterradora, mas de esperança; a nosso ver, talvez mesmo a<br />

imagem decisiva <strong>da</strong> esperança. Mas não é porventura também uma imagem assustadora? Eu diria: é uma<br />

imagem que apela à responsabili<strong>da</strong>de. Portanto, uma imagem <strong>da</strong>quele susto acerca do qual, como diz<br />

103


Santo Hilário que todo o nosso medo tem lugar no amor. Deus é justiça e cria justiça. Tal é a nossa<br />

consolação e a nossa esperança. Mas, na sua justiça, Ele é conjuntamente também graça. Isto podemos<br />

sabê-lo fixando o olhar em Cristo crucificado e ressuscitado. Ambas – justiça e graça – devem ser vistas<br />

na sua justa ligação interior. A graça não exclui a justiça. Não mu<strong>da</strong> a injustiça em direito. Não é uma<br />

esponja que apaga tudo, de modo que tudo quanto se fez na terra termine por ter o mesmo valor. Contra<br />

um céu e uma graça deste tipo protestou com razão, por exemplo, Dostoëvskij no seu romance « Os<br />

irmãos Karamazov ». No fim, no banquete, eterno, não se sentarão à mesa indistintamente os malvados<br />

junto com as vítimas, como se na<strong>da</strong> tivesse acontecido. Aqui gostaria de citar um texto de Platão que<br />

exprime um pressentimento do justo juízo que, em boa parte, permanece ver<strong>da</strong>deiro e salutar também<br />

para o cristão. Embora com imagens mitológicas mas que apresentam com uma evidência inequívoca a<br />

ver<strong>da</strong>de, ele diz que, no fim, as almas estarão nuas diante do juiz. Agora já não importa o que eram<br />

outrora na história, mas só aquilo que são de ver<strong>da</strong>de. « Agora [o juiz] tem diante de si talvez a alma de<br />

um [...] rei ou dominador, e na<strong>da</strong> vê de são nela. Encontra-a flagela<strong>da</strong> e cheia de cicatrizes resultantes de<br />

perjúrio e injustiça [...] e está tudo torto, cheio de mentira e orgulho, e na<strong>da</strong> está direito, porque ela<br />

cresceu sem ver<strong>da</strong>de. E ele vê como a alma, por causa do arbítrio, exagero, arrogância e levian<strong>da</strong>de no<br />

agir, se encheu de emproamento e infâmia. Diante de um tal espetáculo, ele envia-a imediatamente para<br />

a prisão, onde padecerá os castigos merecidos [...]. Às vezes, porém, ele vê diante de si uma alma<br />

diferente, uma alma que levou uma vi<strong>da</strong> piedosa e sincera [...], compraz-se com ela e man<strong>da</strong>-a sem<br />

dúvi<strong>da</strong> para as ilhas dos bem-aventurados ». Jesus, na parábola do rico epulão e do pobre Lázaro (cf. Lc<br />

16,19-31), apresentou, para nossa advertência, a imagem de uma tal alma devasta<strong>da</strong> pela arrogância e<br />

opulência, que criou, ela mesma, um fosso intransponível entre si e o pobre: o fosso do encerramento<br />

dentro dos prazeres materiais; o fosso do esquecimento do outro, <strong>da</strong> incapaci<strong>da</strong>de de amar, que se<br />

transforma agora numa sede ardente e já irremediável. Devemos aqui destacar que Jesus, nesta parábola,<br />

não fala do destino definitivo depois do Juízo universal, mas retoma a concepção do ju<strong>da</strong>ísmo antigo de<br />

uma condição intermédia entre morte e ressurreição, um estado em que falta ain<strong>da</strong> a última sentença.<br />

45. Esta idéia do ju<strong>da</strong>ísmo antigo <strong>da</strong> condição intermédia inclui a opinião de que as almas não se<br />

encontram simplesmente numa espécie de custódia provisória, mas já padecem um castigo, como<br />

demonstra a parábola do rico epulão, ou, ao contrário, gozam já de formas provisórias de bemaventurança.<br />

E, por último, não falta a noção de que, neste estado, sejam possíveis também purificações<br />

e curas, que tornam a alma madura para a comunhão com Deus. A <strong>Igreja</strong> primitiva assumiu tais idéias, a<br />

partir <strong>da</strong>s quais, se desenvolveu aos poucos na <strong>Igreja</strong> ocidental a doutrina do purgatório. Não há<br />

necessi<strong>da</strong>de de examinar aqui as complica<strong>da</strong>s vias históricas desta evolução; perguntemo-nos apenas de<br />

que se trata realmente. Com a morte, a opção de vi<strong>da</strong> feita pelo homem torna-se definitiva; esta sua vi<strong>da</strong><br />

está diante do Juiz. A sua opção, que tomou forma ao longo de to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>, pode ter caracteres diversos.<br />

Pode haver pessoas que destruíram totalmente em si próprias o desejo <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de e a disponibili<strong>da</strong>de<br />

para o amor; pessoas nas quais tudo se tornou mentira; pessoas que viveram para o ódio e espezinharam<br />

o amor em si mesmas. Trata-se de uma perspectiva terrível, mas algumas figuras <strong>da</strong> nossa mesma<br />

história deixam entrever, de forma assustadora, perfis deste gênero. Em tais indivíduos, não haveria na<strong>da</strong><br />

de remediável e a destruição do bem seria irrevogável: é já isto que se indica com a palavra inferno. Por<br />

outro lado, podem existir pessoas puríssimas, que se deixaram penetrar inteiramente por Deus e,<br />

conseqüentemente, estão totalmente abertas ao próximo – pessoas em quem a comunhão com Deus<br />

orienta desde já todo o seu ser e cuja chega<strong>da</strong> a Deus apenas leva a cumprimento aquilo que já são.<br />

46. Mas, segundo a nossa experiência, nem um nem outro são o caso normal <strong>da</strong> existência humana. Na<br />

maioria dos homens – como podemos supor – perdura no mais profundo <strong>da</strong> sua essência uma derradeira<br />

abertura interior para a ver<strong>da</strong>de, para o amor, para Deus. Nas opções concretas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, porém, aquela é<br />

sepulta<strong>da</strong> sob repetidos compromissos com o mal: muita sujeira cobre a pureza, <strong>da</strong> qual, contudo,<br />

permanece a sede e que, apesar de tudo, ressurge sempre de to<strong>da</strong> a abjeção e continua presente na alma.<br />

O que acontece a tais indivíduos quando comparecem diante do Juiz? Será que to<strong>da</strong>s as coisas imun<strong>da</strong>s<br />

que acumularam na sua vi<strong>da</strong> se tornarão de repente irrelevantes? Ou acontecerá algo de diverso? São<br />

Paulo, na Primeira Carta aos Coríntios, dá-nos uma idéia <strong>da</strong> distinta repercussão do juízo de Deus sobre<br />

o homem, conforme as suas condições. Fá-lo com imagens que, de alguma forma, querem exprimir o<br />

invisível, mas sem as podermos transformar em conceitos, pelo simples motivo de que não nos é<br />

possível entrever o mundo além <strong>da</strong> morte nem possuímos qualquer experiência dele. Acerca <strong>da</strong><br />

104


existência cristã, Paulo afirma antes de mais que está construí<strong>da</strong> sobre um fun<strong>da</strong>mento comum: Jesus<br />

Cristo. Este fun<strong>da</strong>mento resiste. Se nele permanecermos firmes e sobre ele construirmos a nossa vi<strong>da</strong>,<br />

sabemos que este fun<strong>da</strong>mento não nos pode ser tirado, nem mesmo na morte. E Paulo continua: « Se<br />

alguém edifica sobre este fun<strong>da</strong>mento com ouro, prata, pedras preciosas, madeiras, feno ou palha, a obra<br />

de ca<strong>da</strong> um ficará patente, pois o dia do Senhor a fará conhecer. Pelo fogo será revela<strong>da</strong>, e o fogo<br />

provará o que vale a obra de ca<strong>da</strong> um. Se a obra construí<strong>da</strong> subsistir, o construtor receberá a paga. Se a<br />

obra de alguém se queimar, sofrerá a per<strong>da</strong>. Ele, porém, será salvo, como que através do fogo » (3,12-<br />

15). Seja como for, neste texto torna-se evidente que a salvação dos homens pode acontecer sob distintas<br />

formas: algumas coisas edifica<strong>da</strong>s podem queimar completamente; para alcançar a salvação, é preciso<br />

atravessar pessoalmente o « fogo » para se tornar definitivamente capaz de Deus e poder sentar-se à<br />

mesa do banquete nupcial eterno.<br />

47. Alguns teólogos recentes são de parecer que o fogo que simultaneamente queima e salva é o próprio<br />

Cristo, o Juiz e Salvador. O encontro com Ele é o ato decisivo do Juízo. Ante o seu olhar, funde-se to<strong>da</strong><br />

a falsi<strong>da</strong>de. É o encontro com Ele que, queimando-nos, nos transforma e liberta para nos tornar<br />

ver<strong>da</strong>deiramente nós mesmos. As coisas edifica<strong>da</strong>s durante a vi<strong>da</strong> podem então revelar-se palha seca,<br />

pura fanfarronice e desmoronar-se. Porém, na dor deste encontro, em que o impuro e o nocivo do nosso<br />

ser se tornam evidentes, está a salvação. O seu olhar, o toque do seu coração cura-nos através de uma<br />

transformação certamente dolorosa « como pelo fogo ». Contudo, é uma dor feliz, em que o poder santo<br />

do seu amor nos penetra como chama, consentindo-nos no final sermos totalmente nós mesmos e, por<br />

isso mesmo totalmente de Deus. Deste modo, torna-se evidente também a compenetração entre justiça e<br />

graça: o nosso modo de viver não é irrelevante, mas a nossa sujeira não nos mancha para sempre, se ao<br />

menos continuamos inclinados para Cristo, para a ver<strong>da</strong>de e para o amor. No fim de contas, esta sujeira<br />

já foi queima<strong>da</strong> na Paixão de Cristo. No momento do Juízo, experimentamos e acolhemos este<br />

prevalecer do seu amor sobre todo o mal no mundo e em nós. A dor do amor torna-se a nossa salvação e<br />

a nossa alegria. É claro que a « duração » deste queimar que transforma não a podemos calcular com as<br />

medi<strong>da</strong>s de cronometragem deste mundo. O « momento » transformador deste encontro escapa à<br />

cronometragem terrena: é tempo do coração, tempo <strong>da</strong> « passagem » à comunhão com Deus no Corpo<br />

de Cristo. O Juízo de Deus é esperança quer porque é justiça, quer porque é graça. Se fosse somente<br />

graça que torna irrelevante tudo o que é terreno, Deus ficar-nos-ia devedor <strong>da</strong> resposta à pergunta acerca<br />

<strong>da</strong> justiça – pergunta que se nos apresenta decisiva diante <strong>da</strong> história e do mesmo Deus. E, se fosse pura<br />

justiça, o Juízo em definitivo poderia ser para todos nós só motivo de temor. A encarnação de Deus em<br />

Cristo uniu de tal modo um à outra, o juízo à graça, que a justiça ficou estabeleci<strong>da</strong> com firmeza: todos<br />

nós cui<strong>da</strong>mos <strong>da</strong> nossa salvação « com temor e tremor » (Fil 2,12). Apesar de tudo, a graça permite-nos<br />

a todos nós esperar e caminhar cheios de confiança ao encontro do Juiz que conhecemos como nosso «<br />

advogado », parakletos (cf. 1 Jo 2,1).<br />

48. Há ain<strong>da</strong> um motivo que deve ser mencionado aqui, porque é importante para a prática <strong>da</strong> esperança<br />

cristã. No antigo ju<strong>da</strong>ísmo, existe também a idéia de que se possa aju<strong>da</strong>r, através <strong>da</strong> oração, os defuntos<br />

no seu estado intermédio (cf. por exemplo, 2Mac 12,38-45: obra do I século a.C.). A prática<br />

correspondente foi adota<strong>da</strong> pelos cristãos com grande naturali<strong>da</strong>de e é comum à <strong>Igreja</strong> oriental e<br />

ocidental. O Oriente não conhece um sofrimento purificador e expiatório <strong>da</strong>s almas no « além », mas<br />

conhece diversos graus de bem-aventurança ou também de sofrimento na condição intermédia. Às almas<br />

dos defuntos, porém, pode ser <strong>da</strong>do « alívio e refrigério » mediante a Eucaristia, a oração e a esmola. O<br />

fato de que o amor possa chegar até ao além, que seja possível um mútuo <strong>da</strong>r e receber, permanecendo<br />

ligados uns aos outros por vínculos de afeto para além <strong>da</strong>s fronteiras <strong>da</strong> morte, constituiu uma convicção<br />

fun<strong>da</strong>mental do cristianismo através de todos os séculos e ain<strong>da</strong> hoje permanece uma experiência<br />

reconfortante. Quem não sentiria a necessi<strong>da</strong>de de fazer chegar aos seus entes queridos, que já partiram<br />

para o além, um sinal de bon<strong>da</strong>de, de gratidão ou mesmo de pedido de perdão? Aqui levantar-se-ia uma<br />

nova questão: se o « purgatório » consiste simplesmente em ser purificados pelo fogo no encontro com o<br />

Senhor, Juiz e Salvador, como pode então intervir uma terceira pessoa ain<strong>da</strong> que particularmente liga<strong>da</strong><br />

à outra? Ao fazermos esta pergunta, deveremos <strong>da</strong>r-nos conta de que nenhum homem é uma môna<strong>da</strong><br />

fecha<strong>da</strong> em si mesma. As nossas vi<strong>da</strong>s estão em profun<strong>da</strong> comunhão entre si; através de numerosas<br />

interações, estão concatena<strong>da</strong>s uma com a outra. Ninguém vive só. Ninguém peca sozinho. Ninguém se<br />

salva sozinho. Continuamente entra na minha existência a vi<strong>da</strong> dos outros: naquilo que penso, digo, faço<br />

105


e realizo. E, vice-versa, a minha vi<strong>da</strong> entra na dos outros: tanto para o mal como para o bem. Deste<br />

modo, a minha intercessão pelo outro não é de forma alguma uma coisa que lhe é estranha, uma coisa<br />

exterior, nem mesmo após a morte. Na trama do ser, o meu agradecimento a ele, a minha oração por ele<br />

pode significar uma pequena etapa <strong>da</strong> sua purificação. E, para isso, não é preciso converter o tempo<br />

terreno no tempo de Deus: na comunhão <strong>da</strong>s almas fica superado o simples tempo terreno. Nunca é tarde<br />

demais para tocar o coração do outro, nem é jamais inútil. Assim se esclarece melhor um elemento<br />

importante do conceito cristão de esperança. A nossa esperança é sempre essencialmente também<br />

esperança para os outros; só assim é ver<strong>da</strong>deiramente esperança também para mim. Como cristãos, não<br />

basta perguntarmo-nos: como posso salvar-me a mim mesmo? Deveremos antes perguntar-nos: o que<br />

posso fazer a fim de que os outros sejam salvos e nasça também para eles a estrela <strong>da</strong> esperança? Então<br />

terei feito também o máximo pela minha salvação pessoal.<br />

<strong>Maria</strong>, estrela <strong>da</strong> esperança<br />

49. Com um hino do século VIII/IX, portanto com mais de mil anos, a <strong>Igreja</strong> saú<strong>da</strong> <strong>Maria</strong>, a <strong>Mãe</strong> de<br />

Deus, como « estrela do mar »: Ave maris stella. A vi<strong>da</strong> humana é um caminho. Rumo a qual meta?<br />

Como achamos o itinerário a seguir? A vi<strong>da</strong> é como uma viagem no mar <strong>da</strong> história, com freqüência<br />

enevoa<strong>da</strong> e tempestuosa, uma viagem na qual perscrutamos os astros que nos indicam a rota. As<br />

ver<strong>da</strong>deiras estrelas <strong>da</strong> nossa vi<strong>da</strong> são as pessoas que souberam viver com retidão. Elas são luzes de<br />

esperança. Certamente, Jesus Cristo é a luz por antonomásia, o sol erguido sobre to<strong>da</strong>s as trevas <strong>da</strong><br />

história. Mas, para chegar até Ele precisamos também de luzes vizinhas, de pessoas que dão luz recebi<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> luz d'Ele e oferecem, assim, orientação para a nossa travessia. E quem mais do que <strong>Maria</strong> poderia ser<br />

para nós estrela de esperança? Ela que, pelo seu « sim », abriu ao próprio Deus a porta do nosso mundo;<br />

Ela que Se tornou a Arca <strong>da</strong> Aliança viva, onde Deus Se fez carne, tornou-Se um de nós e estabeleceu a<br />

sua ten<strong>da</strong> no meio de nós (cf. Jo 1,14).<br />

50. Por isso, a Ela nos dirigimos: Santa <strong>Maria</strong>, Vós pertencíeis àquelas almas humildes e grandes de<br />

Israel que, como Simeão, esperavam « a consolação de Israel » (Lc 2,25) e, como Ana, aguar<strong>da</strong>vam a «<br />

libertação de Jerusalém » (Lc 2,38). Vós vivíeis em íntimo contacto com as Sagra<strong>da</strong>s Escrituras de<br />

Israel, que falavam <strong>da</strong> esperança, <strong>da</strong> promessa feita a Abraão e à sua descendência (cf. Lc 1,55). Assim,<br />

compreendemos o santo temor que Vos invadiu, quando o anjo do Senhor entrou nos vossos aposentos e<br />

Vos disse que <strong>da</strong>ríeis à luz Àquele que era a esperança de Israel e o esperado do mundo. Por meio de<br />

Vós, através do vosso « sim », a esperança dos milênios havia de se tornar reali<strong>da</strong>de, entrar neste mundo<br />

e na sua história. Vós Vos inclinastes diante <strong>da</strong> grandeza desta missão e dissestes « sim ». « Eis a<br />

escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra » (Lc 1,38). Quando, cheia de santa alegria,<br />

atravessastes apressa<strong>da</strong>mente os montes <strong>da</strong> Judéia para encontrar a vossa parente Isabel, tornastes-Vos a<br />

imagem <strong>da</strong> futura <strong>Igreja</strong>, que no seu seio, leva a esperança do mundo através dos montes <strong>da</strong> história.<br />

Mas, a par <strong>da</strong> alegria que difundistes pelos séculos, com as palavras e com o cântico do vosso<br />

Magnificat, conhecíeis também as obscuras afirmações dos profetas sobre o sofrimento do servo de<br />

Deus neste mundo. Sobre o nascimento no presépio de Belém brilhou o esplendor dos anjos que traziam<br />

a boa nova aos pastores, mas, ao mesmo tempo, a pobreza de Deus neste mundo era demasiado palpável.<br />

O velho Simeão falou-Vos <strong>da</strong> espa<strong>da</strong> que atravessaria o vosso coração (cf. Lc 2,35), do sinal de<br />

contradição que vosso Filho haveria de ser neste mundo. Depois, quando iniciou a ativi<strong>da</strong>de pública de<br />

Jesus, tivestes de Vos pôr de lado, para que pudesse crescer a nova família, para cuja constituição Ele<br />

viera e que deveria desenvolver-se com a contribuição <strong>da</strong>queles que tivessem ouvido e observado a sua<br />

palavra (cf. Lc 11,27s). Apesar de to<strong>da</strong> a grandeza e alegria do primeiro início <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de de Jesus,<br />

Vós, já na Sinagoga de Nazaré, tivestes de experimentar a ver<strong>da</strong>de <strong>da</strong> palavra sobre o « sinal de<br />

contradição » (cf. Lc 4,28s). Assim, vistes o crescente poder <strong>da</strong> hostili<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> rejeição que se ia<br />

progressivamente afirmando à volta de Jesus até à hora <strong>da</strong> cruz, quando tivestes de ver o Salvador do<br />

mundo, o herdeiro de David, o Filho de Deus morrer como um falido, exposto ao escárnio, entre os<br />

malfeitores. Acolhestes então a palavra: « Mulher, eis aí o teu filho » (Jo 19,26). Da cruz, recebestes<br />

uma nova missão. A partir <strong>da</strong> cruz ficastes mãe de uma maneira nova: mãe de todos aqueles que querem<br />

acreditar no vosso Filho Jesus e segui-Lo. A espa<strong>da</strong> <strong>da</strong> dor trespassou o vosso coração. Tinha morrido a<br />

esperança? Ficou o mundo definitivamente sem luz, a vi<strong>da</strong> sem objetivo? Naquela hora, provavelmente,<br />

no vosso íntimo tereis ouvido novamente a palavra com que o anjo tinha respondido ao vosso temor no<br />

106


instante <strong>da</strong> anunciação: « Não temas, <strong>Maria</strong>! » (Lc 1,30). Quantas vezes o Senhor, o vosso Filho, dissera<br />

a mesma coisa aos seus discípulos: Não temais! Na noite do Gólgota, Vós ouvistes outra vez esta<br />

palavra. Aos seus discípulos, antes <strong>da</strong> hora <strong>da</strong> traição, Ele tinha dito: « Tende confiança! Eu venci o<br />

mundo » (Jo 16,33). « Não se turve o vosso coração, nem se atemorize » (Jo 14,27). « Não temas,<br />

<strong>Maria</strong>! » Na hora de Nazaré, o anjo também Vos tinha dito: « O seu reinado não terá fim » (Lc 1,33).<br />

Teria talvez terminado antes de começar? Não; junto <strong>da</strong> cruz, na base <strong>da</strong> palavra mesma de Jesus, Vós<br />

tornastes-Vos mãe dos crentes. Nesta fé que, inclusive na escuridão do Sábado Santo, era certeza <strong>da</strong><br />

esperança, caminhastes para a manhã de Páscoa. A alegria <strong>da</strong> ressurreição tocou o vosso coração e uniu-<br />

Vos de um novo modo aos discípulos, destinados a tornar-se família de Jesus mediante a fé. Assim Vós<br />

estivestes no meio <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de dos crentes, que, nos dias após a Ascensão, rezavam unanimemente<br />

pedindo o dom do Espírito Santo (cf. Act 1,14) e o receberam no dia de Pentecostes. O « reino » de Jesus<br />

era diferente <strong>da</strong>quele que os homens tinham podido imaginar. Este « reino » iniciava naquela hora e<br />

nunca mais teria fim. Assim, Vós permaneceis no meio dos discípulos como a sua <strong>Mãe</strong>, como <strong>Mãe</strong> <strong>da</strong><br />

esperança. Santa <strong>Maria</strong>, <strong>Mãe</strong> de Deus, <strong>Mãe</strong> nossa, ensinai-nos a crer, esperar e amar convosco. Indicainos<br />

o caminho para o seu reino! Estrela do mar, brilhai sobre nós e guiai-nos no nosso caminho!<br />

Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 30 de Novembro, festa de Santo André Apóstolo, do ano<br />

2007, terceiro de Pontificado.<br />

BENEDICTUS PP. <strong>XVI</strong><br />

Fonte: www.vatican.va<br />

CARTA APOSTÓLICA<br />

MOTU PRÓPRIO<br />

SUMMORUM PONTIFICUM<br />

DO PAPA BENTO <strong>XVI</strong><br />

"Os sumos pontífices até nossos dias se preocuparam constantemente para que a <strong>Igreja</strong> de Cristo<br />

oferecesse à Divina Majestade um culto divino digno de "louvor e glória de Seu nome" e "do bem de<br />

to<strong>da</strong> sua Santa <strong>Igreja</strong>".<br />

"Desde tempo imemorável, como também para o futuro, é necessário manter o princípio segundo o qual,<br />

"ca<strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> particular deve concor<strong>da</strong>r com a <strong>Igreja</strong> universal, não só quanto à doutrina <strong>da</strong> fé e aos<br />

sinais sacramentais, mas também com respeito aos usos universalmente aceitos <strong>da</strong> ininterrupta tradição<br />

apostólica, que devem observar-se não só para evitar erros, mas também para transmitir a integri<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> fé, para que a lei <strong>da</strong> oração <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> correspon<strong>da</strong> à sua lei de fé". (1)<br />

"Entre os pontífices que tiveram essa preocupação ressalta o nome de São Gregório Magno, que fez todo<br />

o possível para que aos novos povos <strong>da</strong> Europa se transmitisse tanto a fé católica como os tesouros do<br />

culto e <strong>da</strong> cultura acumulados pelos romanos nos séculos precedentes. Ordenou que fosse defini<strong>da</strong> e<br />

conserva<strong>da</strong> a forma <strong>da</strong> sagra<strong>da</strong> Liturgia, relativa tanto ao Sacrifício <strong>da</strong> Missa como ao Ofício Divino, no<br />

modo em que se celebrava na Urbe. Promoveu com a máxima atenção a difusão dos monges e monjas<br />

que, atuando segundo a regra de são <strong>Bento</strong>, sempre junto ao anúncio do Evangelho exemplificaram com<br />

sua vi<strong>da</strong> a saudável máxima <strong>da</strong> Regra: "Na<strong>da</strong> se antecipe à obra de Deus" (cap.43). Dessa forma a<br />

Sagra<strong>da</strong> Liturgia, celebra<strong>da</strong> segundo o uso romano, enriqueceu não somente a fé e a pie<strong>da</strong>de, mas<br />

também a cultura de muitas populações. Consta efetivamente que a liturgia latina <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> em suas<br />

várias formas, em todos os séculos <strong>da</strong> era cristã, impulsionou na vi<strong>da</strong> espiritual a numerosos santos e<br />

reforçou a tantos povos na virtude <strong>da</strong> religião e fecundou sua pie<strong>da</strong>de".<br />

"Muitos outros pontífices romanos, no transcurso dos séculos, mostraram particular solicitude para que<br />

a sagra<strong>da</strong> Liturgia manifestasse de forma mais eficaz esta tarefa: entre eles destaca-se São Pio V, que<br />

sustentado de grande zelo pastoral, após a exortação do Concílio de Trento, renovou todo o culto <strong>da</strong><br />

<strong>Igreja</strong>, revisou a edição dos livros litúrgicos emen<strong>da</strong>dos e "renovados segundo a norma dos Padres" e<br />

os deu uso à <strong>Igreja</strong> Latina".<br />

107


"Entre os livros litúrgicos do Rito romano ressalta o Missal Romano, que se desenvolveu na ci<strong>da</strong>de de<br />

Roma, e que, pouco a pouco, com o transcurso dos séculos, tomou formas que tem grande semelhança<br />

com as vigentes em tempos mais recentes".<br />

"Foi este o objetivo que perseguiram os Pontífices Romanos no curso dos séculos seguintes,<br />

assegurando a atualização ou definindo os ritos e livros litúrgicos, e depois, ao início deste século,<br />

empreendendo uma reforma geral" (2). Assim atuaram nossos predecessores Clemente VIII, Urbano<br />

VIII, São Pio X (3), <strong>Bento</strong> XV, Pio XII e o Beato João XXIII.<br />

"Em tempos recentes, o Concílio Vaticano II expressou o desejo que a devi<strong>da</strong> e respeitosa reverência<br />

com respeito ao culto divino, se renovasse de novo e se a<strong>da</strong>ptasse ás necessi<strong>da</strong>des de nossa época.<br />

Movido deste desejo, nosso predecessor, o Sumo Pontífice Paulo VI, aprovou em 1970 para a <strong>Igreja</strong><br />

latina os livros litúrgicos reformados, e em parte, renovados. Estes, traduzidos às diversas línguas do<br />

mundo, foram acolhidos de bom grado pelos bispos, sacerdotes e fiéis. João Paulo II revisou a terceira<br />

edição típica do Missal Romano. Assim, os Pontífices Romanos atuaram "para que esta espécie de<br />

edifício litúrgico aparecesse novamente esplendoroso por digni<strong>da</strong>de e harmonia" (4).<br />

"Em algumas regiões, sem embargo, não poucos fiéis aderiram e continuam aderindo com muito amor e<br />

afeto às anteriores formas litúrgicas, que haviam embebido tão profun<strong>da</strong>mente sua cultura e seu espírito,<br />

que o Sumo Pontífice João Paulo II, movido pela preocupação pastoral com respeito a estes fiéis, no ano<br />

de 1984, com o indulto especial "Quattuor abhinc annos", emitido pela Congregação para o Culto<br />

Divino, concedeu a facul<strong>da</strong>de de usar o Missal Romano editado pelo beato João XXIII no ano de 1962;<br />

mais tarde, no ano de 1988, com a Carta Apostólica "Ecclesia Dei", <strong>da</strong><strong>da</strong> em forma de Motu Proprio,<br />

João Paulo II exortou aos bispos a utilizar ampla e generosamente esta facul<strong>da</strong>de a favor de todos os<br />

fiéis que o solicitassem".<br />

"Depois <strong>da</strong> consideração por parte de nosso predecessor João Paulo II <strong>da</strong>s insistentes petições destes<br />

fiéis, depois de haver escutado aos Padres Cardeais no consistório de 22 de março de 2006, após haver<br />

refletido profun<strong>da</strong>mente sobre ca<strong>da</strong> um dos aspectos <strong>da</strong> questão, invocou ao Espírito Santo e contando<br />

com a aju<strong>da</strong> de Deus, com as presentes Cartas Apostólicas estabelecemos o seguinte:<br />

Art. 1 - O Missal Romano promulgado por Paulo VI é a expressão ordinária <strong>da</strong> "Lex orandi" ("Lei <strong>da</strong><br />

oração"), <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> católica de rito latino. Não obstante, o Missal Romano promulgado por São Pio V e<br />

novamente pelo Beato João XXIII deve considerar-se como expressão extraordinária <strong>da</strong> mesma "Lex<br />

orandi" e gozar do respeito devido por seu uso venerável e antigo. Estas duas expressões <strong>da</strong> "Lex<br />

orandi" <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> não levarão de forma alguma a uma divisão <strong>da</strong> "Lex credendi" ("Lei <strong>da</strong> fé") <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>;<br />

são, de fato, dois usos do único rito romano.<br />

Por isso, é lícito celebrar o Sacrifício <strong>da</strong> Missa segundo a edição típica do Missal Romano promulgado<br />

pelo Beato João XXIII em 1962, que não se ab-rogou nunca, como forma extraordinária <strong>da</strong> Liturgia <strong>da</strong><br />

<strong>Igreja</strong>. As condições para o uso deste missal estabeleci<strong>da</strong>s nos documentos anteriores "Quattuor abhinc<br />

annis" e "Ecclesia Dei", se substituirão como se estabelece na continuação:<br />

Art. 2 - Nas Missas celebra<strong>da</strong>s sem o povo, todo sacerdote católico de rito latino, tanto secular como<br />

religioso, pode utilizar, seja o Missal romano editado pelo Beato João XXIII em 1962 como o Missal<br />

Romano promulgado pelo Papa Paulo VI em 1970, em qualquer dia, exceto o Tríduo Sacro. Para dita<br />

celebração, seguindo um ou outro missal, o sacerdote não necessita de nenhuma permissão, nem <strong>da</strong> Sé<br />

Apostólica, nem de seu Ordinário.<br />

Art. 3 - As comuni<strong>da</strong>des dos institutos de vi<strong>da</strong> consagra<strong>da</strong> e <strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des de vi<strong>da</strong> apostólica, de<br />

direito tanto pontifício como diocesano, que desejem celebrar a Santa Missa segundo a edição do<br />

Missal Romano promulgado em 1962 na celebração conventual ou "comunitária" em seus oratórios<br />

próprios, podem fazê-lo. Se uma só comuni<strong>da</strong>de ou um instituto inteiro ou Socie<strong>da</strong>de quer levar a cabo<br />

ditas celebrações por muitas vezes, ou habitualmente, ou permanentemente, a decisão compete aos<br />

108


Superiores maiores segundo as normas do direito e segundo as regras e os estatutos particulares.<br />

Art. 4 - À celebração <strong>da</strong> Santa Missa, à que se refere o artigo 2, também podem ser admitidos -<br />

observa<strong>da</strong>s as normas do direito - os fiéis que o pedirem voluntariamente.<br />

Art. 5 -<br />

§ 1º.- Nas paróquias, onde houver um grupo estável de fiéis aderentes à precedente tradição litúrgica, o<br />

pároco acolherá de bom grado seu pedido de celebrar a Santa Missa segundo o rito do Missal Romano<br />

editado em 1962. Deve procurar que o bem destes fiéis se harmonize com a atenção pastoral ordinária<br />

<strong>da</strong> paróquia, sob a guia do bispo como estabelece o can 392, evitando a discórdia e favorecendo a<br />

uni<strong>da</strong>de de to<strong>da</strong> a <strong>Igreja</strong>.<br />

§ 2º - A celebração segundo o Missal do Beato João XXIII pode ocorrer em dia ferial; nos domingos e<br />

nas festivi<strong>da</strong>des pode haver também uma celebração desse tipo.<br />

§ 3º - O pároco permita também aos fiéis e sacerdotes que o solicitem a celebração desta forma<br />

extraordinária em circunstâncias particulares, como matrimônios, exéquias ou celebrações ocasionais,<br />

como por exemplo as peregrinações.<br />

§ 4º - Os sacerdotes que utilizem o Missal do Beato João XXIII devem ser idôneos e não ter nenhum<br />

impedimento jurídico.<br />

§ 5º - E as <strong>Igreja</strong>s que não são paroquiais nem conventuais, é competência do Reitor conceder a licença<br />

acima cita<strong>da</strong>.<br />

Art. 6 - Nas missas celebra<strong>da</strong>s com o povo segundo o Missal do Beato João XXIII, as leituras podem<br />

ser proclama<strong>da</strong>s também em língua vernácula, usando as edições reconheci<strong>da</strong>s pela Sé Apostólica.<br />

Art. 7 - Se um grupo de fiéis leigos, como os citados no art. 5 - § 1º, não obtiverem satisfação a seus<br />

pedidos por parte do pároco, informe ao bispo diocesano. Se convi<strong>da</strong> vivamente ao bispo a satisfazer<br />

seu desejo. Se não pode prover a esta celebração, o assunto se remeta à Pontifícia comissão "Ecclesia<br />

Dei".<br />

Art. 8 - O bispo, que deseja responder a estes pedidos do fiéis leigos, mas que por causas adversas não<br />

pode fazê-lo, pode indicá-lo à Comissão "Ecclesia Dei" para que lhe aconselhe e o ajude.<br />

Art. 9 -<br />

§ 1º - O Pároco, após haver considerado tudo atentamente, pode conceder a licença para usar o ritual<br />

precedente na administração dos sacramentos do Batismo, do Matrimônio, <strong>da</strong> Penitência e <strong>da</strong> Unção dos<br />

Enfermos, se o requer o bem <strong>da</strong>s almas.<br />

§ 2º - Aos ordinários se concede a facul<strong>da</strong>de de celebrar o sacramento <strong>da</strong> Confirmação usando o<br />

precedente Pontifical romano, sempre que o requeira o bem <strong>da</strong>s almas.<br />

§ 3º - Aos clérigos constituídos "in sacris" é lícito usar o Breviário Romano promulgado pelo Beato<br />

João XXIII em 1962.<br />

Art. 10 - O ordinário do lugar, se o considera oportuno, pode erigir uma paróquia pessoal segundo a<br />

norma do cânon 518 para as celebrações com a forma antiga do rito romano, ou nomear um capelão,<br />

observa<strong>da</strong>s as normas de direito.<br />

Art. 11 - A Pontifícia Comissão "Ecclesia Dei", erigi<strong>da</strong> por João Paulo II em 1988, segue exercitando<br />

sua missão. Esta Comissão deve ter a forma, e cumprir as tarefas e as normas que o romano Pontífice<br />

109


queira atribuir-lhe.<br />

Art. 12 - A mesma Comissão, além <strong>da</strong>s facul<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s que já goza, exercerá a autori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Santa Sé,<br />

vigiando sobre a observância e aplicação destas disposições. Tudo quanto temos estabelecido com estas<br />

Cartas Apostólicas em forma de Motu Proprio, ordenamos que se considere "estabelecido e decretado"<br />

e que se observe desde o dia 14 de setembro deste ano, festa <strong>da</strong> Exaltação <strong>da</strong> Santa Cruz, pese ao que<br />

possa haver em contrário.<br />

Dado em Roma, em São Pedro, em 7 de julho de 2007, terceiro ano de meu Pontificado.<br />

Fonte: http://www.vatican.va<br />

I. Introdução<br />

BENEDICTUS PP. <strong>XVI</strong><br />

PONTIFÍCIA COMISSÃO ECCLESIA DEI<br />

Instrução Sobre a aplicação <strong>da</strong> Carta Apostólica<br />

Motu Proprio Summorum Pontificum<br />

de S. S. o Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong><br />

1. A Carta Apostólica Summorum Pontificum Motu Proprio <strong>da</strong>ta do Soberano Pontífice <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, de 7<br />

de julho de 2007, e em vigor a partir de 14 de setembro de 2007, fez mais acessível à <strong>Igreja</strong> universal a<br />

riqueza <strong>da</strong> Liturgia Romana.<br />

2. Com o sobredito Motu Proprio o Sumo Pontífice <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> promulgou uma lei universal para a<br />

<strong>Igreja</strong> com a intenção de <strong>da</strong>r uma nova regulamentação acerca do uso <strong>da</strong> Liturgia Romana em vigor no<br />

ano de 1962.<br />

3. Tendo recor<strong>da</strong>do a solicitude dos Sumos Pontífices no cui<strong>da</strong>do pela Santa Liturgia e na revisão dos<br />

livros litúrgicos, o Santo Padre reafirma o princípio tradicional, reconhecido dos tempos imemoráveis, a<br />

ser necessariamente conservado para o futuro, e segundo o qual "ca<strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> particular deve concor<strong>da</strong>r<br />

com a <strong>Igreja</strong> universal, não só quanto à fé e aos sinais sacramentais, mas também quanto aos usos<br />

recebidos universalmente <strong>da</strong> ininterrupta tradição apostólica, os quais devem ser observados tanto para<br />

evitar os erros quanto para transmitir a integri<strong>da</strong>de <strong>da</strong> fé, de sorte que a lei de oração <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong><br />

correspon<strong>da</strong> à lei <strong>da</strong> fé." [1]<br />

4. O Santo Padre recor<strong>da</strong>, ademais, os Pontífices romanos que particularmente se esforçaram nesta<br />

tarefa, em especial São Gregório Magno e São Pio V. O Papa salienta que, entre os sagrados livros<br />

litúrgicos, o Missale Romanum teve um papel relevante na história e foi objeto de atualização ao longo<br />

dos tempos até o beato Papa João XXIII. Sucessivamente, no decorrer <strong>da</strong> reforma litúrgica posterior ao<br />

Concílio Vaticano II, o Papa Paulo VI aprovou em 1970 um novo missal, traduzido posteriormente em<br />

diversas línguas, para a <strong>Igreja</strong> de rito latino. No ano de 2000 o Papa João Paulo II, de feliz memória,<br />

promulgou uma terceira edição do mesmo.<br />

5. Diversos fiéis, tendo sido formados no espírito <strong>da</strong>s formas litúrgicas precedentes ao Concílio Vaticano<br />

II, expressaram o ardente desejo de conservar a antiga tradição. Por isso o Papa João Paulo II, por meio<br />

de um Indulto especial, emanado pela Congregação para o Culto Divino, Quattuor abhinc annos, em<br />

1984, concedeu a facul<strong>da</strong>de de retomar, sob certas condições, o uso do Missal Romano promulgado pelo<br />

beato Papa João XXIII. Além disso, o Papa João Paulo II, com o Motu Próprio Ecclesia Dei de 1988,<br />

exortou os bispos a que fossem generosos ao conceder a dita facul<strong>da</strong>de a favor de todos os fiéis que o<br />

pedissem. Na mesma linha se põe o Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> com o Motu Próprio Summorum Pontificum, no<br />

qual são indicados alguns critérios essenciais para o Usus Antiquior do Rito Romano, que<br />

oportunamente aqui se recor<strong>da</strong>m.<br />

6. Os textos do Missal Romano do Papa Paulo VI e <strong>da</strong>quele que remonta à última edição do Papa João<br />

XXIII são duas formas <strong>da</strong> Liturgia Romana, defini<strong>da</strong>s respectivamente ordinária e extraordinária: tratase<br />

aqui de dois usos do único Rito Romano, que se põem um ao lado do outro. Ambas as formas são<br />

110


expressões <strong>da</strong> mesma lex orandi <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. Pelo seu uso venerável e antigo a forma extraordinária deve<br />

ser conserva<strong>da</strong> em devi<strong>da</strong> honra.<br />

7. O Motu Proprio Summorum Pontificum é acompanhado de uma Carta do Santo Padre, com a mesma<br />

<strong>da</strong>ta do Motu Próprio (7 de julho de 2007). Nela se dão ulteriores eluci<strong>da</strong>ções acerca <strong>da</strong> oportuni<strong>da</strong>de e<br />

<strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de do supracitado documento; faltando uma legislação que regulasse o uso <strong>da</strong> Liturgia<br />

romana de 1962 era necessária uma nova e abrangente regulamentação. Esta regulamentação se fazia<br />

mister especialmente porque no momento <strong>da</strong> introdução do novo missal não parecia necessário emanar<br />

disposições que regulassem o uso <strong>da</strong> Liturgia vigente em 1962. Por causa do aumento de quantos<br />

solicitam o uso <strong>da</strong> forma extraordinária fez-se necessário <strong>da</strong>r algumas normas a respeito. Entre outras<br />

coisas o Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> afirma: "Não existe qualquer contradição entre uma edição e outra do Missale<br />

Romanum. Na história <strong>da</strong> Liturgia, há crescimento e progresso, mas nenhuma ruptura. Aquilo que para<br />

as gerações anteriores era sagrado, permanece sagrado e grande também para nós, e não pode ser de<br />

improviso totalmente proibido ou mesmo prejudicial." [2]<br />

8. O Motu Proprio Summorum Pontificum constitui uma expressão privilegia<strong>da</strong> do Magistério do<br />

Romano Pontífice e do seu próprio múnus de regulamentar e ordenar a Liturgia <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>[3] e manifesta<br />

a sua preocupação de Vigário de Cristo e Pastor <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> universal[4]. O Motu Proprio se propõe como<br />

objetivo:<br />

a) oferecer a todos os fiéis a Liturgia Romana segundo o Usus Antiquior, considera<strong>da</strong> como um tesouro<br />

precioso a ser conservado;<br />

b) garantir e assegurar realmente a quantos o pedem o uso <strong>da</strong> forma extraordinária, supondo que o uso<br />

<strong>da</strong> Liturgia Romana vigente em 1962 é uma facul<strong>da</strong>de concedi<strong>da</strong> para o bem dos fiéis e que por<br />

conseguinte deve ser interpreta<strong>da</strong> em sentido favorável aos fiéis, que são os seus principais destinatários;<br />

c) favorecer a reconciliação ao interno <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>.<br />

II. Tarefas <strong>da</strong> Pontifícia Comissão Ecclesia Dei<br />

9. O Sumo Pontífice conferiu à Pontifícia Comissão Ecclesia Dei poder ordinário vicário para a matéria<br />

de sua competência, de modo particular no que tocante à exata obediência e à vigilância na aplicação <strong>da</strong>s<br />

disposições do Motu Proprio Summorum Pontificum (cf. art. 12).<br />

10. §1. A Pontifícia Comissão Ecclesia Dei exerce tal poder tanto por meio <strong>da</strong>s facul<strong>da</strong>des a ela<br />

anteriormente conferi<strong>da</strong>s pelo Papa João Paulo II e confirma<strong>da</strong>s pelo Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> (cf. Motu Proprio<br />

Summorum Pontificum, art. 11-12) quanto por meio do poder de decidir sobre os recursos<br />

administrativos a ela legitimamente remetidos, na quali<strong>da</strong>de de Superior hierárquico, mesmo contra uma<br />

eventual medi<strong>da</strong> administrativa singular do Ordinário que pareça contrário ao Motu Proprio.<br />

§2. Os decretos com os quais a Pontifícia Comissão julga os recursos são passíveis de apelação ad<br />

normam iuris junto do Supremo Tribunal <strong>da</strong> Assinatura Apostólica.<br />

11. Compete à Pontifícia Comissão Ecclesia Dei, depois de aprovação <strong>da</strong> Congregação para o Culto<br />

Divino e Disciplina dos Sacramentos, a tarefa de preparar a eventual edição dos textos litúrgicos<br />

concernentes à forma extraordinária.<br />

III. Normas específicas<br />

12. A Pontifícia Comissão, por força <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de que lhe foi atribuí<strong>da</strong> e <strong>da</strong>s facul<strong>da</strong>des de que goza,<br />

dispõe, depois <strong>da</strong> consulta feita aos Bispos do mundo inteiro, com o ânimo de garantir a correta<br />

interpretação e a reta aplicação do Motu Proprio Summorum Pontificum, emite a presente Instrução, de<br />

acordo com o cânone 34 do Código de Direito Canônico.<br />

A competência dos Bispos diocesanos<br />

13. Os bispos diocesanos, segundo o Código de Direito Canônico[5], devem vigiar em matéria litúrgica<br />

a fim de garantir o bem comum e para que tudo se faça dignamente, em paz e sereni<strong>da</strong>de na própria<br />

Diocese, sempre de acordo com a mens do Romano Pontífice, claramente expressa no Motu Proprio<br />

Summorum Pontificum.[6] No caso de controvérsia ou de dúvi<strong>da</strong> fun<strong>da</strong><strong>da</strong> acerca <strong>da</strong> celebração na forma<br />

extraordinária julgará a Pontifícia Comissão Ecclesia Dei.<br />

14. É tarefa do Ordinário tomar as medi<strong>da</strong>s necessárias para garantir o respeito <strong>da</strong> forma extraordinária<br />

do Rito Romano, de acordo com o Motu Proprio Summorum Pontificum.<br />

111


O coetus fidelium (cf. Motu Proprio Summorum Pontificum, art. 5 §1).<br />

15. Um coetus fidelium será considerado stabiliter exsistens, de acordo com o art. 5 §1 do supracitado<br />

Motu Proprio, quando for constituído por algumas pessoas de uma determina<strong>da</strong> paróquia uni<strong>da</strong>s por<br />

causa <strong>da</strong> veneração pela Liturgia em seu Usus Antiquior, seja antes, seja depois <strong>da</strong> publicação do Motu<br />

Proprio, as quais pedem que a mesma seja celebra<strong>da</strong> na própria igreja paroquial, num oratório ou capela;<br />

dito coetus pode ser também constituído por pessoas que vêm de diferentes paróquias ou dioceses e que<br />

convergem em uma igreja paroquial ou oratório ou capela destinados a tal fim.<br />

16. No caso em que um sacerdote se apresente ocasionalmente com algumas pessoas em uma igreja<br />

paroquial ou oratório e queira celebrar na forma extraordinária, como previsto pelos artigos 2 e 4 do<br />

Motu Proprio Summorum Pontificum, o pároco ou o reitor de uma igreja, ou o sacerdote responsável por<br />

uma igreja, o admita a tal celebração, levando to<strong>da</strong>via em conta as exigências <strong>da</strong> programação dos<br />

horários <strong>da</strong>s celebrações litúrgicas <strong>da</strong> igreja em questão.<br />

17. §1. A fim de decidir nos casos particulares, o pároco, ou o reitor ou o sacerdote responsável por uma<br />

igreja, lançará mão <strong>da</strong> sua prudência, deixando-se guiar pelo zelo pastoral e por um espírito de generosa<br />

hospitali<strong>da</strong>de.<br />

§2. No caso de grupos menos numerosos, far-se-á apelo ao Ordinário do lugar para determinar uma<br />

igreja à qual os fiéis possam concorrer para assistir a tais celebrações, de tal modo que se assegure uma<br />

mais fácil participação dos mesmos e uma celebração mais digna <strong>da</strong> Santa Missa.<br />

18. Também nos santuários e lugares de peregrinação deve-se oferecer a possibili<strong>da</strong>de de celebração na<br />

forma extraordinária aos grupos de peregrinos que o pedirem (cf. Motu Proprio Summorum Pontificum,<br />

art. 5 §3), se houver um sacerdote idôneo.<br />

19. Os fiéis que pedem a celebração <strong>da</strong> forma extraordinária não devem apoiar nem pertencer a grupos<br />

que se manifestam contrários à vali<strong>da</strong>de ou à legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Santa Missa ou dos Sacramentos<br />

celebrados na forma ordinária, nem ser contrários ao Romano Pontífice como Pastor Supremo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong><br />

universal.<br />

O sacerdote idôneo (cf. Motu Proprio Summorum Pontificum , art. 5 § 4)<br />

20. No tocante à questão dos requisitos necessários para que um sacerdote seja considerado "idôneo"<br />

para celebrar na forma extraordinária, enuncia-se quanto segue:<br />

a) O sacerdote que não for impedido segundo o Direito Canônico[7], deve ser considerado idôneo para a<br />

celebração <strong>da</strong> Santa Missa na forma extraordinária;<br />

b) No que se refere à língua latina, é necessário um conhecimento de base, que permita pronunciar as<br />

palavras de modo correto e de entender o seu significado;<br />

c) Em referimento ao conhecimento e execução do Rito, se presumem idôneos os sacerdotes que se<br />

apresentam espontaneamente a celebrar na forma extraordinária, e que já o fizeram no passado.<br />

21. Aos Ordinários se pede que ofereçam ao clero a possibili<strong>da</strong>de de obter uma preparação adequa<strong>da</strong> às<br />

celebrações na forma extraordinária, o que também vale para os Seminários, onde se deve prover à<br />

formação conveniente dos futuros sacerdotes com o estudo do latim [8] e oferecer, se as exigências<br />

pastorais o sugerirem, a oportuni<strong>da</strong>de de aprender a forma extraordinária do Rito.<br />

22. Nas dioceses onde não houver sacerdotes idôneos, os bispos diocesanos podem pedir a colaboração<br />

dos sacerdotes dos Institutos erigidos pela Comissão Ecclesia Dei ou dos sacerdotes que conhecem a<br />

forma extraordinária do Rito, seja em vista <strong>da</strong> celebração, seja com vistas ao seu eventual ensino.<br />

23. A facul<strong>da</strong>de para celebrar a Missa sine populo (ou só com a participação de um aju<strong>da</strong>nte) na forma<br />

extraordinária do rito Romano foi <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo Motu Proprio a todo sacerdote, seja secular, seja religioso<br />

(cf. Motu Proprio Summorum Pontificum, art.2). Assim sendo, em tais celebrações, os sacerdotes,<br />

segundo o Motu Proprio Summorum Pontificum, não precisam de nenhuma permissão especial dos<br />

próprios Ordinários ou superiores.<br />

A disciplina litúrgica e eclesiástica<br />

24. Os livros litúrgicos <strong>da</strong> forma extraordinária devem ser usados como previstos em si mesmos. Todos<br />

os que desejam celebrar segundo a forma extraordinária do Rito Romano devem conhecer as<br />

112


espectivas rubricas e são obrigados a executá-las corretamente nas celebrações.<br />

25. No Missal de 1962 poderão e deverão inserir-se novos santos e alguns dos novos prefácios [9],<br />

segundo as diretrizes que ain<strong>da</strong> hão de ser indica<strong>da</strong>s.<br />

26. Como prevê o Motu Proprio Summorum Pontificum no art. 6, precisa-se que as leituras <strong>da</strong> Santa<br />

Missa do Missal de 1962 podem ser proclama<strong>da</strong>s ou somente em língua latina, ou em língua latina<br />

segui<strong>da</strong> <strong>da</strong> tradução em língua vernácula ou ain<strong>da</strong>, nas missas recita<strong>da</strong>s, só em língua vernácula.<br />

27. No que diz respeito às normas disciplinares conexas à celebração, aplica-se a disciplina eclesiástica<br />

conti<strong>da</strong> no Código de Direito Canônico de 1983.<br />

28. Outrossim, por força do seu caráter de lei especial, no seu próprio âmbito, o Motu Proprio<br />

Summorum Pontificum derroga os textos legislativos inerentes aos sagrados Ritos promulgados a partir<br />

de 1962 e incompatíveis com as rubricas dos livros litúrgicos em vigor em 1962.<br />

Crisma e a Sagra<strong>da</strong> Ordem<br />

29. A concessão de usar a fórmula antiga para o rito <strong>da</strong> Crisma foi confirma<strong>da</strong> pelo Motu Proprio<br />

Summorum Pontificum (cf. art. 9, §2). Por isso para a forma extraordinária não é necessário lançar mão<br />

<strong>da</strong> fórmula renova<strong>da</strong> do Rito <strong>da</strong> Confirmação promulgado por Paulo VI.<br />

30. No que diz respeito a tonsura, ordens menores e subdiaconado, o Motu Proprio Summorum<br />

Pontificum não introduz nenhuma mu<strong>da</strong>nça na disciplina do Código de Direito Canônico de 1983; por<br />

conseguinte, onde se mantém o uso dos livros litúrgicos <strong>da</strong> forma extraordinária, ou seja, nos Institutos<br />

de Vi<strong>da</strong> Consagra<strong>da</strong> e Socie<strong>da</strong>des de Vi<strong>da</strong> Apostólica que dependem <strong>da</strong> Pontifícia Comissão Ecclesia<br />

Dei, o membro professo de votos perpétuos ou aquele incorporado definitivamente numa socie<strong>da</strong>de<br />

clerical de vi<strong>da</strong> apostólica, pela recepção do diaconado incardina-se como clérigo no respectivo instituto<br />

ou socie<strong>da</strong>de de acordo com o cân. 266, § 2 do Código de Direito Canônico.<br />

31. Somente aos Institutos de Vi<strong>da</strong> Consagra<strong>da</strong> e Socie<strong>da</strong>des de Vi<strong>da</strong> Apostólica que dependem <strong>da</strong><br />

Pontifícia Comissão Ecclesia Dei, e àqueles nos quais se conserva o uso dos livros litúrgicos <strong>da</strong> forma<br />

extraordinária, se permite o uso do Pontifical Romano de 1962 para o conferimento <strong>da</strong>s ordens menores<br />

e maiores.<br />

Breviarium Romanum<br />

32. Outorga-se aos clérigos a facul<strong>da</strong>de de usar o Breviarium Romanum em vigor no ano de 1962,<br />

conforme o art. 9, §3 do Motu Proprio Summorum Pontificum. Deve ser recitado integralmente e em<br />

latim.<br />

O Tríduo Pascal<br />

33. O coetus fidelium que adere à tradição litúrgica precedente, no caso de dispor de um sacerdote<br />

idôneo, pode também celebrar o Tríduo Sacro na forma extraordinária. Caso não haja uma igreja ou<br />

oratório destinados exclusivamente para estas celebrações, o pároco ou o Ordinário, em acordo com o<br />

sacerdote idôneo, disponham as mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des mais favoráveis para o bem <strong>da</strong>s almas, não excluindo a<br />

possibili<strong>da</strong>de de uma repetição <strong>da</strong>s celebrações do Tríduo Sacro na mesma igreja.<br />

Os ritos <strong>da</strong>s Ordens Religiosas<br />

34. Aos membros <strong>da</strong>s Ordens Religiosas se permite o uso dos livros litúrgicos próprios, vigentes em<br />

1962.<br />

Pontificale Romanum e Rituale Romanum<br />

35. Permite-se o uso do Pontificale Romanum e do Rituale Romanum, também como do Caeremoniale<br />

Episcoporum, vigentes em 1962, de acordo com o art. 28, levando-se em conta, no entanto, quanto<br />

disposto no n. 31 desta Instrução.<br />

O Sumo Pontífice <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, em Audiência concedi<strong>da</strong> no dia 8 de abril de 2011 ao subscrito Cardeal<br />

Presidente <strong>da</strong> Pontifícia Comissão "Ecclesia Dei", aprovou a presente Instrução e ordenou que se<br />

publicasse.<br />

Dado em Roma, na Sede <strong>da</strong> Pontifícia Comissão Ecclesia Dei, aos 30 de abril de 2011, memória de São<br />

Pio V.<br />

William Cardeal Leva<strong>da</strong><br />

Presidente<br />

113


Mons. Guido Pozzo<br />

Secretário<br />

Notas<br />

[1] <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Carta Apostólica Summorum Pontificum <strong>da</strong><strong>da</strong> como Motu Proprio, I, in AAS 99 (2007)<br />

777; cf. Introdução geral do Missal Romano, terceira ed. 2002, n. 397.<br />

[2] <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Carta aos Bispos que acompanha a Carta Apostólica "Motu Proprio <strong>da</strong>ta" Summorum<br />

Pontificum sobre o uso <strong>da</strong> Liturgia romana anterior à reforma de 1970, in AAS 99 (2007) 798.<br />

[3] Cf. C.I.C. can. 838 § 1 e § 2.<br />

[4] Cf. C.I.C. can. 331.<br />

[5] Cf. C.I.C. can. 223 § 2; 838 §1 e § 4<br />

[6] Cf. <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Carta aos Bispos que acompanha a Carta Apostólica "Motu Proprio <strong>da</strong>ta"<br />

Summorum Pontificum sobre o uso <strong>da</strong> Liturgia romana anterior à reforma de 1970 , in AAS 99 (2007)<br />

799.<br />

[7] Cf. C.I.C. can. 900, § 2.<br />

[8] Cf. C.I.C. can. 249; cf. Conc. Vat. II, Const. Sacrosanctum Concilium, n. 36; Decl. Optatam Totius<br />

n. 13.<br />

[9] Cf. <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Carta aos Bispos que acompanha a Carta Apostólica "Motu Proprio <strong>da</strong>ta"<br />

Summorum Pontificum sobre o uso <strong>da</strong> Liturgia romana anterior à reforma de 1970, in AAS 99 (2007)<br />

797.<br />

Fonte: http://www.vatican.va<br />

NOTA:<br />

1) Motu proprio é uma <strong>da</strong>s espécies normativas <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica, expedido diretamente pelo próprio<br />

Papa. A expressão motu proprio poderia ser traduzi<strong>da</strong> como "de sua iniciativa própria" o que se opõe<br />

ao conceito de rescrito que é, em regra, uma norma expedi<strong>da</strong> em resposta a uma <strong>da</strong><strong>da</strong> situação.<br />

Significa ain<strong>da</strong> que trata-se de matéria decidi<strong>da</strong> pessoalmente pelo papa e não por um cardeal ou outro<br />

conselheiro. Tem normalmente a forma de decreto. Lembram, pela sua forma, um breve ou bula papal<br />

(outra espécie normativa) mas sem se revestir <strong>da</strong> soleni<strong>da</strong>de própria destes documentos. O primeiro<br />

motu proprio remonta a Inocêncio VIII, em 1484, e continua a ser um ato administrativo bastante<br />

comum na Administração <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. Um recente motu proprio é o Summorum Pontificum de <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong><br />

que trata de regras específicas <strong>da</strong> liturgia latina de acordo com o missal anterior ao Concílio Vaticano<br />

II, liberalizando a Missa Tridentina.<br />

2) Missa Tridentina é a liturgia <strong>da</strong> Missa do Rito Romano conti<strong>da</strong> nas edições típicas do Missal<br />

Romano que foram publicados de 1570-1962. Foi à liturgia <strong>da</strong> missa mais amplamente celebra<strong>da</strong> em<br />

todo o mundo, até que o Concílio Vaticano II, pediu sua revisão, o que ocasionou a promulgação de<br />

uma nova liturgia, pelo Papa Paulo VI, em 1969.<br />

Atualmente, a Missa Tridentina é defini<strong>da</strong> pela <strong>Igreja</strong> como a "forma extraordinaria do Rito Romano",<br />

indicando portanto, que a missa nova de Paulo VI permanece como a "forma ordinária" ou "normal" do<br />

Rito Romano, embora ambos não sejam considerados ritos distintos, mas apenas "formas diferentes do<br />

mesmo rito". É chama<strong>da</strong> comumente de "Missa Tridentina" (gentílico de Trento, na Itália) ou "Missa de<br />

São Pio V", porque o Concílio de Trento, pediu aos papas, a revisão do Missal Romano, que foi<br />

aplica<strong>da</strong> pelo Papa São Pio V em 1570. Também é comumente chamado de "rito antigo", "rito<br />

tradicional", "rito romano clássico", "missa de sempre", "missa de todos os tempos", "missa <strong>da</strong>s eras",<br />

ou "usus antiquior" (uso antigo) - "forma antiquior" (forma antiga), para diferenciá-la do uso, e <strong>da</strong><br />

forma, <strong>da</strong> missa nova. É também conheci<strong>da</strong> como "missa em latim", embora de forma inadequa<strong>da</strong>, uma<br />

vez que mesmo a liturgia <strong>da</strong> missa de 1969 pode ser celebra<strong>da</strong> nesse idioma. Menos comumente, em<br />

círculos mais cultos, é chamado de "Vetus Ordo Missae" (Velho Ordinário <strong>da</strong> Missa). Como seus<br />

elementos essenciais remontam a liturgia do Papa Gregório I, também é conheci<strong>da</strong> como "Missa<br />

Gregoriana".<br />

O Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> em 2007 pelo motu proprio Summorum Pontificum, regulamentou a possibili<strong>da</strong>de do<br />

uso <strong>da</strong> liturgia tridentina; no rito romano nas missas priva<strong>da</strong>s celebra<strong>da</strong>s sem o povo, os padres podem<br />

usar livremente a liturgia tridentina; ela também pode ser usa<strong>da</strong> publicamente em paróquias, se houver<br />

um grupo estável de fiéis (coetus fidelium) que a assista.<br />

114


Esclarecimentos sobre o Motu Próprio Summorum Pontificum do Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>:<br />

1- Qual a força do Motu Próprio do Papa? São orientações ou determinações? Quando<br />

entra em vigor o conteúdo do Motu Próprio Summorum Pontificum?<br />

R: São determinações pontifícias, cujas normas deverão ser implementa<strong>da</strong>s com força de<br />

decreto pontifício:<br />

"Tudo quanto temos estabelecido com estas cartas apostólicas em formas de Motu Próprio,<br />

ordenamos que se considere "estabelecido e decretado" e que se observe o dia 14 de setembro<br />

deste ano, festa <strong>da</strong> Exaltação <strong>da</strong> Santa cruz, pese ao que possa haver em contrário".<br />

2 - O que mu<strong>da</strong> com o Motu Próprio?<br />

R: Mu<strong>da</strong> a liturgia na <strong>Igreja</strong>. O Papa autorizou o uso tanto o Missal romano do Papa João<br />

XXIII, de 1962 (Missa em latim) como o Missal romano do Papa Paulo VI, de 1970. (Artigo<br />

1º)<br />

3 - Mas a <strong>Igreja</strong> terá então dois ritos distintos em relação à liturgia?<br />

R: Não. Foi adotado o rito romano, que é um único rito, porém, de dois usos. O Papa explica<br />

isto no artigo 1º:<br />

"O Missal Romano promulgado por Paulo VI é a expressão ordinária <strong>da</strong> "Lex orandi" ("Lei <strong>da</strong><br />

oração") <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> católica de rito latino. Não obstante, o Missal Romano pormulgado por São<br />

Pio V e novamente pelo Beato João XXIII deve considerar-se como expressão extraordinária<br />

<strong>da</strong> mesma "Lex orandi" e gozar respeito devido por seu uso venerável e antigo. Estas duas<br />

expressões <strong>da</strong> "Lex orandi" <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> não levarão de forma alguma a uma divisão <strong>da</strong> "Lex<br />

credendi" ("Lei <strong>da</strong> fé") <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>; são, de fato, dois usos do único rito romano." (Artigo 1º) 4-<br />

4-A missa em latim estava proibi<strong>da</strong> na <strong>Igreja</strong> latina?<br />

R: Não. As normas de direito, no entanto, limitavam seu uso, que poderia ser admiti<strong>da</strong> desde<br />

que houvesse aprovação do Ordinário (Bispo) local e em determina<strong>da</strong>s circunstâncias. O Papa<br />

João Paulo II, com a Carta Apostólica "Ecclesia Dei" exortou os bispos que a concedesse<br />

generosamente aos fíeis que a solicitassem.<br />

5- O padre hoje, não precisa mais de autorização para celebrar a missa em latim?<br />

R: Não, nem de permissão de seu Ordinário, nem <strong>da</strong> Sé apostólica, podendo fazer uso tanto de<br />

um como de outro Missal para as missas celebra<strong>da</strong>s sem o povo. (Artigo 2)<br />

6 - Os fiéis, também podem participar dessas missas?<br />

R: Sim, desde que façam o pedido voluntariamente (Artigo 4º)<br />

7 - E quanto às comuni<strong>da</strong>des dos institutos de vi<strong>da</strong> consagra<strong>da</strong> e outras, como diocesanas,<br />

que desejarem a missa segundo o antigo rito romano?<br />

R: Podem fazê-lo os institutos de vi<strong>da</strong> consagra<strong>da</strong>, socie<strong>da</strong>des de vi<strong>da</strong> apostólica de direito<br />

(pontifício ou diocesano) em celebrações conventuais ou comunitárias. Se uma só comuni<strong>da</strong>de<br />

ou um instituto inteiro ou Socie<strong>da</strong>de quer levar a cabo estas celebrações por muitas vezes,<br />

habitualmente ou permanentemente, a decisão compete aos Superiores, segundo as normas de<br />

direito, regras e estatutos particulares. (Artigo 3º)<br />

8 - E se um número estável de fiéis leigos quiserem que seja instituí<strong>da</strong> a celebração em<br />

latim, em sua comuni<strong>da</strong>de?<br />

R: Devem formular o pedido ao pároco, que deve acolher de bom grado o seu pedido. O pároco<br />

deve procurar, sob a guia de seu Ordinário, manter a harmonia dos fiéis, evitando a discórdia e<br />

favorecendo a uni<strong>da</strong>de. (Artigo 5º § 1º).<br />

9 - E se a minha comuni<strong>da</strong>de não for paroquial, nem conventual. A quem recorrer para<br />

obter a licença?<br />

R: Ao Reitor local, conforme estabelece o artigo 5º, § 5º do Motu Próprio.<br />

10 - E se um grupo de fiéis tiver seu pedido negado pelo pároco para a missa em latim?<br />

R: Devem informar ao bispo, conforme prescreve o artigo 7º.<br />

11 - E se o bispo não lhes satisfazer o desejo?<br />

R: Devem remeter o assunto à Comissão "Ecclesia Dei", órgão pontifício junto ao Vaticano<br />

(Artigo 7º).<br />

12 - E se o bispo, mesmo desejando atender aos fiéis, não puder atender ao pedido por<br />

razões adversas?<br />

R: Poderá indicar a Pontifícia Comissão "Ecclesia Dei" para solicitar aju<strong>da</strong> e aconselhamento.<br />

115


(Artigo 8º)<br />

13 - E o Breviário, promulgado pelo Beato João XXIII em 1962, pode ser usado?<br />

R: Sim, é licito o uso pelos clérigos constituídos "in sacris", conforme Artigo 9º § 3º.<br />

14 - É prevista a criação de uma igreja para celebrações exclusivas em latim (Com Missal<br />

do Papa João XXIII) ?<br />

R: Sim, o Ordinário do lugar, se o considerar oportuno, pode erigir uma paróquia pessoal para<br />

celebrações com a forma do antigo rito romano e até nomear um capelão, segundo a norma do<br />

cânon 518. (Artigo 10º)<br />

15- Pode-se pedir o antigo rito romano para celebrações particulares ou ocasionais<br />

(matrimônios, exéquias, peregrinações) ?<br />

R: Sim, no § 3º do artigo 5 o Papa pede aos párocos que permitam tais celebrações.<br />

16 - Nas celebrações do antigo rito romano, as leituras podem ser proclama<strong>da</strong>s em língua<br />

vernácula?<br />

R: Sim, desde que usando-se as edições reconheci<strong>da</strong>s pela Sé Apostólica, conforme prevê o<br />

artigo 6º.<br />

17 - Como a Santa Sé vai acompanhar a aplicação destas normas no mundo inteiro?<br />

R: A Santa Sé constituiu a Pontifícia Comissão "Ecclesia Dei" não só para acompanhar, mas<br />

para orientar o clero tanto nos casos de forma como nas adversi<strong>da</strong>des. Esta Comissão possui<br />

autori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Santa Sé para vigiar a observância e aplicação <strong>da</strong>s decisões promulga<strong>da</strong>s pelo<br />

Motu Próprio. (Artigo 12º)<br />

O Papa, na carta aos bispos, pede a re<strong>da</strong>ção de relatório a ser enviado à Santa Sé após<br />

completados três anos <strong>da</strong> promulgação do Motu Próprio a fim de corrigir eventuais<br />

dificul<strong>da</strong>des que se observarem. A tarefa dos bispos é a de vigiar para que tudo se desenrole<br />

em paz e sereni<strong>da</strong>de. Ao fin<strong>da</strong>r o prazo decadencial estipulado, deverão enviar relatório ao<br />

Vaticano.<br />

18 - Quando o Motu Proprio entra efetivamente em vigor?<br />

R: No dia 14 de setembro de 2007, festa <strong>da</strong> Exaltação <strong>da</strong> Santa Cruz. (Artigo 12º)<br />

Fonte:http://www.paginaoriente.com/enciclicasbentoxvi/motuproprioquestoes.htm<br />

CARTA APOSTÓLICA<br />

SOB FORMA DE MOTU PROPRIO<br />

PORTA FIDEI<br />

DO SUMO PONTÍFICE<br />

BENTO <strong>XVI</strong><br />

COM A QUAL SE PROCLAMA O ANO DA FÉ<br />

1. A PORTA DA FÉ (cf. Act 14, 27), que introduz na vi<strong>da</strong> de comunhão com Deus e permite a entra<strong>da</strong><br />

na sua <strong>Igreja</strong>, está sempre aberta para nós. É possível cruzar este limiar, quando a Palavra de Deus é<br />

anuncia<strong>da</strong> e o coração se deixa plasmar pela graça que transforma. Atravessar esta porta implica<br />

embrenhar-se num caminho que dura a vi<strong>da</strong> inteira. Este caminho tem início no Baptismo (cf. Rm 6, 4),<br />

pelo qual podemos dirigir-nos a Deus com o nome de Pai, e está concluído com a passagem através <strong>da</strong><br />

morte para a vi<strong>da</strong> eterna, fruto <strong>da</strong> ressurreição do Senhor Jesus, que, com o dom do Espírito Santo, quis<br />

fazer participantes <strong>da</strong> sua própria glória quantos crêem n’Ele (cf. Jo 17, 22). Professar a fé na Trin<strong>da</strong>de –<br />

Pai, Filho e Espírito Santo – equivale a crer num só Deus que é Amor (cf. 1 Jo 4, 8): o Pai, que na<br />

plenitude dos tempos enviou seu Filho para a nossa salvação; Jesus Cristo, que redimiu o mundo no<br />

mistério <strong>da</strong> sua morte e ressurreição; o Espírito Santo, que guia a <strong>Igreja</strong> através dos séculos enquanto<br />

aguar<strong>da</strong> o regresso glorioso do Senhor.<br />

2. Desde o princípio do meu ministério como Sucessor de Pedro, lembrei a necessi<strong>da</strong>de de redescobrir o<br />

caminho <strong>da</strong> fé para fazer brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e o renovado entusiasmo do<br />

encontro com Cristo. Durante a homilia <strong>da</strong> Santa Missa no início do pontificado, disse: «A <strong>Igreja</strong> no seu<br />

conjunto, e os Pastores nela, como Cristo devem pôr-se a caminho para conduzir os homens fora do<br />

deserto, para lugares <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, <strong>da</strong> amizade com o Filho de Deus, para Aquele que dá a vi<strong>da</strong>, a vi<strong>da</strong> em<br />

plenitude»[1]. Sucede não poucas vezes que os cristãos sintam maior preocupação com as consequências<br />

sociais, culturais e políticas <strong>da</strong> fé do que com a própria fé, considerando esta como um pressuposto<br />

116


óbvio <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> diária. Ora um tal pressuposto não só deixou de existir, mas frequentemente acaba até<br />

negado.[2] Enquanto, no passado, era possível reconhecer um tecido cultural unitário, amplamente<br />

compartilhado no seu apelo aos conteúdos <strong>da</strong> fé e aos valores por ela inspirados, hoje parece que já não<br />

é assim em grandes sectores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de devido a uma profun<strong>da</strong> crise de fé que atingiu muitas pessoas.<br />

3. Não podemos aceitar que o sal se torne insípido e a luz fique escondi<strong>da</strong> (cf. Mt 5, 13-16). Também o<br />

homem contemporâneo pode sentir de novo a necessi<strong>da</strong>de de ir como a samaritana ao poço, para ouvir<br />

Jesus que convi<strong>da</strong> a crer n’Ele e a beber na sua fonte, donde jorra água viva (cf. Jo 4, 14). Devemos<br />

readquirir o gosto de nos alimentarmos <strong>da</strong> Palavra de Deus, transmiti<strong>da</strong> fielmente pela <strong>Igreja</strong>, e do Pão<br />

<strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, oferecidos como sustento de quantos são seus discípulos (cf. Jo 6, 51). De facto, em nossos dias<br />

ressoa ain<strong>da</strong>, com a mesma força, este ensinamento de Jesus: «Trabalhai, não pelo alimento que<br />

desaparece, mas pelo alimento que perdura e dá a vi<strong>da</strong> eterna» (Jo 6, 27). E a questão, então posta por<br />

aqueles que O escutavam, é a mesma que colocamos nós também hoje: «Que havemos nós de fazer para<br />

realizar as obras de Deus?» (Jo 6, 28). Conhecemos a resposta de Jesus: «A obra de Deus é esta: crer<br />

n’Aquele que Ele enviou» (Jo 6, 29). Por isso, crer em Jesus Cristo é o caminho para se poder chegar<br />

definitivamente à salvação.<br />

4. À luz de tudo isto, decidi proclamar um Ano <strong>da</strong> Fé. Este terá início a 11 de Outubro de 2012, no<br />

cinquentenário <strong>da</strong> abertura do Concílio Vaticano II, e terminará na Soleni<strong>da</strong>de de Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo Rei do Universo, a 24 de Novembro de 2013. Na referi<strong>da</strong> <strong>da</strong>ta de 11 de Outubro de 2012,<br />

completar-se-ão também vinte anos <strong>da</strong> publicação do Catecismo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica, texto promulgado<br />

pelo meu Predecessor, o Beato Papa João Paulo II,[3] com o objectivo de ilustrar a todos os fiéis a força<br />

e a beleza <strong>da</strong> fé. Esta obra, ver<strong>da</strong>deiro fruto do Concílio Vaticano II, foi deseja<strong>da</strong> pelo Sínodo<br />

Extraordinário dos Bispos de 1985 como instrumento ao serviço <strong>da</strong> catequese[4] e foi realizado com a<br />

colaboração de todo o episcopado <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica. E uma Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos foi<br />

convoca<strong>da</strong> por mim, precisamente para o mês de Outubro de 2012, tendo por tema A nova<br />

evangelização para a transmissão <strong>da</strong> fé cristã. Será uma ocasião propícia para introduzir o complexo<br />

eclesial inteiro num tempo de particular reflexão e redescoberta <strong>da</strong> fé. Não é a primeira vez que a <strong>Igreja</strong><br />

é chama<strong>da</strong> a celebrar um Ano <strong>da</strong> Fé. O meu venerado Predecessor, o Servo de Deus Paulo VI,<br />

proclamou um ano semelhante, em 1967, para comemorar o martírio dos apóstolos Pedro e Paulo no<br />

décimo nono centenário do seu supremo testemunho. Idealizou-o como um momento solene, para que<br />

houvesse, em to<strong>da</strong> a <strong>Igreja</strong>, «uma autêntica e sincera profissão <strong>da</strong> mesma fé»; quis ain<strong>da</strong> que esta fosse<br />

confirma<strong>da</strong> de maneira «individual e colectiva, livre e consciente, interior e exterior, humilde e<br />

franca».[5] Pensava que a <strong>Igreja</strong> poderia assim retomar «exacta consciência <strong>da</strong> sua fé para a reavivar,<br />

purificar, confirmar, confessar».[6] As grandes convulsões, que se verificaram naquele Ano, tornaram<br />

ain<strong>da</strong> mais evidente a necessi<strong>da</strong>de duma tal celebração. Esta terminou com a Profissão de Fé do Povo de<br />

Deus,[7] para atestar como os conteúdos essenciais, que há séculos constituem o património de todos os<br />

crentes, necessitam de ser confirmados, compreendidos e aprofun<strong>da</strong>dos de maneira sempre nova para se<br />

<strong>da</strong>r testemunho coerente deles em condições históricas diversas <strong>da</strong>s do passado.<br />

5. Sob alguns aspectos, o meu venerado Predecessor viu este Ano como uma «consequência e exigência<br />

pós-conciliar»[8], bem ciente <strong>da</strong>s graves dificul<strong>da</strong>des <strong>da</strong>quele tempo sobretudo no que se referia à<br />

profissão <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira fé e <strong>da</strong> sua recta interpretação. Pareceu-me que fazer coincidir o início do Ano<br />

<strong>da</strong> Fé com o cinquentenário <strong>da</strong> abertura do Concílio Vaticano II poderia ser uma ocasião propícia para<br />

compreender que os textos deixados em herança pelos Padres Conciliares, segundo as palavras do Beato<br />

João Paulo II, «não perdem o seu valor nem a sua beleza. É necessário fazê-los ler de forma tal que<br />

possam ser conhecidos e assimilados como textos qualificados e normativos do Magistério, no âmbito<br />

<strong>da</strong> Tradição <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. Sinto hoje ain<strong>da</strong> mais intensamente o dever de indicar o Concílio como a grande<br />

graça de que beneficiou a <strong>Igreja</strong> no século XX: nele se encontra uma bússola segura para nos orientar no<br />

caminho do século que começa».[9] Quero aqui repetir com veemência as palavras que disse a propósito<br />

do Concílio poucos meses depois <strong>da</strong> minha eleição para Sucessor de Pedro: «Se o lermos e recebermos<br />

guiados por uma justa hermenêutica, o Concílio pode ser e tornar-se ca<strong>da</strong> vez mais uma grande força<br />

para a renovação sempre necessária <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>».[10]<br />

6. A renovação <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> realiza-se também através do testemunho prestado pela vi<strong>da</strong> dos crentes: de<br />

117


facto, os cristãos são chamados a fazer brilhar, com a sua própria vi<strong>da</strong> no mundo, a Palavra de ver<strong>da</strong>de<br />

que o Senhor Jesus nos deixou. O próprio Concílio, na Constituição dogmática Lumen gentium, afirma:<br />

«Enquanto Cristo “santo, inocente, imaculado” (Heb 7, 26), não conheceu o pecado (cf. 2 Cor 5, 21),<br />

mas veio apenas expiar os pecados do povo (cf. Heb 2, 17), a <strong>Igreja</strong>, contendo pecadores no seu próprio<br />

seio, simultaneamente santa e sempre necessita<strong>da</strong> de purificação, exercita continuamente a penitência e a<br />

renovação. A <strong>Igreja</strong> “prossegue a sua peregrinação no meio <strong>da</strong>s perseguições do mundo e <strong>da</strong>s<br />

consolações de Deus”, anunciando a cruz e a morte do Senhor até que Ele venha (cf. 1 Cor 11, 26). Mas<br />

é robusteci<strong>da</strong> pela força do Senhor ressuscitado, de modo a vencer, pela paciência e pela cari<strong>da</strong>de, as<br />

suas aflições e dificul<strong>da</strong>des tanto internas como externas, e a revelar, vela<strong>da</strong> mas fielmente, o seu<br />

mistério, até que por fim se manifeste em plena luz».[11]<br />

Nesta perspectiva, o Ano <strong>da</strong> Fé é convite para uma autêntica e renova<strong>da</strong> conversão ao Senhor, único<br />

Salvador do mundo. No mistério <strong>da</strong> sua morte e ressurreição, Deus revelou plenamente o Amor que<br />

salva e chama os homens à conversão de vi<strong>da</strong> por meio <strong>da</strong> remissão dos pecados (cf. Act 5, 31). Para o<br />

apóstolo Paulo, este amor introduz o homem numa vi<strong>da</strong> nova: «Pelo Baptismo fomos sepultados com<br />

Ele na morte, para que, tal como Cristo foi ressuscitado de entre os mortos pela glória do Pai, também<br />

nós caminhemos numa vi<strong>da</strong> nova» (Rm 6, 4). Em virtude <strong>da</strong> fé, esta vi<strong>da</strong> nova plasma to<strong>da</strong> a existência<br />

humana segundo a novi<strong>da</strong>de radical <strong>da</strong> ressurreição. Na medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> sua livre disponibili<strong>da</strong>de, os<br />

pensamentos e os afectos, a mentali<strong>da</strong>de e o comportamento do homem vão sendo pouco a pouco<br />

purificados e transformados, ao longo de um itinerário jamais completamente terminado nesta vi<strong>da</strong>. A<br />

«fé, que actua pelo amor» (Gl 5, 6), torna-se um novo critério de entendimento e de acção, que mu<strong>da</strong><br />

to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> do homem (cf. Rm 12, 2; Cl 3, 9-10; Ef 4, 20-29; 2 Cor 5, 17).<br />

7. «Caritas Christi urget nos – o amor de Cristo nos impele» (2 Cor 5, 14): é o amor de Cristo que enche<br />

os nossos corações e nos impele a evangelizar. Hoje, como outrora, Ele envia-nos pelas estra<strong>da</strong>s do<br />

mundo para proclamar o seu Evangelho a todos os povos <strong>da</strong> terra (cf. Mt 28, 19). Com o seu amor, Jesus<br />

Cristo atrai a Si os homens de ca<strong>da</strong> geração: em todo o tempo, Ele convoca a <strong>Igreja</strong> confiando-lhe o<br />

anúncio do Evangelho, com um man<strong>da</strong>to que é sempre novo. Por isso, também hoje é necessário um<br />

empenho eclesial mais convicto a favor duma nova evangelização, para descobrir de novo a alegria de<br />

crer e reencontrar o entusiasmo de comunicar a fé. Na descoberta diária do seu amor, ganha força e<br />

vigor o compromisso missionário dos crentes, que jamais pode faltar. Com efeito, a fé cresce quando é<br />

vivi<strong>da</strong> como experiência de um amor recebido e é comunica<strong>da</strong> como experiência de graça e de alegria.<br />

A fé torna-nos fecundos, porque alarga o coração com a esperança e permite oferecer um testemunho<br />

que é capaz de gerar: de facto, abre o coração e a mente dos ouvintes para acolherem o convite do<br />

Senhor a aderir à sua Palavra a fim de se tornarem seus discípulos. Os crentes – atesta Santo Agostinho<br />

– «fortificam-se acreditando».[12] O Santo Bispo de Hipona tinha boas razões para falar assim. Como<br />

sabemos, a sua vi<strong>da</strong> foi uma busca contínua <strong>da</strong> beleza <strong>da</strong> fé enquanto o seu coração não encontrou<br />

descanso em Deus.[13] Os seus numerosos escritos, onde se explica a importância de crer e a ver<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

fé, permaneceram até aos nossos dias como um património de riqueza incomparável e consentem ain<strong>da</strong><br />

que tantas pessoas à procura de Deus encontrem o justo percurso para chegar à «porta <strong>da</strong> fé».<br />

Por conseguinte, só acreditando é que a fé cresce e se revigora; não há outra possibili<strong>da</strong>de de adquirir<br />

certeza sobre a própria vi<strong>da</strong>, senão abandonar-se progressivamente nas mãos de um amor que se<br />

experimenta ca<strong>da</strong> vez maior porque tem a sua origem em Deus.<br />

8. Nesta feliz ocorrência, pretendo convi<strong>da</strong>r os Irmãos Bispos de todo o mundo para que se unam ao<br />

Sucessor de Pedro, no tempo de graça espiritual que o Senhor nos oferece, a fim de comemorar o dom<br />

precioso <strong>da</strong> fé. Queremos celebrar este Ano de forma digna e fecun<strong>da</strong>. Deverá intensificar-se a reflexão<br />

sobre a fé, para aju<strong>da</strong>r todos os crentes em Cristo a tornarem mais consciente e revigorarem a sua adesão<br />

ao Evangelho, sobretudo num momento de profun<strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça como este que a humani<strong>da</strong>de está a viver.<br />

Teremos oportuni<strong>da</strong>de de confessar a fé no Senhor Ressuscitado nas nossas catedrais e nas igrejas do<br />

mundo inteiro, nas nossas casas e no meio <strong>da</strong>s nossas famílias, para que ca<strong>da</strong> um sinta fortemente a<br />

exigência de conhecer melhor e de transmitir às gerações futuras a fé de sempre. Neste Ano, tanto as<br />

comuni<strong>da</strong>des religiosas como as comuni<strong>da</strong>des paroquiais e to<strong>da</strong>s as reali<strong>da</strong>des eclesiais, antigas e novas,<br />

118


encontrarão forma de fazer publicamente profissão do Credo.<br />

9. Desejamos que este Ano suscite, em ca<strong>da</strong> crente, o anseio de confessar a fé plenamente e com<br />

renova<strong>da</strong> convicção, com confiança e esperança. Será uma ocasião propícia também para intensificar a<br />

celebração <strong>da</strong> fé na liturgia, particularmente na Eucaristia, que é «a meta para a qual se encaminha a<br />

acção <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> e a fonte de onde promana to<strong>da</strong> a sua força».[14] Simultaneamente esperamos que o<br />

testemunho de vi<strong>da</strong> dos crentes cresça na sua credibili<strong>da</strong>de. Descobrir novamente os conteúdos <strong>da</strong> fé<br />

professa<strong>da</strong>, celebra<strong>da</strong>, vivi<strong>da</strong> e reza<strong>da</strong>[15] e reflectir sobre o próprio acto com que se crê, é um<br />

compromisso que ca<strong>da</strong> crente deve assumir, sobretudo neste Ano.<br />

Não foi sem razão que, nos primeiros séculos, os cristãos eram obrigados a aprender de memória o<br />

Credo. É que este servia-lhes de oração diária, para não esquecerem o compromisso assumido com o<br />

Baptismo. Recor<strong>da</strong>-o, com palavras densas de significado, Santo Agostinho quando afirma numa<br />

homilia sobre a redditio symboli (a entrega do Credo): «O símbolo do santo mistério, que recebestes<br />

todos juntos e que hoje proferistes um a um, reúne as palavras sobre as quais está edifica<strong>da</strong> com solidez<br />

a fé <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, nossa <strong>Mãe</strong>, apoia<strong>da</strong> no alicerce seguro que é Cristo Senhor. E vós recebeste-lo e<br />

proferiste-lo, mas deveis tê-lo sempre presente na mente e no coração, deveis repeti-lo nos vossos leitos,<br />

pensar nele nas praças e não o esquecer durante as refeições; e, mesmo quando o corpo dorme, o vosso<br />

coração continue de vigília por ele».[16]<br />

10. Queria agora delinear um percurso que ajude a compreender de maneira mais profun<strong>da</strong> os conteúdos<br />

<strong>da</strong> fé e, juntamente com eles, também o acto pelo qual decidimos, com plena liber<strong>da</strong>de, entregar-nos<br />

totalmente a Deus. De facto, existe uma uni<strong>da</strong>de profun<strong>da</strong> entre o acto com que se crê e os conteúdos a<br />

que <strong>da</strong>mos o nosso assentimento. O apóstolo Paulo permite entrar dentro desta reali<strong>da</strong>de quando<br />

escreve: «Acredita-se com o coração e, com a boca, faz-se a profissão de fé» (Rm 10, 10). O coração<br />

indica que o primeiro acto, pelo qual se chega à fé, é dom de Deus e acção <strong>da</strong> graça que age e transforma<br />

a pessoa até ao mais íntimo dela mesma.<br />

A este respeito é muito eloquente o exemplo de Lídia. Narra São Lucas que o apóstolo Paulo,<br />

encontrando-se em Filipos, num sábado foi anunciar o Evangelho a algumas mulheres; entre elas, estava<br />

Lídia. «O Senhor abriu-lhe o coração para aderir ao que Paulo dizia» (Act 16, 14). O sentido contido na<br />

expressão é importante. São Lucas ensina que o conhecimento dos conteúdos que se deve acreditar não é<br />

suficiente, se depois o coração – autêntico sacrário <strong>da</strong> pessoa – não for aberto pela graça, que consente<br />

ter olhos para ver em profundi<strong>da</strong>de e compreender que o que foi anunciado é a Palavra de Deus.<br />

Por sua vez, o professar com a boca indica que a fé implica um testemunho e um compromisso públicos.<br />

O cristão não pode jamais pensar que o crer seja um facto privado. A fé é decidir estar com o Senhor,<br />

para viver com Ele. E este «estar com Ele» introduz na compreensão <strong>da</strong>s razões pelas quais se acredita.<br />

A fé, precisamente porque é um acto <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, exige também assumir a responsabili<strong>da</strong>de social<br />

<strong>da</strong>quilo que se acredita. No dia de Pentecostes, a <strong>Igreja</strong> manifesta, com to<strong>da</strong> a clareza, esta dimensão<br />

pública do crer e do anunciar sem temor a própria fé a to<strong>da</strong> a gente. É o dom do Espírito Santo que<br />

prepara para a missão e fortalece o nosso testemunho, tornando-o franco e corajoso.<br />

A própria profissão <strong>da</strong> fé é um acto simultaneamente pessoal e comunitário. De facto, o primeiro sujeito<br />

<strong>da</strong> fé é a <strong>Igreja</strong>. É na fé <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de cristã que ca<strong>da</strong> um recebe o Baptismo, sinal eficaz <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> no<br />

povo dos crentes para obter a salvação. Como atesta o Catecismo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica, «“Eu creio”: é a fé<br />

<strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, professa<strong>da</strong> pessoalmente por ca<strong>da</strong> crente, principalmente por ocasião do Baptismo. “Nós<br />

cremos”: é a fé <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, confessa<strong>da</strong> pelos bispos reunidos em Concílio ou, de modo mais geral, pela<br />

assembleia litúrgica dos crentes. “Eu creio”: é também a <strong>Igreja</strong>, nossa <strong>Mãe</strong>, que responde a Deus pela<br />

sua fé e nos ensina a dizer: “Eu creio”, “Nós cremos”».[17]<br />

Como se pode notar, o conhecimento dos conteúdos de fé é essencial para se <strong>da</strong>r o próprio assentimento,<br />

isto é, para aderir plenamente com a inteligência e a vontade a quanto é proposto pela <strong>Igreja</strong>. O<br />

conhecimento <strong>da</strong> fé introduz na totali<strong>da</strong>de do mistério salvífico revelado por Deus. Por isso, o<br />

assentimento prestado implica que, quando se acredita, se aceita livremente todo o mistério <strong>da</strong> fé, porque<br />

119


o garante <strong>da</strong> sua ver<strong>da</strong>de é o próprio Deus, que Se revela e permite conhecer o seu mistério de amor.[18]<br />

Por outro lado, não podemos esquecer que, no nosso contexto cultural, há muitas pessoas que, embora<br />

não reconhecendo em si mesmas o dom <strong>da</strong> fé, to<strong>da</strong>via vivem uma busca sincera do sentido último e <strong>da</strong><br />

ver<strong>da</strong>de definitiva acerca <strong>da</strong> sua existência e do mundo. Esta busca é um ver<strong>da</strong>deiro «preâmbulo» <strong>da</strong> fé,<br />

porque move as pessoas pela estra<strong>da</strong> que conduz ao mistério de Deus. De facto, a própria razão do<br />

homem traz inscrita em si mesma a exigência «<strong>da</strong>quilo que vale e permanece sempre».[19] Esta<br />

exigência constitui um convite permanente, inscrito indelevelmente no coração humano, para caminhar<br />

ao encontro d’Aquele que não teríamos procurado se Ele mesmo não tivesse já vindo ao nosso<br />

encontro.[20] É precisamente a este encontro que nos convi<strong>da</strong> e abre plenamente a fé.<br />

11. Para chegar a um conhecimento sistemático <strong>da</strong> fé, todos podem encontrar um subsídio precioso e<br />

indispensável no Catecismo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica. Este constitui um dos frutos mais importantes do<br />

Concílio Vaticano II. Na Constituição apostólica Fidei depositum – não sem razão assina<strong>da</strong> na passagem<br />

do trigésimo aniversário <strong>da</strong> abertura do Concílio Vaticano II – o Beato João Paulo II escrevia: «Este<br />

catecismo <strong>da</strong>rá um contributo muito importante à obra de renovação de to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> eclesial (...).<br />

Declaro-o norma segura para o ensino <strong>da</strong> fé e, por isso, instrumento válido e legítimo ao serviço <strong>da</strong><br />

comunhão eclesial».[21]<br />

É precisamente nesta linha que o Ano <strong>da</strong> Fé deverá exprimir um esforço generalizado em prol <strong>da</strong><br />

redescoberta e do estudo dos conteúdos fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> fé, que têm no Catecismo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica a<br />

sua síntese sistemática e orgânica. Nele, de facto, sobressai a riqueza de doutrina que a <strong>Igreja</strong> acolheu,<br />

guardou e ofereceu durante os seus dois mil anos de história. Desde a Sagra<strong>da</strong> Escritura aos Padres <strong>da</strong><br />

<strong>Igreja</strong>, desde os Mestres de teologia aos Santos que atravessaram os séculos, o Catecismo oferece uma<br />

memória permanente dos inúmeros modos em que a <strong>Igreja</strong> meditou sobre a fé e progrediu na doutrina<br />

para <strong>da</strong>r certeza aos crentes na sua vi<strong>da</strong> de fé.<br />

Na sua própria estrutura, o Catecismo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica apresenta o desenvolvimento <strong>da</strong> fé até chegar<br />

aos grandes temas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> diária. Repassando as páginas, descobre-se que o que ali se apresenta não é<br />

uma teoria, mas o encontro com uma Pessoa que vive na <strong>Igreja</strong>. Na ver<strong>da</strong>de, a seguir à profissão de fé,<br />

vem a explicação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> sacramental, na qual Cristo está presente e operante, continuando a construir a<br />

sua <strong>Igreja</strong>. Sem a liturgia e os sacramentos, a profissão de fé não seria eficaz, porque faltaria a graça que<br />

sustenta o testemunho dos cristãos. Na mesma linha, a doutrina do Catecismo sobre a vi<strong>da</strong> moral adquire<br />

todo o seu significado, se for coloca<strong>da</strong> em relação com a fé, a liturgia e a oração.<br />

12. Assim, no Ano em questão, o Catecismo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica poderá ser um ver<strong>da</strong>deiro instrumento de<br />

apoio <strong>da</strong> fé, sobretudo para quantos têm a peito a formação dos cristãos, tão determinante no nosso<br />

contexto cultural. Com tal finali<strong>da</strong>de, convidei a Congregação para a Doutrina <strong>da</strong> Fé a redigir, de<br />

comum acordo com os competentes Organismos <strong>da</strong> Santa Sé, uma Nota, através <strong>da</strong> qual se ofereçam à<br />

<strong>Igreja</strong> e aos crentes algumas indicações para viver, nos moldes mais eficazes e apropriados, este Ano <strong>da</strong><br />

Fé ao serviço do crer e do evangelizar.<br />

De facto, em nossos dias mais do que no passado, a fé vê-se sujeita a uma série de interrogativos, que<br />

provêm duma diversa mentali<strong>da</strong>de que, hoje de uma forma particular, reduz o âmbito <strong>da</strong>s certezas<br />

racionais ao <strong>da</strong>s conquistas científicas e tecnológicas. Mas, a <strong>Igreja</strong> nunca teve medo de mostrar que não<br />

é possível haver qualquer conflito entre fé e ciência autêntica, porque ambas, embora por caminhos<br />

diferentes, tendem para a ver<strong>da</strong>de.[22]<br />

13. Será decisivo repassar, durante este Ano, a história <strong>da</strong> nossa fé, que faz ver o mistério insondável <strong>da</strong><br />

santi<strong>da</strong>de entrelaça<strong>da</strong> com o pecado. Enquanto a primeira põe em evidência a grande contribuição que<br />

homens e mulheres prestaram para o crescimento e o progresso <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de com o testemunho <strong>da</strong> sua<br />

vi<strong>da</strong>, o segundo deve provocar em todos uma sincera e contínua obra de conversão para experimentar a<br />

misericórdia do Pai, que vem ao encontro de todos.<br />

Ao longo deste tempo, manteremos o olhar fixo sobre Jesus Cristo, «autor e consumador <strong>da</strong> fé» (Heb 12,<br />

120


2): n’Ele encontra plena realização to<strong>da</strong> a ânsia e anélito do coração humano. A alegria do amor, a<br />

resposta ao drama <strong>da</strong> tribulação e do sofrimento, a força do perdão face à ofensa recebi<strong>da</strong> e a vitória <strong>da</strong><br />

vi<strong>da</strong> sobre o vazio <strong>da</strong> morte, tudo isto encontra plena realização no mistério <strong>da</strong> sua Encarnação, do seu<br />

fazer-Se homem, do partilhar connosco a fragili<strong>da</strong>de humana para a transformar com a força <strong>da</strong> sua<br />

ressurreição. N’Ele, morto e ressuscitado para a nossa salvação, encontram plena luz os exemplos de fé<br />

que marcaram estes dois mil anos <strong>da</strong> nossa história de salvação.<br />

Pela fé, <strong>Maria</strong> acolheu a palavra do Anjo e acreditou no anúncio de que seria <strong>Mãe</strong> de Deus na<br />

obediência <strong>da</strong> sua dedicação (cf. Lc 1, 38). Ao visitar Isabel, elevou o seu cântico de louvor ao Altíssimo<br />

pelas maravilhas que realizava em quantos a Ele se confiavam (cf. Lc 1, 46-55). Com alegria e<br />

trepi<strong>da</strong>ção, deu à luz o seu Filho unigénito, mantendo intacta a sua virgin<strong>da</strong>de (cf. Lc 2, 6-7). Confiando<br />

em José, seu Esposo, levou Jesus para o Egipto a fim de O salvar <strong>da</strong> perseguição de Herodes (cf. Mt 2,<br />

13-15). Com a mesma fé, seguiu o Senhor na sua pregação e permaneceu a seu lado mesmo no Gólgota<br />

(cf. Jo 19, 25-27). Com fé, <strong>Maria</strong> saboreou os frutos <strong>da</strong> ressurreição de Jesus e, conservando no coração<br />

a memória de tudo (cf. Lc 2, 19.51), transmitiu-a aos Doze reunidos com Ela no Cenáculo para<br />

receberem o Espírito Santo (cf. Act 1, 14; 2, 1-4).<br />

Pela fé, os Apóstolos deixaram tudo para seguir o Mestre (cf. Mc 10, 28). Acreditaram nas palavras com<br />

que Ele anunciava o Reino de Deus presente e realizado na sua Pessoa (cf. Lc 11, 20). Viveram em<br />

comunhão de vi<strong>da</strong> com Jesus, que os instruía com a sua doutrina, deixando-lhes uma nova regra de vi<strong>da</strong><br />

pela qual haveriam de ser reconhecidos como seus discípulos depois <strong>da</strong> morte d’Ele (cf. Jo 13, 34-35).<br />

Pela fé, foram pelo mundo inteiro, obedecendo ao man<strong>da</strong>to de levar o Evangelho a to<strong>da</strong> a criatura (cf.<br />

Mc 16, 15) e, sem temor algum, anunciaram a todos a alegria <strong>da</strong> ressurreição, de que foram fiéis<br />

testemunhas.<br />

Pela fé, os discípulos formaram a primeira comuni<strong>da</strong>de reuni<strong>da</strong> à volta do ensino dos Apóstolos, na<br />

oração, na celebração <strong>da</strong> Eucaristia, pondo em comum aquilo que possuíam para acudir às necessi<strong>da</strong>des<br />

dos irmãos (cf. Act 2, 42-47).<br />

Pela fé, os mártires deram a sua vi<strong>da</strong> para testemunhar a ver<strong>da</strong>de do Evangelho que os transformara,<br />

tornando-os capazes de chegar até ao dom maior do amor com o perdão dos seus próprios perseguidores.<br />

Pela fé, homens e mulheres consagraram a sua vi<strong>da</strong> a Cristo, deixando tudo para viver em simplici<strong>da</strong>de<br />

evangélica a obediência, a pobreza e a casti<strong>da</strong>de, sinais concretos de quem aguar<strong>da</strong> o Senhor, que não<br />

tar<strong>da</strong> a vir. Pela fé, muitos cristãos se fizeram promotores de uma acção em prol <strong>da</strong> justiça, para tornar<br />

palpável a palavra do Senhor, que veio anunciar a libertação <strong>da</strong> opressão e um ano de graça para todos<br />

(cf. Lc 4, 18-19).<br />

Pela fé, no decurso dos séculos, homens e mulheres de to<strong>da</strong>s as i<strong>da</strong>des, cujo nome está escrito no Livro<br />

<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> (cf. Ap 7, 9; 13, 8), confessaram a beleza de seguir o Senhor Jesus nos lugares onde eram<br />

chamados a <strong>da</strong>r testemunho do seu ser cristão: na família, na profissão, na vi<strong>da</strong> pública, no exercício dos<br />

carismas e ministérios a que foram chamados.<br />

Pela fé, vivemos também nós, reconhecendo o Senhor Jesus vivo e presente na nossa vi<strong>da</strong> e na história.<br />

14. O Ano <strong>da</strong> Fé será uma ocasião propícia também para intensificar o testemunho <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de. Recor<strong>da</strong><br />

São Paulo: «Agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e a cari<strong>da</strong>de; mas a maior de to<strong>da</strong>s é<br />

a cari<strong>da</strong>de» (1 Cor 13, 13). Com palavras ain<strong>da</strong> mais incisivas – que não cessam de empenhar os cristãos<br />

–, afirmava o apóstolo Tiago: «De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras<br />

de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento<br />

quotidiano, e um de vós lhes disser: “Ide em paz, tratai de vos aquecer e de matar a fome”, mas não lhes<br />

<strong>da</strong>is o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a fé: se ela não tiver obras,<br />

está completamente morta. Mais ain<strong>da</strong>! Poderá alguém alegar sensatamente: “Tu tens a fé, e eu tenho as<br />

obras; mostra-me então a tua fé sem obras, que eu, pelas minhas obras, te mostrarei a minha fé”» (Tg 2,<br />

121


14-18).<br />

A fé sem a cari<strong>da</strong>de não dá fruto, e a cari<strong>da</strong>de sem a fé seria um sentimento constantemente à mercê <strong>da</strong><br />

dúvi<strong>da</strong>. Fé e cari<strong>da</strong>de reclamam-se mutuamente, de tal modo que uma consente à outra realizar o seu<br />

caminho. De facto, não poucos cristãos dedicam amorosamente a sua vi<strong>da</strong> a quem vive sozinho,<br />

marginalizado ou excluído, considerando-o como o primeiro a quem atender e o mais importante a<br />

socorrer, porque é precisamente nele que se espelha o próprio rosto de Cristo. Em virtude <strong>da</strong> fé,<br />

podemos reconhecer naqueles que pedem o nosso amor o rosto do Senhor ressuscitado. «Sempre que<br />

fizestes isto a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40): estas<br />

palavras de Jesus são uma advertência que não se deve esquecer e um convite perene a devolvermos<br />

aquele amor com que Ele cui<strong>da</strong> de nós. É a fé que permite reconhecer Cristo, e é o seu próprio amor que<br />

impele a socorrê-Lo sempre que Se faz próximo nosso no caminho <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Sustentados pela fé, olhamos<br />

com esperança o nosso serviço no mundo, aguar<strong>da</strong>ndo «novos céus e uma nova terra, onde habite a<br />

justiça» (2 Ped 3, 13; cf. Ap 21, 1).<br />

15. Já no termo <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>, o apóstolo Paulo pede ao discípulo Timóteo que «procure a fé» (cf. 2 Tm 2,<br />

22) com a mesma constância de quando era novo (cf. 2 Tm 3, 15). Sintamos este convite dirigido a ca<strong>da</strong><br />

um de nós, para que ninguém se torne indolente na fé. Esta é companheira de vi<strong>da</strong>, que permite<br />

perceber, com um olhar sempre novo, as maravilhas que Deus realiza por nós. Solicita a identificar os<br />

sinais dos tempos no hoje <strong>da</strong> história, a fé obriga ca<strong>da</strong> um de nós a tornar-se sinal vivo <strong>da</strong> presença do<br />

Ressuscitado no mundo. Aquilo de que o mundo tem hoje particular necessi<strong>da</strong>de é o testemunho<br />

credível de quantos, iluminados na mente e no coração pela Palavra do Senhor, são capazes de abrir o<br />

coração e a mente de muitos outros ao desejo de Deus e <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira, aquela que não tem fim.<br />

Que «a Palavra do Senhor avance e seja glorifica<strong>da</strong>» (2 Ts 3, 1)! Possa este Ano <strong>da</strong> Fé tornar ca<strong>da</strong> vez<br />

mais firme a relação com Cristo Senhor, <strong>da</strong>do que só n’Ele temos a certeza para olhar o futuro e a<br />

garantia dum amor autêntico e duradouro. As seguintes palavras do apóstolo Pedro lançam um último<br />

jorro de luz sobre a fé: «É por isso que exultais de alegria, se bem que, por algum tempo, tenhais de<br />

an<strong>da</strong>r aflitos por diversas provações; deste modo, a quali<strong>da</strong>de genuína <strong>da</strong> vossa fé – muito mais preciosa<br />

do que o ouro perecível, por certo também provado pelo fogo – será acha<strong>da</strong> digna de louvor, de glória e<br />

de honra, na altura <strong>da</strong> manifestação de Jesus Cristo. Sem O terdes visto, vós O amais; sem O ver ain<strong>da</strong>,<br />

credes n’Ele e vos alegrais com uma alegria indescritível e irradiante, alcançando assim a meta <strong>da</strong> vossa<br />

fé: a salvação <strong>da</strong>s almas» (1 Ped 1, 6-9). A vi<strong>da</strong> dos cristãos conhece a experiência <strong>da</strong> alegria e a do<br />

sofrimento. Quantos Santos viveram na solidão! Quantos crentes, mesmo em nossos dias, provados pelo<br />

silêncio de Deus, cuja voz consoladora queriam ouvir! As provas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, ao mesmo tempo que<br />

permitem compreender o mistério <strong>da</strong> Cruz e participar nos sofrimentos de Cristo (cf. Cl 1, 24) , são<br />

prelúdio <strong>da</strong> alegria e <strong>da</strong> esperança a que a fé conduz: «Quando sou fraco, então é que sou forte» (2 Cor<br />

12, 10). Com firme certeza, acreditamos que o Senhor Jesus derrotou o mal e a morte. Com esta<br />

confiança segura, confiamo-nos a Ele: Ele, presente no meio de nós, vence o poder do maligno (cf. Lc<br />

11, 20); e a <strong>Igreja</strong>, comuni<strong>da</strong>de visível <strong>da</strong> sua misericórdia, permanece n’Ele como sinal <strong>da</strong><br />

reconciliação definitiva com o Pai.<br />

À <strong>Mãe</strong> de Deus, proclama<strong>da</strong> «feliz porque acreditou» (cf. Lc 1, 45), confiamos este tempo de graça.<br />

Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 11 de Outubro do ano 2011, sétimo de Pontificado.<br />

BENEDICTUS PP. <strong>XVI</strong><br />

[1] Homilia no início do ministério petrino do Bispo de Roma (24 de Abril de 2005): AAS 97 (2005),<br />

710.<br />

[2] Cf. <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Homilia <strong>da</strong> Santa Missa no Terreiro do Paço (Lisboa – 11 de Maio de 2010):<br />

L’Osservatore Romano (ed. port. de 15/V/2010), 3.<br />

[3] Cf. João Paulo II, Const. ap. Fidei depositum (11 de Outubro de 1992): AAS 86 (1994), 113-118.<br />

[4] Cf. Relação final do Sínodo Extraordinário dos Bispos (7 de Dezembro de 1985), II, B, a, 4:<br />

122


L’Osservatore Romano (ed. port. de 22/XII/1985), 650.<br />

[5] Paulo VI, Exort. ap. Petrum et Paulum Apostolos, no XIX centenário do martírio dos Apóstolos São<br />

Pedro e São Paulo (22 de Fevereiro de 1967): AAS 59 (1967), 196.<br />

[6] Ibid.: o.c., 198.<br />

[7] Paulo VI, Profissão Solene de Fé, Homilia durante a Concelebração por ocasião do XIX centenário<br />

do martírio dos Apóstolos São Pedro e São Paulo, no encerramento do «Ano <strong>da</strong> Fé» (30 de Junho de<br />

1968): AAS 60 (1968), 433-445.<br />

[8] Paulo VI, Audiência Geral (14 de Junho de 1967): Insegnamenti, V (1967), 801.<br />

[9] João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte (6 de Janeiro de 2001), 57: AAS 93 (2001), 308.<br />

[10] Discurso à Cúria Romana (22 de Dezembro de 2005): AAS 98 (2006), 52.<br />

[11] Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a <strong>Igreja</strong> Lumen gentium, 8.<br />

[12] De utilitate credendi, 1, 2.<br />

[13] Cf. Confissões, 1, 1.<br />

[14] Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a Sagra<strong>da</strong> Liturgia Sacrosanctum Concilium, 10.<br />

[15] Cf. João Paulo II, Const. ap. Fidei depositum (11 de Outubro de 1992): AAS 86 (1994), 116.<br />

[16] Santo Agostinho, Sermo 215, 1.<br />

[17] Catecismo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica, 167.<br />

[18] Cf. Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm. sobre a fé católica Dei Filius, cap. III: DS 3008-3009; Conc.<br />

Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 5.<br />

[19] <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Discurso no «Collège des Bernardins» (Paris, 12 de Setembro de 2008): AAS 100<br />

(2008), 722.<br />

[20] Cf. Santo Agostinho, Confissões, 13, 1.<br />

[21] Const. ap. Fidei depositum (11 de Outubro de 1992): AAS 86 (1994), 115 e 117.<br />

[22] Cf. João Paulo II, Carta enc. Fides et ratio (14 de Setembro de 1998), 34.106: AAS 91 (1999), 31-<br />

32.86-87.<br />

Fonte: http://www.vatican.va<br />

CARTA ENCÍCLICA DO SUMO PONTÍFICE PIO X<br />

PASCENDI DOMINICI GREGIS<br />

SOBRE AS DOUTRINAS MODERNISTAS<br />

Aos Patriarcas, Primazes, Arcebispos, Bispos e outros Ordinários em paz e comunhão com a Sé<br />

Apostólica<br />

Veneráveis Irmãos, saúde e benção apostólica<br />

INTRODUÇÃO<br />

A missão, que nos foi divinamente confia<strong>da</strong>, de apascentar o rebanho do Senhor, entre os<br />

principais deveres impostos por Cristo, conta o de guar<strong>da</strong>r com todo o desvelo o depósito <strong>da</strong> fé<br />

transmiti<strong>da</strong> aos Santos, repudiando as profanas novi<strong>da</strong>des de palavras e as oposições de uma<br />

ciência enganadora. E, na ver<strong>da</strong>de, esta providência do Supremo Pastor foi em todo o tempo<br />

necessária à <strong>Igreja</strong> Católica; porquanto, devido ao inimigo do gênero humano nunca faltaram<br />

homens de perverso dizer (At. 20,30), vaníloquos e sedutores (Tt. 1,10), que caídos eles em erro<br />

arrastam os mais ao erro (2 Tm. 3,13). Contudo, há mister confessar que nestes últimos tempos<br />

cresceu sobremaneira o número dos inimigos <strong>da</strong> Cruz de Cristo, os quais, com artifícios de todo<br />

ardilosos, se esforçam por bal<strong>da</strong>r a virtude vivificante <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> e solapar pelos alicerces, se <strong>da</strong>do<br />

lhes fosse, o mesmo reino de Jesus Cristo. Por isto já não Nos é lícito calar para não parecer<br />

faltarmos ao Nosso santíssimo dever, e para que se Nos não acuse de descuido de nossa obrigação,<br />

a benigni<strong>da</strong>de de que, na esperança de melhores disposições, até agora usamos.<br />

E o que exige que sem demora falemos, é antes de tudo que os fautores do erro já não devem ser<br />

procurados entre inimigos declarados; mas, o que é muito para sentir e recear, se ocultam no próprio<br />

seio <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, tornando-se destarte tanto mais nocivos quanto menos percebidos.<br />

Aludimos, Veneráveis Irmãos, a muitos membros do laicato católico e também, coisa ain<strong>da</strong> mais para<br />

lastimar, a não poucos do clero que, fingindo amor à <strong>Igreja</strong> e sem nenhum sólido conhecimento de<br />

123


filosofia e teologia, mas, embebidos antes <strong>da</strong>s teorias envenena<strong>da</strong>s dos inimigos <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>,<br />

blasonam, postergando todo o comedimento, de reformadores <strong>da</strong> mesma <strong>Igreja</strong>; e cerrando<br />

ousa<strong>da</strong>mente fileiras se atiram sobre tudo o que há de mais santo na obra de Cristo, sem<br />

pouparem sequer a mesma pessoa do divino Redentor que, com audácia sacrílega, rebaixam à<br />

craveira de um puro e simples homem.<br />

Pasmem, embora homens de tal casta, que Nós os ponhamos no número dos inimigos <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>; não<br />

poderá porém, pasmar com razão quem quer que, postas de lado as intenções de que só Deus é juiz, se<br />

aplique a examinar as doutrinas e o modo de falar e de agir de que lançam eles mão. Não se afastará,<br />

portanto, <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de quem os tiver como os mais perigosos inimigos <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. Estes, em ver<strong>da</strong>de,<br />

como dissemos, não já fora, mas dentro <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, tramam seus perniciosos conselhos; e por isto, é<br />

por assim dizer nas próprias veias e entranhas dela que se acha o perigo, tanto mais ruinoso<br />

quanto mais intimamente eles a conhecem. Além de que, não sobre as ramagens e os brotos, mas<br />

sobre as mesmas raízes que são a Fé e suas fibras mais vitais, é que meneiam eles o machado.<br />

Bati<strong>da</strong>, pois, esta raiz <strong>da</strong> imortali<strong>da</strong>de, continuam a derramar o vírus por to<strong>da</strong> a árvore, de sorte<br />

que coisa alguma poupam <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de católica, nenhuma ver<strong>da</strong>de há que não intentem<br />

contaminar. E ain<strong>da</strong> vão mais longe; pois pondo em obra o sem número de seus maléficos ardis,<br />

não há quem os vença em manhas e astúcias: porquanto, fazem promiscuamente o papel ora de<br />

racionalistas, ora de católicos, e isto com tal dissimulação que arrastam sem dificul<strong>da</strong>de ao erro<br />

qualquer incauto; e sendo ousados como os que mais o são, não há conseqüências de que se<br />

amedrontem e que não aceitem com obstinação e sem escrúpulos. Acrescente-se-lhes ain<strong>da</strong>, coisa<br />

aptíssima para enganar o ânimo alheio, uma operosi<strong>da</strong>de incansável, uma assídua e vigorosa<br />

aplicação a todo o ramo de estudos e, o mais <strong>da</strong>s vezes, a fama de uma vi<strong>da</strong> austera. Finalmente, e<br />

é isto o que faz desvanecer to<strong>da</strong> esperança de cura, pelas suas mesmas doutrinas são forma<strong>da</strong>s<br />

numa escola de desprezo a to<strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de e a todo freio; e, confiados em uma consciência falsa,<br />

persuadem-se de que é amor de ver<strong>da</strong>de o que não passa de soberba e obstinação. Na ver<strong>da</strong>de, por<br />

algum tempo esperamos reconduzi-los a melhores sentimentos e, para êste fim, a princípio os<br />

tratamos com brandura, em segui<strong>da</strong> com severi<strong>da</strong>de e, finalmente, bem a contragosto, servimonos<br />

de penas públicas.<br />

Mas vós bem sabeis, Veneráveis Irmãos, como tudo foi debalde; pareceram por momento curvar a<br />

fronte, para depois reerguê-la com maior altivez. Poderíamos talvez ain<strong>da</strong> deixar isto desapercebido se<br />

tratasse somente deles; trata-se porém <strong>da</strong>s garantias do nome católico.<br />

Há, pois, mister quebrar o silêncio, que ora seria culpável, para tornar bem conheci<strong>da</strong>s à <strong>Igreja</strong><br />

esses homens tão mal disfarçados.<br />

E visto que os modernistas (tal é o nome com que vulgarmente e com razão são chamados) com<br />

astuciosíssimo engano costumam apresentar suas doutrinas não coordena<strong>da</strong>s e juntas como um<br />

todo, mas dispersas e como separa<strong>da</strong>s umas <strong>da</strong>s outras, afim de serem tidos por duvidosos e<br />

incertos, ao passo que de fato estão firmes e constantes, convém, Veneráveis Irmãos, primeiro<br />

exibirmos aqui as mesmas doutrinas em um só quadro, e mostrar-lhes o nexo com que formam<br />

entre si um só corpo, para depois in<strong>da</strong>garmos as causas dos erros e prescrevermos os remédios<br />

para debelar-lhes os efeitos perniciosos.<br />

1ª PARTE<br />

EXPOSIÇÃO DO SISTEMA E SUA DIVISÃO<br />

E para procedermos com ordem em tão abstrusa matéria, convém notar que ca<strong>da</strong> modernista representa e<br />

quase compendia em si muitos personagens, isto é, o de filósofo, o de crente, o de teólogo, o de<br />

historiador, o de crítico, o de apologista, o de reformador; os quais personagens todos, um por um,<br />

cumpre bem os distinga todo aquele que quiser devi<strong>da</strong>mente conhecer o seu sistema e penetrar nos<br />

princípios e nas conseqüências <strong>da</strong>s suas doutrinas.<br />

124


O modernista filósofo<br />

Começando pelo filósofo, cumpre saber que todo o fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> filosofia religiosa dos modernistas<br />

assenta sobre a doutrina, que chamamos agnosticismo. Por força desta doutrina, a razão humana fica<br />

inteiramente reduzi<strong>da</strong> à consideração dos fenômenos, isto é, só <strong>da</strong>s coisas perceptíveis e pelo modo<br />

como são perceptíveis; nem tem ela direito nem aptidão para transpor estes limites. E <strong>da</strong>í segue que não<br />

é <strong>da</strong>do à razão elevar-se a Deus, nem conceder-lhe a existência, nem mesmo por intermédio dos seres<br />

visíveis. Segue-se, portanto, que Deus não pode ser de maneira alguma objeto direto <strong>da</strong> ciência; e<br />

também com relação à história, não pode servir de assunto histórico. Postas estas premissas, todos<br />

percebem com clareza qual não deve ser a sorte <strong>da</strong> teologia natural, dos motivos de credibili<strong>da</strong>de, <strong>da</strong><br />

revelação externa. Tudo isto os modernistas rejeitam e atribuem ao intelectualismo, que chamam<br />

ridículo sistema, morto já há muito tempo. Nem os abala ter a <strong>Igreja</strong> condenado formalmente erros tão<br />

monstruosos. Pois que, de fato, o Concílio Vaticano I assim definiu;<br />

Se alguém disser que o Deus, único e ver<strong>da</strong>deiro, criador e Senhor nosso, por meio <strong>da</strong>s coisas<br />

cria<strong>da</strong>s não pode ser conhecido com certeza pela luz natural <strong>da</strong> razão humana, seja anátema (De<br />

Revel. Cân. 1); e também:<br />

Se alguém disser que não é possível ou não convém que, por divina revelação, seja o homem<br />

instruído acerca de Deus e do culto que lhe é devido, seja anátema (Ibid. Cân. 2); e, finalmente:<br />

Se alguém disser que a divina revelação não pode tornar-se crível por manifestações externas, e<br />

que por isto os homens não devem ser movidos à fé senão exclusivamente pela interna experiência<br />

ou inspiração priva<strong>da</strong>, seja anátema (De Fide, Cân. 3).<br />

De que modo, porém, os modernistas passam do agnosticismo, que é puro estado de ignorância, para o<br />

ateísmo científico e histórico que, ao contrário, é estado de positiva negação, e por isso, com que lógica,<br />

do não saber se Deus interveio ou não na história do gênero humano, passam a tudo explicar na mesma<br />

história, pondo Deus de parte, como se na reali<strong>da</strong>de não tivesse intervindo, quem o souber que o<br />

explique.<br />

Há, entretanto, para eles uma coisa fixa e determina<strong>da</strong>, que é o dever ser atéia a ciência a par <strong>da</strong> história,<br />

em cujas raias não haja lugar senão para os fenômenos, repelido de uma vez, Deus e tudo o que é divino.<br />

E dessa absurdíssima doutrina ver-se-á, dentro em pouco, que coisas seremos obrigados a deduzir a<br />

respeito <strong>da</strong> augusta Pessoa de Cristo, dos mistérios e <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> e morte, <strong>da</strong> sua ressurreição e ascensão<br />

ao céu.<br />

Este agnosticismo, porém, na doutrina dos modernistas, não constitui senão a parte negativa; a positiva<br />

acha-se to<strong>da</strong> na imanência vital.<br />

Eis aqui o modo como eles passam de uma parte a outra. A religião, quer a natural quer a sobrenatural, é<br />

mister seja explica<strong>da</strong> como qualquer outro fato. Ora, destruí<strong>da</strong> a teologia natural, impedido o acesso à<br />

revelação ao rejeitar os motivos de credibili<strong>da</strong>de, é claro que se não pode procurar fora do homem essa<br />

explicação. Deve-se, pois, procurar no mesmo homem; e visto que a religião não é de fato senão uma<br />

forma <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, a sua explicação se deve achar mesmo na vi<strong>da</strong> do homem. Daqui procede o princípio <strong>da</strong><br />

imanência religiosa. Demais, a primeira moção, por assim dizer, de todo fenômeno vital, deve sempre<br />

ser atribuí<strong>da</strong> a uma necessi<strong>da</strong>de; os primórdios, porém, falando mais especialmente <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, devem ser<br />

atribuídos a um movimento do coração, que se chama sentimento. Por conseguinte, como o objeto <strong>da</strong><br />

religião é Deus, devemos concluir que a fé, princípio e base de to<strong>da</strong> a religião, se deve fun<strong>da</strong>r em um<br />

sentimento, nascido <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> divin<strong>da</strong>de.<br />

Esta necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s causas divinas não se fazendo sentir no homem senão em certas e especiais<br />

circunstâncias, não pode de per si pertencer ao âmbito <strong>da</strong> consciência; oculta-se (porém), primeiro<br />

abaixo <strong>da</strong> consciência, ou, como dizem com vocábulo tirado <strong>da</strong> filosofia moderna, na subconsciência,<br />

onde a sua raiz fica também oculta e incompreensível. Se alguém, contudo lhes perguntar de que modo<br />

125


essa necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> divin<strong>da</strong>de, que o homem sente em si mesmo, torna-se religião, será esta a resposta<br />

dos modernistas: a ciência e a história, dizem eles, acham-se fecha<strong>da</strong>s entre dois termos: um externo,<br />

que é o mundo visível; outro interno, que é a consciência. Chegados a um ou outro destes dois termos,<br />

não se pode ir mais adiante; além destes dois limites acha-se o incognoscível. Diante deste<br />

incognoscível, seja que ele se ache fora do homem e fora de to<strong>da</strong>s as coisas visíveis, seja que ele se ache<br />

oculto na subconsciência do homem, a necessi<strong>da</strong>de de um quê divino, sem nenhum ato prévio <strong>da</strong><br />

inteligência, como o quer o fideísmo, gera no ânimo já inclinado um certo sentimento particular, e este,<br />

seja como objeto seja como causa interna, tem envolvi<strong>da</strong> em si a mesma reali<strong>da</strong>de divina e assim, de<br />

certa maneira, une o homem com Deus. É precisamente a este sentimento que os modernistas dão o<br />

nome de fé e tem-no como princípio de religião.<br />

Nem acaba aí o filosofar, ou melhor, o desatinar desses homens. Pois, nesse mesmo sentimento eles<br />

não encontram unicamente a fé; mas, com a fé e na mesma fé, do modo como a entendem, sustentam<br />

que também se acha a revelação. E que é o que mais se pode exigir para a revelação? Já não será talvez<br />

revelação, ou pelo menos princípio de revelação, aquele sentimento religioso, que se manifesta na<br />

consciência? Ou também o mesmo Deus a manifestar-se às almas, embora um tanto confusamente, no<br />

mesmo sentimento religioso? eles ain<strong>da</strong> acrescentam mais, dizendo que, sendo Deus ao mesmo tempo<br />

objeto e causa <strong>da</strong> fé, essa revelação é de Deus como objeto e também provém de Deus como causa; isto<br />

é, tem a Deus ao mesmo tempo como revelante e revelado. Segue-se <strong>da</strong>qui, Veneráveis Irmãos, a<br />

absur<strong>da</strong> afirmação dos modernistas, segundo a qual to<strong>da</strong> a religião, sob diverso aspecto, é<br />

igualmente natural e sobrenatural. Segue-se <strong>da</strong>qui a promíscua significação que dão aos termos<br />

consciência e revelação. Daqui a lei que dá a consciência religiosa, a par com a revelação, como regra<br />

universal, à qual todos se devem sujeitar, inclusive a própria autori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, seja quando ensina<br />

seja quando legisla em matéria de culto ou disciplina.<br />

Entretanto, em todo este processo donde, segundo os modernistas, resultam a fé e a revelação, deve<br />

atender-se principalmente a uma coisa de não pequena importância, pelas conseqüências históricocríticas,<br />

que <strong>da</strong>í fazem derivar. Aquele Incognoscível, de que falam, não se apresenta à fé como que nu e<br />

isolado; mas, ao contrário, intimamente unido a algum fenômeno que, embora pertença ao campo <strong>da</strong><br />

ciência ou <strong>da</strong> história, assim mesmo, de certo modo, transpõe os seus limites.<br />

Este fenômeno poderá ser um fato qualquer <strong>da</strong> natureza, contendo em si algum quê de misterioso, ou<br />

poderá também ser um homem, cujo talento, cujos atos, cujas palavras parecem na<strong>da</strong> ter de comum com<br />

as leis ordinárias <strong>da</strong> história. A fé, pois, atraí<strong>da</strong> pelo Incognoscível unido ao fenômeno, apodera-se de<br />

todo o mesmo fenômeno e de certo modo o penetra <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>. Donde se seguem duas coisas.<br />

A primeira é uma certa transfiguração do fenômeno, por uma espécie de elevação <strong>da</strong>s suas próprias<br />

condições, que o torna mais apto, qual matéria, para receber o divino.<br />

A segun<strong>da</strong> é uma certa desfiguração, resultante de que, tendo a fé subtraído ao fenômeno os seus<br />

adjuntos de tempo e de lugar, facilmente lhe atribui aquilo que em reali<strong>da</strong>de não tem; o que<br />

particularmente se dá em se tratando de fenômenos de antigas <strong>da</strong>tas, e isto tanto mais quanto mais<br />

remotas são elas. Destes dois pressupostos, os modernistas deduzem outros tantos cânones que unidos a<br />

um terceiro já deduzido de agnosticismos, constituem a base <strong>da</strong> crítica histórica. Esclareçamos o fato<br />

com um exemplo tirado <strong>da</strong> pessoa de Jesus Cristo. Na pessoa de Cristo, dizem, a ciência e a história não<br />

acham mais do que um homem. Portanto, em virtude do primeiro cânon deduzido do agnosticismo, <strong>da</strong><br />

história dessa pessoa se deve riscar tudo o que sabe de divino. Ain<strong>da</strong> mais, por força do segundo cânon,<br />

a pessoa histórica de Jesus Cristo foi transfigurado pela fé; logo, convém despojá-la de tudo o que a<br />

eleva acima <strong>da</strong>s condições históricas.<br />

Finalmente, a mesma foi desfigura<strong>da</strong> pela fé, em virtude do terceiro cânon; logo, se devem remover dela<br />

as falas, as ações, tudo enfim que não corresponde ao seu caráter, condição e educação, lugar e tempo<br />

em que viveu. É em ver<strong>da</strong>de estranho tal modo de raciocinar; contudo é esta a crítica dos modernistas.<br />

O sentimento religioso, que por imanência vital surge dos esconderijos <strong>da</strong> subconsciência, é, pois, o<br />

126


gérmen de to<strong>da</strong> a religião e a razão de tudo o que tem havido e haverá ain<strong>da</strong> em qualquer religião.<br />

Este mesmo sentimento rudimentar e quase informe a princípio, pouco a pouco, sob o influxo do<br />

misterioso princípio que lhe deu origem, tem-se ido aperfeiçoando, a par com o progresso <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

humana, <strong>da</strong> qual, como já ficou dito, é uma forma.<br />

Temos, pois, assim a origem de to<strong>da</strong> a religião, até mesmo <strong>da</strong> sobrenatural; e estas não passam de meras<br />

explicações do sentimento religioso. Nem se pense que a católica é excetua<strong>da</strong>; está no mesmo nível <strong>da</strong>s<br />

outras, pois não nasceu senão pelo processo de imanência vital na consciência de Cristo, homem de<br />

natureza extremamente privilegia<strong>da</strong>, como outro não houve nem haverá. Fica-se pasmo em se ouvindo<br />

afirmações tão au<strong>da</strong>ciosas e sacrílegas! Entretanto, Veneráveis Irmãos, não é esta linguagem usa<strong>da</strong><br />

temerariamente só pelos incrédulos. Homens católicos, até muitos sacerdotes, afirmaram estas coisas<br />

publicamente, e com delírios tais se vangloriam de reformar a <strong>Igreja</strong>.<br />

Já não se trata aqui do velho erro, que à natureza humana atribuía um quase direito à ordem<br />

sobrenatural.<br />

Vai-se muito mais longe ain<strong>da</strong>; chega-se até a afirmar que a nossa santíssima religião, no homem Jesus<br />

Cristo assim como em nós, é fruto inteiramente espontâneo <strong>da</strong> natureza. Na<strong>da</strong> pode vir mais a propósito<br />

para <strong>da</strong>r cabo de to<strong>da</strong> a ordem sobrenatural. Por isto com suma razão o Concílio Vaticano I definiu: Se<br />

alguém disser que o homem não pode ser por Deus elevado a conhecimento e perfeição, que supere as<br />

forças <strong>da</strong> natureza, mas por si mesmo pode e deve, com incessante progresso, chegar finalmente a<br />

possuir to<strong>da</strong> a ver<strong>da</strong>de e todo o bem, seja anátema (De Revel Cân. 3).<br />

Até agora porém, Veneráveis Irmãos, não lhes vimos <strong>da</strong>r nenhum lugar à ação <strong>da</strong> inteligência. Contudo,<br />

segundo as doutrinas dos modernistas, tem ela também a sua parte no ato de fé. Vejamos como.<br />

Naquele sentimento, dizem, de que tantas vezes já se tem falado, precisamente porque é sentimento e<br />

não é conhecimento, Deus de fato se apresenta ao homem, mas de modo tão confuso que em na<strong>da</strong> ou<br />

mal se distingue desse mesmo crente. Faz-se, pois, mister lançar algum raio de luz sobre aquele<br />

sentimento, de maneira que Deus se apresente fora e distinto do crente. Ora, isto é obra <strong>da</strong> inteligência, à<br />

qual somente cabe o pensar e o analisar, e por meio <strong>da</strong> qual o homem a princípio traduz em<br />

representações mentais os fenômenos de vi<strong>da</strong>, que nele aparecem, e depois os manifesta com expressões<br />

verbais.<br />

Segue-se <strong>da</strong>í esta vulgar expressão dos modernistas: o homem religioso deve pensar à sua fé. –<br />

Sobrevindo, pois, a inteligência ao sentimento, inclina-se sobre este, elabora-o todo, a modo de um<br />

pintor que ilumina e reanima os traços de um quadro estragado pelo tempo. O paralelo é de um dos<br />

mestres do modernismo. Neste trabalho a inteligência procede de dois modos: primeiro, por um ato<br />

natural e espontâneo, exprimindo a sua noção por uma proposição simples e vulgar; depois, com<br />

reflexão e penetração mais íntima, ou, como dizem, elaborando o seu pensamento, exprime o que<br />

pensou com proposições secundárias, se forem finalmente sanciona<strong>da</strong>s pelo supremo magistério <strong>da</strong><br />

<strong>Igreja</strong>, constituirão o dogma.<br />

Assim, pois, na doutrina dos modernistas, chegamos a um dos pontos mais importantes, que é a origem e<br />

mesmo a natureza do dogma. A origem do dogma põem-na eles, pois, naquelas primitivas fórmulas<br />

simples que, debaixo de certo aspecto, devem considerar-se como essenciais à fé, pois que a revelação,<br />

para ser ver<strong>da</strong>deiramente tal, requer uma clara aparição de Deus na consciência. O mesmo dogma,<br />

porém, ao que parece, é propriamente constituído pelas fórmulas secundárias. Mas, para bem se<br />

conhecer a natureza do dogma, é preciso primeiro in<strong>da</strong>gar que relações há entre as fórmulas religiosas e<br />

o sentimento religioso.<br />

Não haverá dificul<strong>da</strong>de em o compriender para quem já tiver como certo que estas fórmulas não têm<br />

outro fim, senão o de facilitarem ao crente um modo de <strong>da</strong>r razão <strong>da</strong> própria fé. De sorte que essas<br />

fórmulas são como que umas intermediárias entre o crente e a sua fé; com relação à fé, são expressões<br />

127


inadequa<strong>da</strong>s do seu objeto e pelos modernistas se denominam símbolos; com relação ao crente,<br />

reduzem-se a meros instrumentos.<br />

Não é, portanto, de nenhum modo lícito afirmar que elas exprimem uma ver<strong>da</strong>de absoluta; portanto,<br />

como símbolos, são meras imagens de ver<strong>da</strong>de, e, portanto, devem a<strong>da</strong>ptar-se ao sentimento religioso,<br />

enquanto este se refere ao homem; como instrumentos, são veículos de ver<strong>da</strong>de e assim, por sua vez,<br />

devem a<strong>da</strong>ptar-se ao homem, enquanto se refere ao sentimento religioso. E, pois que este sentimento,<br />

tem por objeto o absoluto, apresenta infinitos aspectos, dos quais pode aparecer, hoje um, amanhã outro<br />

e <strong>da</strong> mesma sorte como aquele que crê pode passar por essas e aquelas condições, segue-se que também<br />

as fórmulas, que chamamos dogmas, devem estar sujeitas a iguais vicissitudes, e por isso também a<br />

variarem.<br />

Assim, pois, temos o caminho aberto à íntima evolução do dogma. Eis aí um acervo de sofismas, que<br />

subvertem e destroem to<strong>da</strong> a religião!<br />

Ousa<strong>da</strong>mente afirmam os modernistas, e isto mesmo se conclui <strong>da</strong>s suas doutrinas, que os dogmas<br />

não somente podem, mas positivamente devem evoluir e mu<strong>da</strong>r-se. De fato, entre os pontos<br />

principais <strong>da</strong> sua doutrina, contam também este, que deduzem <strong>da</strong> imanência vital: as fórmulas religiosas,<br />

para que realmente sejam tais e não só meras especulações <strong>da</strong> inteligência, precisam ser vitais e viver <strong>da</strong><br />

mesma vi<strong>da</strong> do sentimento religioso. Daí, porém, não se deve concluir que essas fórmulas,<br />

particularmente se forem só imaginárias, sejam forma<strong>da</strong>s a bem desse mesmo sentimento religioso;<br />

porquanto na<strong>da</strong> importa a sua origem, nem o seu número, nem a sua quali<strong>da</strong>de; segue-se, porém, que o<br />

sentimento religioso, embora modificando-as, se houver mister, as torna vitais e fá-las viver de sua<br />

própria vi<strong>da</strong>. Em outros termos, é preciso a fórmula primitiva seja aceita e confirma<strong>da</strong> pelo coração, e<br />

que a subseqüente elaboração <strong>da</strong>s fórmulas secundárias seja feita sob a direção do coração. Procede <strong>da</strong>í<br />

que tais fórmulas para serem vitais, hão de ser e ficar a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong>s tanto à fé quanto ao crente. Pelo que, se<br />

por qualquer motivo cessar essa a<strong>da</strong>ptação, perdem sua primitiva significação e devem ser mu<strong>da</strong><strong>da</strong>s.<br />

Ora, sendo assim mutável o valor e a sorte <strong>da</strong>s fórmulas dogmáticas, não é de admirar que os<br />

modernistas tanto as escarneçam e desprezem, e que, por conseguinte só reconheçam e exaltem o<br />

sentimento e a vi<strong>da</strong> religiosa. Por isto, com o maior atrevimento criticam a <strong>Igreja</strong> acusando-a de<br />

caminhar fora <strong>da</strong> estra<strong>da</strong>, e de não saber distinguir entre o sentido material <strong>da</strong>s fórmulas e sua<br />

significação religiosa e moral, e ain<strong>da</strong> mais, agarrando-se obstina<strong>da</strong>mente, mas em vão, a fórmulas<br />

falhas de sentido, de deixar a própria religião rolar no abismo. Cegos, na ver<strong>da</strong>de, a conduzirem outros<br />

cegos, são esses homens que inchados de orgulhosa ciência, deliram a ponto de perverter o conceito de<br />

ver<strong>da</strong>de e o genuíno conceito religioso, divulgando um novo sistema, com o qual, arrastados por<br />

desenfrea<strong>da</strong> mania de novi<strong>da</strong>des, não procuram a ver<strong>da</strong>de onde certamente se acha; e, desprezando as<br />

santas e apostólicas tradições, apegam-se a doutrinas ocas, fúteis, incertas, reprova<strong>da</strong>s pela <strong>Igreja</strong>, com<br />

as quais homens estultíssimos julgam fortalecer e sustentar a ver<strong>da</strong>de (Gregório <strong>XVI</strong>, Encíclica<br />

"Singulari Nos" 7 Jul. 1834).<br />

Assim, Veneráveis Irmãos, pensa o modernista como filósofo.<br />

O modernista crente<br />

Agora, passando a considerá-lo como crente, se quisermos conhecer de que modo, no modernismo, o<br />

crente difere do filósofo, convém observar que, embora o filósofo reconheça por objeto <strong>da</strong> fé a reali<strong>da</strong>de<br />

divina, contudo esta reali<strong>da</strong>de não se acha noutra parte senão na alma do crente, como objeto de<br />

sentimento e afirmação; porém, se ela em si mesma existe ou não fora <strong>da</strong>quele sentimento e <strong>da</strong>quela<br />

afirmação, isto não importa ao filósofo. Se, porém, procurarmos saber que fun<strong>da</strong>mento tem esta asserção<br />

do crente, respondem os modernistas: é a experiência individual. Com esta afirmação, enquanto na<br />

ver<strong>da</strong>de discor<strong>da</strong>m dos racionalistas, caem na opinião dos protestantes e dos pseudo-místicos.<br />

Eis como eles o declaram: no sentimento religioso deve reconhecer-se uma espécie de intuição do<br />

coração, que pôs o homem em contato imediato com a própria reali<strong>da</strong>de de Deus e lhe infunde tal<br />

persuasão <strong>da</strong> existência dele e <strong>da</strong> sua ação, tanto dentro como fora do homem, que excede a força de<br />

128


qualquer persuasão, que a ciência possa adquirir. Afirmam, portanto, uma ver<strong>da</strong>deira experiência, capaz<br />

de vencer qualquer experiência racional; e se esta for nega<strong>da</strong> por alguém, como pelos racionalistas,<br />

dizem que isto sucede porque estes não querem pôr-se nas condições morais que são necessárias para<br />

consegui-la. Ora, tal experiência é a que faz própria e ver<strong>da</strong>deiramente crente a todo aquele que a<br />

conseguir. Quanto vai dessa à doutrina católica! Já vimos essas idéias condena<strong>da</strong>s pelo Concílio<br />

Vaticano I. Veremos ain<strong>da</strong> como, com semelhantes teorias, unidos a outros erros já mencionados, se<br />

abre caminho para o ateísmo. Cumpre, entretanto, desde já, notar que, posta esta doutrina <strong>da</strong> experiência<br />

uni<strong>da</strong> à outra do simbolismo, to<strong>da</strong> religião, não executa<strong>da</strong> sequer a dos idólatras, deve ser ti<strong>da</strong> por<br />

ver<strong>da</strong>deira. E na ver<strong>da</strong>de, porque não fora possível o se acharem tais experiências em qualquer religião?<br />

E não poucos presumem que de fato já se as tenha encontrado. Com que direito, pois, os modernistas<br />

negarão a ver<strong>da</strong>de a uma experiência afirma<strong>da</strong>, por exemplo, por um maometano? Com que direito<br />

reivindicarão experiências ver<strong>da</strong>deiras só para os católicos? E os modernistas de fato não negam, ao<br />

contrário, concedem, uns confusa e outros manifestamente, que to<strong>da</strong>s as religiões são ver<strong>da</strong>deiras. É<br />

claro, porém, que eles não poderiam pensar de outro modo.<br />

Em ver<strong>da</strong>de, postos os seus princípios, em que se poderiam porventura fun<strong>da</strong>r para atribuir falsi<strong>da</strong>de a<br />

uma religião qualquer? Sem dúvi<strong>da</strong> seria por algum destes dois princípios: ou por falsi<strong>da</strong>de do<br />

sentimento religioso, ou por falsi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> fórmula proferi<strong>da</strong> pela inteligência. Ora, o sentimento<br />

religioso, ain<strong>da</strong> que às vezes menos perfeito, é sempre o mesmo; e a fórmula intelectual para ser<br />

ver<strong>da</strong>deira basta que correspon<strong>da</strong> ao sentimento religioso e ao crente, seja qual for a força do engenho<br />

deste. Quando muito, no conflito entre as diversas religiões, os modernistas poderão sustentar que a<br />

católica tem mais ver<strong>da</strong>de, porque é mais viva, e merece mais o título de cristã, porque mais<br />

completamente corresponde às origens do cristianismo. A ninguém pode parecer absurdo que estas<br />

conseqüências to<strong>da</strong>s dimanem <strong>da</strong>quelas premissas. Absurdíssimo é, porém, que católicos e sacerdotes<br />

que, como preferimos crer, têm horror a tão monstruosas afirmações, se ponham quase em condição de<br />

admiti-las. Pois, tais são os louvores que tributam aos mestres desses erros, tais as homenagens que<br />

publicamente lhes prestam, que facilmente dão a entender que as suas honras não atingem as pessoas,<br />

que talvez de todo não desmereçam, antes, porém, aos erros, que elas professam às claras, e entre o povo<br />

procuram com todos os esforços propagar.<br />

Há ain<strong>da</strong> outra face, além <strong>da</strong> que já vimos, nesta doutrina <strong>da</strong> experiência, de todo contrária à ver<strong>da</strong>de<br />

católica. Pois, ela se estende e se aplica à tradição que a <strong>Igreja</strong> tem sustentado até hoje, e a destrói. E<br />

com efeito, os modernistas concebem a tradição como uma comunicação <strong>da</strong> experiência original, feita a<br />

outrem pela pregação, mediante a fórmula intelectual.<br />

Por isto a esta fórmula, além do valor representativo, atribuem certa eficácia de sugestão, tanto naquele<br />

que crê, para despertar o sentimento religioso quiçá entorpecido, e restaurar a experiência de há muito<br />

adquiri<strong>da</strong>, como naqueles que ain<strong>da</strong> não crêem, para despertar neles, pela primeira vez, o sentimento<br />

religioso e produzir a experiência. Por esta maneira a experiência religiosa abun<strong>da</strong>ntemente se propaga<br />

entre os povos: não só entre os existentes, pela pregação, mas também entre os vindouros, quer pelo<br />

livro, quer pela transmissão oral de uns a outros. Esta comunicação <strong>da</strong> experiência às vezes lança raízes<br />

e vinga; outras vezes se esteriliza logo e morre. O viver para os modernistas é prova de ver<strong>da</strong>de; e a<br />

razão disto é que ver<strong>da</strong>de e vi<strong>da</strong> para eles são uma e a mesma coisa. E <strong>da</strong>qui, mais uma vez, se infere<br />

que to<strong>da</strong>s as religiões existentes são ver<strong>da</strong>deiras, do contrário já não existiriam.<br />

Leva<strong>da</strong>s as coisas até este ponto, Veneráveis Irmãos, já temos muito para bem conhecermos a ordem que<br />

os modernistas estabelecem entre a fé e a ciência; notando-se que neste nome de ciência incluem<br />

também a história. Antes de tudo se deve ter por certo que o objeto de uma é de todo estranho e separado<br />

do objeto de outra. Porquanto a fé unicamente se ocupa de uma coisa, que a ciência declara ser para si<br />

incognoscível. Segue-se, pois, que é diversa a tarefa de ca<strong>da</strong> uma; a ciência acha-se to<strong>da</strong> na reali<strong>da</strong>de<br />

dos fenômenos, onde a fé por maneira alguma penetra; a fé, pelo contrário, ocupa-se <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de divina,<br />

que de todo é desconhecido à ciência. Conclui-se, portanto, que nunca poderá haver conflito entre a fé e<br />

a ciência; porque, se ca<strong>da</strong> uma se restringir a seu campo, nunca poderão encontrar-se, nem portanto<br />

contradizer-se. Se, entretanto, alguém objetar que no mundo visível há coisas que também pertencem à<br />

fé, como a vi<strong>da</strong> humana de Cristo, responderão os modernistas negando. E a razão é que, conquanto tais<br />

129


coisas estejam no número dos fenômenos, to<strong>da</strong>via, enquanto viveram pela fé e, no modo já indicado,<br />

foram pela mesma transfigura<strong>da</strong>s e desfigura<strong>da</strong>s, foram subtraí<strong>da</strong>s ao mundo sensível e passaram a ser<br />

matéria do divino. Por este motivo, se ain<strong>da</strong> se quisesse saber se Cristo fez ver<strong>da</strong>deiros milagres e<br />

profecias, se ver<strong>da</strong>deiramente ressuscitou e subiu ao céu, a ciência agnóstica o negará e a fé o afirmará;<br />

e nem assim haverá luta entre as duas. Nega-o o filósofo como filósofo, falando a filósofos e<br />

considerando Cristo na sua reali<strong>da</strong>de histórica; afirma-o o crente, como crente, falando a crentes e<br />

considerando a vi<strong>da</strong> de Cristo a reviver pela fé e na fé.<br />

De muito se enganaria quem, postas estas teorias, se julgasse autorizado a crer que a ciência e a fé são<br />

independentes uma <strong>da</strong> outra. Por parte <strong>da</strong> ciência, essa independência está fora de dúvi<strong>da</strong>; mas, já não é<br />

assim por parte <strong>da</strong> fé, que não por um só, mas por três motivos, se deve submeter à ciência.<br />

Efetivamente é de notar, em primeiro lugar, que em todo fato religioso, tira<strong>da</strong> a reali<strong>da</strong>de divina e a<br />

experiência que o crente tem <strong>da</strong> mesma, tudo o mais, e principalmente as fórmulas religiosas, não sai do<br />

campo dos fenômenos; cai portanto sob o domínio <strong>da</strong> ciência. Afaste-se embora do mundo o crente, se<br />

lhe aprouver; mas, enquanto se achar no mundo, nunca poderá se furtar, queira-o ou não, às leis, às<br />

vistas, ao juízo <strong>da</strong> ciência e <strong>da</strong> história. Ain<strong>da</strong> mais, embora se tenha dito que Deus só é objeto <strong>da</strong> fé,<br />

isto entretanto não se deve entender senão <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de divina e não <strong>da</strong> idéia de Deus.<br />

Esta é dependente <strong>da</strong> ciência; a qual, enquanto se deleita na ordem lógica, também se eleva até o<br />

absoluto e o ideal. É, pois, direito <strong>da</strong> filosofia ou <strong>da</strong> ciência in<strong>da</strong>gar <strong>da</strong> idéia de Deus, dirigi-la na sua<br />

evolução, corrigi-la quando se lhe misturar qualquer elemento estranho. Fun<strong>da</strong>dos nisto é que os<br />

modernistas sustentam que a evolução religiosa deve ser coordena<strong>da</strong> com a evolução moral e intelectual;<br />

isto é, como ensina um dos seus mestres, deve ser-lhes subordina<strong>da</strong>. Deve-se enfim observar que o<br />

homem, em si, não suporta um dualismo, por conseguinte o crente experimenta em si mesmo uma<br />

íntima necessi<strong>da</strong>de de harmonizar de tal sorte a fé com a ciência, que aquela não se oponha à idéia geral<br />

que a ciência forma do universo. Conclui-se, pois, que a ciência é de todo independente <strong>da</strong> fé; esta, ao<br />

contrário, embora se declame que é estranha à ciência, deve-lhe submissão. To<strong>da</strong>s estas coisas,<br />

Veneráveis Irmãos, são diametralmente contrárias ao que o Nosso antecessor Pio IX ensinava, dizendo<br />

(Brev. ad Ep. Wratislaw. 15 jun. 1857): Em matéria de religião, é dever <strong>da</strong> filosofia não dominar, mas<br />

servir, não prescrever o que se deve crer, mas aceitá-lo com razoável respeito, não perscrutar os<br />

profundos dos mistérios de Deus, mas piedosa e humildemente venerá-los. Os modernistas entendem<br />

isto às avessas: há, pois, sobeja razão de aplicar-se-lhes o que outro nosso predecessor, Gregório IX,<br />

escrevia de alguns teólogos do seu tempo: Alguns dentre vós, excessivamente cheios de espírito de<br />

vai<strong>da</strong>de, com profanas novi<strong>da</strong>des se esforçam por transpor os limites traçados pelos Santos Padres,<br />

curvando à doutrina filosófica dos racionalistas a interpretação <strong>da</strong>s páginas celestes, não proveito dos<br />

ouvintes, mas para <strong>da</strong>r mostras do saber...E estes, arrastados por doutrinas diversas, transformam em<br />

cau<strong>da</strong> a cabeça e obrigam a rainha a servir à escrava (Ep. ad Magistros theol., Paris, julho de 1223).<br />

Estas coisas tornar-se-ão ain<strong>da</strong> mais claras, tendo-se em vista o procedimento dos modernistas, de todo<br />

conforme com o que ensinam. Nos seus escritos e discursos parecem, não raro, sustentar ora uma ora<br />

outra doutrina, de modo a facilmente parecerem vagos e incertos. Fazem-no, porém, de caso pensado;<br />

isto é, baseados na opinião que sustentam, <strong>da</strong> mútua separação entre a fé e a ciência. É por isto que nos<br />

seus livros muitas coisas se encontram <strong>da</strong>s aceitas pelo católicos; mas, ao virar a página, outras se vêem<br />

que pareceriam dita<strong>da</strong>s por um racionalista. Escrevendo, pois, história, nenhuma menção fazem <strong>da</strong><br />

divin<strong>da</strong>de de Cristo; ao passo que, pregando nas igrejas, com firmeza a professam. Da mesma sorte, na<br />

história não fazem o menor caso dos Padres nem dos Concílios; nas instruções catequéticas, porém,<br />

citam-nos com respeito. Distinguem, portanto, outrossim a exegese teológica e pastoral <strong>da</strong> exegese<br />

científica histórica. Mais ain<strong>da</strong>: fun<strong>da</strong>dos no princípio que a ciência em na<strong>da</strong> depende <strong>da</strong> fé, quando<br />

tratam de filosofia, de história, de crítica, não sentindo horror de pisar nas pega<strong>da</strong>s de Lutero (cf. Prop.<br />

29 conden. por Leão X, Bulla "Exurge Domine" de 16 de maio de 1520): Temos aberta a estra<strong>da</strong> para<br />

enfrentar a autori<strong>da</strong>de dos Concílios e para contradizer à vontade as suas deliberações, e julgar os seus<br />

decretos e manifestar às claras tudo o que nos parece ver<strong>da</strong>de, seja embora aprovado ou condenado por<br />

qualquer Concílio), ostentam certo desprezo <strong>da</strong>s doutrinas católicas, dos Santos Padres, dos concílios<br />

ecumênicos, dos magistérios eclesiásticos; e se forem por isto repreendidos, queixam-se de que se lhes<br />

tolhe a liber<strong>da</strong>de. Finalmente, professando que a fé há de sujeitar-se à ciência, continuamente e às claras<br />

130


criticam a <strong>Igreja</strong>, porque irredutivelmente se recusa a acomo<strong>da</strong>r os seus dogmas às opiniões <strong>da</strong> filosofia,<br />

e eles, por sua vez, posta de parte a velha teologia, empenham-se por divulgar uma nova, to<strong>da</strong> amol<strong>da</strong><strong>da</strong><br />

aos desvarios dos filósofos.<br />

O modernista teólogo<br />

Já é tempo, Veneráveis Irmãos, de passarmos a considerar os modernistas no campo teológico. Empenho<br />

árduo este, mas em poucas palavras diremos tudo. O fim a alcançar é a conciliação <strong>da</strong> fé com a ciência,<br />

ficando porém sempre incólume a primazia <strong>da</strong> ciência sobre a fé. Neste assunto o teólogo modernista se<br />

utiliza dos mesmos princípios <strong>da</strong> imanência e do simbolismo. Eis com que rapidez ele executa a sua<br />

tarefa: diz o filósofo que o princípio <strong>da</strong> fé é imanente; acrescenta o crente que esse princípio é Deus;<br />

conclui pois o teólogo: logo Deus é imanente no homem. Disto se conclui a imanência teológica. Outra<br />

a<strong>da</strong>ptação: o filósofo tem por certo de que as representações <strong>da</strong> fé são puramente simbólicas; o crente<br />

afirma que o objeto <strong>da</strong> fé é Deus em si mesmo; conclui pois o teólogo: logo as representações <strong>da</strong><br />

reali<strong>da</strong>de divina são simbólicas. Segue-se <strong>da</strong>qui o simbolismo teológico. São erros enormes deveras; e<br />

quanto sejam perniciosos vamos ver de um modo luminoso, observando-lhes as conseqüências. E para<br />

falarmos desde já do simbolismo, como os símbolos são: símbolos com relação ao objeto, e<br />

instrumentos com relação ao crente, dizem os modernistas que o crente, antes de tudo, não deve apegarse<br />

demais à fórmula, que deve servir-lhe só no intuito de unir-se com a ver<strong>da</strong>de absoluta, que a fórmula<br />

ao mesmo tempo revela e esconde; isto é, esforça-se por exprimi-la, sem jamais o conseguir. Querem,<br />

em segundo lugar, que o crente use de tais fórmulas tanto quanto lhe forem úteis, porquanto elas são<br />

<strong>da</strong><strong>da</strong>s para auxílio e não para embaraço; salvo porém o respeito que, por motivos sociais, se deve às<br />

fórmulas pelo público magistério julga<strong>da</strong>s aptas para exprimir a consciência comum, e enquanto o<br />

mesmo magistério não julgar de outro modo.<br />

Quanto à imanência, é na ver<strong>da</strong>de difícil indicar o que pensam os modernistas, pois há entre eles<br />

diversas opiniões. Uns fazem-na consistir em que Deus, operando no homem, está mais intimamente no<br />

homem do que o próprio homem em si mesmo; e esta afirmação sendo bem entendi<strong>da</strong>, não merece<br />

censura. Pretendem outros que a ação divina é uma e a mesma com a ação <strong>da</strong> natureza, como a causa<br />

primeira com a causa segun<strong>da</strong>; e isto já destruiria a ordem sobrenatural. Outros explicam-na, enfim, em<br />

um sentido que tem ressaibos de panteísmo; e estes, a falar a ver<strong>da</strong>de, são mais coerentes com o restante<br />

<strong>da</strong>s sua doutrinas.<br />

A este postulado <strong>da</strong> imanência ain<strong>da</strong> outro se acrescenta, que pode ser chamado <strong>da</strong> permanência divina;<br />

estes entre si diferem do mesmo modo como a experiência priva<strong>da</strong> difere <strong>da</strong> experiência transmiti<strong>da</strong> por<br />

tradição. Esclareçamos isto com um exemplo, e seja ele tirado <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> e dos Sacramentos. Não se pode<br />

crer, dizem, que a <strong>Igreja</strong> e os Sacramentos foram instituídos pelo próprio Cristo. Isto não é permitido<br />

pelo agnosticismo, que em Cristo não vê mais do que um homem, cuja consciência religiosa, como a de<br />

qualquer outro homem, pouco a pouco se formou; não o permite a lei <strong>da</strong> imanência, que não admite,<br />

como eles se exprimem, externas aplicações; proíbe-o também a lei <strong>da</strong> evolução, que para o<br />

desenvolvimento dos germens requer tempo e uma certa série de circunstâncias; proíbe-o enfim a<br />

história, que mostra que tal foi realmente o curso dos acontecimentos. To<strong>da</strong>via deve admitir-se que a<br />

<strong>Igreja</strong> e os Sacramentos foram mediatamente instituídos por Cristo. Mas de que modo? To<strong>da</strong>s as<br />

consciências cristãs, é assim que eles o explicam, estavam virtualmente incluí<strong>da</strong>s na consciência de<br />

Cristo, como a planta na semente. Ora, como os rebentos vivem a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> semente, assim também<br />

afirmar-se deve que todos os cristãos vivem a vi<strong>da</strong> de Cristo. Mas a vi<strong>da</strong> de Cristo, segundo a fé, é<br />

divina; logo também a vi<strong>da</strong> dos cristãos. Se pois esta vi<strong>da</strong>, no correr dos séculos, deu origem à <strong>Igreja</strong> e<br />

aos Sacramentos, com to<strong>da</strong> a razão se poderá dizer que tal origem procede de Cristo e é divina. Pelo<br />

mesmo processo provam que as Escrituras e os dogmas são divinos. E com isto se conclui to<strong>da</strong> a<br />

teologia dos modernistas. É bem pouco, em ver<strong>da</strong>de; porém, mais que abun<strong>da</strong>nte para quem professa<br />

que sempre e em tudo se devem respeitar as conclusões <strong>da</strong> ciência. Ca<strong>da</strong> um entretanto poderá ir por si<br />

mesmo fazendo a aplicação destas teorias aos outros pontos, que vamos expor.<br />

Falamos até agora <strong>da</strong> origem e natureza <strong>da</strong> fé. Mas, como são muito os frutos <strong>da</strong> mesma, sendo os<br />

principais a <strong>Igreja</strong>, o dogma, o culto, os livros sagrados, também a respeito destes devemos saber o que<br />

131


dizem os modernistas. Começando pelo dogma, já sabemos, pelo que ficou dito, qual seja a sua origem e<br />

natureza. O dogma nasce <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de que o crente experimenta de elaborar o seu pensamento<br />

religioso, a fim de tornar sempre mais clara a sua consciência e a de outrem. Consiste todo esse trabalho<br />

em esquadrinhar e polir a fórmula primitiva, não por certo em si mesma e racionalmente, mas segundo<br />

as circunstâncias ou, como de modo pouco inteligível dizem, vitalmente. O resultado disto é que, como<br />

já dissemos, ao redor <strong>da</strong> mesma se vão formando fórmulas secundárias, que mais tarde sintetiza<strong>da</strong>s e<br />

reuni<strong>da</strong>s em um único todo doutrinal, quando forem ratifica<strong>da</strong>s pelo magistério público como<br />

correspondentes a consciência comum, são chamados dogmas. Destas devem cui<strong>da</strong>dosamente distinguirse<br />

as investigações teológicas; as quais porém, posto que não vivem <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do dogma, contudo não são<br />

inúteis, seja para harmonizar a religião com a ciência e dissipar qualquer contraste entre elas, seja para<br />

iluminar a religião e defendê-la; e talvez ain<strong>da</strong> tenham a utili<strong>da</strong>de de preparar um futuro dogma. Do<br />

culto não haveria muito que dizer, se debaixo deste nome não se achassem também os Sacramentos, a<br />

respeito dos quais muito erram os modernistas. Pretendem que o culto resulta de um duplo impulso; pois<br />

que, como vimos, pelo seu sistema, tudo se deve atribuir a íntimos impulsos. O primeiro é <strong>da</strong>r à religião,<br />

alguma coisa de sensível; o segundo é a necessi<strong>da</strong>de de propagá-la, coisa esta que se não poderia realizar<br />

sem uma certa forma sensível e sem atos santificantes, que se chamam Sacramentos. Os modernistas,<br />

porém, consideram os Sacramentos como meros símbolos ou sinais, bem que não destituídos de eficácia.<br />

E para indicar essa eficácia, servem-lhes de exemplo certas palavras que facilmente vingam, por terem<br />

conseguido a força de divulgar certas idéias de grande eficácia, que muito impressionam os ânimos. E<br />

assim como aquelas palavras são destina<strong>da</strong>s a despertar as referi<strong>da</strong>s idéias, assim também o são os<br />

Sacramentos com relação ao sentimento religioso; na<strong>da</strong> mais do que isto. Falariam mais claro afirmando<br />

logo que os Sacramentos foram só instituídos para nutrirem a fé. Mas esta proposição é condena<strong>da</strong> pelo<br />

Concílio de Trento (Sess. VII, de Sacramentis in genere, cân.5): "Se alguém disser que estes<br />

Sacramentos foram só instituídos para nutrirem a fé, seja anátema".<br />

Já alguma coisa ficou dito sobre a natureza e origem dos livros sagrados. Segundo a mente dos<br />

modernistas, bem se pode defini-los uma coleção de experiências, não por certo <strong>da</strong>s que de ordinário<br />

qualquer pessoa adquire, mas <strong>da</strong>s extraordinárias e <strong>da</strong>s mais eleva<strong>da</strong>s que se têm <strong>da</strong>do em uma qualquer<br />

religião. É precisamente isto que os modernistas ensinam dos nossos livros do Antigo e Novo<br />

Testamento.<br />

To<strong>da</strong>via, a estas suas opiniões mui astutamente acrescentam que, embora a experiência deva ser do<br />

tempo presente, pode assim mesmo receber matéria do passado e do futuro, enquanto o crente pela<br />

lembrança revive o passado como se fora o presente, ou já vive do futuro por antecipação. Deste modo<br />

se explica porque os livros históricos e apocalípticos são computados entre os livros sagrados. Assim<br />

pois, nestes livros, Deus fala por meio do crente; mas, como diz a teologia modernista, só por imanência<br />

e permanência vital. Perguntar-lhes-emos, pois, que é feito <strong>da</strong> inspiração?<br />

Respondem-nos que ela, a não ser talvez por uma certa veemência, não se distingue <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de que<br />

o crente experimenta de manifestar vocalmente ou por escrito a própria fé. Nota-se aqui certa<br />

semelhança com a inspiração poética; e neste sentido um deles dizia: Deus está entre nós, e agitados por<br />

ele nós nos inflamamos. Deste modo é que se deve explicar a origem <strong>da</strong> inspiração dos livros sagrados.<br />

Sustentam ain<strong>da</strong> os modernistas que a nenhuma passagem desses livros falta essa inspiração.<br />

Neste ponto alguém poderia julgá-los mais ortodoxos do que certos exegetas recentes, que em parte<br />

restringem a inspiração como, por exemplo, nas tais citações tácitas. Mas isto não passa de aparências e<br />

palavras.<br />

De fato, se segundo as leis do agnosticismo, consideramos a Bíblia um trabalho humano, feito por<br />

homens para utili<strong>da</strong>de de outros homens, seja embora lícito ao teólogo apelidá-la de divina por<br />

imanência, de que modo poderia restringir-se nela a inspiração?<br />

Tal inspiração, de fato, admitem-na os modernistas; não, porém, no sentido católico.<br />

Maior extensão de matéria nos oferece o que os modernistas afirmam <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. Pressupõem que ela é<br />

132


fruto de uma dupla necessi<strong>da</strong>de, uma no crente, principalmente naquele que, tendo tido alguma<br />

experiência original e singular, precisa comunicar a outrem a própria fé; outra na coletivi<strong>da</strong>de, depois<br />

que a fé se tornou comum a muitos, para se reunir em socie<strong>da</strong>de, e conservar, dilatar e propagar o bem<br />

comum. Que é, pois, a <strong>Igreja</strong>? É um parto <strong>da</strong> consciência coletiva, isto é, <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s<br />

consciências individuais que, por virtude <strong>da</strong> permanência vital, estão to<strong>da</strong>s pendentes do primeiro crente,<br />

que para os católicos foi Cristo. Ora, to<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de precisa de uma autori<strong>da</strong>de que a reja, e cujo mister<br />

seja dirigir os membros para o fim comum e conservar com prudência os elementos de coesão, que em<br />

uma socie<strong>da</strong>de religiosa são a doutrina e o culto. Há, por isso, na <strong>Igreja</strong> Católica uma tríplice autori<strong>da</strong>de:<br />

disciplinar, dogmática e cultural. A natureza desta autori<strong>da</strong>de deve ser deduzi<strong>da</strong> <strong>da</strong> sua origem; e <strong>da</strong><br />

natureza, por sua vez, devem coligir-se os direitos e os deveres. Foi erro <strong>da</strong>s eras passa<strong>da</strong>s pensar-se que<br />

a autori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> emanou de um princípio estranho, isto é, imediatamente de Deus; e por isto, com<br />

razão era ela considera<strong>da</strong> autocrática. Estas teorias, porém, já não são para os tempos que correm.<br />

Assim como a <strong>Igreja</strong> emanou <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s consciências, a autori<strong>da</strong>de emana virtualmente <strong>da</strong><br />

mesma <strong>Igreja</strong>. A autori<strong>da</strong>de, portanto, <strong>da</strong> mesma sorte que a <strong>Igreja</strong>, nasce <strong>da</strong> consciência religiosa, e por<br />

esta razão fica dependente <strong>da</strong> mesma; e se faltar a essa dependência, torna-se tirânica. Nos tempos que<br />

correm o sentimento de liber<strong>da</strong>de atingiu o seu pleno desenvolvimento. No estado civil a consciência<br />

pública quis um regime popular. Mas a consciência do homem, assim como a vi<strong>da</strong>, é uma só. Se, pois, a<br />

autori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> não quer suscitar e manter uma intestina guerra nas consciências humanas, há<br />

também mister curvar-se a formas democráticas; tanto mais que, se o não quiser, a hecatombe será<br />

iminente. Loucura seria crer que o vivo sentimento de liber<strong>da</strong>de, ora dominante, retroce<strong>da</strong>.<br />

Reprimindo e enclausurando com violência, transbor<strong>da</strong>rá mais impetuoso, destruindo conjuntamente a<br />

religião e a <strong>Igreja</strong>. São estes os raciocínios dos modernistas que, por isto, estão todos empenhados em<br />

achar o modo de conciliar a autori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> com a liber<strong>da</strong>de dos crentes.<br />

Acresce ain<strong>da</strong> que não é só dentro do seu recinto que a <strong>Igreja</strong> tem com quem entender-se<br />

amigavelmente, mas também fora. Não se acha ela só no mundo a ocupá-lo; ocupam-no também outras<br />

socie<strong>da</strong>des, com as quais não pode deixar de tratar e de relacionar-se. Convém, pois, determinar quais<br />

sejam os direitos e os deveres <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> para com as socie<strong>da</strong>des civis; e bem se vê que tal determinação<br />

deve ser tira<strong>da</strong> <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> mesma <strong>Igreja</strong>, tal qual os modernistas no-la descreveram.<br />

As regras que hão de servir para este fim são as mesmas, que acima serviram para a ciência e a fé.<br />

Tratava-se então de objetos, aqui de fins. Assim pois, como por causa do objeto se disse que a fé e a<br />

ciência são mutuamente estranhas, também o Estado e a <strong>Igreja</strong> são estranhos um à outra, por causa do<br />

fim a que tendem, temporal para o Estado, espiritual para a <strong>Igreja</strong>. Falava-se outrora do temporal sujeito<br />

ao espiritual, de questões mistas, em que a <strong>Igreja</strong> intervinha qual senhora e rainha, porque então se tinha<br />

a <strong>Igreja</strong> como instituí<strong>da</strong> imediatamente por Deus, enquanto autor <strong>da</strong> ordem sobrenatural. Mas estas<br />

crenças já não são admiti<strong>da</strong>s pela filosofia, nem pela história. Deve, portanto, a <strong>Igreja</strong> separar-se do<br />

Estado, e assim também o católico do ci<strong>da</strong>dão. E é por este motivo que o católico, não se importando<br />

com a autori<strong>da</strong>de, com os desejos, com os conselhos e com as ordens <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, e até mesmo<br />

desprezando as suas repreensões, tem direito e dever de fazer o que julgar o mais oportuno ao bem <strong>da</strong><br />

pátria.<br />

Querer, sob qualquer pretexto, impor ao ci<strong>da</strong>dão uma norma de proceder, é por por parte do poder<br />

eclesiástico ver<strong>da</strong>deiro abuso, que se deve repelir com to<strong>da</strong> a energia. - Veneráveis Irmãos, as teorias de<br />

que dimanam todos estes erros são as mesmas que o Nosso Predecessor Pio VI condenou solenemente<br />

na Constituição apostólica Auctorem fidei (Prop. 2. A proposição que afirma que o poder foi <strong>da</strong>do por<br />

Deus à <strong>Igreja</strong>, para que fosse comunicado aos Pastores, que são os seus ministros, para a salvação <strong>da</strong>s<br />

almas, entendi<strong>da</strong> no sentido de que o poder do ministério e regime eclesiástico passa <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de dos<br />

fiéis para os pastores: é heresia. Prop. 3. Também aquele que afirma que o Romano Pontífice é chefe<br />

ministerial, entendi<strong>da</strong> no sentido de que, não de Cristo na pessoa do bem-aventurado Pedro, mas <strong>da</strong><br />

<strong>Igreja</strong> recebeu como sucessor de Pedro, ver<strong>da</strong>deiro Vigário de Cristo e chefe de to<strong>da</strong> a <strong>Igreja</strong>: é<br />

herética).<br />

133


No entanto, à escola dos modernistas não basta que o Estado seja separado <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. Assim como a fé<br />

deve subordinar-se à ciência, quanto aos elementos fenomênicos, assim também nas coisas temporais a<br />

<strong>Igreja</strong> tem que sujeitar-se ao Estado. Isto não afirmam, talvez muito abertamente; mas por força de<br />

raciocínio são obrigados a admiti-lo. Em ver<strong>da</strong>de, admitido que o Estado tenha absoluta soberania em<br />

tudo o que é temporal, se suceder que o crente, não satisfeito com a religião do espírito, se manifeste em<br />

atos exteriores, como, por exemplo, em administrar ou receber os Sacramentos, isto já deve<br />

necessariamente cair sob o domínio do Estado. Postas as coisas neste pé, para que servirá a autori<strong>da</strong>de<br />

eclesiástica? Visto que esta não tem razão de ser sem os atos externos, estará em tudo e por tudo sujeita<br />

ao poder civil. É esta inelutável conseqüência que leva muitos dentre os protestantes liberais a<br />

desembaraçar-se de todo o culto externo e até de to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de religiosa externa, procurando pôr em<br />

voga uma religião, que chamam individual. E se os modernistas, desde já, não se atiram francamente<br />

a esses extremos, insistem pelo menos em que a <strong>Igreja</strong> se deixe espontaneamente conduzir por eles<br />

até onde pretendem levá-la e se amolde às formas civis. Isto quanto à autori<strong>da</strong>de disciplinar.<br />

Mais grave e perniciosos são suas afirmações relativamente à autori<strong>da</strong>de doutrinal e dogmática. Assim<br />

pensam eles acerca do magistério eclesiástico: a socie<strong>da</strong>de religiosa não pode ser uma, sem uni<strong>da</strong>de de<br />

consciência nos seus membros e uni<strong>da</strong>de de fórmula. Mas esta dupla uni<strong>da</strong>de requer por assim dizer um<br />

entendimento comum, a que compete achar e determinar a fórmula que melhor correspon<strong>da</strong> à<br />

consciência comum; e a esse entendimento convém ain<strong>da</strong> atribuir a autori<strong>da</strong>de conveniente, para poder<br />

impor à comuni<strong>da</strong>de a fórmula estabeleci<strong>da</strong>. Nesta união e quase fusão <strong>da</strong> mente designadora de fórmula<br />

e <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de que a impõe, acham os modernistas o conceito de magistério eclesiástico. Visto, pois,<br />

que o magistério, afinal de contas, não é mais do que um produto <strong>da</strong>s consciências individuais, e só para<br />

cômodo <strong>da</strong>s mesmas consciências lhe é atribuído ofício público, resulta necessariamente que ele<br />

depende dessas consciências, e, por conseguinte, deve inclinar-se a formas democráticas. Proibir,<br />

portanto, que as consciências dos indivíduos manifestem publicamente as suas necessi<strong>da</strong>des, e impedir à<br />

crítica o caminho que leva o dogma a necessárias evoluções, não é fazer uso de um poder <strong>da</strong>do para o<br />

bem público, mas abusar dele. - Da mesma sorte, no próprio uso do poder deve haver modo e medi<strong>da</strong>. É<br />

quase tirania condenar um livro sem que o autor o saiba, e sem admitir nenhuma explicação nem<br />

discussões. Ain<strong>da</strong> aqui, portanto, deve adotar-se um meio termo, que ao mesmo tempo salve a<br />

autori<strong>da</strong>de e a liber<strong>da</strong>de. E nesse ínterim o católico poderá agir de tal sorte que, protestando o seu<br />

profundo respeito à autori<strong>da</strong>de, continue sempre a trabalhar à sua vontade. Em geral admoestam a <strong>Igreja</strong><br />

de que, sendo o fim do poder eclesiástico todo espiritual, não lhe assentam bem essas exibições de<br />

aparato exterior e de magnificência, com que sói comparecer às vistas <strong>da</strong> multidão. E quando assim o<br />

dizem, procuram esquecer que a religião, conquanto essencialmente espiritual, não pode restringir-se<br />

exclusivamente às coisas do espírito, e que as honras presta<strong>da</strong>s à autori<strong>da</strong>de espiritual se referem à<br />

pessoa de Cristo que a instituiu.<br />

Para concluir to<strong>da</strong> esta matéria <strong>da</strong> fé e seus diversos frutos, resta-nos por fim, Veneráveis Irmãos, ouvir<br />

as teorias dos modernistas acerca do desenvolvimento dos mesmos. Têm eles por princípio geral que<br />

numa religião viva, tudo deve ser mutável e mu<strong>da</strong>r-se de fato. Por aqui abrem caminho para uma<br />

<strong>da</strong>s suas principais doutrinas, que é a evolução. O dogma, pois, a <strong>Igreja</strong>, o culto, os livros sagrados<br />

e até mesmo a fé, se não forem coisas mortas, devem sujeitar-se às leis <strong>da</strong> evolução. Quem se<br />

lembrar de tudo o que os modernistas ensinam sobre ca<strong>da</strong> um desses assuntos, já não ouvirá com<br />

pasmo a afirmação deste princípio. Posta a lei <strong>da</strong> evolução, os próprios modernistas passam a<br />

descrever-nos o modo como ela se efetua. E começam pela fé. Dizem que a forma primitiva <strong>da</strong> fé foi<br />

rudimentar e indistintamente comum a todos os homens; porque se originava <strong>da</strong> própria natureza e vi<strong>da</strong><br />

do homem. Progrediu por evolução vital; quer dizer, não pelo acréscimo de novas formas, vin<strong>da</strong>s de<br />

fora, mas por uma crescente penetração do sentimento religioso na consciência. Esse mesmo progresso<br />

se realizou de duas maneiras: primeiro negativamente, eliminando todo o elemento estranho, como seja<br />

o sentimento de família ou de nacionali<strong>da</strong>de; em segui<strong>da</strong> positivamente, com o aperfeiçoamento<br />

intelectual e moral do homem, donde resultou maior clareza para a idéia divina e excelência para o<br />

sentimento religioso. As mesmas causas que serviram para explicar a origem <strong>da</strong> fé, explicam também o<br />

seu progresso. A estas, porém, devem acrescentar-se aqueles gênios religiosos, a que chamamos<br />

profetas, dos quais o mais iminente foi Cristo; seja porque eles na sua vi<strong>da</strong> ou nas suas palavras tinham<br />

algo de misterioso, que a fé atribuía à divin<strong>da</strong>de, seja porque alcançaram novas e desconheci<strong>da</strong>s<br />

134


experiências em plena harmonia com as exigências do seu tempo.<br />

O progresso do dogma nasce principalmente <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de vencer os obstáculos <strong>da</strong> fé, derrotar os<br />

adversários, repelir as dificul<strong>da</strong>des. Deve-se ain<strong>da</strong> acrescentar um contínuo esforço, para se penetrar<br />

ca<strong>da</strong> vez mais nos arcanos <strong>da</strong> fé. Deixando de parte outros exemplos, assim sucedeu com Cristo: aquilo<br />

de divino que a fé a princípio lhe atribuía, foi-se gradualmente aumentando, até que definitivamente foi<br />

tido por Deus.<br />

O principal estímulo de evolução para o culto, é a necessi<strong>da</strong>de de se a<strong>da</strong>ptar aos costumes e tradições<br />

dos povos e bem assim de gozar <strong>da</strong> eficácia de certos atos, já admitidos pelo uso. A <strong>Igreja</strong> acha<br />

finalmente a razão do seu evoluir na necessi<strong>da</strong>de de se acomo<strong>da</strong>r às condições históricas e às formas do<br />

governo publicamente adota<strong>da</strong>s. Isto dizem os modernistas de ca<strong>da</strong> um <strong>da</strong>queles princípios. E aqui,<br />

antes de passarmos adiante, queremos insistir em que se atente nessa doutrina <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des, porque<br />

ela, além do que já vimos, é como que a base e o fun<strong>da</strong>mento desse famoso método que chamam<br />

histórico.<br />

Detendo-nos ain<strong>da</strong> na doutrina <strong>da</strong> evolução, observamos que, embora as necessi<strong>da</strong>des sirvam de<br />

estímulo para a evolução, se ela não tivesse outros estímulos senão esses, facilmente transporia os<br />

limites <strong>da</strong> tradição, e assim desliga<strong>da</strong> do primitivo princípio vital, já não levaria ao progresso, mas<br />

à ruína. Estu<strong>da</strong>ndo, pois, mais a fundo o pensar dos modernistas, deve-se dizer que a evolução é como o<br />

resultado de duas forças que se combatem, sendo uma delas progressiva e outra conservadora. A força<br />

conservadora está na <strong>Igreja</strong> e é a tradição. O exercício desta é próprio <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de religiosa, quer de<br />

direito, pois que é de natureza de to<strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de adstringir-se o mais possível à tradição; quer de fato,<br />

pois que, retraí<strong>da</strong> <strong>da</strong>s contingências <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, pouco ou talvez na<strong>da</strong> sente dos estímulos que impelem ao<br />

progresso. Ao contrário, a força que, correspondendo às necessi<strong>da</strong>des, arrasta ao progresso, oculta-se e<br />

trabalha nas consciências individuais, principalmente naquelas que, como eles dizem, se acham mais em<br />

contato com vi<strong>da</strong>. Neste ponto, Veneráveis Irmãos, já se percebe o despontar <strong>da</strong>quela<br />

perniciosíssima doutrina que introduz na <strong>Igreja</strong> o laicato como fator de progresso.<br />

De uma espécie de convenção entre as forças de conservação e de progresso, isto é, entre a autori<strong>da</strong>de e<br />

as consciências individuais, nascem as transformações e os progressos. As consciências individuais, ou<br />

pelo menos algumas delas, fazem pressão sobre a consciência coletiva; e esta, por sua vez, sobre a<br />

autori<strong>da</strong>de, obrigando-a a capitular e pactuar. Admitido isto, não é de admirar ver-se como os<br />

modernistas pasmam por serem admoestados ou punidos. O que se lhes imputou como culpa,<br />

consideram um dever sagrado. Ninguém melhor do que eles conhecem as necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s consciências,<br />

porque são eles e não a autori<strong>da</strong>de eclesiástica, os que se acham mais em contato com elas. Julgam<br />

quase ter em si encarna<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s essas necessi<strong>da</strong>des; <strong>da</strong>í a persuasão que têm de falar e escrever sem<br />

medo. Na<strong>da</strong> se lhes dá <strong>da</strong>s censuras <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de; porque se sentem fortes com a consciência do dever,<br />

e por íntima experiência sabem que merecem aplausos e não censuras. Nem tão pouco ignoram que os<br />

progressos não se alcançam sem combates, nem há combates sem vítimas, como o foram os profetas e<br />

Cristo. Ain<strong>da</strong> que a autori<strong>da</strong>de os maltrate, não a odeiam; sabem que assim está cumprindo o seu dever.<br />

Lamentam apenas que se lhes não prestem ouvidos, porque isto será causa de atraso ao progresso dos<br />

espíritos; mas, há de vir à hora de se romperem as barreiras, porque as leis <strong>da</strong> evolução poderão ser<br />

refrea<strong>da</strong>s; quebra<strong>da</strong>s, porém, nunca. Traçado este caminho, eles continuam; continuam, com<br />

desprezo <strong>da</strong>s repreensões e condenações, ocultando audácia inaudita com o véu de aparente<br />

humil<strong>da</strong>de. Simulam finalmente curvar a cabeça; mas, no entanto a mão e o pensamento<br />

prosseguem o seu trabalho com ousadia ain<strong>da</strong> maior. E assim avançam com to<strong>da</strong> a reflexão e<br />

prudência, tanto porque estão persuadidos de que a autori<strong>da</strong>de deve ser estimula<strong>da</strong> e não<br />

destruí<strong>da</strong>, como também porque precisam de permanecer no seio <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, para conseguirem<br />

pouco a pouco assenhorear-se <strong>da</strong> consciência coletiva, transformando-a; mal percebem porém,<br />

quando assim se exprimem, que estão confessando que a consciência coletiva diverge dos seus<br />

sentimentos, e que portanto não têm direito de declarar-se intérpretes <strong>da</strong> mesma.<br />

Na<strong>da</strong>, portanto, Veneráveis Irmãos, se pode dizer estável ou imutável na <strong>Igreja</strong>, segundo o modo<br />

de agir e de pensar dos modernistas. Para o que também não lhes faltaram precursores, esses de quem<br />

135


o nosso predecessor Pio IX escreveu: estes inimigos <strong>da</strong> revelação divina, que exaltam com os maiores<br />

louvores o progresso humano, desejariam com temerário e sacrílego atrevimento introduzi-lo na<br />

religião católica, como se a mesma não fosse obra de Deus, mas obra dos homens, ou algum sistema<br />

filosófico, que se possa aperfeiçoar por meios humanos (Enc. "Qui pluribus", 9 de nov. de 1846).<br />

Acerca <strong>da</strong> revelação particularmente, e do dogma, os modernistas na<strong>da</strong> acharam de novo; pois, a sua<br />

mesma doutrina, antes deles, já fora condena<strong>da</strong> no Silabo de Pio IX nestes termos: A divina revelação é<br />

imperfeita e por isto está sujeita a contínuo e indefinido progresso, correspondente ao <strong>da</strong> razão humana<br />

(Syllabo, proposição condena<strong>da</strong> 5); e mais solenemente ain<strong>da</strong> a proscreve o Concílio Vaticano I por<br />

estas palavras: A doutrina <strong>da</strong> fé por Deus revela<strong>da</strong>, não é proposta à inteligência humana para ser<br />

aperfeiçoa<strong>da</strong>, como uma doutrina filosófica, mas é um depósito confiado à esposa de Cristo, para ser<br />

guar<strong>da</strong>do com fideli<strong>da</strong>de e declarado com infalibili<strong>da</strong>de. Segue-se, pois, que também se deve<br />

conservar sempre aquele mesmo sentido dos sagrados dogmas, já uma vez declarado pela Santa <strong>Mãe</strong><br />

<strong>Igreja</strong>, nem se deve jamais afastar <strong>da</strong>quele sentido sob pretexto e em nome de mais eleva<strong>da</strong><br />

compreensão (Const. "Dei Fillius", cap. IV). De maneira alguma poderá seguir-se <strong>da</strong>í que fique<br />

impedi<strong>da</strong> a explicação dos nossos conhecimentos, mesmo relativamente à fé; ao contrário, isto a auxilia<br />

e promove. Neste sentido é que o Concílio prossegue dizendo: Cresça, pois, e com ardor progri<strong>da</strong> a<br />

compreensão, a ciência, a sapiência tanto de ca<strong>da</strong> um como de todos, tanto de um só homem como<br />

de to<strong>da</strong> a <strong>Igreja</strong> com o passar <strong>da</strong>s i<strong>da</strong>des e dos séculos; mas no seu gênero somente, isto é, no<br />

mesmo dogma, no mesmo sentido, no mesmo parecer (Lugar citado).<br />

O modernista historiador e crítico<br />

Já entre os sequazes do modernismo consideramos o filósofo, o crente e o teólogo; resta agora<br />

examinarmos também o historiador, o crítico e o apologista.<br />

Há certos modernistas que se atiram a escrever história, que parecem muito preocupados em não passar<br />

por filósofos e chegam até a declarar-se totalmente alheios aos conhecimentos filosóficos. É isto um<br />

rasgo de finíssima astúcia; para que ninguém os julgue embebidos de preconceitos filosóficos e assim<br />

pareçam, como eles dizem, completamente objetivos. Em ver<strong>da</strong>de, porém, a sua história ou crítica não<br />

fala senão filosofia e as suas deduções procedem por bom raciocínio dos seus princípios filosóficos. Isto<br />

se faz manifesto a quem refletir com ponderação. Os três primeiros cânones desses tais historiadores ou<br />

críticos são aqueles mesmos princípios que acima deduzimos dos filósofos, isto é, o agnosticismo, o<br />

teorema <strong>da</strong> transfiguração <strong>da</strong>s coisas pela fé, e o outro que Nos pareceu poder denominar <strong>da</strong><br />

desfiguração. Vamos examinar-lhes já, em separado, as conseqüências. Segundo o agnosticismo, a<br />

história, bem como a ciência, só trata de fenômenos. Por conseguinte, tanto Deus como qualquer<br />

intervenção divina nas causas humanas deve ser relegado para a fé, como de sua exclusiva competência.<br />

Se tratar, pois, de uma causa em que intervier duplo elemento, isto é, o divino e o humano, como Cristo,<br />

a <strong>Igreja</strong>, os Sacramentos e coisas semelhantes, devem separar-se e discriminar-se tais elementos, de tal<br />

modo que o que é humano passe para a história, o que é divino para a fé. É este o motivo <strong>da</strong> distinção<br />

que soem fazer os modernistas entre um Cristo <strong>da</strong> história e um Cristo <strong>da</strong> fé, e uma <strong>Igreja</strong> <strong>da</strong><br />

história e uma <strong>Igreja</strong> <strong>da</strong> fé, entre Sacramentos <strong>da</strong> história e Sacramentos <strong>da</strong> fé, e assim por diante.<br />

Em segui<strong>da</strong>, esse mesmo elemento humano que vemos o historiador tomar para si, tal qual se manifesta<br />

nos monumentos, deve ser tido como elevado pela fé, por transfiguração, acima <strong>da</strong>s condições<br />

históricas. Convém, portanto, subtrair-lhe de novo os acréscimos feitos pela fé, e restituí-los à mesma fé<br />

e à história <strong>da</strong> fé;<br />

Assim se deve proceder, tratando-se de Jesus Cristo, em tudo o que excede as condições de homem, seja<br />

natural, como a psicologia no-la apresenta, seja conforme as condições do lugar e tempo em que viveu.<br />

Demais, em virtude do terceiro princípio filosófico, também as coisas que não saem fora <strong>da</strong>s condições<br />

<strong>da</strong> história, fazem-nas eles como que passar pela joeira, e eliminam, relegando à fé, tudo o que, a juízo<br />

seu não entrar na lógica dos fatos nem for conforme à índole <strong>da</strong>s pessoas. Assim, querem que Cristo não<br />

tenha dito aquelas coisas que parecem não estar ao alcance do vulgo.<br />

Por isto eliminam <strong>da</strong> sua história real e transportam para a fé to<strong>da</strong>s as alegorias que se encontram nos<br />

seus discursos. E com que critério, perguntamos, se guiam eles nesta escolha? Pela consideração do<br />

136


caráter do homem, <strong>da</strong>s condições em que se achou a socie<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> educação, <strong>da</strong>s circunstâncias de ca<strong>da</strong><br />

fato; em uma palavra, por uma norma que, se bem a entendemos, se resume em mero subjetivismo. Isto<br />

é, procuram apoderar-se <strong>da</strong> pessoa de Jesus Cristo e como que revestir-se dela, e assim lhe atribuem,<br />

nem mais nem menos, tudo o que eles mesmos fariam em circunstâncias idênticas. Assim, pois, para<br />

concluirmos, a priori, e partindo de certos princípios que admitem, embora afirmem que os<br />

ignoram, na história real afirmam que Cristo nem foi Deus, nem fez coisa alguma de divino; e<br />

como homem, que ele fez e disse apenas aquilo que eles, referindo-se ao tempo em que viveu,<br />

acham que podia ter feito e dito.<br />

Assim, pois, como a história recebe <strong>da</strong> filosofia as suas conclusões, assim também a crítica, por sua vez,<br />

as recebe <strong>da</strong> história. O crítico, seguindo a pista do historiador, divide todos os documentos em duas<br />

partes. Depois de fazer o tríplice corte acima referido, passa todo o restante para a história real, e entrega<br />

a outra parte à história <strong>da</strong> fé, ou noutros termos, à história interna. Os modernistas põem grande<br />

empenho em distinguir estas duas histórias; e, note-se bem, contrapõem à história <strong>da</strong> fé a história<br />

real, enquanto real. Daí resulta, como já vimos, um duplo Cristo; um real, e outro que, de fato,<br />

nunca existiu, mas pertence à fé; um que viveu em determinado lugar e tempo, outro que se<br />

encontra nas piedosas meditações <strong>da</strong> fé; tal, por exemplo, é o Cristo descrito no Evangelho de São<br />

João, o qual Evangelho, pretendem-no os modernistas, do princípio ao fim é mera meditação.<br />

Mas o domínio <strong>da</strong> filosofia na história ain<strong>da</strong> vai além. Feita, como dissemos, a divisão dos documentos<br />

em duas partes, apresenta-se de novo o filósofo com o seu princípio de imanência vital, e prescreve que<br />

tudo o que se acha na história <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> deve ser aplicado por emanação vital. E visto como a causa ou<br />

condição de qualquer emanação vital procede de alguma necessi<strong>da</strong>de, todo acontecimento deve ser a<br />

conseqüência de uma necessi<strong>da</strong>de, e deve considerar-se historicamente posterior a ela.<br />

Que faz então o historiador? Entregue de novo ao estudo dos documentos, tanto nos livros sacros quanto<br />

nos demais, vai formando um catálogo de ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des que por sua vez se apresentaram à<br />

<strong>Igreja</strong>, quer relativos ao dogma, quer ao culto ou a outras matérias. Feito este catálogo, passa-o ao<br />

crítico. Este, pois, manuseia os documentos destinados à história <strong>da</strong> fé e os distribui de i<strong>da</strong>de em i<strong>da</strong>de,<br />

de maneira que correspon<strong>da</strong>m ao elenco que lhe foi <strong>da</strong>do; e tudo isto faz tendo sempre em vista o<br />

preceito de que o fato é precedido <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de, e a narração, do fato.<br />

Bem poderia ser que certas partes <strong>da</strong> Escritura Sagra<strong>da</strong>, como as Epístolas, também fossem um fato<br />

criado pela necessi<strong>da</strong>de. Seja como for, o certo, porém, é que não se pode determinar a i<strong>da</strong>de de nenhum<br />

documento, senão pela época em que ca<strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de se manifestou na <strong>Igreja</strong>. Convém ain<strong>da</strong> distinguir<br />

entre o começo de um fato e o seu desenrolar; porquanto, o que pode nascer em um dia, não cresce<br />

senão com o tempo. Esta é a razão pela qual o crítico ain<strong>da</strong> deve bipartir os documentos, já dispostos<br />

segundo as i<strong>da</strong>des, segregando os que se referem às origens de um fato dos que pertencem ao seu<br />

desenvolvimento, e dispondo de novo estes últimos em ordem cronológica.<br />

Feito isto, reaparece o filósofo e obriga o historiador a conformar os seus estudos com os preceitos e as<br />

leis <strong>da</strong> evolução. E o historiador, conformando-se, torna a esquadrinhar os documentos; a procurar com<br />

cui<strong>da</strong>do as circunstâncias em que se achou a <strong>Igreja</strong>, no correr dos tempos, as necessi<strong>da</strong>des internas e<br />

externas que a impeliram ao progresso, os obstáculos que se levantaram, numa palavra, tudo o que puder<br />

servir para determinar o modo pelo qual se realizaram as leis <strong>da</strong> evolução. Concluído este trabalho, ele<br />

esboça em suas linhas principais a história do desenvolvimento dos fatos. Segue-se-lhe o crítico, que a<br />

este esqueleto histórico a<strong>da</strong>pta os demais documentos.<br />

Escreve-se então a narração; está completa a história; - mas agora perguntamos: essa história a quem se<br />

deve atribuir? Ao historiador ou ao crítico? A nenhum dos dois, por certo; mas ao filósofo. Tudo foi<br />

exarado por apriorismo, e certamente por um apriorismo abun<strong>da</strong>nte em heresias. São na ver<strong>da</strong>de para<br />

lastimar esses homens, dos quais o Apóstolo disse: “Desvairaram em seus pensamentos...gabando-se<br />

de sábios, estultos é que se tornaram” (Rom 1,21-22); mas ao mesmo tempo provocam a indignação,<br />

quando acusam a <strong>Igreja</strong> de corromper os documentos para fazê-los servir aos próprios interesses. Isto é,<br />

137


atiram sobre a <strong>Igreja</strong> aquilo de que a própria consciência manifestamente os acusa.<br />

Dessa desagregação e <strong>da</strong> disseminação dos documentos pelo decurso do tempo, segue-se naturalmente<br />

que os livros sagrados não podem absolutamente ser atribuídos aos autores de quem trazem o nome. E<br />

esta é a razão porque os modernistas não hesitam em afirmar a miúdo que esses livros, especialmente o<br />

Pentateuco e os três primeiros Evangelhos, de uma breve narração primitiva, foram pouco a pouco se<br />

avolumando por acréscimos e interpolações, seja a modo de interpretações teológicas ou alegóricas, seja<br />

a modo de transições para ligarem entre si as diversas partes.<br />

Noutros termos mais breves e mais claros, querem que se deva admitir a evolução vital dos livros sacros,<br />

nasci<strong>da</strong> <strong>da</strong> evolução <strong>da</strong> fé e correspondente à mesma. Acrescentam ain<strong>da</strong>, que os sinais de tal evolução<br />

aparecem tão manifestos, que se poderia escrever a história dos mesmos. E chegam mesmo a escrever<br />

essa história, e com tanta persuasão que parecem eles mesmos ter visto com seus próprios olhos ca<strong>da</strong><br />

um dos escritores, que nos diversos séculos estenderam a mão sobre a Escritura para ampliá-la. Para<br />

confirmá-lo, recorrem à crítica que chamam textual, e se esforçam em persuadir que este ou aquele fato,<br />

estes ou aqueles dizeres não se acham no seu lugar, e aduzem ain<strong>da</strong> outras razões deste mesmo quilate.<br />

Dir-se-ia, na ver<strong>da</strong>de, que se preestabeleceram certos tipos de narrações ou alocuções que servem de<br />

critério certíssimo para julgar se uma coisa está no seu lugar ou fora dele. Com semelhante método,<br />

julgue quem puder fazê-lo, se eles podem ser capazes de discernir. E, no entanto, quem os ouvir<br />

discorrer a respeito dos seus estudos relativos à Escritura, na qual lograram descobrir tantas<br />

incongruências, é levado a crer que antes deles ninguém manuseou aqueles livros, e que não houve uma<br />

infinita multidão de Doutores, em talento, em sabedoria, e na santi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> muito superiores a eles,<br />

que os esquadrinharam em todos os sentidos.<br />

E para esses sapientíssimos doutores tão longe estavam as Sagra<strong>da</strong>s Escrituras de ter alguma coisa<br />

de repreensível que, ao contrário, quanto mais eles as aprofun<strong>da</strong>vam, tanto mais agradeciam a<br />

Deus ter-se dignado de assim falar aos homens.<br />

Mas é que os nossos doutores não se entregaram ao estudo <strong>da</strong> Escrituras com os meios de que se<br />

proviram os modernistas! Isto é, não se deixaram amestrar nem guiar por uma filosofia que tem a<br />

negação de Deus por ponto de parti<strong>da</strong>, e nem se arvoraram a si mesmos em norma de bem julgar.<br />

Parece-nos, pois, já estar bem declarado o método histórico dos modernistas. O filósofo abre o caminho;<br />

segue-o o historiador; logo após, por seu turno, a crítica interna e textual. E como é próprio <strong>da</strong> primeira<br />

causa comunicar sua virtude as segun<strong>da</strong>s, claro está que tal crítica não é uma qualquer crítica, mas por<br />

direito deve chamar-se agnóstica, imanentista, evolucionista; e por isso quem a professa ou dela se<br />

utiliza, professa os erros que se contém nela e se põe em oposição com a doutrina católica. Por esta<br />

razão é muito de admirar que tal gênero de crítica possa hoje ter tão grande aceitação entre católicos.<br />

Isto assim sucede por dois motivos: primeiro é a aliança íntima que há entre os historiadores e críticos<br />

desse gênero, não obstante qualquer diversi<strong>da</strong>de de nacionali<strong>da</strong>de ou de crenças; o outro é a incrível<br />

audácia com que, qualquer parvoíce que algum deles diga, é pelos outros sublima<strong>da</strong> e decanta<strong>da</strong> como<br />

progresso <strong>da</strong> ciência; se alguém o negar leva a pecha de ignorante; se, porém, o aceitar e defender,<br />

será coberto de louvores. Disto se segue que não poucos ficam enganados; entretanto, se melhor<br />

considerassem as coisas, ficariam, ao contrário, horrorizados. Desta prepotente imposição dos<br />

extraviados, deste incauto assentimento dos pusilânimes produz-se uma certa corrupção de<br />

atmosfera, que penetra em to<strong>da</strong> a parte e difunde o contágio. Mas passemos ao apologista.<br />

O modernista apologeta<br />

Entre os modernistas também este depende duplamente do filósofo. Primeiro indiretamente, tomando<br />

para matéria a história escrita sob a direção do filósofo, como vimos; depois diretamente, aceitando do<br />

filósofo os princípios e os juízos. Vem <strong>da</strong>qui o preceito comum <strong>da</strong> escola modernista, que a nova<br />

apologética deve dirimir as controvérsias religiosas por meio de in<strong>da</strong>gações históricas e psicológicas.<br />

Por isso, esses apologetas começam o seu trabalho advertindo os racionalistas de que não defendem a<br />

religião com os livros sacros, nem com as histórias vulgarmente usa<strong>da</strong>s na <strong>Igreja</strong> e escritas à mo<strong>da</strong><br />

138


antiga; fazem-no, porém, com a história real, composta segundo os preceitos modernos e com método<br />

moderno. Assim o dizem, não como se argumentassem ad hominem, mas porque de fato acreditam que<br />

só em tal história se acha a ver<strong>da</strong>de. Quando escrevem também não se preocupam de insistir na própria<br />

sinceri<strong>da</strong>de; já são bastante conhecidos entre os racionalistas, já foram louvados como combatentes sob<br />

um mesmo estan<strong>da</strong>rte; e desses louvores, que um ver<strong>da</strong>deiro católico deverá rechaçar, eles muito se<br />

lisonjeiam e se servem como de escudo contra as censuras <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. Vejamos como qualquer um<br />

deles faz praticamente semelhante apologética. O fim que se propõe é de conduzir o homem que ain<strong>da</strong><br />

não crê, a sentir em si aquela experiência <strong>da</strong> religião católica que, para os modernistas, é base <strong>da</strong> fé. Há<br />

dois caminhos a seguir: um objetivo e o outro subjetivo. O primeiro parte do agnosticismo, e tende a<br />

demonstrar que na religião, especialmente na católica, há tal energia vital, que obriga todo sábio<br />

psicólogo e historiador a admitir que na sua história se esconde alguma coisa incógnita. Para este fim é<br />

mister provar que a religião católica, qual hoje existe, é a mesma fun<strong>da</strong><strong>da</strong> por Cristo, ou melhor, é o<br />

progressivo desenvolvimento <strong>da</strong> semente a que Cristo deu origem. Convém, por conseguinte, antes de<br />

tudo, determinar qual seja essa semente.<br />

Pretendem eles fazê-lo pela seguinte fórmula: Cristo anunciou a vi<strong>da</strong> do reino de Deus, a realizar-se em<br />

breve, sendo ele o seu Messias, isto é, o executor e o organizador man<strong>da</strong>do por Deus. Depois disto<br />

convirá demonstrar como essa semente, sempre imanente na religião católica e permanente, devagar e a<br />

passo com a história se foi desenvolvendo e a<strong>da</strong>ptando às sucessivas circunstâncias, assimilando<br />

vitalmente tudo o que nas mesmas lhe apresentavam de útil às formas doutrinais, cultuais, eclesiásticas;<br />

superando ao mesmo tempo os obstáculos, desbaratando os inimigos, e sobrevindo a to<strong>da</strong> sorte de<br />

contradições e lutas. Depois que to<strong>da</strong>s estas coisas, a saber, os obstáculos, os inimigos, as perseguições,<br />

os combates, bem como a vitali<strong>da</strong>de e fecundi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, se tiverem mostrado tais que, conquanto na<br />

história <strong>da</strong> mesma se vejam observa<strong>da</strong>s as leis <strong>da</strong> evolução, to<strong>da</strong>via não são bastantes ain<strong>da</strong> para uma<br />

explicação cabal, virá pela frente o incógnito, que se apresentará por si mesmo. Assim dizem eles.<br />

Contudo, em todo este raciocinar há uma coisa que não percebem; que aquela determinação <strong>da</strong> semente<br />

primitiva é fruto exclusivo do apriorismo do filósofo agnóstico e evolucionista, e que a própria semente<br />

é por ele tão gratuitamente defini<strong>da</strong>, que deveras parece convir à sua causa.<br />

Mas esses apologetas, ao passo que com os referidos argumentos procuram asseverar e persuadir a<br />

religião católica, também por outra parte concedem que ela contém muitas coisas que desagra<strong>da</strong>m. E<br />

também, com um prazer mal disfarçado, publicamente propalam que também em matéria dogmática<br />

encontram erros e contradições; não obstante acrescentarem que tais erros e contradições só merecem<br />

desculpas, mas, e é o que mais se admira, devem ser legitimados e justificados. Assim também nas<br />

Sagra<strong>da</strong>s Escrituras, afirmam-no, ocorrem muitos erros em matéria científica e histórica. Mas aqueles<br />

livros, acrescentam, não tratam de ciência ou história, e sim de religião e de moral. A ciência e a história<br />

ali são meros invólucros, que contornam as experiências religiosas e morais, para mais facilmente se<br />

divulgarem no povo; e como este povo não poderia entender de outro modo, não lhe seria vantajoso,<br />

porém nocivo, estar de posse de uma ciência ou de uma história mais perfeita. Demais, continuam a<br />

dizer, os livros sagrados, porque religiosos por natureza, têm necessariamente a sua vi<strong>da</strong>; a vi<strong>da</strong> também<br />

por sua vez tem a sua ver<strong>da</strong>de e a sua lógica, certamente diversa <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> lógica racional, e até<br />

mesmo de ordem assaz diversa, a saber: é ver<strong>da</strong>de de comparação e proporção, quer com o ambiente em<br />

que se vive, quer com o fim para que se vive. Chegam enfim a tal extremo, que se abalançam a afirmar,<br />

sem a menor restrição, que tudo o que se explica pela vi<strong>da</strong> é ver<strong>da</strong>deiro e legítimo. – Nós, Veneráveis<br />

Irmãos, para quem a ver<strong>da</strong>de é uma e única, e consideramos os livros sacros como escritos por<br />

inspiração do Espírito Santo e tendo Deus por autor (Conc. Vat. I De Ver. C.2), afirmamos que isto<br />

equivale a atribuir a Deus a mentira de utili<strong>da</strong>de ou oficiosa; e com as palavras de Santo Agostinho<br />

protestamos que, uma vez admiti<strong>da</strong> em excelsa autori<strong>da</strong>de qualquer mentira oficiosa, não haverá nem<br />

uma pequena parte <strong>da</strong>queles livros que, parecendo a alguém difícil de praticar ou incrível de crer, com a<br />

mesma perniciosíssima regra não seja atribuí<strong>da</strong> a conselho ou utili<strong>da</strong>de do men<strong>da</strong>z autor (Epíst. 28). E<br />

<strong>da</strong>í resultará o que o Santo Doutor acrescenta: Neles, isto é, nos livros sacros, ca<strong>da</strong> um <strong>da</strong>rá crédito ao<br />

que quiser, e rejeitará o que não lhe agra<strong>da</strong>r. Mas esses apologetas não se preocupam com isto.<br />

Concedem ain<strong>da</strong> que nos livros sacros para sustentar uma doutrina qualquer, se acham por vezes razões<br />

que não se apóiam em nenhum razoável fun<strong>da</strong>mento; a estes gêneros pertencem as que se fun<strong>da</strong>m nas<br />

profecias. Contudo eles também como artifício de pregação, que são legitimados pela vi<strong>da</strong>. Que mais?<br />

139


Concedem, pior ain<strong>da</strong>, sustentam que o próprio Jesus Cristo errou manifestamente, indicando o tempo<br />

<strong>da</strong> vin<strong>da</strong> do reino de Deus; e nem é para admirar, dizem, pois então ele ain<strong>da</strong> se achava sujeito às leis <strong>da</strong><br />

vi<strong>da</strong>! – Posto isto, que será dos dogmas <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>? Também estes estão cheios de evidentes contradições;<br />

mas, além de serem aceitos pela lógica <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, não se acham em oposição com a ver<strong>da</strong>de simbólica;<br />

pois, neles se trata do infinito, que tem infinitos aspectos. Enfim, tanto eles aprovam e defendem essas<br />

teorias, que não põem em dúvi<strong>da</strong> em declarar que se não pode render ao Infinito maior preito de<br />

homenagens, do que afirmando acerca do mesmo coisas contraditórias! E admitindo-se a contradição,<br />

que é o que não se admitirá?<br />

Além dos argumentos objetivos, o crente pode também ser disposto à fé pelos subjetivos. Para este fim<br />

os apologetas voltam-se de novo para a doutrina <strong>da</strong> imanência. Empenham-se em convencer o homem<br />

de que nele mesmo e nos íntimos recantos de sua natureza e de sua vi<strong>da</strong>, se oculta o desejo e a<br />

necessi<strong>da</strong>de de uma religião, não já de uma religião qualquer, mas <strong>da</strong> católica; porquanto esta, dizem, é<br />

rigorosamente requeri<strong>da</strong> (postulata) pelo perfeito desenvolvimento <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. E sobre este ponto nos<br />

vemos de novo obrigados a lamentar que não faltem católicos que, conquanto rejeitem a doutrina <strong>da</strong><br />

imanência como doutrina, to<strong>da</strong>via se utilizam dela na apologética; e fazem-no tão incautamente, que<br />

parecem admitir não somente certa capaci<strong>da</strong>de ou conveniência na natureza humana para a ordem<br />

sobrenatural, (o que os apologetas católicos com as devi<strong>da</strong>s restrições sempre demonstram), mas<br />

também uma estrita e ver<strong>da</strong>deira exigência. Para sermos mais exatos, dizemos ain<strong>da</strong> que esta exigência<br />

<strong>da</strong> religião católica é sustenta<strong>da</strong> pelos modernistas mais moderados. Pois, aqueles que podem ser<br />

denominados integralistas, pretendem que se deve mostrar ao homem que ain<strong>da</strong> não crê, como se acha<br />

latente dentro dele mesmo o gérmen que esteve na consciência de Cristo, e que Cristo transmitiu aos<br />

homens. Eis aqui, Veneráveis Irmãos, sumariamente descrito o método apologético dos modernistas, em<br />

tudo conforme com as doutrinas; e tanto o método como as doutrinas estão cheios de erros, capazes só<br />

de destruir e não de edificar, não de formar católicos, mas de arrastar os católicos à heresia, mais ain<strong>da</strong>,<br />

à completa destruição de to<strong>da</strong> religião!<br />

O modernista reformador<br />

Pouco resta-nos finalmente dizer a respeito <strong>da</strong>s pretensões do modernista como reformador. Já pelo que<br />

está exposto fica mais que patente a mania de inovação que move estes homens; mania esta que não<br />

poupa absolutamente na<strong>da</strong> ao catolicismo. Querem a inovação <strong>da</strong> filosofia, particularmente nos<br />

seminários; de tal sorte que, desterra<strong>da</strong> a filosofia dos escolásticos para a história <strong>da</strong> filosofia, entre os<br />

sistemas já obsoletos, seja ensina<strong>da</strong> aos moços a moderna filosofia, que é a única ver<strong>da</strong>deira<br />

correspondente aos nossos tempos. Para a reforma <strong>da</strong> teologia, querem que aquela teologia que<br />

chamamos racional, seja fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> na filosofia moderna. Desejam, além disto, que a teologia<br />

positiva se baseie na história dos dogmas. Querem também que a história seja escrita e ensina<strong>da</strong> pelos<br />

seus métodos e com preceitos novos. Dizem que os dogmas e a sua evolução devem entrar em acordo<br />

com a ciência e a história. Para o catecismo, exigem que nos livros de catequese se introduzam só<br />

aqueles dogmas, que tiverem sido reformados e estiverem ao alcance <strong>da</strong> inteligência do vulgo. Acerca<br />

do culto, clamam que se devem diminuir as devoções externas e proibir que aumentem, embora, a bem<br />

<strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, outros mais favoráveis ao simbolismo, se mostrem nisto mais indulgentes. Gritam a altas<br />

vozes que o regime eclesiástico deve ser renovado em todos os sentidos, mas especialmente na<br />

disciplina e no dogma. Por isto, dizem que por dentro e por fora se deve entrar em acordo com a<br />

consciência moderna, que se acha de todo inclina<strong>da</strong> para a democracia; e assim também dizem que o<br />

clero inferior e o laicato devem tomar parte no governo, que deve ser descentralizado. Também devem<br />

ser transforma<strong>da</strong>s as Congregações romanas, e antes de to<strong>da</strong>s, as do Santo Ofício e do Índice. Deve<br />

mu<strong>da</strong>r-se a atitude <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de eclesiástica nas questões políticas e sociais, de tal sorte que não se<br />

intrometa nas disposições civis, mas procure amol<strong>da</strong>r-se a elas, para penetrá-las no seu espírito. Em<br />

moral estão pelo Americanismo, dizendo que as virtudes ativas devem antepor-se às passivas, e que<br />

convém promover o exercício <strong>da</strong>quelas de preferência a estas. Desejam que o clero volte à antiga<br />

humil<strong>da</strong>de e pobreza e querem-no também de acordo no pensamento e na ação com os preceitos do<br />

modernismo. Finalmente não falta entre eles quem, obedecendo muito de boa mente aos acenos dos seus<br />

mestres protestantes, até deseje ver suprimido do sacerdócio o sacro celibato. Que restará, pois, de<br />

140


intacto na <strong>Igreja</strong>, que não deva por eles ou segundo os seus princípios ser reformado?<br />

Crítica geral de todo o sistema<br />

Talvez que na exposição <strong>da</strong> doutrina dos modernistas tenhamos parecido a alguém, Veneráveis Irmãos,<br />

demasia<strong>da</strong>mente prolixos. Isso, porém, foi de todo necessário, tanto para que não continuem a acusarnos,<br />

como costumam, de ignorar as suas teorias, como também, para que se veja que quando se fala de<br />

modernismo, não se trata de doutrinas vagas e desconexas, mas de um corpo uno e compacto de<br />

doutrinas em que, admiti<strong>da</strong> uma, to<strong>da</strong>s as demais também o deverão ser. Por isso, também quisemos<br />

servir-nos de uma forma quase didática, e nem recusamos os vocábulos bárbaros, que os modernistas<br />

adotam. Se, pois, de uma só vista de olhos atentarmos para todo o sistema, a ninguém causará pasmo<br />

ouvir-Nos defini-lo, afirmando ser ele a síntese de to<strong>da</strong>s as heresias. Certo é que se alguém se<br />

propusesse juntar, por assim dizer, o destilado de todos os erros, que a respeito <strong>da</strong> fé têm sido até hoje<br />

levantados, nunca poderia chegar a resultado mais completo do que alcançaram os modernistas. Tão<br />

longe se adiantaram eles, como já o notamos, que destruíram não só o catolicismo, mas qualquer outra<br />

religião. Com isto se explicam os aplausos do racionalistas; por isto aqueles dentre os racionalistas que<br />

falam mais clara e abertamente, se vangloriam de não ter aliados mais efetivos que os modernistas. E de<br />

fato, voltemos um pouco, Veneráveis Irmãos, à prejudicialíssima doutrina do agnosticismo. Com esta,<br />

por parte <strong>da</strong> inteligência está fechado ao homem todo o caminho para chegar a Deus, ao passo que se<br />

torna mais aberto por parte de um certo sentimento e <strong>da</strong> ação. Quem não percebe, porém, que isto se<br />

afirma em vão?<br />

O sentimento corresponde sempre à ação de um objeto, que é proposto pela inteligência ou pelos<br />

sentidos. Excluí a inteligência, e o homem seguirá mais arrebata<strong>da</strong>mente os sentidos pelos quais é já<br />

arrastado. Além de que, quaisquer que sejam as fantasias de um sentimento religioso, não podem elas<br />

vencer o senso comum; ora, o senso comum nos ensina que to<strong>da</strong> a perturbação ou preocupação do<br />

espírito, longe de aju<strong>da</strong>r, impede a investigação <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de (queremos dizer <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de em si mesma);<br />

ao passo que aquela outra ver<strong>da</strong>de subjetiva, fruto do sentimento íntimo e <strong>da</strong> ação, quando muito serviria<br />

para um jogo de palavras, sem na<strong>da</strong> aproveitar ao homem, que antes de tudo quer saber se, fora de si,<br />

existe ou não um Deus, em cujas mãos há de cair um dia. Recorrem outrossim e com afinco à<br />

experiência. Mas, que pode ela acrescentar ao sentimento? Na<strong>da</strong>, por certo; poderá apenas torná-lo mais<br />

intenso; e esta intensi<strong>da</strong>de tornará proporcionalmente mais firme a persuasão <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de do objeto.<br />

Estas duas coisas, porém, não farão que o sentimento deixe de ser sentimento, nem lhe mu<strong>da</strong>rão a<br />

natureza, sempre sujeita a engano, se não for auxilia<strong>da</strong> pela inteligência; pelo contrário, confirmarão e<br />

reforçarão o sentimento, pois que este, quanto mais intenso for, tanto mais direito terá a ser sentimento.<br />

Como, porém, tratamos aqui do sentimento religioso e <strong>da</strong> experiência, que nele se contém, sabeis por<br />

certo, Veneráveis Irmãos, com quanta prudência convém tratar esta matéria, e quanta ciência se requer<br />

para regular esta mesma prudência. Vós o sabeis, pelo contacto que tendes com as almas, especialmente<br />

aquelas em que domina o sentimento; Vós o sabeis pelo estudo dos tratados de ascética que, não<br />

obstante serem menosprezados pelos modernistas, contém doutrina mais sóli<strong>da</strong> e mais fina observação<br />

do que aquela de que se vangloriam os modernistas.<br />

E a Nós, na ver<strong>da</strong>de, parece-Nos ser só de um demente ou pelo menos de um rematado imprudente o<br />

admitir, sem mais exame, por ver<strong>da</strong>deiras, as tais experiências íntimas apregoa<strong>da</strong>s pelos modernistas.<br />

Por que será então, dizemo-lo aqui de passagem, que tendo essas experiências tão grande força e certeza,<br />

não o possa também ter a experiência de milhares de católicos, quando afirmam que os modernistas<br />

vagueiam por um caminho errado? A maior parte dos homens sustenta e há de sempre sustentar com<br />

firmeza que, só com o sentimento e a experiência, sem a guia e a luz <strong>da</strong> inteligência, nunca se chegará<br />

ao conhecimento de Deus. Resta, portanto, ain<strong>da</strong> uma vez, ou o ateísmo ou a absoluta falta de religião.<br />

Não esperem os modernistas melhores resultados <strong>da</strong> sua doutrina do simbolismo. De fato, se todos os<br />

elementos, que chamam intelectuais, não passam de meros símbolos de Deus, por que motivo não será<br />

também um símbolo o mesmo nome de Deus ou de personali<strong>da</strong>de divina? E se assim for, bem se poderia<br />

duvi<strong>da</strong>r <strong>da</strong> mesma personali<strong>da</strong>de divina, e teremos aberta a estra<strong>da</strong> para o panteísmo. Do mesmo modo,<br />

a um puro e simples panteísmo leva a outra doutrina <strong>da</strong> imanência divina. Pois, se perguntarmos: essa<br />

imanência distingue ou não distingue Deus do homem? Se distingue, que divergência então pode haver<br />

141


entre essa doutrina e a católica? Ou então, por que rejeitam os modernistas a doutrina <strong>da</strong> revelação<br />

externa? Se, pelo contrário, não se distingue, temos de novo o panteísmo.<br />

Mas, de fato, a imanência dos modernistas quer e admite que todo o fenômeno de consciência proce<strong>da</strong><br />

do homem enquanto homem. Com legítimo raciocínio deduzimos portanto que Deus e o homem são<br />

uma e a mesma coisa; e <strong>da</strong>qui o panteísmo. Também a distinção que fazem entre as ciência e a fé, não<br />

leva a outro resultado. Põem o objeto <strong>da</strong> ciência na reali<strong>da</strong>de do cognoscível, e o <strong>da</strong> fé na reali<strong>da</strong>de do<br />

incognoscível. Ora, o incognoscível é produzido pela completa desproporção entre o objeto e a<br />

inteligência. E esta desproporção, acrescentam, nunca poderá cessar. Logo, o incognoscível ficará<br />

sempre incognoscível, tanto para o crente quanto para o filósofo. Se, pois, alguma religião houver, o seu<br />

objeto será sempre a reali<strong>da</strong>de do incognoscível; e não sabemos por que motivo essa reali<strong>da</strong>de não<br />

poderá ser a alma universal do mundo, como querem certos racionalistas. Isto já é bastante para bem<br />

nos certificarmos de que muitos são os caminhos, pelos quais a doutrina modernista vai acabar no<br />

ateísmo e na destruição de to<strong>da</strong> religião. Neste caminho os protestantes deram o primeiro passo;<br />

os modernistas o segundo; pouco falta para o completo ateísmo.<br />

II ª PARTE<br />

AS CAUSAS DO MODERNISMO<br />

Para mais a fundo conhecermos o modernismo e o mais apropriado remédio acharmos para tão grande<br />

mal, cumpre agora, Veneráveis Irmãos, in<strong>da</strong>gar algum tanto <strong>da</strong>s causas donde se originou e porque se<br />

tem desenvolvido. Não há duvi<strong>da</strong>r que a causa próxima e imediata é a aberração do entendimento. As<br />

remotas, reconhecemo-las duas: o amor de novi<strong>da</strong>des e o orgulho. O amor de novi<strong>da</strong>des basta por si só<br />

para explicar to<strong>da</strong> a sorte de erros. Por esta razão o Nosso sábio predecessor Gregório <strong>XVI</strong>, com to<strong>da</strong> a<br />

ver<strong>da</strong>de escreveu (Encicl. "Singulari Nos" 7/07/1834): «Muito lamentável é ver até onde se atiram os<br />

delírios <strong>da</strong> razão humana, quando o homem corre após as novi<strong>da</strong>des e, contra as admoestações de<br />

São Paulo, se empenha em saber mais do que convém e, confiando demasiado em si, pensa que deve<br />

procurar a ver<strong>da</strong>de fora <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica, onde ela se acha sem a menor sombra de erro». Contudo,<br />

o orgulho tem muito maior força para arrastar ao erro os entendimentos; e é o orgulho que, estando na<br />

doutrina modernista como em sua própria casa, aí acha à larga de que se cevar e com que ostentar as<br />

suas manifestações.<br />

Efetivamente, o orgulho faze-os confiar tanto em si que se julgam e dão a si mesmos como regra dos<br />

outros. Por orgulho loucamente se gloriam de ser os únicos que possuem o saber, e dizem desvanecidos<br />

e inchados: Nós cá não somos como os outros homens. E, de fato, para o não serem, abraçam e<br />

devaneiam to<strong>da</strong> a sorte de novi<strong>da</strong>des, até <strong>da</strong>s mais absur<strong>da</strong>s. Por orgulho repelem to<strong>da</strong> a sujeição, e<br />

afirmam que a autori<strong>da</strong>de deve aliar-se com a liber<strong>da</strong>de.<br />

Por orgulho, esquecidos de si mesmos, pensam unicamente em reformar os outros, sem respeitarem<br />

nisto qualquer posição, nem mesmo a suprema autori<strong>da</strong>de. Para se chegar ao modernismo não há, com<br />

efeito, caminho mais direto do que o orgulho. Se algum leigo ou também algum sacerdote católico<br />

esquecer o preceito <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cristã, que nos man<strong>da</strong> negarmos a nós mesmos para podermos seguir a<br />

Cristo, e se não afastar de seu coração o orgulho, ninguém mais do ele se acha naturalmente disposto a<br />

abraçar o modernismo! – Seja portanto, Veneráveis Irmãos, o vosso primeiro dever resistir a esses<br />

homens soberbos, ocupá-los nos misteres mais humildes e obscuros, a fim de serem tanto mais<br />

deprimidos quanto mais se enaltecem, e, postos na ínfima plana, tenham menor campo a prejudicar.<br />

Além disto, por vós mesmos ou pelos reitores dos seminários, procurai com cui<strong>da</strong>do conhecer os jovens<br />

que se apresentam candi<strong>da</strong>tos às fileiras do clero; e se algum deles for de natural orgulhoso, riscai-o<br />

resolutamente do número dos ordinandos. Neste ponto, quisera Deus que se tivesse sempre agido com a<br />

vigilância e fortaleza que era mister!<br />

Passando <strong>da</strong>s causas morais às que se relacionam com a inteligência, surge sempre a ignorância. Todos<br />

os modernistas que pretendem ser ou parecer doutores na <strong>Igreja</strong>, exaltando em voz clamorosa a<br />

moderna filosofia e desdenhando a Escolástica, abraçaram a primeira, iludidos pelo seu falso brilho,<br />

142


porque, ao ignorarem completamente a segun<strong>da</strong>, careceram dos meios convenientes para reconhecerem<br />

a confusão <strong>da</strong>s idéias e refutar os sofismas. É, pois, <strong>da</strong> aliança <strong>da</strong> falsa filosofia com a fé que surgiu o<br />

seu sistema, formado de tantos e tamanhos erros.<br />

Quem dera que eles fossem no entanto menos zelosos e sagazes na propagan<strong>da</strong> destes erros! Mas, em<br />

vez disto, é tal a sua esperteza, é tão indefeso o seu trabalho, que deveras causa pesar ver consumirem-se<br />

em prejuízo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> tantas forças, que bem emprega<strong>da</strong>s lhe seriam muito vantajosas. Para conduzirem<br />

os espíritos ao erro, usam de dois meios: removem primeiro os obstáculos, e em segui<strong>da</strong> procuram com<br />

máxima cautela os ardis que lhes poderão servir, e põem-nos em prática, incessante e pacientemente.<br />

Dentre os obstáculos, três principalmente se opõem aos seus esforços: o método escolástico de<br />

raciocinar, a autori<strong>da</strong>de dos Padres com a Tradição, o Magistério eclesiástico. Tudo isto é para eles<br />

objeto de uma luta encarniça<strong>da</strong>. Por isso, continuamente escarnecem e desprezam a filosofia e a teologia<br />

escolástica. Quer o façam por ignorância, quer por temor, quer mais provavelmente por um e outra, o<br />

certo é que a mania <strong>da</strong> novi<strong>da</strong>de neles se acha alia<strong>da</strong> com ódio à escolástica; e não há sinal mais<br />

manifesto de que começa alguém a volver-se para o modernismo do que começar a aborrecer a<br />

escolástica. Lembrem-se os modernistas os seus fautores <strong>da</strong> condenação que Pio IX infligiu a esta<br />

proposição (Syll. prop. 13):<br />

«O método e os princípios com que os antigos doutores escolásticos trataram a teologia, não condizem<br />

mais com as necessi<strong>da</strong>des dos nossos tempos e com os progressos <strong>da</strong> ciência». São também muito<br />

astuciosos em desvirtuar a natureza e a eficácia <strong>da</strong> Tradição, a fim de privá-la de todo o peso e<br />

autori<strong>da</strong>de. Porém, nós, os católicos, teremos sempre do nosso lado a autori<strong>da</strong>de do segundo Concílio de<br />

Nicéia, que condenou «aqueles que ousam..., à maneira de perversos hereges, desprezar as tradições<br />

eclesiásticas e imaginar qualquer novi<strong>da</strong>de... ou pensar maliciosa e astutamente em destruir o que<br />

quer que seja <strong>da</strong>s legítimas tradições <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> católica». Teremos sempre a profissão do quarto<br />

Concílio de Constantinopla: «Professamos, portanto, conservar e defender as regras que, tanto pelos<br />

santos e célebres Apóstolos quanto pelos Concílios universais e locais, ortodoxos, mesmo por qualquer<br />

deíloquo Padre e Mestre <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, foram <strong>da</strong><strong>da</strong>s à Santa <strong>Igreja</strong> Católica e apostólica. Por esta razão os<br />

Pontífices Romanos Pio IV e Pio IX quiseram que se acrescentassem estas palavras à profissão de fé:<br />

Creio firmemente e professo as tradições apostólicas e eclesiásticas e to<strong>da</strong>s as demais determinações e<br />

constituições <strong>da</strong> mesma <strong>Igreja</strong>. O mesmo juízo que fazem <strong>da</strong> Tradição, estendem-no os modernistas<br />

também aos santos Padres <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. Com a maior temeri<strong>da</strong>de, tendo-os embora como muito dignos de<br />

to<strong>da</strong> a veneração, fazem-nos passar por muito ignorantes <strong>da</strong> crítica e <strong>da</strong> história, no que seriam<br />

indesculpáveis, se outros houveram sido os tempos em que viveram. Põem, finalmente, todo o empenho<br />

em diminuir e enfraquecer o magistério eclesiástico, ora deturpando-lhe sacrilegamente a origem, a<br />

natureza, os direitos, ora repetindo livremente contra ele as calúnias dos inimigos. À grei dos<br />

modernistas quadram estas palavras que muito a contragosto escreveu Nosso Predecessor: «Para<br />

atirarem sobre a mística Esposa de Jesus Cristo, que é ver<strong>da</strong>deira luz, o desprezo e o ódio, os filhos<br />

<strong>da</strong>s trevas tomaram o costume de deprimi-la em público com uma insensata calúnia e, trocando a<br />

noção <strong>da</strong>s coisas e <strong>da</strong>s palavras, de chamá-la amiga do obscurantismo, sustentáculo <strong>da</strong> ignorância,<br />

inimiga <strong>da</strong> luz, <strong>da</strong> ciência e do progresso (Motu-proprio. "Ut mysticam",14/03/1891). Em vista disto,<br />

Veneráveis Irmãos, não é para admirar que os católicos, deno<strong>da</strong>dos defensores <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, sejam alvo do<br />

ódio mais desapoderado dos modernistas. Não há injúria que lhes não atirem em rosto; mas de<br />

preferência os chamam ignorantes e obstinados. Se a erudição e o acerto de quem os refuta os atemoriza,<br />

procuram descartá-lo, recorrendo ao silêncio. Este modo de proceder com os católicos torna-se ain<strong>da</strong><br />

mais odioso, porque eles ao mesmo tempo exaltam descompassa<strong>da</strong>mente com incessantes louvores os<br />

que seguem o seu partido; acolhem e batem palmas aos seus livros, eriçados de novi<strong>da</strong>des; e quanto<br />

mais alguém mostra ousadia em destruir as coisas antigas, em rejeitar as tradições e o magistério<br />

eclesiástico, tanto mais encarecem a sua sabedoria; e por fim, o que a todo espírito reto causa horror, não<br />

só elogiam pública e encareci<strong>da</strong>mente, mas veneram como mártir quem quer por acaso for condenado<br />

pela <strong>Igreja</strong>. Movidos e abalados por to<strong>da</strong> essa celeuma de louvores e impropérios, com o fito, ou de não<br />

passarem por ignorantes, ou de serem tidos por sábios, os ânimos juvenis, instigados interiormente pelo<br />

orgulho e pelo amor <strong>da</strong>s novi<strong>da</strong>des dão-se por vencidos e desertam para o modernismo. Com isto já<br />

chegamos aos artifícios com que os modernistas passam as suas mercadorias. Que recursos deixam eles<br />

de empregar para angariar sectários? Procuram conseguir cátedras nos seminários e nas Universi<strong>da</strong>des,<br />

143


para tornarem-se insensivelmente cadeiras de pestilência. Inculcam as suas doutrinas, talvez<br />

disfarça<strong>da</strong>mente, pregando nas igrejas; expõem-nas mais claramente nos congressos; introduzem e<br />

exaltam-nas nos institutos sociais sob o próprio nome ou sob o de outrem; publicam livros, jornais,<br />

periódicos. Às vezes um mesmo escritor se serve de diversos nomes, para enganar os incautos,<br />

simulando grande número de autores. Numa palavra, pela ação, pela palavra, pela imprensa, tudo<br />

experimentam, de modo as parecerem agitados por uma violenta febre. Que resultado terão eles<br />

alcançado? Infelizmente lamentamos a per<strong>da</strong> de grande número de moços, que <strong>da</strong>vam ótimas esperanças<br />

de poderem um dia prestar relevantes serviços à <strong>Igreja</strong>, atualmente fora do bom caminho. Lamentamos<br />

esses muitos que, embora não se tenham adiantado tanto, tendo contudo respirado esse ar infeccionado,<br />

já pensam, falam e escrevem com tal liber<strong>da</strong>de, que em católicos não assenta bem. Vemo-los entre os<br />

leigos; vemo-los entre os sacerdotes; e, quem o diria? Vemo-los até no seio <strong>da</strong>s famílias religiosas.<br />

Tratam a Escritura à maneira dos modernistas. Escrevendo sobre a história tudo o que pode<br />

desdourar a <strong>Igreja</strong> divulgam cui<strong>da</strong>dosamente e com disfarçado prazer. Guiados por um certo<br />

apriorismo, procuram sempre desfazer as piedosas tradições populares. Mostram desdenhar as sagra<strong>da</strong>s<br />

relíquias, respeitáveis pela sua antigüi<strong>da</strong>de. Enfim, vivem preocupados em fazer o mundo falar de suas<br />

pessoas; e sabem que isto não será possível, se disserem as mesmas coisas que sempre se disseram.<br />

Podem estar eles na persuasão de fazerem coisa agradável a Deus e à <strong>Igreja</strong>; na reali<strong>da</strong>de, porém,<br />

ofendem gravemente a Deus e à <strong>Igreja</strong>, se não com suas obras, de certo com o espírito que os<br />

anima e com o auxílio que prestam ao atrevimento dos modernistas.<br />

III ª PARTE<br />

REMÉDIOS<br />

A esta torrente de gravíssimos erros, que às claras e às ocultas se vai avolumando, o Nosso<br />

Predecessor Leão XIII, de feliz memória, procurou energicamente levantar um dique, principalmente no<br />

que se refere às Sagra<strong>da</strong>s Escrituras. Já vimos, porém, que os modernistas não se deixam facilmente<br />

intimi<strong>da</strong>r; eis porque, aparentando o maior acatamento e a mais apura<strong>da</strong> humil<strong>da</strong>de, inverteram<br />

as palavras do Pontífice do modo que lhes convinha, e propalaram que os atos do mesmo eram<br />

dirigidos a outros. Destarte o mal, dia a dia, foi tomando maiores proporções. É por isto, Veneráveis<br />

Irmãos, que decidimos lançar mãos, sem demora, de medi<strong>da</strong>s mais enérgicas. Nós, porém, vos pedimos<br />

e suplicamos que em negócio de tal monta na<strong>da</strong>, de modo algum, se deixe a desejar em vossa vigilância,<br />

desvelo e fortaleza. E isto mesmo que vos pedimos e de vós esperamos, pedimo-lo também e<br />

esperamo-lo dos demais pastores <strong>da</strong>s almas, dos educadores e mestres do jovem clero, e<br />

particularmente dos Superiores gerais <strong>da</strong>s Ordens religiosas.<br />

I. No que se refere aos estudos, queremos em primeiro lugar e man<strong>da</strong>mos terminantemente, que a<br />

filosofia escolástica seja toma<strong>da</strong> por base dos estudos sacros. Bem se compreende que «se os doutores<br />

escolásticos trataram certas questões com excessiva argúcia, ou foram omissas noutras; se disseram<br />

coisas que mal se acomo<strong>da</strong>m com as doutrinas apura<strong>da</strong>s nos séculos posteriores, ou mesmo alguma<br />

coisa inadmissível, mui longe está de nossa intenção querer que tudo isto deva servir de exemplo a<br />

imitar nos nossos dias (Leão XIII, Enc.Aeterni Patris). O que importa saber, antes de tudo, é que a<br />

filosofia escolástica, que man<strong>da</strong>mos adotar, é principalmente a de Santo Tomás de Aquino; a cujo<br />

respeito queremos fique em pleno vigor tudo o que foi determinado pelo Nosso Predecessor e, se há<br />

mister, renovamos, confirmamos e man<strong>da</strong>mos severamente sejam por todos observa<strong>da</strong>s aquelas<br />

disposições. Se isto tiver sido descui<strong>da</strong>do nos seminários, insistam e exijam os Bispos que para o futuro<br />

se observe. Tornamos extensiva a mesma ordem aos Superiores <strong>da</strong>s Ordens religiosas. E todos aqueles<br />

que ensinam fiquem cientes de que não será sem graves prejuízos que especialmente em matérias<br />

metafísicas, se afastarão de Santo Tomás. Fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> assim a filosofia, sobre ela se erga com a maior<br />

diligência o edifício teológico. Veneráveis Irmãos, promovei com to<strong>da</strong> a solicitude o estudo <strong>da</strong> teologia,<br />

de tal sorte que ao saírem dos seminários os clérigos lhe tenham alta consideração e profundo amor, e<br />

sempre o conservem carinhosamente. Porquanto é de todos sabido que na quase infinitude <strong>da</strong>s<br />

disciplinas que se apresentam às inteligências ávi<strong>da</strong>s do saber, é tão certo que à teologia cabe o<br />

primeiro lugar, que os antigos diziam que era dever <strong>da</strong>s outras ciências e artes servirem-na e<br />

auxiliarem-na como escravas (Leão XIII, carta ap. In magna, 10/12/1889). Aproveitamos esta ocasião<br />

para dizer que Nos parecem dignos de louvor aqueles que, salvando o respeito devido à Tradição, aos<br />

144


Santos Padres, ao magistério eclesiástico, procuram esclarecer a teologia positiva com prudente critério<br />

e normas católicas (coisa que nem sempre se observa), tirando luzes <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira história. Certo é que<br />

na atuali<strong>da</strong>de, à teologia positiva se deve <strong>da</strong>r maior extensão que outrora; entretanto, isto se deve fazer<br />

de tal sorte que não seja de nenhum modo em detrimento <strong>da</strong> teologia escolástica, e sejam censurados<br />

como fautores do modernismo, aqueles que de tal modo elevam a teologia positiva que parece quase<br />

desprezarem a escolástica. Quanto às disciplinas profanas, basta lembrar o que sabiamente disse o Nosso<br />

Predecessor (Alloc. De 7/03/1880): «Aplicai-vos diligentemente ao estudo <strong>da</strong>s coisas naturais; pois,<br />

assim como em nossos dias as engenhosas descobertas e os úteis empreendimentos com sobeja razão são<br />

admirados pelos contemporâneos, <strong>da</strong> mesma sorte serão alvo de perenes louvores e encarecimentos dos<br />

vindouros». Seja isto feito sem prejuízo dos estudos sacros; assim também o advertiu o mesmo Nosso<br />

Predecessor, pela seguintes palavras (lugar citado): «A causa de tais erros, se a investigarmos<br />

cui<strong>da</strong>dosamente, provém principalmente de que hoje, quanto maior intensi<strong>da</strong>de se dá aos estudos <strong>da</strong>s<br />

ciências naturais, tanto mais se descuram as disciplinas mais severas e mais eleva<strong>da</strong>s; algumas destas<br />

são, de fato, quase atira<strong>da</strong>s ao esquecimento; outras são trata<strong>da</strong>s com pouca vontade e de leve, e,<br />

coisa indigna, perdido o esplendor de sua primitiva digni<strong>da</strong>de, são deturpa<strong>da</strong>s por opiniões<br />

inverossímeis e por enormes erros. É esta a lei à qual man<strong>da</strong>mos que se conformem os estudos <strong>da</strong>s<br />

ciências naturais nos seminários».<br />

II. Em vista tanto destas Nossas disposições como <strong>da</strong> do Nosso Antecessor, convém prestar muita<br />

atenção to<strong>da</strong> vez que se tratar <strong>da</strong> escolha dos diretores e professores tanto dos seminários quanto <strong>da</strong>s<br />

Universi<strong>da</strong>des católicas. Todo aquele que tiver tendências modernistas, seja ele quem for, deve ser<br />

afastado quer dos cargos quer do magistério; e se já tiver de posse, cumpre ser removido. Faça-se<br />

o mesmo com aqueles que, às ocultas ou às claras, favorecerem o modernismo, louvando os<br />

modernistas, ou atenuando-lhes a culpa, ou criticando a escolástica, os Santos Padres, o magistério<br />

eclesiástico, ou negando obediência a quem quer que se ache em exercício do poder eclesiástico;<br />

bem assim como aqueles que se mostrarem amigos <strong>da</strong> novi<strong>da</strong>de em matéria histórica,<br />

arqueológica e bíblica; e finalmente com aqueles que se descui<strong>da</strong>rem dos estudos sacros ou<br />

parecerem <strong>da</strong>r preferência aos profanos. Neste ponto, Veneráveis Irmãos, e particularmente na<br />

escolha dos lentes, nunca será demasia<strong>da</strong> a vossa solicitude e constância; porquanto, é o mais <strong>da</strong>s vezes<br />

ao exemplo dos mestres que se formam os discípulos. Firmados, portanto, no dever <strong>da</strong> consciência,<br />

procedei nesta matéria com prudência, mas também com energia. Não deve ser menor a vossa vigilância<br />

e severi<strong>da</strong>de na escolha <strong>da</strong>queles que devem ser admitidos ao Sacerdócio. Longe, muito longe do clero<br />

esteja o amor às novi<strong>da</strong>des; Deus não vê com bons olhos os ânimos soberbos e rebeldes! A ninguém<br />

doravante se conce<strong>da</strong> a láurea <strong>da</strong> teologia ou direito canônico, se primeiro não tiver feito todo o curso de<br />

filosofia escolástica. Se, não obstante isto, ela for concedi<strong>da</strong>, será nula. Tornem-se doravante extensivas<br />

a to<strong>da</strong>s as nações as disposições emana<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Sagra<strong>da</strong> Congregação dos Bispos e Regulares no ano<br />

1896, acerca <strong>da</strong> freqüência dos clérigos regulares e seculares <strong>da</strong> Itália às Universi<strong>da</strong>des. Os clérigos e<br />

sacerdotes inscritos a um Instituto ou a uma Universi<strong>da</strong>de católica, não poderão freqüentar nas<br />

Universi<strong>da</strong>des civis cursos também existentes nos Institutos católicos a que se inscreveram. Se, em<br />

tempos passados, isto tiver sido concedido em algum lugar, man<strong>da</strong>mos que de ora em diante não mais se<br />

permita. Ponham os Bispos que formam o conselho diretivo de tais Institutos católicos ou Universi<strong>da</strong>des<br />

católicas, o maior empenho em fazer observar estas nossas determinações.<br />

III. Compete, outrossim, aos Bispos providenciar para que os livros dos modernistas já publicados não<br />

sejam lidos, e as novas publicações sejam proibi<strong>da</strong>s. Qualquer livro, jornal ou periódico desse gênero<br />

não poderá ser permitido aos alunos dos seminários ou <strong>da</strong>s Universi<strong>da</strong>des católicas, pois <strong>da</strong>í não lhes<br />

proviria menor mal do que o que produzem as más leituras; antes, seria ain<strong>da</strong> pior, porque ficaria<br />

contamina<strong>da</strong> a mesma raiz <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cristã. Nem diversamente se há de julgar dos escritos de certos<br />

católicos, homens aliás de não más intenções, porém faltos de estudos teológicos e embebidos de<br />

filosofia moderna, que procuram conciliar com a fé, e fazê-la servir, como eles dizem, em proveito <strong>da</strong><br />

mesma fé. O nome e a boa reputação dos autores faz com que tais livros sejam lidos sem o menor<br />

escrúpulo, e por isto mesmo se tornam assaz perigosos para pouco e pouco encaminharem ao<br />

modernismo. Querendo, Veneráveis Irmãos, <strong>da</strong>r-vos normas gerais em tão grave assunto, se em vossas<br />

dioceses circularem livros perniciosos, procurai energicamente proscrevê-los, condenando-os mesmo<br />

solenemente, se o julgardes oportuno. Conquanto esta Sede Apostólica procure por todos os meios<br />

145


proscrever tais publicações, tornou-se hoje tão avultado o seu número que não lhe bastariam forças para<br />

condená-las to<strong>da</strong>s. Disto resulta às vezes que o remédio já chega tarde, porque a demora já facilitou a<br />

infiltração do mal. Queremos, por conseguinte, que os Bispos, pondo de parte todo o receio, repelindo a<br />

prudência <strong>da</strong> carne, desdenhando a grita dos maus, com suavi<strong>da</strong>de perseverante cumpram todos o que<br />

lhes cabe, lembrando-se do que na Constituição Apostólica Officiorum, Leão XIII escreveu:<br />

«Empenhem-se os Ordinários, mesmo como Delegados <strong>da</strong> Sede Apostólica, em proscrever e tirar <strong>da</strong>s<br />

mãos dos fiéis os livros ou quaisquer escritos nocivos publicados ou divulgados nas suas dioceses».<br />

Com estas palavras, é ver<strong>da</strong>de, concede-se um direito; mas, ao mesmo tempo, também se impõe um<br />

dever. Ninguém, contudo, julgue ter cumprido tal dever pelo fato de Nos remeter um ou outro livro,<br />

deixando entretanto muitíssimos outros serem publicados e divulgados. Nem se julguem desobrigados<br />

disto por terem ciência de que certo livro alcançou de outrem o Imprimatur, porquanto tal concessão<br />

pode ser falsa, como também pode ter sido por descuido, por excesso de benigni<strong>da</strong>de, ou por demasia<strong>da</strong><br />

fé no autor; e este último caso pode muito facilmente <strong>da</strong>r-se nas Ordens religiosas. Acresce também<br />

saber que, assim como todo e qualquer alimento não serve igualmente para todos, <strong>da</strong> mesma sorte um<br />

livro que pode ser inocente num lugar, já noutro, por certas circunstâncias, pode tornar-se nocivo. Se,<br />

por conseguinte, o Bispo, depois de ouvir o parecer de pessoas prudentes, julgar que em sua diocese<br />

deve ser condenado algum desses livros, <strong>da</strong>mos-lhe para isto ampla facul<strong>da</strong>de, e até o oneramos com<br />

este dever. Desejamos entretanto se conservem as devi<strong>da</strong>s atenções, e talvez baste num ou noutro caso<br />

restringir ao clero essa proibição; e ain<strong>da</strong> mesmo neste caso os livreiros católicos estão obrigados a não<br />

<strong>da</strong>r à ven<strong>da</strong> as publicações proibi<strong>da</strong>s pelo Bispo. E já que nos caiu sob a pena este assunto, aten<strong>da</strong>m os<br />

Bispos a que os livreiros, por avidez de lucro, não ven<strong>da</strong>m livros perniciosos; o certo é que nos<br />

catálogos de alguns deles não poucas vezes se vêem anunciados, e com bastante louvores, os livros dos<br />

modernistas. Se eles a isto se recusarem, não ponham dúvi<strong>da</strong> os Bispos em privá-los do título de<br />

livreiros católicos; <strong>da</strong> mesma sorte, e por mais forte razão, se gozarem do título de episcopais; mas, se<br />

tiverem o título de pontifícios, seja o caso deferido à Santa Sé. A todos finalmente lembramos o artigo<br />

X<strong>XVI</strong> <strong>da</strong> cita<strong>da</strong> Constituição apostólica Officiorum: «To<strong>da</strong>s as pessoas que tiverem obtido facul<strong>da</strong>de<br />

apostólica de ler e conservar livros proibidos, não se acham por esse mesmo fato autoriza<strong>da</strong>s a ler livros<br />

ou jornais proscritos pelos Ordinários locais, salvo se no indulto apostólico se achar expressamente<br />

declara<strong>da</strong> a licença de ler e conservar livros condenados por quem quer seja».<br />

IV. No entanto não basta impedir a leitura ou a ven<strong>da</strong> de livros maus; cumpre, outrossim, impedir-lhes a<br />

impressão. Usem, pois, os Bispos, a maior severi<strong>da</strong>de em conceder licença para impressão. E visto como<br />

é grande o número de livros que, segundo a Constituição Officiorum, hão mister <strong>da</strong> autorização do<br />

Ordinário, é costume em certas dioceses designar, em número conveniente, Censores, por ofício, para o<br />

exame dos manuscritos. Louvamos com efusão de ânimo essa instituição de censura; e não só<br />

exortamos, mas man<strong>da</strong>mos que se esten<strong>da</strong> a to<strong>da</strong>s as dioceses. Haja, portanto, em to<strong>da</strong>s as Cúrias<br />

episcopais censores para a revisão dos escritos em via de publicação. Sejam estes escolhidos no clero<br />

secular e regular, homens idosos, sábios e prudentes, que ao aprovar ou reprovar uma doutrina tomem<br />

um meio termo seguro. Terão eles o encargo de examinar tudo o que, segundo os artigos XLI e XLII <strong>da</strong><br />

referi<strong>da</strong> Constituição, precisar de licença para ser publicado. O Censor <strong>da</strong>rá o seu parecer por escrito. Se<br />

for favorável, o Bispo permitirá a impressão com a palavra Imprimatur, que deverá ser precedi<strong>da</strong> do<br />

Nihil obstat e do nome do Censor. Também na Cúria romana, como nas outras, serão estabelecidos<br />

Censores de Ofício. Serão estes designados pelo Mestre do Sagrado Palácio Apostólico, depois de<br />

consultar o Cardeal Vigário de Roma e obtido também o consentimento e aprovação do Sumo Pontífice.<br />

O mesmo determinará qual dos Censores deverá examinar ca<strong>da</strong> escrito. A licença de impressão será<br />

concedi<strong>da</strong> pelo referido Mestre juntamente com o Cardeal Vigário ou o seu Vice-gerente, antepondo-se,<br />

porém, como acima se disse, o Nihil obstat e o nome do Censor. Somente em circunstâncias<br />

extraordinárias e raríssimas, a prudente juízo do Bispo, poderá omitir-se a menção do Censor. Nunca se<br />

<strong>da</strong>rá a conhecer ao autor o nome do Censor, antes que este tenha <strong>da</strong>do seu juízo favorável, afim de que o<br />

Censor não venha sofrer vexames, enquanto examinar os escritos ou depois que os tiver desaprovado.<br />

Nunca se escolham Censores entre as Ordens religiosas, sem primeiro pedir secretamente o parecer ao<br />

Superior provincial, ou, se se tratar de Roma, ao Geral; estes deverão em consciência <strong>da</strong>r atestado dos<br />

costumes, do saber, <strong>da</strong> integri<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>s doutrinas do escolhido. Avisamos aos Superiores religiosos do<br />

gravíssimo dever que têm de nunca permitir que algum de seus súditos publique alguma coisa, sem a<br />

prévia autorização juntamente com a do Ordinário. Declaramos em último lugar, que o título de Censor,<br />

146


com que alguém for honrado, nenhuma eficácia terá nem jamais poderá ser aduzido para corroborar as<br />

suas opiniões particulares. Ditas estas coisas em geral, particularmente man<strong>da</strong>mos a mais rigorosa<br />

observância do que se prescreve no artigo XLII <strong>da</strong> cita<strong>da</strong> Constituição Officiorum, a saber: «É proibido<br />

aos sacerdotes seculares tomarem a direção de jornais ou periódicos, sem prévia autorização do<br />

Ordinário». Será privado desta licença quem, depois de ter recebido advertência, continuar a fazer mau<br />

uso dela. Como há certos sacerdotes, que, com o nome de correspondentes, ou colaboradores,<br />

escrevem nos jornais ou periódicos, artigos infectos de modernismo, tomem providências os Bispos<br />

para que tal não aconteça; e, acontecendo, advirtam-nos e proíbam-nos de escrever. Com to<strong>da</strong> a<br />

autori<strong>da</strong>de man<strong>da</strong>mos que os Superiores <strong>da</strong>s Ordens religiosas façam o mesmo; e se estes se<br />

mostrarem descui<strong>da</strong>dos neste ponto, façam-no os Bispos com autori<strong>da</strong>de delega<strong>da</strong> do Sumo<br />

Pontífice. Sempre que for possível tenham os jornais e periódicos publicados pelos católicos um<br />

determinado Censor. Será este obrigado à revisão de to<strong>da</strong>s as folhas ou fascículos já impressos; e se<br />

encontrar alguma coisa perigosa, fará corrigi-la quanto antes. E se o Censor tiver deixado passar alguma<br />

coisa, o Bispo tem o direito de fazê-la corrigir.<br />

V. Já nos referimos acima aos congressos, reuniões públicas, em que os modernistas se aplicam à<br />

pública defesa e propagan<strong>da</strong> <strong>da</strong>s suas opiniões. Salvo raríssimas exceções, de ora em diante os Bispos<br />

não permitirão mais os congressos de sacerdotes. Se nalgum caso o permitirem, será sob condição de<br />

não tratarem de assuntos de competência dos Bispos ou <strong>da</strong> Santa Sé, de não fazerem propostas nem<br />

petições que envolvam usurpação de jurisdição, nem se faça menção alguma de tudo o que pareça<br />

modernismo, presbiterianismo ou laicismo. A essas reuniões que devem ser autoriza<strong>da</strong>s, ca<strong>da</strong> uma em<br />

particular e por escrito, e na época oportuna, não poderá comparecer sacerdote algum de outra diocese,<br />

sem as cartas de recomen<strong>da</strong>ção do próprio Bispo. Lembrem-se todos os sacerdotes do que por estas<br />

gravíssimas palavras, Leão XIII recomendou (Carta Enc. Nobilissima Gallorum 10/02/1884): «Seja<br />

intangível para os sacerdotes a autori<strong>da</strong>de dos próprios Bispos; persuadem-se de que se o ministério<br />

sacerdotal não se exercer debaixo <strong>da</strong> direção do Bispo, não será santo, nem proveitoso nem merecedor<br />

de respeito».<br />

VI. Mas que aproveitariam, Veneráveis Irmãos, as Nossas ordens e as Nossas prescrições, se não fossem<br />

observa<strong>da</strong>s como se deve com firmeza? Para o alcançarmos, pareceu-Nos bem estender a to<strong>da</strong>s as<br />

dioceses o que desde muito anos os Bispos <strong>da</strong> Úmbria, com tanta sabedoria, resolveram entre si (Atas do<br />

Congresso dos Bispos de Úmbria, nov.1849, Tit. II art.6). «Para extirpar, diziam eles, os erros já<br />

espalhados e impedir que se continue a sua difusão, ou que haja mestres de impie<strong>da</strong>de que perpetuam os<br />

perniciosos efeitos produzidos por essa mesma difusão, seguindo o exemplo de São Carlos Borromeu,<br />

este sacro Congresso determina que em ca<strong>da</strong> diocese se institua um conselho de homens eméritos dos<br />

dois cleros, com a incumbência de ver se, e de que modo, os novos erros se dilatam e se propagam, e <strong>da</strong>r<br />

aviso disto ao Bispo, para que de comum acordo se providencie para a extinção do mal logo que<br />

desponte e não tenha tempo de espalhar-se com detrimento <strong>da</strong>s almas, nem, o que ain<strong>da</strong> seria pior, de se<br />

avigorar e crescer. Determinamos, pois, que em ca<strong>da</strong> diocese se institua um semelhante Conselho, que<br />

se denominará Conselho de Vigilância. Os membros do Conselho serão escolhidos pela normas já<br />

prescritas para os Censores dos livros. Reunir-se-ão de dois em dois meses, em dia determinado, em<br />

presença do Bispo; e as coisas trata<strong>da</strong>s ou resolvi<strong>da</strong>s guardem-nas os Conselheiros com segredo<br />

inviolável. Serão estes os deveres dos membros do Conselho: investiguem com cui<strong>da</strong>do os vestígios do<br />

modernismo, tanto nos livros como no magistério, e com prudência, rapidez e eficácia providenciem<br />

quando houver mister pela preservação do clero e <strong>da</strong> moci<strong>da</strong>de. – Combatam as novi<strong>da</strong>des de palavras, e<br />

lembrem-se dos avisos de Leão XIII (Instr. S.C. NN. EE. EE. 27/01/1902): «Nas publicações católicas<br />

não se poderia aprovar uma linguagem que, inspirando-se em perniciosas novi<strong>da</strong>des, parecesse<br />

escarnecer <strong>da</strong> pie<strong>da</strong>de dos fiéis e falasse de nova orientação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cristã, de novas direções <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>,<br />

de novas aspirações <strong>da</strong> alma moderna, de nova vocação do clero, de nova civilização cristã». Não se<br />

tolerem tais dislates nem nos livros nem nas cátedras. – Não se descuidem dos livros em que se tratar<br />

<strong>da</strong>s piedosas tradições de ca<strong>da</strong> lugar, ou <strong>da</strong>s sagra<strong>da</strong>s Relíquias. Não permitam que se ventilem tais<br />

questões em jornais ou em periódicos destinados a nutrir a pie<strong>da</strong>de, nem com expressões que tenham<br />

ares de zombaria ou de desdém, nem com afirmações decisivas, particularmente, como quase sempre<br />

sucede, quando o que se afirma não passa as raias <strong>da</strong> probabili<strong>da</strong>de ou quando se baseia em opiniões e<br />

preconceitos. – Acerca <strong>da</strong>s sagra<strong>da</strong>s Relíquias tomem-se as seguintes normas: se os Bispos, que são os<br />

147


únicos juízes nesta matéria, reconhecerem com certeza que uma relíquia é falsa, sem demora a subtrairão<br />

ao culto dos fiéis. Se, por ocasião de perturbações civis ou por outro motivo, se tiverem extraviado os<br />

documentos de autentici<strong>da</strong>de de uma Relíquia qualquer, não seja exposta à veneração do povo, sem que<br />

primeiro tenha sido reconheci<strong>da</strong> pelo Bispo. Só terá valor o argumento de prescrição ou de presunção<br />

fun<strong>da</strong><strong>da</strong>, quando o culto for recomendável pela sua antigüi<strong>da</strong>de, conforme o Decreto <strong>da</strong> Congregação<br />

<strong>da</strong>s Indulgências e <strong>da</strong>s sagra<strong>da</strong>s Relíquias, do ano de 1896, expresso nestes termos: «As antigas<br />

Relíquias devem ser conserva<strong>da</strong>s na veneração que tiverem até agora, salvo se em casos particulares se<br />

tiverem provas certas de que são falsas ou supositícias. – Nos juízos a emitir acerca <strong>da</strong>s pias tradições,<br />

tenha-se sempre diante dos olhos a suma prudência de que usa a <strong>Igreja</strong> nesta matéria, de não permitir<br />

que essas tradições sejam relata<strong>da</strong>s nos livros sem as determina<strong>da</strong>s precauções, e com a prévia<br />

declaração prescrita por Urbano VIII; e apesar disto, ain<strong>da</strong> não se segue que a <strong>Igreja</strong> tenha o fato por<br />

ver<strong>da</strong>deiro, mas apenas não proíbe que se lhe dê crédito, uma vez que para isto não faltem argumentos<br />

humanos. Foi isto precisamente o que, há trinta anos, a Sagra<strong>da</strong> Congregação dos Ritos declarou (Decr.<br />

2/05/1877): «Essas aparições ou revelações não foram aprova<strong>da</strong>s nem condena<strong>da</strong>s pela Santa Sé, foram<br />

apenas aceitas como merecedores de piedosa crença, com fé puramente humana, em vista <strong>da</strong> tradição de<br />

que gozam, também confirma<strong>da</strong>s por testemunhas e documentos idôneos». Quem se apegar a esta regra,<br />

na<strong>da</strong> tem que temer. Com efeito, o culto de qualquer aparição, enquanto se baseia num fato e por isto se<br />

chama relativo, inclui sempre implicitamente a condição de veraci<strong>da</strong>de do fato; o absoluto, porém,<br />

sempre se fun<strong>da</strong> na ver<strong>da</strong>de, porquanto se dirige às mesmas pessoas dos Santos, a quem se honra. Dá-se<br />

o mesmo com as Relíquias. –Recomen<strong>da</strong>mos por fim ao Conselho de Vigilância, lance assídua e<br />

cui<strong>da</strong>dosamente as suas vistas sobre os institutos sociais e bem assim sobre os escritos relativos a<br />

questões sociais, afim de que nem sequer aí se dê agasalho a livros de modernismo, mas se acatem as<br />

prescrições dos Pontífices Romanos.<br />

VII. A fim de que as coisas aqui determina<strong>da</strong>s não fiquem esqueci<strong>da</strong>s, queremos e man<strong>da</strong>mos que,<br />

passado um ano <strong>da</strong> publicação <strong>da</strong>s presentes Letras, e em segui<strong>da</strong>, depois de ca<strong>da</strong> triênio, com exposição<br />

diligente e juramenta<strong>da</strong> os Bispos informem a Santa Sé a respeito do que nestas mesmas Letras se<br />

prescreve e <strong>da</strong>s doutrinas que circulam no clero e particularmente nos seminários e outros Institutos<br />

católicos, não excetuando nem sequer aqueles que estão isentos <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de do Ordinário. Ordenamos<br />

a mesma coisa aos Superiores gerais <strong>da</strong>s Ordens religiosas, com relação aos seus súditos.<br />

CONCLUSÃO<br />

Julgamos oportuno escrever-vos estas coisas, Veneráveis Irmãos, a bem <strong>da</strong> salvação de todos os fiéis.<br />

Por certo os inimigos <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> hão de valer-se disto, para de novo repisarem a velha acusação, com que<br />

procuram fazer-Nos passar por inimigos <strong>da</strong> ciência e dos progressos <strong>da</strong> civilização. A fim de opormos<br />

um novo desmentido a tais acusações, que são desfeitas a ca<strong>da</strong> página <strong>da</strong> história <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, é Nosso<br />

propósito conceder todo o auxílio e proteção a uma nova Instituição, pela qual sob o influxo <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de<br />

católica, será promovi<strong>da</strong> to<strong>da</strong> a sorte de ciências e erudições, com o concurso dos católicos mais<br />

insignes no saber. Queira Deus secun<strong>da</strong>r os Nossos desígnios, e auxiliarem-nos todos quantos têm<br />

ver<strong>da</strong>deiro amor à <strong>Igreja</strong> de Jesus Cristo. Entretanto, Veneráveis Irmãos, para vós, em cuja obra e zelo<br />

tanto confiamos, pedimos de coração a plenitude <strong>da</strong>s luzes celestiais, afim de que, nesta época de tão<br />

grande perigo para as almas, devido aos erros que de to<strong>da</strong> parte se infiltram, descortineis o que<br />

deveis fazer e o executeis com todo o ardor e fortaleza. Que vos assista com seu poder Jesus Cristo,<br />

autor e consumidor <strong>da</strong> fé; que vos assista com o seu socorro a Virgem Imacula<strong>da</strong>, destruidora de to<strong>da</strong>s<br />

as heresias. E Nós, como penhor <strong>da</strong> Nossa afeição e como arras <strong>da</strong>s divinas consolações no meio de<br />

vossos trabalhos, de coração vos <strong>da</strong>mos a vós, ao vosso clero, e ao vosso povo a Benção Apostólica.<br />

Dado em Roma, junto a São Pedro, no dia 8 de setembro de 1907, no quinto ano do Nosso Pontificado.<br />

PIO PP. X<br />

Carta Encíclica do Sumo Pontífice Papa Pio XI<br />

Mortalium Animos<br />

Sobre a Promoção <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira Uni<strong>da</strong>de de Religião<br />

148


AOS REVMOS. SENHORES PADRES PATRIARCAS, PRIMAZES, ARCEBISPOS, BISPOS E<br />

OUTROS ORDINÁRIOS DOS LUGARES EM PAZ E UNIÃO COM A SÉ APOSTÓLICA.<br />

Veneráveis irmãos:<br />

Saúde e Bênção Apostólica.<br />

1. Ânsia Universal de Paz e Fraterni<strong>da</strong>de<br />

Talvez jamais em uma outra época os espíritos dos mortais foram tomados por um tão grande desejo<br />

<strong>da</strong>quela fraterna amizade, pela qual em razão <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de e identi<strong>da</strong>de de natureza – somos estreitados e<br />

unidos entre nós, amizade esta que deve ser robusteci<strong>da</strong> e orienta<strong>da</strong> para o bem comum <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />

humana, quanto vemos ter acontecido nestes nossos tempos.<br />

Pois, embora as nações ain<strong>da</strong> não usufruam plenamente dos benefícios <strong>da</strong> paz, antes, pelo contrário, em<br />

alguns lugares, antigas e novas discórdias vão explodindo em sedições e em conflitos civis; como não é<br />

possível, entretanto, que as muitas controvérsias sobre a tranqüili<strong>da</strong>de e a prosperi<strong>da</strong>de dos povos sejam<br />

resolvi<strong>da</strong>s sem que exista a concórdia quanto à ação e às obras dos que governam as Ci<strong>da</strong>des e<br />

administram os seus negócios; compreende-se facilmente (tanto mais que já ninguém discor<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

uni<strong>da</strong>de do gênero humano) porque, estimulados por esta irman<strong>da</strong>de universal, também muitos desejam<br />

que os vários povos ca<strong>da</strong> dia se unam mais estreitamente.<br />

2. A Fraterni<strong>da</strong>de na Religião. Congressos Ecumênicos<br />

Entretanto, alguns lutam por realizar coisa não dissemelhante quanto à ordenação <strong>da</strong> Lei Nova trazi<strong>da</strong><br />

por Cristo, Nosso Senhor.<br />

Pois, tendo como certo que rarissimamente se encontram homens privados de todo sentimento religioso,<br />

por isto, parece, passaram a ter a esperança de que, sem dificul<strong>da</strong>de, ocorrerá que os povos, embora ca<strong>da</strong><br />

um sustente sentença diferente sobre as coisas divinas, concor<strong>da</strong>rão fraternalmente na profissão de<br />

algumas doutrinas como que em um fun<strong>da</strong>mento comum <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> espiritual.<br />

Por isto costumam realizar por si mesmos convenções, assembléias e pregações, com não medíocre<br />

freqüência de ouvintes e para elas convocam, para debates, promiscuamente, a todos: pagãos de to<strong>da</strong>s as<br />

espécies, fiéis de Cristo, os que infelizmente se afastaram de Cristo e os que obstina<strong>da</strong> e pertinazmente<br />

contradizem à sua natureza divina e à sua missão.<br />

3. Os Católicos não podem aprová-lo<br />

Sem dúvi<strong>da</strong>, estes esforços não podem, de nenhum modo, ser aprovados pelos católicos, pois eles se<br />

fun<strong>da</strong>mentam na falsa opinião dos que julgam que quaisquer religiões são, mais ou menos, boas e<br />

louváveis, pois, embora não de uma única maneira, elas alargam e significam de modo igual aquele<br />

sentido ingênito e nativo em nós, pelo qual somos levados para Deus e reconhecemos obsequiosamente<br />

o seu império<br />

Erram e estão enganados, portanto, os que possuem esta opinião: pervertendo o conceito <strong>da</strong><br />

ver<strong>da</strong>deira religião, eles repudiam-na e gradualmente inclinam-se para o chamado Naturalismo e<br />

para o Ateísmo. Daí segue-se claramente que quem concor<strong>da</strong> com os que pensam e empreendem<br />

tais coisas afasta-se inteiramente <strong>da</strong> religião divinamente revela<strong>da</strong>.<br />

4. Outro erro. A união de todos os Cristãos. Argumentos falazes<br />

Entretanto, quando se trata de promover a uni<strong>da</strong>de entre todos os cristãos, alguns são enganados<br />

mais facilmente por uma disfarça<strong>da</strong> aparência do que seja reto.<br />

Acaso não é justo e de acordo com o dever – costumam repetir amiúde – que todos os que invocam o<br />

nome de Cristo se abstenham de recriminações mútuas e sejam finalmente unidos por mútua cari<strong>da</strong>de?<br />

149


Acaso alguém ousaria afirmar que ama a Cristo se, na medi<strong>da</strong> de suas forças, não procura realizar as<br />

coisas que Ele desejou, ele que rogou ao Pai para que seus discípulos fossem "UM" (Jo 17,21)?<br />

Acaso não quis o mesmo Cristo que seus discípulos fossem identificados por este como que sinal e<br />

fossem por ele distinguidos dos demais, a saber, se mutuamente se amassem: "Todos conhecerão que<br />

sois meus discípulos nisto: se tiverdes amor um pelo outro?" (Jo. 13,35).<br />

Oxalá todos os cristão fossem "UM", acrescentam: eles poderiam repelir muito melhor a peste <strong>da</strong><br />

impie<strong>da</strong>de que, ca<strong>da</strong> dia mais, se alastra e se expande, e se ordena ao enfraquecimento do Evangelho.<br />

5. Debaixo desses argumentos se oculta um erro gravíssimo<br />

Os chamados "pancristãos" espalham e insuflam estas e outras coisas <strong>da</strong> mesma espécie. E eles estão tão<br />

longe de serem poucos e raros; mas, ao contrário, cresceram em fileiras compactas e uniram-se em<br />

socie<strong>da</strong>des largamente difundi<strong>da</strong>s, as quais, embora sobre coisas de fé ca<strong>da</strong> um esteja imbuído de uma<br />

doutrina diferente, são, as mais <strong>da</strong>s vezes, dirigi<strong>da</strong>s por acatólicos.<br />

Esta iniciativa é promovi<strong>da</strong> de modo tão ativo que, de muitos modos, consegue para si a adesão dos<br />

ci<strong>da</strong>dãos e arrebata e alicia os espíritos, mesmo de muitos católicos, pela esperança de realizar uma<br />

união que parecia de acordo com os desejos <strong>da</strong> Santa <strong>Mãe</strong>, a <strong>Igreja</strong>, para Quem, realmente, na<strong>da</strong> é tão<br />

antigo quanto o re-convocar e o reconduzir os filhos desviados para o seu grêmio.<br />

Na ver<strong>da</strong>de, sob os atrativos e os afagos destas palavras oculta-se um gravíssimo erro pelo qual<br />

são totalmente destruídos os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> fé.<br />

6. A ver<strong>da</strong>deira norma nesta matéria<br />

Advertidos, pois, pela consciência do dever apostólico, para que não permitamos que o rebanho do<br />

Senhor seja envolvido pela nocivi<strong>da</strong>de destas falácias, apelamos, veneráveis irmãos, para o vosso<br />

empenho na precaução contra este mal. Confiamos que, pelas palavras e escritos de ca<strong>da</strong> um de vós,<br />

poderemos atingir mais facilmente o povo, e que os princípios e argumentos, que a seguir proporemos,<br />

sejam entendidos por ele; pois, por meio deles, os católicos devem saber o que devem pensar e praticar,<br />

<strong>da</strong>do que se trata de iniciativas que dizem respeitos a eles, para unir de qualquer maneira em um só<br />

corpo os que se denominam cristãos.<br />

7. Só uma religião pode ser ver<strong>da</strong>deira: A revela<strong>da</strong> por Deus<br />

Fomos criados por Deus, Criador de to<strong>da</strong>s as coisas, para este fim: conhecê-lO e serví-lO. O nosso<br />

Criador possui, portanto, pleno direito de ser servido.<br />

Por certo, poderia Deus ter estabelecido apenas uma lei <strong>da</strong> natureza para o governo do homem. Ele, ao<br />

criá-lo, gravou-a em seu espírito e poderia, portanto a partir <strong>da</strong>í, governar os seus novos atos pela<br />

providência ordinária dessa mesma lei. Mas, preferiu <strong>da</strong>r preceitos aos quais nós obedecêssemos e, no<br />

decurso dos tempos, desde os começos do gênero humano até a vin<strong>da</strong> e a pregação de Jesus Cristo, Ele<br />

próprio ensinou ao homem, naturalmente dotado de razão, os deveres que dele seriam exigidos para com<br />

o Criador: "Em muitos lugares e de muitos modos, antigamente, falou Deus aos nossos pais pelos<br />

profetas; ultimamente, nestes dias, falou-nos por seu Filho" (Heb 1,1 Seg).<br />

Está, portanto, claro que a religião ver<strong>da</strong>deira não pode ser outra senão a que se fun<strong>da</strong> na palavra<br />

revela<strong>da</strong> de Deus; começando a ser feita desde o princípio, essa revelação prosseguiu sob a Lei<br />

Antiga e o próprio Cristo completou-a sob a Nova Lei.<br />

Portanto, se Deus falou – e comprova-se pela fé histórica Ter ele realmente falado – não há quem não<br />

veja ser dever do homem acreditar, de modo absoluto, em Deus que se revela e obedecer integralmente a<br />

Deus que impera. Mas, para a glória de Deus e para a nossa salvação, em relação a uma coisa e outra, o<br />

Filho Unigênito de Deus instituiu na terra a sua <strong>Igreja</strong>.<br />

8. A única religião revela<strong>da</strong> é a <strong>Igreja</strong> Católica<br />

Acreditamos, pois, que os que afirmam serem cristãos, não possam fazê-lo sem crer que uma <strong>Igreja</strong>, e<br />

uma só, foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong> por Cristo. Mas, se se in<strong>da</strong>ga, além disso, qual deva ser ela pela vontade do seu<br />

Autor, já não estão todos em consenso.<br />

150


Assim, por exemplo, muitíssimos destes negam a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> de Cristo ser visível e<br />

perceptível, pelo menos na medi<strong>da</strong> em que deva aparecer como um corpo único de fiéis, concordes em<br />

uma só e mesma doutrina, sob um só magistério e um só regime. Mas, pelo contrário, julgam que a<br />

<strong>Igreja</strong> perceptível e visível é uma Federação de várias comuni<strong>da</strong>des cristãs, embora aderentes, ca<strong>da</strong> uma<br />

delas, a doutrinas opostas entre si.<br />

Entretanto, Cristo Senhor instituiu a sua <strong>Igreja</strong> como uma socie<strong>da</strong>de perfeita de natureza externa e<br />

perceptível pelos sentidos, a qual, nos tempos futuros, prosseguiria a obra <strong>da</strong> reparação do gênero<br />

humano pela regência de uma só cabeça (Mt 16,18 seg.; Lc 22,32; Jo 21,15-17), pelo magistério de uma<br />

voz viva (Mc 16,15) e pela dispensação dos sacramentos, fontes <strong>da</strong> graça celeste (Jo 3,5; 6,48-50; 20,22<br />

seg.; cf. Mt 18,18; etc.). Por esse motivo, por comparações afirmou-a semelhante a um reino (Mt, 13), a<br />

uma casa (Mt 16,18), a um redil de ovelhas (Jo 10,16) e a um rebanho (Jo 21,15-17).<br />

Esta <strong>Igreja</strong>, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> de modo tão admirável, ao Lhe serem retirados o seu Fun<strong>da</strong>dor e os Apóstolos que<br />

por primeiro a propagaram, em razão <strong>da</strong> morte deles, não poderia cessar de existir e ser extinta, uma vez<br />

que Ela era aquela a quem, sem nenhuma discriminação quanto a lugares e a tempos, fora <strong>da</strong>do o<br />

preceito de conduzir todos os homens à salvação eterna: "Ide, pois, ensinai a todos os povos" (Mt<br />

28,19).<br />

Acaso faltaria à <strong>Igreja</strong> algo quanto à virtude e eficácia no cumprimento perene desse múnus,<br />

quando o próprio Cristo solenemente prometeu estar sempre presente a ela: "Eis que Eu estou<br />

convosco, todos os dias, até a consumação dos séculos?" (Mt 28,20).<br />

Deste modo, não pode ocorrer que a <strong>Igreja</strong> de Cristo não exista hoje e em todo o tempo, e também que<br />

Ela não exista como inteiramente a mesma que existiu à época dos Apóstolos. A não ser que desejemos<br />

afirmar que: Cristo Senhor ou não cumpriu o que propôs ou que errou ao afirmar que as portas do<br />

inferno jamais prevaleceriam contra Ela (Mt 16,18).<br />

9. Um erro capital do movimento ecumênico na pretendi<strong>da</strong> união <strong>da</strong>s <strong>Igreja</strong>s cristãs<br />

Ocorre-nos dever esclarecer e afastar aqui certa opinião falsa, <strong>da</strong> qual parece depender to<strong>da</strong> esta questão<br />

e proceder; essa múltipla ação e conspiração dos acatólicos que, como dissemos, trabalham pela união<br />

<strong>da</strong>s igrejas cristãs.<br />

Os autores desta opinião acostumaram-se a citar, quase que indefini<strong>da</strong>mente, a Cristo dizendo: "Para<br />

que todos sejam um"... "Haverá um só rebanho e um só Pastor." (Jo 27,21; 10,16). Fazem-no, to<strong>da</strong>via,<br />

de modo que, por essas palavras, queiram significar um desejo e uma prece de Cristo ain<strong>da</strong> carente de<br />

seu efeito.<br />

Pois opinam: a uni<strong>da</strong>de de fé e de regime, distintivo <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira e única <strong>Igreja</strong> de Cristo, quase nunca<br />

existiu até hoje e nem hoje existe; que ela pode, sem dúvi<strong>da</strong>, ser deseja<strong>da</strong> e talvez realizar-se alguma<br />

vez, por uma inclinação comum <strong>da</strong>s vontades; mas que, entrementes, deve existir apenas uma fictícia<br />

uni<strong>da</strong>de.<br />

Acrescentam que a <strong>Igreja</strong> é por si mesma, por natureza, dividi<strong>da</strong> em partes, isto é, que ela consta de<br />

muitas igrejas ou comuni<strong>da</strong>des particulares, as quais, ain<strong>da</strong> separa<strong>da</strong>s, embora possuam alguns capítulos<br />

comuns de doutrina, discor<strong>da</strong>m, to<strong>da</strong>via, nos demais. Que ca<strong>da</strong> uma delas possui os mesmos direitos,<br />

que, no máximo, a <strong>Igreja</strong> foi única e una <strong>da</strong> época apostólica até os primeiros concílios ecumênicos.<br />

Assim, dizem, é necessário colocar de lado e afastar as controvérsias e as antiqüíssimas varie<strong>da</strong>des de<br />

sentenças que até hoje impedem a uni<strong>da</strong>de do nome cristão e, quanto às outras doutrinas, elaborar e<br />

propor uma certa lei comum de crer, em cuja profissão de fé todos se conheçam e se sintam como<br />

irmãos, pois, se as múltiplas igrejas e comuni<strong>da</strong>des forem uni<strong>da</strong>s por um certo pacto, existiria já a<br />

condição para que os progressos <strong>da</strong> impie<strong>da</strong>de fossem futuramente impedidos de modo sólido e<br />

frutuoso. Estas são, Veneráveis Irmãos, as afirmações comuns.<br />

Existem, contudo, os que estabelecem e concedem que o chamado Protestantismo, de modo bastante<br />

inconsiderado, deixou de lado certos capítulos <strong>da</strong> fé e alguns ritos do culto exterior, sem dúvi<strong>da</strong> gratos e<br />

úteis, que, pelo contrário, a <strong>Igreja</strong> Romana ain<strong>da</strong> conserva.<br />

Mas, de imediato, acrescentam que esta mesma <strong>Igreja</strong> também agiu mal, corrompendo a religião<br />

primitiva por algumas doutrinas alheias e repugnantes ao Evangelho, propondo acréscimos para serem<br />

cridos: enumeram como o principal entre estes o que versa sobre o Primado de Jurisdição atribuído a<br />

Pedro e a seus Sucessores na Sé Romana.<br />

Entre os que assim pensam, embora não sejam muitos, estão os que indulgentemente atribuem ao<br />

151


Pontífice Romano um primado de honra ou uma certa jurisdição e poder que, entretanto, julgam<br />

procedente não do direito divino, mas de certo consenso dos fiéis. Chegam outros ao ponto de, por seus<br />

conselhos, que diríeis serem furta-cores, quererem presidir o próprio Pontífice.<br />

E se é possível encontrar muitos acatólicos pregando à boca cheia a união fraterna em Jesus Cristo,<br />

entretanto não encontrareis a nenhum deles em cujos pensamentos esteja a submissão e a<br />

obediência ao Vigário de Jesus Cristo enquanto docente ou enquanto governante.<br />

Afirmam eles que tratariam de bom grado com a <strong>Igreja</strong> Romana, mas com igual<strong>da</strong>de de direitos, isto é,<br />

iguais com um igual. Mas, se pudessem fazê-lo, não parece existir dúvi<strong>da</strong> de que agiriam com a intenção<br />

de que, por um pacto que talvez se ajustasse, não fossem coagidos a afastarem-se <strong>da</strong>quelas opiniões<br />

que são a causa pela qual ain<strong>da</strong> vagueiem e errem fora do único aprisco de Cristo.<br />

10. A <strong>Igreja</strong> Católica não pode participar de semelhantes reuniões<br />

Assim sendo, é manifestamente claro que a Santa Sé, não pode, de modo algum, participar de suas<br />

assembléias e que, aos católicos, de nenhum modo é lícito aprovar ou contribuir para estas<br />

iniciativas: se o fizerem concederão autori<strong>da</strong>de a uma falsa religião cristã, sobremaneira alheia à<br />

única <strong>Igreja</strong> de Cristo.<br />

11. A ver<strong>da</strong>de revela<strong>da</strong> não admite transações<br />

Acaso poderemos tolerar - o que seria bastante iníquo - que a ver<strong>da</strong>de e, em especial a revela<strong>da</strong>,<br />

seja diminuí<strong>da</strong> através de pactuações? No caso presente, trata-se <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de revela<strong>da</strong> que deve ser<br />

defendi<strong>da</strong>.<br />

Se Jesus Cristo enviou os Apóstolos a todo o mundo, a todos os povos que deviam ser instruídos na fé<br />

evangélica e, para que não errassem em na<strong>da</strong>, quis que, anteriormente, lhes fosse ensina<strong>da</strong> to<strong>da</strong> a<br />

ver<strong>da</strong>de pelo Espírito Santo, acaso esta doutrina dos Apóstolos faltou inteiramente ou foi alguma vez<br />

perturba<strong>da</strong> na <strong>Igreja</strong> em que o próprio Deus está presente como regente e guardião?<br />

Se o nosso Redentor promulgou claramente o seu Evangelho, não apenas para os tempos apostólicos,<br />

mas também para pertencer às futuras épocas, o objeto <strong>da</strong> fé pode tornar-se de tal modo obscuro e<br />

incerto que hoje seja necessário tolerar opiniões pelo menos contrárias entre si?<br />

Se isto fosse ver<strong>da</strong>de dever-se-ia igualmente dizer que o Espírito Santo que desceu sobre os Apóstolos, a<br />

perpétua permanência dele na <strong>Igreja</strong> e também que a própria pregação de Cristo já perdera, desde muitos<br />

séculos, to<strong>da</strong> a eficácia e utili<strong>da</strong>de: afirmar isto é, sem dúvi<strong>da</strong>, blasfemo.<br />

12. A <strong>Igreja</strong> Católica: depositária infalível <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de<br />

Quando o Filho unigênito de Deus ordenou a seus enviados que ensinassem a todos os povos, vinculou<br />

então todos os homens pelo dever de crer nas coisas que lhes fossem anuncia<strong>da</strong>s pela "testemunha préordena<strong>da</strong><br />

por Deus" (At. 10,41). Entretanto, um e outro preceito de Cristo, o de ensinar e o de crer na<br />

consecução <strong>da</strong> salvação eterna, que não podem deixar de ser cumpridos, não poderiam ser entendidos a<br />

não ser que a <strong>Igreja</strong> proponha de modo íntegro e claro a doutrina evangélica e que, ao propô-la, seja<br />

imune a qualquer perigo de errar.<br />

Afastam-se igualmente do caminho os que julgam que o depósito <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de existe realmente na terra,<br />

mas que é necessário um trabalho difícil, com tão longos estudos e disputas para encontrá-lo e possuí-lo<br />

que a vi<strong>da</strong> dos homens seja apenas suficiente para isso, como se Deus benigníssimo tivesse falado pelos<br />

profetas e pelo seu Unigênito para que apenas uns poucos, e estes mesmos já avançados em i<strong>da</strong>de,<br />

aprendessem perfeitamente as coisas que por eles revelou, e não para que preceituasse uma doutrina<br />

de fé e de costumes pela qual, em todo o decurso de sua vi<strong>da</strong> mortal, o homem fosse regido.<br />

13. Sem fé, não há ver<strong>da</strong>deira cari<strong>da</strong>de<br />

Estes pancristãos, que empenham o seu espírito na união <strong>da</strong>s igrejas, pareceriam seguir, por certo, o<br />

nobilíssimo conselho <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de que deve ser promovi<strong>da</strong> entre os cristãos. Mas, <strong>da</strong>do que a cari<strong>da</strong>de<br />

se desvia em detrimento <strong>da</strong> fé, o que pode ser feito?<br />

152


Ninguém ignora por certo que o próprio João, o Apóstolo <strong>da</strong> Cari<strong>da</strong>de, que em seu Evangelho parece ter<br />

manifestado os segredos do Coração Sacratíssimo de Jesus e que permanentemente costumava inculcar à<br />

memória dos seus o man<strong>da</strong>mento novo: "Amai-vos uns aos outros", vetou inteiramente até mesmo<br />

manter relações com os que professavam de forma não íntegra e incorrupta a doutrina de Cristo: "Se<br />

alguém vem a vós e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem digais a ele uma sau<strong>da</strong>ção."<br />

(2 Jo. 10).<br />

Pelo que, como a cari<strong>da</strong>de se apóia na fé íntegra e sincera como que em um fun<strong>da</strong>mento, então é<br />

necessário unir os discípulos de Cristo pela uni<strong>da</strong>de de fé como no vínculo principal.<br />

14. União Irracional<br />

Assim, de que vale excogitar no espírito uma certa Federação cristã, na qual ao ingressar ou então<br />

quando se tratar do objeto <strong>da</strong> fé, ca<strong>da</strong> qual retenha a sua maneira de pensar e de sentir, embora<br />

ela seja repugnante às opiniões dos outros?<br />

E de que modo pedirmos que participem de um só e mesmo Conselho homens que se distanciam<br />

por sentenças contrárias como, por exemplo, os que afirmam e os que negam ser a sagra<strong>da</strong><br />

Tradição uma fonte genuína <strong>da</strong> Revelação Divina?<br />

Como os que adoram a Cristo realmente presente na Santíssima Eucaristia, por aquela admirável<br />

conversão do pão e do vinho que se chama transubstanciação e os que afirmam que, somente pela<br />

fé ou por sinal e em virtude do Sacramento, aí está presente o Corpo de Cristo?<br />

Como os que reconhecem nela a natureza do Sacrifício e a do Sacramento e os que dizem que ela<br />

não é senão a memória ou comemoração <strong>da</strong> Ceia do Senhor?<br />

Como os que crêem ser bom e útil invocar súplice os Santos que reinam junto de Cristo - <strong>Maria</strong>,<br />

<strong>Mãe</strong> de Deus, em primeiro lugar - e tributar veneração às suas imagens, e os que contestam que<br />

não pode ser admitido semelhante culto, por ser contrário à honra de Jesus Cristo, "único<br />

mediador de Deus e dos homens"? (1 Tim. 2,5).<br />

15. Princípio até o indiferentismo e o modernismo<br />

Não sabemos, pois, como por essa grande divergência de opiniões seja defendi<strong>da</strong> o caminho para a<br />

realização <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>: ela não pode resultar senão de um só magistério, de uma só lei de crer,<br />

de uma só fé entre os cristãos. Sabemos, entretanto, gerar-se facilmente <strong>da</strong>í um degrau para a<br />

negligência com a religião ou o Indiferentismo e para o denominado Modernismo. Os que foram<br />

miseravelmente infeccionados por ele defendem que não é absoluta, mas relativa a ver<strong>da</strong>de revela<strong>da</strong>,<br />

isto é, de acordo com as múltiplas necessi<strong>da</strong>des dos tempos e dos lugares e com as várias inclinações<br />

dos espíritos, uma vez que ela não estaria limita<strong>da</strong> por uma revelação imutável, mas seria tal que se<br />

a<strong>da</strong>ptaria à vi<strong>da</strong> dos homens.<br />

Além disso, com relação às coisas que devem ser cri<strong>da</strong>s, não é lícito utilizar-se, de modo algum, <strong>da</strong>quela<br />

discriminação que houveram por bem introduzir entre o que denominam capítulos fun<strong>da</strong>mentais e<br />

capítulos não fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> fé, como se uns devessem ser recebidos por todos, e, com relação aos<br />

outros, pudesse ser permitido o assentimento livre dos fiéis: a Virtude sobrenatural <strong>da</strong> fé possui como<br />

causa formal a autori<strong>da</strong>de de Deus revelante e não pode sofrer nenhuma distinção como esta.<br />

Por isto, todos os que são ver<strong>da</strong>deiramente de Cristo consagram, por exemplo, ao mistério <strong>da</strong><br />

Augusta Trin<strong>da</strong>de a mesma fé que possuem em relação ao dogma <strong>da</strong> <strong>Mãe</strong> de Deus concebi<strong>da</strong> sem<br />

a mancha original e não possuem igualmente uma fé diferente com relação à Encarnação do<br />

Senhor e ao magistério infalível do Pontífice romano, no sentido definido pelo Concílio Ecumênico<br />

Vaticano.<br />

Nem se pode admitir que as ver<strong>da</strong>des que a <strong>Igreja</strong>, através de solenes decretos, sancionou e definiu<br />

em outras épocas, pelo menos as proximamente superiores, não sejam, por este motivo, igualmente<br />

certas e nem devam ser igualmente acredita<strong>da</strong>s: acaso não foram to<strong>da</strong>s elas revela<strong>da</strong>s por Deus?<br />

Pois, o Magistério <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, por decisão divina, foi constituído na terra para que as doutrinas<br />

revela<strong>da</strong>s não só permanecessem incólumes perpetuamente, mas também para que fossem leva<strong>da</strong>s<br />

ao conhecimento dos homens de um modo mais fácil e seguro. E, embora seja ele diariamente<br />

153


exercido pelo Pontífice Romano e pelos Bispos em união com ele, to<strong>da</strong>via ele se completa pela<br />

tarefa de agir, no momento oportuno, definindo algo por meio de solenes ritos e decretos, se<br />

alguma vez for necessário opor-se aos erros ou impugnações dos hereges de um modo mais<br />

eficiente ou imprimir nas mentes dos fiéis capítulos <strong>da</strong> doutrina sagra<strong>da</strong> expostos de modo mais<br />

claro e pormenorizado.<br />

Por este uso extraordinário do Magistério nenhuma invenção é introduzi<strong>da</strong> e nenhuma coisa nova<br />

é acrescenta<strong>da</strong> à soma de ver<strong>da</strong>des que estando conti<strong>da</strong>s, pelo menos implicitamente, no depósito<br />

<strong>da</strong> revelação, foram divinamente entregues à <strong>Igreja</strong>, mas são declara<strong>da</strong>s coisas que, para muitos<br />

talvez, ain<strong>da</strong> poderiam parecer obscuras, ou são estabeleci<strong>da</strong>s coisas que devem ser manti<strong>da</strong>s<br />

sobre a fé e que antes eram por alguns colocados sob controvérsia.<br />

16. A única maneira de unir todos os cristãos<br />

Assim, Veneráveis Irmãos, é clara a razão pela qual esta Sé Apostólica nunca permitiu aos seus estarem<br />

presentes às reuniões de acatólicos por quanto não é lícito promover a união dos cristãos de outro<br />

modo senão promovendo o retorno dos dissidentes à única ver<strong>da</strong>deira <strong>Igreja</strong> de Cristo, <strong>da</strong>do que<br />

outrora, infelizmente, eles se apartaram dela.<br />

Dizemos à única ver<strong>da</strong>deira <strong>Igreja</strong> de Cristo: sem dúvi<strong>da</strong> ela é a todos manifesta e, pela vontade<br />

de seu Autor, Ela perpetuamente permanecerá tal qual Ele próprio A instituiu para a salvação de<br />

todos.<br />

Pois, a mística Esposa de Cristo jamais se contaminou com o decurso dos séculos nem, em época<br />

alguma, poderá ser contamina<strong>da</strong>, como Cipriano o atesta: "A Esposa de Cristo não pode ser<br />

adultera<strong>da</strong>: ela é incorrupta e pudica. Ela conhece uma só casa e guar<strong>da</strong> com casto pudor a<br />

santi<strong>da</strong>de de um só cubículo" (De Cath. Ecclessiae unitate, 6).<br />

E o mesmo santo Mártir, com direito e com razão, grandemente se admirava de que pudesse alguém<br />

acreditar que "esta uni<strong>da</strong>de que procede <strong>da</strong> firmeza de Deus pudesse cindir-se e ser quebra<strong>da</strong> na <strong>Igreja</strong><br />

pelo divórcio de vontades em conflito" (ibidem).<br />

Portanto, <strong>da</strong>do que o Corpo Místico de Cristo, isto é, a <strong>Igreja</strong>, é um só (1 Cor. 12,12), compacto e<br />

conexo (Ef. 4,15), à semelhança do seu corpo físico, seria inépcia e estultície afirmar alguém que ele<br />

pode constar de membros desunidos e separados: quem pois não estiver unido com ele, não é membro<br />

seu, nem está unido à cabeça, Cristo (Cfr. Ef. 5,30; 1,22).<br />

17. A obediência ao Romano Pontífice<br />

Mas, ninguém está nesta única <strong>Igreja</strong> de Cristo e ninguém nela permanece a não ser que,<br />

obedecendo, reconheça e acate o poder de Pedro e de seus sucessores legítimos.<br />

Por acaso os antepassados dos enre<strong>da</strong>dos pelos erros de Fócio e dos reformadores não estiveram unidos<br />

ao Bispo de Roma, ao Pastor supremo <strong>da</strong>s almas?<br />

Ai! Os filhos afastaram-se <strong>da</strong> casa paterna; to<strong>da</strong>via ela não foi feita em pe<strong>da</strong>ços e nem foi destruí<strong>da</strong> por<br />

isso, uma vez que estava arrima<strong>da</strong> na perene proteção de Deus. Retornem, pois, eles ao Pai comum que,<br />

esquecido <strong>da</strong>s injúrias antes grava<strong>da</strong>s a fogo contra a Sé Apostólica, recebê-los-á com máximo amor.<br />

Pois se, como repetem freqüentemente, desejam unir-se Conosco e com os nossos, por que não se<br />

apressam em entrar na <strong>Igreja</strong>, "<strong>Mãe</strong> e Mestra de todos os fiéis de Cristo" (Conc. Later 4, c.5)?<br />

Escutem a Lactâncio chamando amiúde: "Só a <strong>Igreja</strong> Católica é a que retém o ver<strong>da</strong>deiro culto. Aqui<br />

está a fonte <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, este é o domicílio <strong>da</strong> Fé, este é o templo de Deus: se alguém não entrar por<br />

ele ou se alguém dele sair, está fora <strong>da</strong> esperança <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e salvação. é necessário que ninguém se<br />

afague a si mesmo com a pertinácia nas disputas, pois trata-se <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> salvação que, a não ser<br />

que seja provi<strong>da</strong> de um modo cauteloso e diligente, estará perdi<strong>da</strong> e extinta" (Divin. Inst. 4,30, 11-12).<br />

18. Apelo às seitas dissidentes<br />

Aproximem-se, portanto, os filhos dissidentes <strong>da</strong> Sé Apostólica, estabeleci<strong>da</strong> nesta ci<strong>da</strong>de que os<br />

Príncipes dos Apóstolos Pedro e Paulo consagraram com o seu sangue; <strong>da</strong>quela Sede, dizemos, que<br />

é "raiz e matriz <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica" (S. Cypr., ep. 48 ad Cornelium, 3), não com o objetivo e a<br />

esperança de que "a <strong>Igreja</strong> do Deus vivo, coluna e fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de" (1 Tim 3,15) renuncie à<br />

154


integri<strong>da</strong>de <strong>da</strong> fé e tolere os próprios erros deles, mas, pelo contrário, para que se entreguem a seu<br />

magistério e regime.<br />

Oxalá auspiciosamente ocorra para Nós isto que não ocorreu ain<strong>da</strong> para tantos dos nossos muitos<br />

Predecessores, a fim de que possamos abraçar com espírito fraterno os filhos que nos é doloroso<br />

estejam de Nós separados por uma perniciosa dissensão. Prece a Nosso Senhor e a Nossa Senhora:<br />

Oxalá Deus, Senhor nosso, que "quer salvar todos os homens e que eles venham ao conhecimento <strong>da</strong><br />

ver<strong>da</strong>de"(1 Tim. 2,4) nos ouça suplicando fortemente para que Ele se digne chamar à uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

<strong>Igreja</strong> a todos os errantes.<br />

Nesta questão que é, sem dúvi<strong>da</strong>, gravíssima, utilizamos e queremos que seja utiliza<strong>da</strong> como<br />

intercessora a Bem-aventura<strong>da</strong> Virgem <strong>Maria</strong>, <strong>Mãe</strong> <strong>da</strong> graça divina, vencedora de to<strong>da</strong>s as<br />

heresias e auxílio dos cristãos, para que Ela peça, para o quanto antes, a chega<strong>da</strong> <strong>da</strong>quele dia tão<br />

desejado por nós, em que todos os homens escutem a voz do seu Filho divino, "conservando a<br />

uni<strong>da</strong>de de espírito em um vínculo de paz" (Ef. 4,3).<br />

19. Conclusão e Bênção Apostólica<br />

Compreendeis, Veneráveis Irmãos, o quanto desejamos isto e queremos que o saibam os nossos filhos,<br />

não só todos os do mundo católico, mas também os que de Nós dissentem. Estes, se implorarem em<br />

prece humilde as luzes do céu, por certo reconhecerão a única ver<strong>da</strong>deira <strong>Igreja</strong> de Jesus Cristo e,<br />

por fim, n'Ela tendo entrado, estarão unidos conosco em perfeita cari<strong>da</strong>de.<br />

No aguardo deste fato, como auspício dos dons de Deus e como testemunho de nossa paterna<br />

benevolência, concedemos muito cordialmente a vós, Veneráveis Irmãos, e a vosso clero e povo, a<br />

bênção apostólica.<br />

Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia seis de janeiro, no ano de 1928, festa <strong>da</strong> Epifania de Jesus<br />

Cristo, Nosso Senhor, sexto de nosso Pontificado.<br />

Pio, Papa XI.<br />

Fonte:http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_pxi_enc_19280106_mortalium-animos_po.html<br />

Papa na missa em Frascati: o anúncio de Cristo busca a ver<strong>da</strong>de, não o consenso.<br />

- A <strong>Igreja</strong> não prega aquilo que os homens querem ouvir, mas a ver<strong>da</strong>de e a justiça.<br />

É uma <strong>da</strong>s passagens de <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> na homilia <strong>da</strong> missa celebra<strong>da</strong> na manhã deste domingo em Frascati<br />

– próximo a Castel Gandolfo – com a participação de oito mil fiéis.<br />

Uma visita que se realizou à distância de 32 anos <strong>da</strong> de João Paulo II. Encontrava-se presente na<br />

celebração também o Cardeal Secretário de Estado Tarcísio Bertone, bispo titular <strong>da</strong> diocese tuscolana.<br />

A Praça São Pedro de Frascati acolheu o Papa na visita à ci<strong>da</strong>dezinha do Lácio que, depois de Roma, foi<br />

a que mais deu pontífices para a <strong>Igreja</strong>.<br />

Coincidências importantes que ressaltam um laço de afeto estreito e forte: não por acaso, o Santo Padre<br />

falou de uma visita feita "para partilhar alegrias e esperanças, fadigas e compromissos, ideais e<br />

aspirações".<br />

"Graças a Deus – acrescentou – que me mandou hoje aqui para anunciar novamente a vocês essa<br />

Palavra de salvação." E a reflexão do Pontífice desenvolveu-se em torno <strong>da</strong> missão dos Apóstolos, os<br />

"enviados", os "man<strong>da</strong>dos":<br />

"O fato de Jesus chamar alguns discípulos para colaborar diretamente com a sua missão manifesta um<br />

aspecto de seu amor: Ele não desdenha a aju<strong>da</strong> que outros homens podem <strong>da</strong>r à sua obra; conhece os<br />

seus limites, as suas fraquezas, mas jamais os despreza, pelo contrário, confere-lhes a digni<strong>da</strong>de de<br />

serem seus enviados."<br />

Uma missão que requer algumas instruções: o ser desapegado ao dinheiro e às comodi<strong>da</strong>des e levar em<br />

consideração a possibili<strong>da</strong>de de serem rejeitados, inclusive perseguidos.<br />

"Eles devem falar em nome de Jesus sem se preocupar em ter sucesso", disse o Santo Padre. Como<br />

aconteceu com o profeta Amós, chamado por Deus para pregar contra os abusos e as injustiças, expulso<br />

pelo sacerdote Amasias. Uma rejeição que mantém a sua missão intacta.<br />

"Ele continuará profetizando – ressaltou o Papa –, pregando aquilo que Deus disse e não aquilo que<br />

155


os homens queriam ouvir. E esse continua sendo o man<strong>da</strong>to <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>: não pregar aquilo que os<br />

poderosos querem ouvir. O critério dos discípulos é a ver<strong>da</strong>de e a justiça, mesmo que se esteja contra<br />

os aplausos e contra o poder humano." (15/07/2012)<br />

Fonte: http://www.news.va/pt/news/papa-na-missa-em-frascati-o-anuncio-de-cristo-busc<br />

<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> consegue cortar os ramos secos, superar os obstáculos e as imensas<br />

dificul<strong>da</strong>des.<br />

Ele é criticado, traído em sua confiança, envolvido em escân<strong>da</strong>los pelo comportamento de outros,<br />

instado a renunciar. Mesmo assim, quando tudo parece estar nos seus piores momentos, o papa <strong>Bento</strong><br />

<strong>XVI</strong> mostra ao mundo as razões, a beleza e o poder regenerador do cristianismo. Já houve quem<br />

dissesse que ele é velho demais para dirigir e renovar a <strong>Igreja</strong>. Que ele é acadêmico demais para ser<br />

entendido pelo povo. Que ele é dogmático demais para dialogar com a moderni<strong>da</strong>de. Que ele é fraco<br />

demais para reagir às traições, à corrupção, à per<strong>da</strong> de fé.<br />

No entanto, como São Paulo declarou, "é quando sou fraco que sou forte". <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> mostrou no<br />

Encontro Mundial <strong>da</strong>s Famílias, a renova<strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de do cristianismo de converter os corações e <strong>da</strong>r<br />

esperanças aos povos <strong>da</strong> terra.<br />

Num mundo onde tudo parece desmoronar, sejam as finanças, as ideologias, os ídolos, os partidos<br />

políticos, as estruturas públicas e religiosas, o papa reuniu oitenta mil jovens crismandos e seus<br />

catequistas no estádio de Milão; e mais de um milhão de famílias de to<strong>da</strong>s as partes do mundo,<br />

para dizer a todos que o futuro pertence aos que tiverem fé em Jesus Cristo.<br />

Para os administradores públicos, o bispo de Roma disse que, para vencer a crise, "precisamos não<br />

apenas de escolhas técnicas e políticas corajosas, mas também <strong>da</strong> gratui<strong>da</strong>de que deve motivar as<br />

escolhas dos cristãos". "Contra a crise, a justiça não é suficiente se não vier acompanha<strong>da</strong> do amor<br />

pela liber<strong>da</strong>de". É neste contexto que a política precisa se tornar "uma forma superior de amor pelas<br />

pessoas e pelo bem comum".<br />

Aos jovens, o papa mostrou a santi<strong>da</strong>de como o “caminho normal do cristão”, e os chamou a serem<br />

“disponíveis e generosos, porque o egoísmo é o inimigo <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira alegria”. "Abram-se àquilo que<br />

o Senhor sugere! E se Ele os chamar a segui-lo, não lhe digam que não! Jesus preencherá o seu<br />

coração para to<strong>da</strong> a sua vi<strong>da</strong>!".<br />

Às famílias, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> reiterou que elas são "o recurso principal <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de". "Queridos cônjuges,<br />

no casamento vocês não doam algo ou alguma ativi<strong>da</strong>de, mas to<strong>da</strong> a sua vi<strong>da</strong>. E o seu amor é fecundo<br />

primeiramente para vocês mesmos, porque vocês querem e fazem o bem uns para os outros,<br />

experimentando a alegria de <strong>da</strong>r e de receber".<br />

O pontífice explicou que o casamento entre um homem e uma mulher "é fecundo na procriação<br />

generosa e responsável dos filhos, no cui<strong>da</strong>do dedicado a eles e na sua educação atenta e sábia".<br />

"E é fecundo para a socie<strong>da</strong>de, porque a vi<strong>da</strong> familiar é a primeira e insubstituível escola <strong>da</strong>s virtudes<br />

sociais, como o respeito pelas pessoas, a gratui<strong>da</strong>de, a confiança, a responsabili<strong>da</strong>de, a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de,<br />

a cooperação".<br />

Em meio à multidão, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> mostrou a determinação serena e forte de guiar o "barco de Pedro"<br />

iluminando e aquecendo os corações e as mentes do mundo inteiro.<br />

Quando foi eleito, em 19 de abril de 2005, o pontífice disse que seria "um humilde trabalhador na<br />

vinha do Senhor". Até agora ele manteve as suas promessas, po<strong>da</strong>ndo a vinha e tornando-a mais livre<br />

e mais forte diante <strong>da</strong>s tentativas de condicionamentos e de manipulações.<br />

Ratzinger é, sim, um ancião, e parece frágil de corpo. Mas está limpando a casa de Pedro e deixando-a<br />

transparente e aberta de uma forma extraordinariamente heróica. Nenhum papa conseguiu em tão<br />

pouco tempo cortar os ramos secos, livrar a videira dos obstáculos e fazê-la crescer no meio de<br />

incontáveis dificul<strong>da</strong>des.<br />

Para os católicos e para o mundo, o papa assume ca<strong>da</strong> vez mais a dimensão <strong>da</strong> bênção de Deus.<br />

Fonte: http://www.catolicismoromano.com.br/content/view/1823/37/<br />

O Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> e suas históricas homilias<br />

Ninguém o disse no dilúvio de homenagens que marcou o sétimo aniversário de <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> como Papa,<br />

mas o elemento que mais revelou o sentido profundo de seu pontificado foi um temporal.<br />

Era uma noite tórri<strong>da</strong> em Madri, em agosto de 2011. Diante do Papa <strong>Bento</strong>, na esplana<strong>da</strong>, um milhão de<br />

156


jovens, com uma i<strong>da</strong>de média de 22 anos, desconhecidos. Subitamente, um dilúvio de água,<br />

relâmpagos e vento se abatem sobre todos, sem nenhuma possibili<strong>da</strong>de de se cobrir. Voam pelo ar<br />

instrumentos do som, cartazes, e o próprio Papa se molha. Mas ele permanece no lugar, frente ao<br />

explosivo regozijo dos jovens pelo inesperado espetáculo não programado que o céu brin<strong>da</strong>.<br />

Quando a chuva para, o Papa põe de lado o discurso escrito e dirige aos jovens poucas palavras.<br />

Convi<strong>da</strong> a olhar não para ele, mas para esse Jesus que está presente na hóstia consagra<strong>da</strong> sobre o<br />

altar. Ajoelha-se em silêncio, em atitude de adoração. O mesmo ocorre na esplana<strong>da</strong>: todos se<br />

ajoelham sobre a terra molha<strong>da</strong>, em meio a um silêncio absoluto, durante cerca de meia hora.<br />

Ao avaliar este papado, poucos compreenderam a audácia destes gestos que vão na contracorrente. Mas<br />

quando <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> os realiza e os explica, o faz com a atitude agradável de quem não quer inventar<br />

na<strong>da</strong> próprio, mas simplesmente ir ao coração <strong>da</strong> aventura humana e do mistério cristão.<br />

Também Rafael, há cinco séculos, nesse sublime fresco <strong>da</strong>s Salas Vaticanas que é a “Disputa do<br />

Santíssimo Sacramento”, colocou a hóstia consagra<strong>da</strong> no centro de tudo, sobre o altar de uma<br />

grandiosa liturgia cósmica que vê interagir o Pai, o Filho, o Espírito Santo, a <strong>Igreja</strong> terrena e<br />

celestial, o tempo e o eterno.<br />

Quando <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> convocou seu primeiro sínodo, em 2005, o dedicou justamente à Eucaristia, e quis<br />

que se projetasse durante todo o encontro esse fresco de Rafael, em uma tela coloca<strong>da</strong> diante dos bispos<br />

ali congregados de todo o mundo.<br />

De Joseph Ratzinger se discutiram as doutas exposições na Universi<strong>da</strong>de de Regensburg e no Colégio<br />

dos Bernardinos de Paris, no Westminter Hall de Londres e no Parlamento Federal de Berlim. Mas um<br />

dia se descobrirá que o maior distintivo deste Papa são as homilias, como foi o caso antes dele de<br />

São Leão Magno, o Papa que deteve a invasão de Átila.<br />

As homilias são as palavras de <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> sobre as quais menos se fala. Ele as pronuncia durante a<br />

Missa, perigosamente próximo, então, desse Jesus que está vivo e presente nos sinais do pão e do vinho,<br />

desse Jesus que – ele prega incansavelmente – é o mesmo que explicou as Sagra<strong>da</strong>s Escrituras aos<br />

peregrinos de Emaús, de forma tão pareci<strong>da</strong> aos homens extraviados de hoje, e que se revelou a eles ao<br />

partir o pão, como no quadro pintado por Caravaggio que está na National Gallery de Londres, e que<br />

desaparece no momento em que é reconhecido, porque a fé é assim, não é nunca visão geometricamente<br />

percebi<strong>da</strong>, mas um jogo inesgotável de liber<strong>da</strong>de e de graça.<br />

À fé nula ou escassa de tantos homens de hoje, nas Missas banalmente reduzi<strong>da</strong>s a abraços de paz<br />

e assembléias solidárias, o Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> oferece a fé substancial em um Deus que se faz<br />

realmente próximo, que ama e perdoa, que se faz tocar e comer.<br />

Esta era também a fé dos primeiros cristãos. <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> o recordou no Angelus de dois [três] domingos<br />

atrás. Disse que a decisão de fazer do domingo o “Dia do Senhor” foi um gesto de audácia<br />

revolucionária, precisamente porque extraordinário e comovedor foi o acontecimento que o originou: a<br />

ressurreição de Jesus e suas aparições posteriores, em sua condição de ressuscitado, entre os discípulos a<br />

ca<strong>da</strong> “primeiro dia <strong>da</strong> semana”, ou seja, no dia do começo <strong>da</strong> criação.<br />

O pão terrenal que se converte em comunhão com Deus, disse o Papa em uma homilia, “quer ser o<br />

começo <strong>da</strong> transformação do mundo, para que se converta em um mundo de ressurreição, em um<br />

mundo de Deus”.<br />

Fonte: http://www.comshalom.org/blog/carmadelio/<br />

Catequese do Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong><br />

"Entre tantos dominadores, Deus é o único Senhor"<br />

Em sua catequese sobre a oração em São Paulo, o Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> centrou-se na Epístola aos<br />

Filipenses, que destaca o sentido de gratidão a Deus do Apóstolo, também na iminência do martírio (Cf.<br />

Fil. 2,27).<br />

Na prisão em Roma, Paulo "expressa a alegria de ser discípulo de Cristo, de poder ir ao seu encontro,<br />

até o ponto de ver a morte não como per<strong>da</strong>, mas como lucro”. De onde podemos tirar a nossa alegria,<br />

também numa situação tão trágica?<br />

O segredo de Paulo é aquele de ter "os mesmos sentimentos de Cristo Jesus" (Fil 2,5), ou seja, a<br />

humil<strong>da</strong>de, a generosi<strong>da</strong>de, o amor, a obediência a Deus, o dom de si mesmo. É o seguimento total ao<br />

Filho de Deus, Caminho, Ver<strong>da</strong>de e Vi<strong>da</strong>.<br />

A música menciona<strong>da</strong> na Carta aos Filipenses, conheci<strong>da</strong> pela tradição como Carmen Christo(canto<br />

por Cristo), "resume todo o percurso divino-humano do Filho de Deus e abrange to<strong>da</strong> a história<br />

157


humana”, explicou o Papa: “do ser na condição de Deus, à encarnação, à morte na cruz e à exaltação<br />

na glória do Pai está também implícito o comportamento de Adão, do homem inicial”.<br />

Jesus, Deus feito homem, não vive a sua natureza divina "para triunfar ou para impor a sua<br />

supremacia, não o considera como uma posse, um privilégio, um tesouro que deve ser aproveitado". Ao<br />

mesmo tempo que assume a “forma de escravo” ("morphe doulos" no original grego <strong>da</strong> Epístola<br />

Paulina), ou seja assemelhou-se aos homens na pobreza, no sofrimento e na morte. Tudo por<br />

obediência ao Pai, “até a morte, e uma morte de cruz”, diz São Paulo.<br />

A Cruz aju<strong>da</strong> a derrubar o pecado original de Adão, "criado à imagem e semelhança de Deus,<br />

pretendeu ser como Deus com as próprias forças, colocar-se no lugar de Deus, e assim perdeu a<br />

digni<strong>da</strong>de original que lhe tinha sido <strong>da</strong><strong>da</strong>”. Jesus fez justamente o contrário: encontra-se na<br />

“condição de Deus”, mas se abaixa à condição humana “para redimir Adão que está em nós e<br />

restaurar a digni<strong>da</strong>de que o homem havia perdido.”<br />

Ao contrário, a lógica humana também depois do sacrifício redentor de Cristo, "busca muitas vezes a<br />

realização de si mesma no poder, no domínio, nos meios poderosos” e o homem insiste “em querer<br />

construir com as próprias forças a torre de Babel para conseguir por si mesmo a altura de Deus, para<br />

ser como Deus”.<br />

A Encarnação e a Cruz, no entanto, mostram "que a plena realização está em conformar a própria<br />

vontade humana naquela do Pai, no esvaziar-se do próprio egoísmo, para preencher-se do amor, <strong>da</strong><br />

cari<strong>da</strong>de de Deus e assim se tornar realmente capaz de amar os outros”.<br />

Não é "permanecendo fechado em si mesmo" que o homem se realiza. Adão não errou tanto no imitar a<br />

Deus, mas na idéia de Deus que “não quer somente grandeza”, mas é principalmente “amor que se doa<br />

já na Trin<strong>da</strong>de e depois na criação”.<br />

A ascensão a Deus acontece, portanto “na desci<strong>da</strong> do humilde serviço”, essência de Deus que, em<br />

Jesus, se inclina para lavar os pés dos discípulos, exortando-os a fazer o mesmo entre eles (cf. Jo 13,12-<br />

14 ).<br />

O hino <strong>da</strong> Carta aos Filipenses, oferece duas direções importantes para a nossa oração: em primeiro<br />

lugar que Deus é "o único Senhor” <strong>da</strong> nossa vi<strong>da</strong>, em meio a tantos “dominadores” que a querem<br />

conduzir e dirigir”; o único tesouro pelo qual “vale a pena gastar a própria existência”.<br />

A segun<strong>da</strong> indicação é <strong>da</strong><strong>da</strong> pela prostração <strong>da</strong> genuflexão, também física, que deve ser realiza<strong>da</strong> “não<br />

por hábito e rapi<strong>da</strong>mente, mas com profun<strong>da</strong> consciência”, tratando-se de um modo no qual<br />

“confessamos a nossa fé nEle”, disse o Papa.<br />

No final <strong>da</strong> catequese, o Santo Padre voltou ao dilema inicial, <strong>da</strong>ndo-lhe uma explicação adequa<strong>da</strong>: São<br />

Paulo se alegra diante do risco iminente do martírio, porque “nunca tirou o seu olhar de Cristo até o<br />

ponto de transformar-se conforme na morte, “na esperança de alcançar a ressurreição dos mortos”<br />

(Fp. 3.11).<br />

Fonte: http://www.catolicismoromano.com.br/content/view/1860/1/<br />

Nota: Acesse mais homilias e catequeses do Papa em:<br />

http://www.derradeirasgracas.com/3.%20Papa%20<strong>Bento</strong>%20<strong>XVI</strong>/1.%20MENU%20DA%20CATEQUES<br />

E%20DO%20PAPA..htm<br />

Cardeal Vallini: no dia 29 de junho manifestemos nosso afeto ao Sucessor de Pedro<br />

O Cardeal Vigário do Papa para a Diocese de Roma, Agostino Vallini, lançou um apelo à diocese a fim<br />

de que manifeste forte participação por ocasião <strong>da</strong> soleni<strong>da</strong>de dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, a ser<br />

celebra<strong>da</strong> na próxima sexta-feira, 29 de junho de 2012.<br />

Os padroeiros de Roma exortam "a recor<strong>da</strong>r as origens <strong>da</strong> nossa <strong>Igreja</strong> e a agradecer a Deus pelo<br />

ministério do Papa, Sucessor do Apóstolo Pedro e bispo de nossa ci<strong>da</strong>de", prossegue o cardeal.<br />

O purpurado recor<strong>da</strong> que nestes anos <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> sempre esteve muito presente na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> diocese,<br />

mediante as visitas pastorais às paróquias e a diversos lugares de sofrimento.<br />

"Roma ama profun<strong>da</strong>mente o Papa e é grata à Providência que quis que o Sucessor de Pedro tivesse<br />

aqui a sua cátedra" – ressalta o Cardeal Vallini.<br />

A mensagem convi<strong>da</strong> paróquias, associações e movimentos a participarem do Angelus na Praça São<br />

Pedro na próxima sexta-feira, dia 29, ao meio-dia, e a manifestarem afeto e gratidão ao Papa.<br />

Fonte: Rádio Vaticana<br />

158


Sacerdócio não é caminho de poder nem prestígio social, recor<strong>da</strong> o Papa <strong>Bento</strong><br />

<strong>XVI</strong><br />

Vaticano (20/06/2010) - Ao presidir esta manhã a ordenação sacerdotal de 14 diáconos <strong>da</strong> diocese de<br />

Roma na Basílica de São Pedro, o Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> ressaltou que "o sacerdócio, não pode jamais<br />

representar um modo para alcançar segurança na vi<strong>da</strong> ou para conquistar uma posição social" e<br />

que este serviço, apoiado na íntima relação do presbítero com Deus através <strong>da</strong> oração e <strong>da</strong> Eucaristia,<br />

deve procurar sempre cumprir a vontade do Senhor<br />

Em sua homilia, o Santo Padre quem concelebrou com seu Vigário Geral para a diocese de Roma,<br />

Cardeal Agostino Vallini, assinalou que "sim, a <strong>Igreja</strong> conta com vocês, conta muitíssimo com vocês.<br />

A <strong>Igreja</strong> tem necessi<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> um de vocês, consciente como é sobre os dons que Deus lhes<br />

oferece e, também, sobre a absoluta necessi<strong>da</strong>de do coração de ca<strong>da</strong> homem de encontrar-se com<br />

Cristo, único e universal salvador do mundo, para receber dele a vi<strong>da</strong> nova e eterna, a ver<strong>da</strong>deira<br />

liber<strong>da</strong>de e a alegria plena".<br />

Referindo-se ao Evangelho de hoje no qual Pedro confessa ao Senhor Jesus como "o Cristo de Deus", o<br />

Papa assinala que com esta afirmação se constata a reali<strong>da</strong>de de oração, de intimi<strong>da</strong>de que têm os<br />

discípulos com seu Mestre, dimensão que devem viver todos os sacerdotes: "na oração ele está<br />

chamado a redescobrir o rosto sempre novo do Senhor e o conteúdo mais autêntico de sua missão.<br />

Somente quem tem uma relação íntima com o Senhor vem obstinado por ele, pode levá-lo aos outros,<br />

pode ser enviado".<br />

"Trata-se de um 'permanecer com ele' que deve acompanhar sempre o exercício do ministério<br />

sacerdotal; deve ser a parte central, também e sobre tudo nos momentos difíceis, quando parece que<br />

as 'coisas por fazer' devem ter a priori<strong>da</strong>de. Onde estejamos, em algo que façamos, devemos<br />

permanecer sempre com Ele", acrescentou.<br />

Quanto ao seguimento de Cristo e à reali<strong>da</strong>de iniludível de tomar a cruz sobre si, concretamente na<br />

missão do sacerdote, o Papa <strong>Bento</strong> explicou que a ordem não pode ser um caminho para conquistar<br />

uma posição social: "quem aspira ao sacerdócio para um aumento do próprio prestígio pessoal e o<br />

próprio poder mal entende em sua raiz o sentido deste ministério. Quem quer sobretudo realizar uma<br />

ambição própria, alcançar êxito próprio será sempre escravo de si mesmo e <strong>da</strong> opinião pública".<br />

"Para ser considerado deverá adular; deverá dizer aquilo que agra<strong>da</strong> às pessoas; deverá a<strong>da</strong>ptar-se<br />

à mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong>s mo<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>s opiniões e, assim, privar-se-á <strong>da</strong> relação vital com a ver<strong>da</strong>de, reduzindose<br />

a condenar amanhã aquilo que tinha gabado hoje. Um homem que imposta assim sua vi<strong>da</strong>, um<br />

sacerdote que veja nestes termos o próprio ministério, não ama ver<strong>da</strong>deiramente a Deus e aos outros,<br />

mas somente a si mesmo e, paradoxalmente termina por perder-se a si mesmo".<br />

O Santo Padre disse logo que "o sacerdócio –recordemo-lo sempre– se fun<strong>da</strong> sobre a coragem de<br />

dizer sim a outra vontade, com a consciência, que deve crescer ca<strong>da</strong> dia, que propriamente<br />

conformando-se à vontade de Deus, 'imersos' nesta vontade, não só não será cancela<strong>da</strong> nossa<br />

originali<strong>da</strong>de, senão, ao contrário, entraremos sempre mais na ver<strong>da</strong>de do nosso ser e do nosso<br />

ministério".<br />

A Eucaristia<br />

<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> fez logo uma intensa reflexão sobre a relação entre o sacerdote e a Eucaristia: "a vocês lhes<br />

é confiado o sacrifício redentor de Cristo; a vocês lhes é confiado seu corpo entregue e seu sangue<br />

derramado. Certamente, Jesus oferece seu sacrifício, sua doação de amor humilde e totalmente à<br />

<strong>Igreja</strong> sua esposa, sobre a cruz", disse.<br />

"Quando celebramos a Santa Missa temos em nossas mãos o pão do Céu, o pão de Deus, que é<br />

Cristo, grão partido para multiplicar-se e converter-se no ver<strong>da</strong>deiro alimento <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do mundo. É<br />

algo que não pode deixar de encher-lhes o coração de íntimo estupor, de viva alegria e de imensa<br />

gratidão: o amor e o dom de Cristo crucificado passam através <strong>da</strong>s mãos, a você, ao coração de<br />

vocês. Eu tenho uma expressão sempre nova de estupor de ver que em minhas mãos, em minha voz o<br />

Senhor realiza este mistério de Sua presença".<br />

O Papa alentou logo aos ordenandos a escutar a voz do apóstolo Paulo "é mais, nesta voz<br />

reconhecemos aquela potente do Espírito Santo: 'Quantos foram batizados em Cristo foram<br />

revestidos de Cristo', Já com o Batismo, e agora em virtude do Sacramento <strong>da</strong> ordem, vocês se<br />

revestem de Cristo. Junto ao cui<strong>da</strong>do pela celebração eucarística se acompanhe sempre o empenho<br />

por uma vi<strong>da</strong> eucarística, vivi<strong>da</strong> na obediência a uma única grande lei, aquela do amor que se doa<br />

159


totalmente e serve com humil<strong>da</strong>de, uma vi<strong>da</strong> que a graça do Espírito Santo faz sempre mais<br />

semelhante àquela de Cristo Jesus, Supremo e eterno Sacerdote, servo de Deus e dos homens".<br />

"O caminho que nos indica o Evangelho de hoje é o caminho espiritual de vocês e de suas ações<br />

pastorais eficazes e incisivas, também nas situações mais fatigantes e ári<strong>da</strong>s. É mais, este é o<br />

caminho seguro para encontrar a ver<strong>da</strong>deira alegria".<br />

"<strong>Maria</strong>, a serva do Senhor, que conformou sua vontade àquela de Deus, que gerou a Cristo doandoo<br />

ao mundo, que seguiu o Filho até os pés <strong>da</strong> cruz no supremo ato de amor, os acompanhe ca<strong>da</strong> dia<br />

de suas vi<strong>da</strong>s e de seu ministério. Graças ao afeto desta mãe terna e forte, poderão ser felizmente<br />

fiéis à ordem que como presbíteros hoje vem <strong>da</strong><strong>da</strong> a vocês: aquela de conformar-se a Cristo<br />

Sacerdote, que soube obedecer à vontade do Pai e amar os homens até o extremo. Amém", concluiu.<br />

Fonte: ACI<br />

Cardeal Tarcisio Bertone: "A ação purificadora do Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> incomo<strong>da</strong>"<br />

"A grande ação esclarecedora e purificadora de <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, desde que ele era prefeito <strong>da</strong><br />

Congregação para a Doutrina <strong>da</strong> Fé, em total harmonia com João Paulo II certamente incomodou e<br />

incomo<strong>da</strong>". Foi o que disse e publicou numa entrevista à Revista Famiglia Cristiana, o Secretário de<br />

Estado do Vaticano, Cardeal Tarcisio Bertone.<br />

"A sua ação para acabar com os casos de pedofilia no clero, - disse o cardeal - mostrou que a<br />

<strong>Igreja</strong> tem uma capaci<strong>da</strong>de de auto-regeneração que outras instituições e pessoas não têm".<br />

"É evidente como a <strong>Igreja</strong> é uma rocha que resiste a to<strong>da</strong>s as tempestades - destacou o cardeal -. É um<br />

ponto de referência claro para inúmeras pessoas e instituições ao redor do mundo. Por isso o<br />

interesse em desestabilizá-la".<br />

Sobre a maneira como alguns jornais realizaram uma obra de agressão ao Papa e aos seus<br />

colaboradores, o Secretário de Estado disse: "Muitos jornalistas brincam de imitar Dan Brown.<br />

Continua-se a inventar contos ou repropor len<strong>da</strong>s".<br />

A este respeito o cardeal Bertone pede para recuperar o senso <strong>da</strong> proporção, ponderando a<br />

consistência real dos fatos, evitando criar fantasias sobre o conteúdo dos documentos roubados do Papa,<br />

por Paolo Gabriele.<br />

E garantiu que não é o resultado “de um envolvimento de cardeais ou de lutas entre<br />

personali<strong>da</strong>des eclesiásticas pela conquista de um poder misterioso”.<br />

No que diz respeito às responsabili<strong>da</strong>des do mordomo do Papa que roubou os documentos, o<br />

Cardeal Bertone lembrou que as investigações estão em an<strong>da</strong>mento. "O próprio Papa - revelou - nos<br />

pediu várias vezes, de modo sincero, uma explicação <strong>da</strong>s razões do gesto de Paolo Gabriele, amado<br />

por ele como um filho”.<br />

Também eu “Estou no centro do conflito - explicou -. Vivo esses acontecimentos com dor, mas<br />

também vendo constantemente do meu lado a <strong>Igreja</strong> real”. Segundo o Secretário de Estado está em ação<br />

uma “tentativa incansável e repeti<strong>da</strong> de separar, de criar divisão entre o Santo Padre e os seus<br />

colaboradores, e entre os mesmos colaboradores”. Se está querendo “atacar aqueles que se dedicam<br />

com maior paixão e também maior fadiga pessoal ao bem <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>”. E desmentiu os rumores que<br />

diziam que quando ele era arcebispo de Gênova teria recebido a visita de um monsenhor “para dissuadílo<br />

de aceitar a proposta de <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> que me queria como Secretário de Estado".<br />

"Totalmente falso" - disse o prelado -, ain<strong>da</strong> se continua a ler sobre isso”.<br />

O Secretário de Estado reiterou o quão sério seja "a publicação de uma varie<strong>da</strong>de de cartas e de<br />

documentos enviados ao Santo Padre, por pessoas que têm direito à privaci<strong>da</strong>de, constitui como já o<br />

dissemos muitas vezes, um ato imoral de gravi<strong>da</strong>de sem precedentes".Violar a privaci<strong>da</strong>de – explicou –<br />

é um furo a um direito reconhecido expressamente pela Constituição italiana, que deve ser<br />

rigorosamente observado e cumprido."<br />

160


Sobre a demissão de Ettore Gotti Tedeschi diretor do IOR (Instituto <strong>da</strong>s Obras Religiosas) o<br />

cardeal assegurou que "a publicação dos trabalhos do Conselho de supervisão mostra que o seu<br />

afastamento não se deve a dúvi<strong>da</strong>s internas sobre a vontade de transparência, mas sim a uma<br />

deterioração <strong>da</strong>s relações entre os conselheiros, por causa de decisões não partilha<strong>da</strong>s, que levou à<br />

decisão de uma mu<strong>da</strong>nça”.<br />

"Além disso - acrescentou - para além dos escân<strong>da</strong>los do passado (que são muito enfatizados e<br />

periodicamente repropostos para causar desconfiança sobre esta instituição do Vaticano), o IOR tinha se<br />

<strong>da</strong>do normas precisas bem antes <strong>da</strong> Lei <strong>da</strong> Anti-lavagem".<br />

"O atual Conselho de superintendência, - afirmou o cardeal Bertone - composto por altas<br />

personali<strong>da</strong>des do mundo econômico-financeiro, tem continuado e fortalecido esta linha de clareza e<br />

transparência e está trabalhando para restaurar a nível internacional a estima que merece esta<br />

instituição".<br />

No que diz respeito aos tempos e procedimentos relativos ao estado de custódia cautelar de Paolo<br />

Gabrieli, o cardeal explicou que sobre a liberação “o magistrado ain<strong>da</strong> não respondeu favoravelmente<br />

ao pedido" e que os interrogatórios do Judiciário serão retomados em breve.<br />

Fonte: http://www.catolicismoromano.com.br/content/view/1851/1/<br />

Dom Guido Marini explica especial cui<strong>da</strong>do do Papa <strong>Bento</strong> com a<br />

Missa.<br />

09.11.2011 - O Mestre de Celebrações Litúrgicas do Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, Dom Guido Marini,<br />

assinalou alguns dos principais detalhes que o Santo Padre precisa cui<strong>da</strong>r para celebrar a Santa Missa.<br />

Em uma entrevista concedi<strong>da</strong> ao grupo ACI, Dom Marini indicou que para o Papa é muito<br />

importante dirigir o olhar ao crucifixo no momento <strong>da</strong> celebração Eucarística.<br />

Nas celebrações presidi<strong>da</strong>s pelo Santo Padre, "um dos aspectos significativos é o <strong>da</strong><br />

centrali<strong>da</strong>de do crucifixo sobre o altar", afirmou. Porque, acima de tudo, no momento <strong>da</strong> oração<br />

eucarística, é fun<strong>da</strong>mental que todos dirijam o olhar e o coração "para quem está no centro, o Senhor,<br />

para renovar seu sacrifício de amor pela salvação de todos".<br />

Dom Marini explicou que o Papa é muito cui<strong>da</strong>doso em "desenvolver a liturgia como a<br />

celebração do mistério de Cristo onde o Senhor é o ver<strong>da</strong>deiro grande protagonista litúrgico, e<br />

onde a participação é autêntica na medi<strong>da</strong> em que se entra no Evangelho de Cristo, no Evangelho<br />

do Senhor".<br />

Outro aspecto importante para o Santo Padre é a adoração. Ele indicou que "o Papa repete<br />

freqüentemente que a liturgia é o ato maior de adoração <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, e deve conduzir na adoração".<br />

Dom Marini disse ao grupo ACI que participar de uma Missa celebra<strong>da</strong> pelo Santo Padre é<br />

também uma oportuni<strong>da</strong>de para fortalecer a fé. "Nesses momentos penso, ‘estou ao lado do Vigário de<br />

Cristo’, e renovo minha fé", expressou. O Prelado recalcou que a liturgia se compõe de "muitas<br />

pequenas coisas", como ajoelhar-se enquanto se recebe a Comunhão, ou guar<strong>da</strong>r silêncio nos<br />

momentos previstos durante o ato litúrgico.<br />

Para o Prelado é necessário ter sempre presente os pequenos detalhes que fazem <strong>da</strong> Missa uma<br />

ver<strong>da</strong>deira conversação com o Senhor. Durante a Missa, "eu penso na atenção a tudo o que entra na<br />

composição do rito para que ajude de ver<strong>da</strong>de a quem participa em viver a figura de Deus e aqueles<br />

que permanecem em atitude de adoração".<br />

"Do lado litúrgico é necessário considerar (estes detalhes) para que permaneça bem afirma<strong>da</strong><br />

161


esta centrali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> presença do Senhor, de seu ser protagonista, e do sentido também autêntico <strong>da</strong><br />

participação no mistério de Cristo", concluiu.<br />

Fonte: http://www.acidigital.com/<br />

“(...)Pôr-se de joelhos na oração exprime precisamente a atitude de Adoração perante<br />

Deus (...)” As palavras do Santo Padre.<br />

Da catequese do Santo Padre de quarta-feira, 27 de junho de 2012:<br />

“O hino <strong>da</strong> Carta aos Filipenses oferece-nos aqui duas indicações importantes para a nossa oração.<br />

A primeira é a invocação «Senhor», dirigi<strong>da</strong> a Jesus Cristo, sentado à direita do Pai: Ele é o único<br />

Senhor <strong>da</strong> nossa vi<strong>da</strong>, no meio de muitos «dominadores» que a querem orientar e guiar. Por isso, é<br />

necessário dispor de uma escala de valores na qual a primazia compete a Deus, para afirmar como<br />

São Paulo: «Sim, considero que tudo isto foi mesmo uma per<strong>da</strong>, por causa <strong>da</strong> maravilha que é o<br />

conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor» (Fl 3, 8). O encontro com o Ressuscitado levou-o a<br />

compreender que Ele é o único tesouro pelo qual vale a pena despender a própria existência.<br />

A segun<strong>da</strong> indicação é a prostração, o «dobrar-se de todos os joelhos» na terra e nos céus, que<br />

evoca uma expressão do profeta Isaías, onde indica a adoração que to<strong>da</strong>s as criaturas devem a Deus<br />

(cf. 45, 23). A genuflexão diante do Santíssimo Sacramento, ou o pôr-se de joelhos na oração<br />

exprimem precisamente a atitude de adoração perante Deus, também com o corpo. Daqui a<br />

importância de realizar este gesto não por hábito e à pressa, mas com consciência profun<strong>da</strong>.<br />

Quando nos ajoelhamos diante do Senhor, professamos a nossa fé nEle, reconhecemos que Ele é o<br />

único Senhor <strong>da</strong> nossa vi<strong>da</strong>.”<br />

Papa aos padres: retornai para o confessionário<br />

05.05.2010 - Nas últimas déca<strong>da</strong>s, foram lança<strong>da</strong>s tendências orienta<strong>da</strong>s a fazer prevalecer, na<br />

identi<strong>da</strong>de e na missão do sacerdote, a dimensão do anúncio, separando-a <strong>da</strong>quela <strong>da</strong> santificação;<br />

freqüentemente afirmou-se que seria necessário superar uma pastoral meramente sacramental.<br />

Mas é possível exercitar autenticamente o Ministério sacerdotal “superando” a pastoral<br />

sacramental? O que significa exatamente para os sacerdotes evangelizar, em que consiste o<br />

chamado primeiro do anúncio? Conforme relatam os Evangelhos, Jesus afirma que o anúncio do<br />

Reino de Deus é o objetivo de sua missão; esse anúncio, no entanto, não é apenas um “discurso”, mas<br />

inclui, ao mesmo tempo, o seu próprio agir; os sinais, milagres que Jesus realiza indicam que o Reino<br />

surge como reali<strong>da</strong>de presente e que coincide, ao final, com a sua própria pessoa, com o dom de si<br />

mesmo, como ouvimos hoje na leitura do Evangelho. E o mesmo vale para o ministro ordenado: ele, o<br />

sacerdote, representa Cristo, o Enviado do Pai, continua a sua missão, mediante a “palavra” e o<br />

“sacramento”, nesta totali<strong>da</strong>de de corpo e alma, de sinal e palavra. Santo Agostinho, em uma carta ao<br />

Bispo Onorato di Thiabe, referindo-se aos sacerdotes, afirma: “Façamos, então, os servos de Cristo,<br />

ministros <strong>da</strong> Palavra e do Sacramento d’Ele, o que ele ordenou ou permitiu” (Epist. 228, 2). É<br />

necessário refletir se, em alguns casos, o ter subestimado o ver<strong>da</strong>deiro exercício do munus<br />

sanctificandi não tenha, talvez, representado um enfraquecimento <strong>da</strong> própria fé na eficácia<br />

salvífica dos Sacramentos e, em definitivo, no operar atual de Cristo e do Seu Espírito, através <strong>da</strong><br />

<strong>Igreja</strong>, no mundo.<br />

[...]<br />

162


Quem, então, salva o mundo e o homem? A única resposta que podemos <strong>da</strong>r é: Jesus de<br />

Nazaré, Senhor e Cristo, crucificado e ressuscitado. E onde se atualiza o Mistério <strong>da</strong> morte e<br />

ressurreição de Cristo, que traz a salvação? Na ação de Cristo através <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, em particular no<br />

Sacramento <strong>da</strong> Eucaristia, que torna presente a oferta sacrifical redentora do Filho de Deus, no<br />

Sacramento <strong>da</strong> Reconciliação, em que <strong>da</strong> morte do pecado se vai à vi<strong>da</strong> nova, e em todo o ato<br />

sacramental de santificação (cf. Presbyterorum Ordinis, 5). É importante, então, promover uma<br />

catequese adequa<strong>da</strong> para aju<strong>da</strong>r os fiéis a compreender o valor dos Sacramentos, mas também é<br />

necessário, seguindo o exemplo do Santo Cura d’Ars, ser disponíveis, generosos e atentos no doar aos<br />

irmãos os tesouros <strong>da</strong> graça que Deus colocou em nossas mãos, e dos quais não somos os “mestres”,<br />

mas tutores e administradores. Sobretudo neste nosso tempo, em que, de um lado, parece que a fé<br />

vai enfraquecendo-se e, por outro, emerge uma profun<strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de e uma ampla busca de<br />

espirituali<strong>da</strong>de, é necessário que todo o sacerdote recorde que, na sua missão, o anúncio<br />

missionário e o culto e adoração e os sacramentos não estão mais separados e promova uma<br />

saudável pastoral sacramental, para formar o Povo de Deus e ajudá-lo a viver plenamente a Liturgia, o<br />

culto <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, os Sacramentos como dons gratuitos de Deus, atos livres e eficazes de sua ação<br />

salvadora.<br />

[...]<br />

A ver<strong>da</strong>de segundo a qual no sacramento “não somos nós homens a fazer qualquer coisa” diz<br />

respeito, e deve dizer respeito, também à consciência sacerdotal: ca<strong>da</strong> sacerdote sabe bem que é um<br />

instrumento necessário para o agir salvífico de Deus, mas ain<strong>da</strong> assim sempre instrumento. Tal<br />

consciência deve torná-los humildes e generosos na administração dos Sacramentos, no respeito às<br />

normas canônicas, mas também na profun<strong>da</strong> convicção de que sua missão é garantir que todos os<br />

homens, unidos a Cristo, possam oferecer-se a Deus como hóstia viva e santa aprecia<strong>da</strong> por Ele<br />

(cf. Rm 12,1).<br />

[...]<br />

Queridos sacerdotes, vivei com alegria e amor a Liturgia e o culto: é ação que o ressuscitado<br />

realiza no poder do Espírito Santo em nós, com nós e por nós. Desejo renovar o apelo feito recentemente<br />

para “retornar para o confessionário, como lugar no qual celebrar o Sacramento <strong>da</strong> Reconciliação,<br />

mas também como lugar em que ‘habitar’ com mais frequência, para que o fiel possa encontrar<br />

misericórdia, conselho e conforto, sentir-se amado e compreendido por Deus e experimentar a presença<br />

<strong>da</strong> Misericórdia Divina, ao lado <strong>da</strong> Presença real na Eucaristia” (Discurso à Penitenciaria Apostólica, 11<br />

de março de 2010). E desejo também convi<strong>da</strong>r todo o sacerdote para celebrar e viver com intensi<strong>da</strong>de a<br />

Eucaristia, que está no coração do ofício de santificar; é Jesus que deseja estar conosco, viver em nós,<br />

doar-se a si mesmo, mostrar-nos a infinita misericórdia e ternura de Deus; é o único Sacrifício de amor<br />

de Cristo que se faz presente, se realiza entre nós e leva rumo ao trono <strong>da</strong> Graça, à presença de<br />

Deus, abraça a humani<strong>da</strong>de e nos une a Ele. (cf. Discurso ao Clero de Roma, 18 de fevereiro de 2010)<br />

Fonte: http://fratresinunum.com<br />

<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>: “A revisão <strong>da</strong>s formas litúrgicas manteve-se a um nível exterior e a<br />

«participação ativa» foi confundi<strong>da</strong> com o agitar-se externamente”.<br />

“O Congresso realiza-se também num período em que a <strong>Igreja</strong> se prepara em todo o mundo para<br />

celebrar o Ano <strong>da</strong> Fé, que assinalará o Cinqüentenário <strong>da</strong> abertura do Concílio Vaticano II, um evento<br />

que lançou a mais extensa renovação que o Rito Romano já conheceu. Com base numa apreciação<br />

ca<strong>da</strong> vez mais profun<strong>da</strong> <strong>da</strong>s fontes <strong>da</strong> Liturgia, o Concílio promoveu a participação plena e ativa dos<br />

fiéis no Sacrifício Eucarístico. Hoje, olhando os desejos então expressos pelos Padres Conciliares sobre<br />

a renovação litúrgica à luz <strong>da</strong> experiência <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> universal no período transcorrido, é claro que uma<br />

grande parte foi alcança<strong>da</strong>; mas vê-se igualmente que houve muitos equívocos e irregulari<strong>da</strong>des. A<br />

renovação <strong>da</strong>s formas externas, deseja<strong>da</strong> pelos Padres Conciliares, visava tornar mais fácil a<br />

penetração na profundi<strong>da</strong>de íntima do mistério; o seu ver<strong>da</strong>deiro objetivo era levar as pessoas a um<br />

encontro pessoal com o Senhor presente na Eucaristia, e portanto com o Deus vivo, de modo que,<br />

através deste contato com o amor de Cristo, o amor mútuo dos seus irmãos e irmãs também pudesse<br />

crescer. To<strong>da</strong>via, não raro, a revisão <strong>da</strong>s formas litúrgicas manteve-se a um nível exterior e a<br />

«participação ativa» foi confundi<strong>da</strong> com o agitar-se externamente. Por isso, ain<strong>da</strong> há muito a fazer<br />

na sen<strong>da</strong> duma real renovação litúrgica. Num mundo em mu<strong>da</strong>nça, obcecado ca<strong>da</strong> vez mais com as<br />

coisas materiais, precisamos de aprender a reconhecer de novo a presença misteriosa do Senhor<br />

163


Ressuscitado, o único que pode <strong>da</strong>r respiração e profundi<strong>da</strong>de à nossa vi<strong>da</strong>.<br />

A Eucaristia é o culto <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> inteira, mas requer também pleno empenho de ca<strong>da</strong> cristão na<br />

missão <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>; encerra um apelo a sermos o povo santo de Deus, mas chama também ca<strong>da</strong> um à<br />

santi<strong>da</strong>de individual; deve ser celebra<strong>da</strong> com grande alegria e simplici<strong>da</strong>de, mas também de forma<br />

quanto possível digna e reverente; convi<strong>da</strong>-nos a arrepender dos nossos pecados, mas também a<br />

perdoar aos nossos irmãos e irmãs; une-nos a todos no Espírito, mas também nos ordena, no mesmo<br />

Espírito, de levar a boa nova <strong>da</strong> salvação aos outros.<br />

Além disso, a Eucaristia é o memorial do sacrifício de Cristo na Cruz, o seu Corpo e Sangue<br />

oferecidos na nova e eterna aliança pela remissão dos pecados e a transformação do mundo. A<br />

Irlan<strong>da</strong> foi plasma<strong>da</strong>, ao nível mais profundo, por séculos e séculos de celebração <strong>da</strong> Santa Missa; e,<br />

pelo seu poder e graça, gerações de monges, mártires e missionários viveram heroicamente a fé na<br />

pátria e espalharam a Boa Nova do amor e perdão de Deus muito para além <strong>da</strong>s suas praias. Vós sois<br />

os herdeiros duma <strong>Igreja</strong> que foi uma poderosa força de bem no mundo, e que transmitiu a muitos e<br />

muitos outros um amor profundo e duradouro a Cristo e à sua <strong>Mãe</strong> Santíssima. Os vossos<br />

antepassados na <strong>Igreja</strong> <strong>da</strong> Irlan<strong>da</strong> souberam como lutar pela santi<strong>da</strong>de e a coerência na vi<strong>da</strong> pessoal,<br />

como proclamar a alegria que vem do Evangelho, como promover a importância de pertencer à <strong>Igreja</strong><br />

universal em comunhão com a Sé de Pedro, e como transmitir às gerações seguintes o amor pela fé e<br />

as virtudes cristãs. A nossa fé católica, imbuí<strong>da</strong> dum sentido profundo <strong>da</strong> presença de Deus,<br />

maravilha<strong>da</strong> pela beleza <strong>da</strong> criação que nos rodeia, e purifica<strong>da</strong> pela penitência pessoal e a certeza do<br />

perdão de Deus, é uma herança que seguramente se aperfeiçoa e alimenta quando regularmente é<br />

coloca<strong>da</strong> sobre o altar do Senhor no Sacrifício <strong>da</strong> Missa.”<br />

(Palavras do Santo Padre, o Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, em vídeo-mensagem transmiti<strong>da</strong> no encerramento do 50º Congresso<br />

Eucarístico Internacional em Dublin, Irlan<strong>da</strong>.)<br />

Fonte: http://fratresinunum.com/2012/06/17/bento-xvi-a-revisao-<strong>da</strong>s-formas-liturgicas-manteve-se-a-um-nivel-exterior-e-aparticipacao-ativa-foi-confundi<strong>da</strong>-com-o-agitar-se-externamente/<br />

“(...)A <strong>Igreja</strong> não é uma comuni<strong>da</strong>de de seres perfeitos, mas de pecadores que se<br />

devem reconhecer necessitados do amor de Deus.”<br />

29.06.2012 “- Mas, de que modo Pedro é a rocha? Como deve realizar esta prerrogativa, que<br />

naturalmente não recebeu para si mesmo? A narração do evangelista Mateus começa por nos dizer<br />

que o reconhecimento <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de de Jesus proferido por Simão, em nome dos Doze, não provém<br />

«<strong>da</strong> carne e do sangue», isto é, <strong>da</strong>s suas capaci<strong>da</strong>des humanas, mas de uma revelação especial de<br />

Deus Pai. Caso diverso se verifica logo a seguir, quando Jesus prediz a sua paixão, morte e<br />

ressurreição; então Simão Pedro reage precisamente com o ímpeto «<strong>da</strong> carne e do sangue»: Começou<br />

a repreender o Senhor, dizendo: « (…) Isso nunca Te há-de acontecer!» (16, 22). Jesus, por sua vez,<br />

replicou-lhe: «Vai-te <strong>da</strong>qui, Satanás! Tu és para Mim uma ocasião de escân<strong>da</strong>lo…» (16, 23). O<br />

discípulo que, por dom de Deus, pode tornar-se uma rocha firme, surge aqui como ele é na sua<br />

fraqueza humana: uma pedra na estra<strong>da</strong>, uma pedra onde se pode tropeçar (em grego, skan<strong>da</strong>lon).<br />

Por aqui, se vê claramente a tensão que existe entre o dom que provém do Senhor e as capaci<strong>da</strong>des<br />

humanas; e aparece de alguma forma antecipado, nesta cena de Jesus com Simão Pedro, o drama <strong>da</strong><br />

história do próprio Papado, caracteriza<strong>da</strong> precisamente pela presença conjunta destes dois<br />

elementos: graças à luz e força que provêm do Alto, o Papado constitui o fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong><br />

peregrina no tempo, mas, ao longo dos séculos assoma também a fraqueza dos homens, que só a<br />

abertura à acção de Deus pode transformar.<br />

E no Evangelho de hoje sobressai, forte e clara, a promessa de Jesus: «as portas do inferno», isto é, as<br />

forças do mal, «non praevalebunt», não conseguirão levar a melhor. Vem à mente a narração <strong>da</strong><br />

vocação do profeta Jeremias, a quem o Senhor diz ao confiar-lhe a missão: «Eis que hoje te<br />

estabeleço como ci<strong>da</strong>de fortifica<strong>da</strong>, como coluna de ferro e muralha de bronze, diante de todo este<br />

país, dos reis de Judá e de seus chefes, dos sacerdotes e do povo <strong>da</strong> terra. Far-te-ão guerra, mas não<br />

hão-de vencer - non praevalebunt -, porque Eu estou contigo para te salvar» (Jr 1, 18-19). Na<br />

reali<strong>da</strong>de, a promessa que Jesus faz a Pedro é ain<strong>da</strong> maior do que as promessas feitas aos profetas<br />

antigos: de facto, estes encontravam-se ameaçados por inimigos somente humanos, enquanto Pedro<br />

terá de ser defendido <strong>da</strong>s «portas do inferno», do poder destrutivo do mal. Jeremias recebe uma<br />

promessa que diz respeito à sua pessoa e ministério profético, enquanto Pedro recebe garantias<br />

164


elativamente ao futuro <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, <strong>da</strong> nova comuni<strong>da</strong>de fun<strong>da</strong><strong>da</strong> por Jesus Cristo e que se prolonga<br />

para além <strong>da</strong> existência pessoal do próprio Pedro, ou seja, por todos os tempos.<br />

Detenhamo-nos agora no símbolo <strong>da</strong>s chaves, de que nos fala o Evangelho. Ecoa nele o oráculo do<br />

profeta Isaías a Eliaquim, de quem se diz: «Porei sobre os seus ombros a chave do palácio de David;<br />

o que ele abrir, ninguém fechará; o que ele fechar, ninguém abrirá» (Is 22, 22). A chave representa a<br />

autori<strong>da</strong>de sobre a casa de David. Entretanto, no Evangelho, há outra palavra de Jesus, mas dirigi<strong>da</strong><br />

aos escribas e fariseus, censurando-os por terem fechado aos homens o Reino dos Céus (cf. Mt 23, 13).<br />

Também este dito nos aju<strong>da</strong> a compreender a promessa feita a Pedro: como fiel administrador <strong>da</strong><br />

mensagem de Cristo, compete-lhe abrir a porta do Reino dos Céus e decidir se alguém será aí<br />

acolhido ou rejeitado (cf. Ap 3, 7). As duas imagens – a <strong>da</strong>s chaves e a de ligar e desligar – possuem<br />

significado semelhante e reforçam-se mutuamente. A expressão «ligar e desligar» pertencia à<br />

linguagem rabínica, aplicando-se tanto no contexto <strong>da</strong>s decisões doutrinais como no do poder<br />

disciplinar, ou seja, a facul<strong>da</strong>de de infligir ou levantar a excomunhão. O paralelismo «na terra (…)<br />

nos Céus» assegura que as decisões de Pedro, no exercício desta sua função eclesial, têm valor<br />

também diante de Deus.<br />

No capítulo 18 do Evangelho de Mateus, consagrado à vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de eclesial, encontramos<br />

outro dito de Jesus dirigido aos discípulos: «Em ver<strong>da</strong>de vos digo: Tudo o que ligardes na terra será<br />

ligado no Céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no Céu» (Mt 18, 18). E na narração<br />

<strong>da</strong> aparição de Cristo ressuscitado aos Apóstolos na tarde <strong>da</strong> Páscoa, São João refere esta palavra do<br />

Senhor: «Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ficarão perdoados;<br />

àqueles a quem os retiverdes, ficarão retidos» (Jo 20, 22-23). À luz destes paralelismos, é claro que a<br />

autori<strong>da</strong>de de «desligar e ligar» consiste no poder de perdoar os pecados. E esta graça, que despoja<br />

<strong>da</strong> sua energia as forças do caos e do mal, está no coração do mistério e do ministério <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. A<br />

<strong>Igreja</strong> não é uma comuni<strong>da</strong>de de seres perfeitos, mas de pecadores que se devem reconhecer<br />

necessitados do amor de Deus, necessitados de ser purificados através <strong>da</strong> Cruz de Jesus Cristo. Os<br />

ditos de Jesus sobre a autori<strong>da</strong>de de Pedro e dos Apóstolos deixam transparecer precisamente que o<br />

poder de Deus é o amor: o amor que irradia a sua luz a partir do Calvário. Assim podemos<br />

compreender também por que motivo, na narração evangélica, à confissão de fé de Pedro se segue<br />

imediatamente o primeiro anúncio <strong>da</strong> paixão: na ver<strong>da</strong>de, foi com a sua própria morte que Jesus<br />

venceu as forças do inferno; com o seu sangue, Ele derramou sobre o mundo uma torrente imensa<br />

de misericórdia, que irriga, com as suas águas salutares, a humani<strong>da</strong>de inteira.”<br />

Da homilia do Santo Padre, o Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, na festa dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo – 29 de junho de 2012.<br />

Fonte: http://fratresinunum.com/<br />

O Papa em Portugal: “hoje nós vemos de modo realmente aterrorizador que a maior<br />

perseguição à <strong>Igreja</strong> não vem dos inimigos externos”.<br />

Papa responde sobre Fátima.<br />

“Além desta grande visão do sofrimento do Papa, que podemos em primeira instância referir ao<br />

Papa João Paulo II, são indica<strong>da</strong>s reali<strong>da</strong>des do futuro <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> que pouco a pouco se desenvolvem e<br />

se mostram. É ver<strong>da</strong>de que além do momento indicado na visão, fala-se e vê-se a necessi<strong>da</strong>de de uma<br />

paixão <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, que naturalmente se reflete na pessoa do Papa, mas o Papa está na <strong>Igreja</strong> e,<br />

portanto, são os sofrimentos <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> que são anunciados. O Senhor nos disse que a <strong>Igreja</strong> estará<br />

sempre em sofrimentos, de formas diferentes até o fim do mundo. O importante é que a mensagem, a<br />

165


esposta de Fátima, basicamente, não trata de situações particulares, mas <strong>da</strong> resposta fun<strong>da</strong>mental que<br />

é a conversão permanente, penitência, oração e as virtudes cardeais, fé, esperança, cari<strong>da</strong>de. Assim<br />

vemos que esta é a resposta ver<strong>da</strong>deira e fun<strong>da</strong>mental que a <strong>Igreja</strong> deve <strong>da</strong>r, que ca<strong>da</strong> um de nós tem de<br />

<strong>da</strong>r nesta situação. Quanto à novi<strong>da</strong>de que hoje podemos descobrir nesta mensagem é que também não<br />

vêm só de fora os ataques ao Papa e à <strong>Igreja</strong>, mas o sofrimento <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> vem exatamente de dentro<br />

<strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, do pecado que existe na <strong>Igreja</strong>. Isso também se vê sempre, mas hoje nós vemos de modo<br />

realmente aterrorizador que a maior perseguição à <strong>Igreja</strong> não vem dos inimigos externos, mas nasce<br />

do pecado na <strong>Igreja</strong>. E que a <strong>Igreja</strong> tem, pois, uma necessi<strong>da</strong>de profun<strong>da</strong> de reaprender a penitência,<br />

aceitar a purificação, aprender o perdão mas também a necessi<strong>da</strong>de de justiça. O perdão não substitui<br />

a justiça. Devemos aprender precisamente este essencial: a conversão, a oração, a penitência, as<br />

virtudes teologais, e aqui sejamos realistas, o mal ataca também de dentro, mas que também sempre as<br />

forças do bem estão presentes e, finalmente, o Senhor é mais forte que o mal e Nossa Senhora para<br />

nós é a garantia. A bon<strong>da</strong>de de Deus é sempre a última resposta <strong>da</strong> história.” (10/05/2010)<br />

(Resposta do Santo Padre, o Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, aos jornalistas em seu vôo para Portugal, sobre a visão do 3º segredo.)<br />

Fonte: http://fratresinunum.com/<br />

Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>: “Uma fé cria<strong>da</strong> por nós mesmos não tem nenhum valor.”<br />

01.10.2011 – “O Papa concedeu, esta semana, como de costume, uma audiência geral, durante a qual<br />

comentou a viagem apostólica que realizou à sua terra natal, a Alemanha. Refletindo no encontro<br />

ecumênico que teve com os protestantes em Erfurt, Sua Santi<strong>da</strong>de foi precisa:<br />

“É necessário o nosso esforço comum no caminho rumo a uma plena uni<strong>da</strong>de, mas sempre somos<br />

bem conscientes de que não podemos ‘fazer’ seja a fé, seja a uni<strong>da</strong>de tão deseja<strong>da</strong>. Uma fé cria<strong>da</strong><br />

por nós mesmos não tem nenhum valor, e a ver<strong>da</strong>deira uni<strong>da</strong>de é, mais do que tudo, um dom do<br />

Senhor, o qual rezou e reza sempre pela uni<strong>da</strong>de dos seus discípulos. Somente Cristo pode <strong>da</strong>rnos<br />

essa uni<strong>da</strong>de, e seremos sempre mais unidos na medi<strong>da</strong> em que voltarmos a Ele e nos<br />

deixarmos transformar por Ele.”<br />

Uma fé cria<strong>da</strong> por nós mesmos não tem nenhum valor. A sutileza com a qual <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> criticou a<br />

figura rebelde do monge alemão Martinho Lutero na frente de seus seguidores entra em cena<br />

novamente… Esta afirmação foi (mais) uma magistral “alfineta<strong>da</strong>” do Pontífice ao luteranismo e,<br />

portanto, ao próprio fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> revolta, Lutero. Ora, e o que é a fé protestante senão uma fé cria<strong>da</strong><br />

por um homem, ou seja, “por nós mesmos”, pessoas, seres falíveis e miseráveis? E o que são as hoje<br />

milhares de dissensões do protestantismo? Não são um exemplo <strong>da</strong>quela observação convenientíssima<br />

de nosso Senhor Jesus Cristo, de que “se um cego conduz a outro, tombarão ambos na mesma vala”<br />

(Mt 15, 14)? Não se aplica a estes que se afastaram <strong>da</strong> única <strong>Igreja</strong> fun<strong>da</strong><strong>da</strong> por nosso Senhor aquela<br />

passagem: “Quem não está comigo está contra mim; e quem não ajunta comigo, espalha.” (Mt 12,<br />

30)?<br />

Seremos sempre mais unidos na medi<strong>da</strong> em que voltarmos a Ele e nos deixarmos transformar por Ele.<br />

Leia-se: seremos sempre mais unidos na medi<strong>da</strong> em que voltarmos ao Seu Corpo Místico,<br />

desejando fazer parte também de sua estrutura visível, tendo como pontos comuns <strong>da</strong> fé não só a<br />

Trin<strong>da</strong>de, a Divin<strong>da</strong>de de Jesus ou a Ressurreição, mas também o Símbolo dos Apóstolos e os<br />

Sacramentos.<br />

A maneira como o Papa critica o luteranismo é estratégica. Ele sabe que uma manifestação aberta e<br />

explícita de condenação pode, ao invés de aproximar os dissidentes <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, gerar uma ver<strong>da</strong>deira<br />

campanha de propagan<strong>da</strong> midiática anticlerical ou mesmo manter distantes aqueles que estão em busca<br />

de um ver<strong>da</strong>deiro diálogo ecumênico. Mas, ao mesmo tempo, conhece a necessi<strong>da</strong>de de deixar<br />

transparecer a unici<strong>da</strong>de e a santi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> para aqueles que estão de alguma forma dela<br />

afastados.<br />

Os resultados de todos os esforços de <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> para, a pedido de Jesus, promover e firmar a uni<strong>da</strong>de<br />

entre os seus seguidores, são visíveis. A on<strong>da</strong> de conversão de anglicanos à fé católica, um grupo<br />

de fiéis anglo-luteranos que também estão voltando ao seio <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira <strong>Igreja</strong> são alguns<br />

exemplos de como é frutuoso o trabalho de nosso Pontífice ao redor do mundo.<br />

Rezemos por seu ministério, para que Deus o conserve fiel à missão que lhe foi confia<strong>da</strong>, e que não<br />

pereça ante as investi<strong>da</strong>s do inimigo.”<br />

Por Everth Queiroz Oliveira (http://beinbetter.wordpress.com/)<br />

Fonte: www.rainhamaria.com.br<br />

166


Papa sugere: quando não se crê, é melhor ser honesto e deixar a <strong>Igreja</strong>.<br />

30.08.2012 - Em seu discurso no Angelus de domingo, o Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> falou <strong>da</strong> traição de Ju<strong>da</strong>s a<br />

Cristo, afirmando que o problema de Ju<strong>da</strong>s foi ter falhado em abandonar a Cristo quando já não mais<br />

acreditava — uma “falsi<strong>da</strong>de”, afirmou o Papa, “que é uma marca do demônio”.<br />

“Ju<strong>da</strong>s”, declarou o Papa <strong>Bento</strong>, “poderia ter deixado [Jesus], como fizeram muitos discípulos; de<br />

fato, ele teria abandonado, se fosse honesto. Pelo contrário, ele permaneceu com Jesus. Não por<br />

causa <strong>da</strong> fé, ou por causa do amor, mas com a intenção secreta de se vingar do Mestre”.<br />

Segundo o diretor em Roma <strong>da</strong> Human Life International [HLI], Monsenhor Ignacio Barreiro, os<br />

comentários são muito relevantes para a atual situação na <strong>Igreja</strong> Católica. Mons. Barreiro, doutor<br />

em teologia dogmática, disse ao LifeSiteNews que “para aqueles Católicos que não podem se<br />

convencer a crer nos ensinamentos formais <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> sobre questões relaciona<strong>da</strong>s à vi<strong>da</strong> e à família,<br />

seria mais honesto deixar a <strong>Igreja</strong>, em vez de traí-La”.<br />

Mas, acrescentou, “nós lamentamos muitíssimo que a pessoa seja tão propensa [a isso] e desejamos<br />

que tenha uma conversão, passando a crer ver<strong>da</strong>deiramente”.<br />

O Papa <strong>Bento</strong>, em suas observações, fez uma distinção entre crer e compreender, notando que alguns<br />

discípulos se afastaram de Cristo porque não acreditavam. To<strong>da</strong>via, disse ele, mesmo aqueles que<br />

permaneceram, acreditaram antes de compreender plenamente.<br />

O diretor em Roma <strong>da</strong> HLI comentou: “dificul<strong>da</strong>de intelectual não é desobediência”. E explicou:<br />

“Pode haver ensinamentos que você acha difíceis de aceitar. Contudo, (nessas circunstâncias) é<br />

virtuoso acreditar, uma vez que você faz um sacrifício <strong>da</strong> sua própria vontade, tomando como sua a<br />

mente <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>”.<br />

Mons. Barreiro recordou que a submissão <strong>da</strong> vontade e do intelecto é exigi<strong>da</strong> quando se trata de<br />

ensinamentos oficiais <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, e não de opiniões prudenciais. “Por exemplo”, declarou, “[a<br />

submissão] é necessária para o ensinamento sobre o aborto, mas pode haver diferenças legítimas de<br />

opinião entre os Católicos sobre como prestar auxílio aos pobres”.<br />

Dando outro exemplo, ele ressaltou que “enquanto a <strong>Igreja</strong> nunca pode ordenar mulheres ao<br />

sacerdócio, pode haver diferenças sobre como assegurar a todos o acesso a cui<strong>da</strong>dos de saúde”.<br />

O Papa concluiu com uma oração, pedindo a Deus que “nos ajude a crer em Jesus, como fez São<br />

Pedro, e a ser sempre sinceros com Ele e com seu povo”.<br />

Fonte: http://fratresinunum.com/<br />

<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>: Os Católicos devem ser fiéis à <strong>Igreja</strong> e ao Papa.<br />

(Vaticano, 11-06-2012) - O Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> explicou esta manhã que os católicos, especialmente<br />

os sacerdotes que servem diretamente a Santa Sé, devem ser sempre fiéis à <strong>Igreja</strong> e ao Sucessor do<br />

Pedro, pois colaboram com ele na sua missão.<br />

Assim indicou na manhã de hoje o Santo Padre diante dos membros <strong>da</strong> Pontifícia Academia<br />

Eclesiástica pouco antes de concluir o curso desta instituição e antes de que os alunos <strong>da</strong>li partam para<br />

as distintas Representações Pontifícias (nunciaturas) espalha<strong>da</strong>s pelo mundo.<br />

<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> disse que “O Papa conta convosco também, para ser assistido no cumprimento do<br />

seu ministério universal. Convido-vos a não ter medo, preparando-vos com diligência e solicitude<br />

para a missão que vos espera, confiando na fideli<strong>da</strong>de d’Aquele que desde sempre vos conhece e<br />

chamou à comunhão com o seu Filho Jesus Cristo”.<br />

“A fideli<strong>da</strong>de de Deus é a chave e a fonte <strong>da</strong> nossa fideli<strong>da</strong>de. Hoje queria chamar a vossa<br />

atenção precisamente para esta virtude, que bem exprime o vínculo muito especial que se cria entre o<br />

Papa e os seus colaboradores imediatos, tanto na Cúria Romana como nas Representações<br />

Pontifícias: um vínculo que, para muitos, se radica no caráter sacerdotal de que estão investidos e se<br />

especifica depois na missão peculiar, que é confia<strong>da</strong> a ca<strong>da</strong> um, ao serviço do Sucessor de Pedro”. O<br />

Papa explicou logo que “no contexto bíblico, a fideli<strong>da</strong>de é primariamente um atributo divino: Deus<br />

dá-Se a conhecer como Aquele que é fiel para sempre à aliança concluí<strong>da</strong> com o seu povo, não<br />

obstante a infideli<strong>da</strong>de deste. Fiel como é, Deus garante que levará a cumprimento o seu desígnio de<br />

amor, e por isso Ele é também credível e ver<strong>da</strong>deiro. Este comportamento divino é que cria no homem<br />

a possibili<strong>da</strong>de de, por sua vez, ser fiel”.<br />

“Aplica<strong>da</strong> ao homem, à virtude <strong>da</strong> fideli<strong>da</strong>de está profun<strong>da</strong>mente liga<strong>da</strong> ao dom sobrenatural<br />

<strong>da</strong> fé, tornando-se expressão <strong>da</strong>quela solidez própria de quem fundou to<strong>da</strong> a sua vi<strong>da</strong> em Deus. De<br />

fato, a única garantia <strong>da</strong> nossa estabili<strong>da</strong>de está na fé (cf. Is 7, 9b), e só a partir dela podemos, por<br />

167


nossa vez, ser ver<strong>da</strong>deiramente fiéis: primeiro a Deus, depois à sua família, a <strong>Igreja</strong>, que é mãe e<br />

mestra, e nela à nossa vocação, à história na qual o Senhor nos colocou”.<br />

“Nesta perspectiva, encorajo-vos, queridos amigos, a viver o vínculo pessoal com o Vigário de<br />

Cristo como parte <strong>da</strong> vossa espirituali<strong>da</strong>de. Trata-se, sem dúvi<strong>da</strong>, de um elemento próprio de todo o<br />

católico, e mais ain<strong>da</strong> de todo o sacerdote. No entanto, para aqueles que trabalham na Santa Sé, este<br />

vínculo assume um caráter particular, já que colocam ao serviço do Sucessor de Pedro boa parte <strong>da</strong>s<br />

suas energias, do seu tempo e do seu ministério diário”, animou o Papa.<br />

<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> ressaltou que “trata-se de uma grave responsabili<strong>da</strong>de, mas também de um dom<br />

especial, que com o tempo vai desenvolvendo um vínculo afetivo com o Papa, de confiança interior,<br />

um idem sentire natural, que se expressa justamente com a palavra ‘fideli<strong>da</strong>de’”.<br />

O Santo Padre afirmou também que essa fideli<strong>da</strong>de deve <strong>da</strong>r-se naqueles lugares aonde sejam<br />

enviados, já que o trabalho dos representantes pontifícios é “uma preciosa aju<strong>da</strong> para o ministério<br />

petrino”. “Desta forma, encorajareis e estimulareis também as <strong>Igreja</strong>s particulares a crescerem na<br />

fideli<strong>da</strong>de ao Romano Pontífice e a encontrarem no princípio <strong>da</strong> comunhão com a <strong>Igreja</strong> universal uma<br />

orientação segura para a sua peregrinação na história. E, por último, mas não menos importante,<br />

aju<strong>da</strong>reis o próprio Sucessor de Pedro a ser fiel à missão recebi<strong>da</strong> de Cristo, permitindo-lhe conhecer<br />

mais de perto o rebanho que lhe está confiado e fazer-lhe chegar mais eficazmente a sua palavra, a sua<br />

soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, o seu afeto”, prosseguiu o Papa.<br />

“Neste momento, penso com gratidão na aju<strong>da</strong> que diariamente recebo dos numerosos<br />

colaboradores <strong>da</strong> Cúria Romana e <strong>da</strong>s Representações Pontifícias, bem como no apoio que recebo<br />

<strong>da</strong> oração de inumeráveis irmãos e irmãs de todo o mundo”, afirmou aos presentes.<br />

Para concluir o Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> afirmou que “na medi<strong>da</strong> em que fordes fiéis, sereis também<br />

credíveis. Aliás, sabemos que a fideli<strong>da</strong>de que se vive na <strong>Igreja</strong> e na Santa Sé não é uma leal<strong>da</strong>de<br />

«cega», pois é ilumina<strong>da</strong> pela fé n’Aquele que disse: «Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a<br />

minha <strong>Igreja</strong>».”<br />

“Comprometamo-nos todos neste caminho para, um dia, podermos ouvir dirigi<strong>da</strong>s a nós as<br />

palavras <strong>da</strong> parábola evangélica: «Servo bom e fiel, entra na alegria do teu Senhor»”, concluiu o<br />

Santo Padre. Fonte: http://www.acidigital.com/<br />

OREMOS E VIGIEMOS<br />

“O Espírito diz expressamente que, nos tempos vindouros, alguns hão de apostatar <strong>da</strong> fé, <strong>da</strong>ndo<br />

ouvidos a espíritos embusteiros e a doutrinas diabólicas, de hipócritas e impostores (...)<br />

(1Tm. 4, 1-2)<br />

Diariamente devemos rezar muito pelo Papa, pela <strong>Igreja</strong> e por todo o clero, pois a semente<br />

maligna <strong>da</strong> divisão interna não para mais de se espalhar. Também, vigiar diuturnamente para identificar<br />

e denunciar todos aqueles que ignoram e criticam o santo Padre; principalmente de forma vela<strong>da</strong> e<br />

hipócrita, para assim mais facilmente infiltrarem a cizânia e contaminarem os corações dos desavisados.<br />

Esses que assim agem no escondimento são adeptos do modernismo rebelde, desenfreado e<br />

irresponsável, que vem minando os alicerces do autêntico catolicismo. Leia as cartas abaixo e veja a<br />

gravi<strong>da</strong>de que nos cerca há muito tempo:<br />

“Carta de Dom Manoel Pestana Filho para Dom Lucas Moreira Neves e para Dom Luciano<br />

Mendes: - Não é só a Fumaça de Satanás!<br />

Em tempos de pouquíssima sinceri<strong>da</strong>de pastoral, onde tudo é feito para agra<strong>da</strong>r somente os de fora e<br />

romper a uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, trazemos à baila duas cartas escritas por Dom Manoel Pestana Filho sobre a<br />

CNBB. A sentença do Bispo é certeira: chegamos ao limite do tolerável, e isso na déca<strong>da</strong> de 1980. Os<br />

destinatários são certos: Dom Lucas Moreira Neves, um Bispo conservador, e Dom Luciano Mendes,<br />

onde a CNBB sob seu governo desceu a níveis inimagináveis de comunismo. Aos leitores, a decisão<br />

sobre os frutos bons ou maus <strong>da</strong> Conferência Episcopal Brasileira. Entendemos que a pior faceta<br />

<strong>da</strong>queles que perderam o senso do sagrado se dá na liturgia; entender a mecânica de todo o<br />

boicote à Tradição, venha de onde vier, será salutar para devolver o trono <strong>da</strong> ordem social para<br />

Cristo Rei. Os destaques são nossos.<br />

168


Carta a Dom Lucas Moreira Neves<br />

Presidente <strong>da</strong> CNBB<br />

20 de janeiro de 1988<br />

“Creio que já ultrapassamos os limites do tolerável. Nem mais seríamos canes non valentes latrare<br />

[Cães incapazes de latir Is 56,10], responsáveis diante de Deus e <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> pelas inimagináveis<br />

consequências do nosso silêncio no meio do sofrido povo de Deus, se, estupidificados pelo engodo <strong>da</strong><br />

'uni<strong>da</strong>de', continuássemos engolindo a infideli<strong>da</strong>de e apostasia que escorrem do alto. Não é apenas a<br />

fumaça de Satanás que entrou na <strong>Igreja</strong>, por alguma fen<strong>da</strong> oculta, como lamentava o Santo Padre<br />

Paulo VI: é, transpondo triunfalmente os portões, o diabo inteiro, presente nos mais altos postos,<br />

através de seus fiéis seguidores.<br />

Um Cardeal, que depois de comunicar que nem tomaria conhecimento <strong>da</strong> passagem <strong>da</strong> imagem de<br />

Fátima pela sua Arquidiocese, pronuncia-se, na televisão, a favor <strong>da</strong> abolição do celibato eclesiástico –<br />

ou melhor, declara-o contra o direito – e defende o homossexualismo; a CNBB que assume<br />

oficialmente, para espanto dos Constituintes que ain<strong>da</strong> respeitam a <strong>Igreja</strong>, a posição do sinistro Frei<br />

Betto pela despenalização do aborto, como em vão propugnou Dom Cândido Padim em Itaici, na<br />

Comissão <strong>da</strong> Constituição e em plenário; a imposição prática de um texto <strong>da</strong> Campanha <strong>da</strong><br />

Fraterni<strong>da</strong>de, complementado pelo que a AEC, avançando ain<strong>da</strong> mais, preparou para os pobres<br />

colégios católicos, em que não sobra nem fraterni<strong>da</strong>de nem fé; os cursos de lavagem cerebral para<br />

Bispos que, apenas transferidos de Itaici para o Embu, são agora apresentados como 'cursos para<br />

bispos novos' – e V. Exa. sabe muito bem quais são os seus organizadores e professores – TUDO ISSO<br />

claramente indica que o caminho que estamos seguindo não leva a Jerusalém nem muito menos a<br />

Roma: vai direto a Sodoma e Gomorra, que já não estão muito longe.<br />

Revendo, para um curso de férias, as peripécias do Arianismo, Nestorianismo e Monofisitismo, pus-me<br />

a refletir no acerto de Franklin: 'Não me importa o que hoje pensam de mim, mas o que dirão de mim<br />

<strong>da</strong>qui a cem anos' - E assusta-me a responsabili<strong>da</strong>de perante o presente e principalmente o futuro,<br />

que vamos alegre e levianamente assumindo.”<br />

Carta a Dom Luciano Mendes<br />

19 de fevereiro de 1988<br />

“Agradecendo-lhe o envio de parabéns e a garantia de orações pelo aniversário de minha consagração<br />

episcopal, peço-lhe a cari<strong>da</strong>de de ouvir-me ain<strong>da</strong> uma vez.<br />

A situação eclesial brasileira se deteriora a olhos vistos, dia a dia. Lembra-me o espantoso processo de<br />

autodemolição de que falava Paulo VI. Um incrível masoquismo estéril e suici<strong>da</strong>, com graves <strong>da</strong>nos<br />

para o Reino de Deus. O senhor tem uma posição privilegia<strong>da</strong> nesse contexto. Pelo amor de Deus,<br />

pare um pouco. A veloci<strong>da</strong>de embriaga. E há gente demais liga<strong>da</strong> ao seu desempenho.<br />

Não se pode mais aceitar como conselheiros e mestres nas Assembléias <strong>da</strong> CNBB, muito menos como<br />

representantes <strong>da</strong> CNBB na Constituinte, tipos como Plínio de Arru<strong>da</strong> Sampaio, que vota pelo aborto e<br />

pelo divórcio; ou Hélio Bicudo que, conhecido por posições opostas aos princípios cristãos, ameaça de<br />

público levar o Papa ao Tribunal de Haia; ou outros confessa<strong>da</strong>mente trotskistas (já os tivemos em<br />

Itaici), marxistas, etc, como, em livro, acaba de confirmar antigo assessor <strong>da</strong> Conferência.<br />

Seria bem mais vantajoso desligar-me, acomo<strong>da</strong>do, se a paralisia não fosse consciente e dolorosa. Veja<br />

nisto, desajeita<strong>da</strong> que pareça, a contribuição que posso oferecer para que a situação, que nos querem<br />

fazer irreversível, seja supera<strong>da</strong> energicamente, enquanto é tempo.<br />

Sei que muitos não creem em Fátima. Problema deles. Entretanto, o que vem acontecendo, ademais <strong>da</strong><br />

atitude do Magistério eclesiástico autêntico, me leva a confiar, apreensivo, na Senhora <strong>da</strong> Mensagem,<br />

como chamou João Paulo II. E muita coisa diz respeito ao que agora se está vendo.”<br />

Fonte: http://atanasiano.blogspot.com.br/<br />

Oremos pelo Papa<br />

169


"Queridos amigos, neste momento eu posso dizer apenas: rezai por mim, para que eu apren<strong>da</strong><br />

ca<strong>da</strong> vez mais a amar o Senhor. Rezai por mim, para que eu apren<strong>da</strong> a amar ca<strong>da</strong> vez mais o seu<br />

rebanho, a Santa <strong>Igreja</strong>, ca<strong>da</strong> um de vós singularmente e todos vós juntos. Rezai por mim, para que<br />

eu não fuja, por receio, diante dos lobos." - Homilia pelo início do Ministério Petrino, 24 de abril de 2005.<br />

Oremos pelo clero.<br />

(Cardeal Leme)<br />

“Deixai, ó Jesus, que em vosso Coração Eucarístico, depositemos as mais ardentes preces pelo<br />

nosso clero. Multiplicai as vocações sacerdotais em nossa pátria; atrai ao vosso altar os filhos do nosso<br />

Brasil; chamai-os como instância ao vosso ministério!<br />

Conservai na perfeita fideli<strong>da</strong>de ao vosso serviço aqueles a quem já chamastes; afervorai-os,<br />

purificai-os santificai-os, não permitindo que se afastem do espírito de vossa <strong>Igreja</strong>.<br />

Não consintais, ó Jesus, nós Vos suplicamos, que debaixo do céu brasileiro sejam, por mãos<br />

indignas, profanados os vossos mistérios de amor. Com instância vos pedimos: deixai que a<br />

misericórdia de vosso Coração vença a vossa justiça divina por aqueles que se recusaram à honra <strong>da</strong><br />

vocação sacerdotal, ou desertaram <strong>da</strong>s fileiras sagra<strong>da</strong>s.<br />

Por vossa <strong>Mãe</strong>, <strong>Maria</strong> Santíssima, Rainha dos Sacerdotes, atendei, Jesus, a esta nossa insistente<br />

oração. Ó <strong>Maria</strong>, ao vosso coração confiamos o nosso Clero: guiai-o, guar<strong>da</strong>i-o, protegei-o, salvai-o!”<br />

"Chegamos ao grande momento. A Fé está agora na presença não de uma heresia particular como<br />

no passado – o arianismo, o maniqueísmo, dos albigenses, dos maometanos – nem está na presença<br />

de algum tipo de heresia generaliza<strong>da</strong>, como ocorreu quando enfrentou a revolução protestante<br />

trezentos a quatrocentos anos atrás. O inimigo que a Fé tem de enfrentar agora, e que pode ser<br />

chamado de “O Ataque Moderno”, é um assalto indiscriminado aos fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> Fé, à própria<br />

existência <strong>da</strong> Fé. E o inimigo que agora avança contra nós está ca<strong>da</strong> vez mais consciente do fato de<br />

que não pode haver qualquer neutrali<strong>da</strong>de. As forças que agora se opõem à Fé têm o propósito de<br />

destruí-la. A batalha é doravante trava<strong>da</strong> em uma linha defini<strong>da</strong> de clivagem, envolvendo a<br />

sobrevivência ou a destruição <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica. E to<strong>da</strong> – não uma parte – de sua filosofia".<br />

Hilaire Belloc<br />

(http://www.catholicauthors.com/belloc.html)<br />

Papa: “as coisas de Deus são as que merecem urgência.”<br />

(16.08.2011 - Em sua homilia durante a Missa na festivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Assunção.)<br />

Castel Gandolfo – Deus é a ver<strong>da</strong>deira urgência de nossa vi<strong>da</strong>, declarou <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> nessa segun<strong>da</strong>feira,<br />

na homilia que pronunciou durante a missa <strong>da</strong> soleni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Assunção, celebra<strong>da</strong> na paróquia de<br />

San Tommaso <strong>da</strong> Villanova, em Castel Gandolfo.<br />

O Papa destacou a expressão “com prontidão”, com a qual o Evangelho de Lucas assinala que <strong>Maria</strong><br />

se dirigiu à casa de Zacarias e de sua prima Isabel.<br />

Em referência a esta expressão, indicou que “merecem esta urgência; inclusive podemos dizer que as<br />

únicas coisas que merecem urgência são as de Deus, ver<strong>da</strong>deira urgência <strong>da</strong> nossa vi<strong>da</strong>”.<br />

O pontífice explicou que “Zacarias, Isabel e o pequeno João Batista são, de fato, o símbolo de todos<br />

os justos de Israel, em cujos corações, repletos de esperança, aguar<strong>da</strong>m a vin<strong>da</strong> do Messias<br />

Salvador”.<br />

“É o Espírito Santo que abre os olhos de Isabel para fazer-lhe reconhecer em <strong>Maria</strong> a ver<strong>da</strong>deira<br />

arca <strong>da</strong> aliança, a <strong>Mãe</strong> de Deus que vai visitá-la”, acrescentou.<br />

Continuando esta explicação, o Papa afirmou que “João Batista, no seio de sua mãe, <strong>da</strong>nça diante <strong>da</strong><br />

arca <strong>da</strong> Aliança, como Davi”.<br />

“E reconhece assim que <strong>Maria</strong> é a nova arca <strong>da</strong> Aliança, diante <strong>da</strong> qual o coração exulta de<br />

alegria; a <strong>Mãe</strong> de Deus presente no mundo, que não guar<strong>da</strong> para si mesma esta divina presença,<br />

mas que a oferece, compartilhando a graça de Deus”, continuou.<br />

Em referência à Virgem, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> afirmou que “nos conduz à esperança, a um futuro repleto de<br />

alegria”.<br />

Ao mesmo tempo – acrescentou –, <strong>Maria</strong> nos ensina o caminho para alcançar este futuro de<br />

170


plenitude: “acolher na fé o seu Filho; não perder jamais a amizade com Ele, mas deixar-nos<br />

iluminar e guiar pela sua palavra; segui-lo ca<strong>da</strong> dia, inclusive nos momentos em que sentimos que<br />

nossas cruzes se tornam pesa<strong>da</strong>s”.<br />

Em sua homilia, o Papa também se referiu à assunção de <strong>Maria</strong> “à glória do Céu em alma e corpo,<br />

isto é, com todo o ser humano, na integri<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sua pessoa”.<br />

E assegurou que “também a nossa existência cotidiana, com seus problemas e suas esperanças,<br />

recebe luz <strong>da</strong> <strong>Mãe</strong> de Deus, do seu percurso espiritual, do seu destino de glória”.<br />

Para o bispo de Roma, o caminho e a meta de <strong>Maria</strong> “podem e devem se tornar, de alguma maneira,<br />

nosso próprio caminho e nossa própria meta”.<br />

E isso tendo em conta o “destino de glória extraordinária” reservado a Ela, ao estar “estreitamente<br />

uni<strong>da</strong> ao Filho que acolheu na fé e gerou na carne”.<br />

“<strong>Maria</strong>, a arca <strong>da</strong> aliança que está no santuário do Céu, nos indica, com luminosa clari<strong>da</strong>de, que<br />

estamos no caminho rumo à nossa ver<strong>da</strong>deira Casa, a comunhão de alegria e de paz com Deus”,<br />

destacou. Segundo o Papa, a festa <strong>da</strong> Assunção “nos diz que também nós estaremos ao lado de Jesus<br />

na plenitude de Deus e nos convi<strong>da</strong> a ser valentes, a crer que a força <strong>da</strong> Ressurreição de Cristo<br />

possa atuar também em nós e nos converter em homens e mulheres que, a ca<strong>da</strong> dia, tentam viver<br />

como ressuscitados, levando a luz do bem à obscuri<strong>da</strong>de do mal que há no mundo”.<br />

Fonte: www.rainhamaria.com.br ( http://www.zenit.org/)<br />

Façamos como Ogilvie.<br />

Já há muitos meses estamos alertando, através deste site, para a intensificação <strong>da</strong> rejeição ao<br />

nosso amado Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>.<br />

Os ateus e anticatólicos do mundo não devem nos surpreender em sua perseguição ao nosso<br />

CRISTO visível e Condutor máximo <strong>da</strong> Esposa do CORDEIRO, porque esses infelizes vivem e são<br />

conduzidos pelo espírito de satanás. Porém, o que deve nos manter extremamente vigilantes e<br />

preocupados são os murmúrios que já se fazem ouvir dentro <strong>da</strong> própria <strong>Igreja</strong> vindo de leigos<br />

desavisados e de eclesiásticos modernistas e rebeldes, em relação às ações d’Aquele (Papa) que é<br />

assistido e conduzido por DEUS ESPÍRITO SANTO e SUA Amadíssima Esposa, a MÃE <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, a<br />

Virgem Santíssima.<br />

“Por isso, como diz o ESPÍRITO SANTO: Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais os<br />

vossos corações, como por ocasião <strong>da</strong> Revolta, como no dia <strong>da</strong> tentação no deserto, quando vossos pais<br />

ME puseram à prova e viram o Meu Poder por quarenta anos. EU ME indignei contra aquela geração,<br />

porque an<strong>da</strong>vam sempre extraviados em seu coração, e não compreendiam absolutamente na<strong>da</strong> dos<br />

Meus Desígnios. Pois isso, em Minha Ira, jurei que não haveriam de entrar no lugar de descanso que<br />

lhes prometera (Sal. 94, 8-11)! Tomai precaução, meus irmãos, para que ninguém de vós venha a<br />

perder interiormente a fé, a ponto de abandonar o DEUS Vivo. Antes, animai-vos mutuamente ca<strong>da</strong><br />

dia durante todo o tempo compreendido na palavra hoje, para não acontecer que alguém se torne<br />

empedernido com a sedução do pecado. Porque somos incorporados a CRISTO, mas sob a condição<br />

de conservarmos firme até o fim nossa fé dos primeiros dias, enquanto se nos diz: Hoje, se ouvirdes a<br />

sua voz, não endureçais os vossos corações, como aconteceu no tempo <strong>da</strong> Revolta”. (Hb. 3, 7-15)<br />

Amados de DEUS, ouçamos e meditemos profun<strong>da</strong>mente as inspira<strong>da</strong>s palavras do primeiro<br />

grande ungido do SENHOR, Aquele que recebeu o direito e o dever de conduzir na Terra a Casa do<br />

Altíssimo:<br />

“Velai sobre o rebanho de DEUS, que vos é confiado. Tende cui<strong>da</strong>do dele, não constrangidos,<br />

mas espontaneamente; não por amor de interesse sórdido, mas com dedicação; não como<br />

dominadores absolutos sobre as comuni<strong>da</strong>des que vos são confia<strong>da</strong>s, mas como modelos do vosso<br />

rebanho. E, quando aparecer o Supremo PASTOR, recebereis a coroa imperecível de glória.<br />

Semelhantemente, vós outros que sois mais jovens, sede submissos aos anciãos. Todos vós, em<br />

vosso mútuo tratamento, revesti-vos de humil<strong>da</strong>de; “porque DEUS resiste aos soberbos, mas dá a Sua<br />

Graça aos humildes” (Prov. 3, 34). Humilhai-vos, pois, debaixo <strong>da</strong> poderosa Mão de DEUS, para que<br />

ELE vos exalte no tempo oportuno. Confiai-LHE to<strong>da</strong>s as vossas preocupações, porque ELE tem<br />

cui<strong>da</strong>do de vós.<br />

Sede sóbrios e vigiai. Vosso adversário, o demônio, an<strong>da</strong> ao redor de vós como o leão que<br />

ruge, buscando a quem devorar. Resisti-lhe fortes na fé. Vós sabeis que os vossos irmãos, que estão<br />

171


espalhados pelo mundo, sofrem os mesmo padecimentos que vós. O DEUS de to<strong>da</strong> a Graça, que vos<br />

chamou em CRISTO à SUA Eterna Glória, depois que tiverdes padecido um pouco, vos aperfeiçoará,<br />

vos tornará inabaláveis, vos fortificará. A ELE o Poder na Eterni<strong>da</strong>de! Amém. (1Pd. 5, 2-11)<br />

Continua São Pedro em sua exortação:<br />

“Assim demos ain<strong>da</strong> maior crédito à palavra dos profetas, à qual fazeis bem em atender, como a<br />

uma lâmpa<strong>da</strong> que brilha em um lugar tenebroso até que desponte o Dia e a Estrela <strong>da</strong> manhã 1 se<br />

levante em vossos corações. Antes de tudo, sabei que nenhuma profecia <strong>da</strong> Escritura é de<br />

interpretação pessoal. Por que jamais uma profecia foi proferi<strong>da</strong> por efeito de uma vontade humana.<br />

Homens inspirados pelo ESPÍRITO SANTO falaram <strong>da</strong> parte de DEUS.<br />

Assim como houve entre o povo falsos profetas, assim também haverá entre vós falsos doutores,<br />

que introduzirão disfarça<strong>da</strong>mente seitas perniciosas. Eles, renegando assim o SENHOR que os<br />

resgatou, atrairão sobre si uma ruína repentina. Muitas os seguirão nas suas desordens e serão deste<br />

modo a causa de o caminho <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de ser caluniado. Movidos por cobiça, eles vos hão de explorar<br />

por palavras cheias de astúcia. Há muito tempo a condenação os ameaça, e a sua ruína não dorme.”<br />

(2Pd. 2, 1-3)<br />

1- Entendemos que o Dia a que se refere S. Pedro seria o <strong>da</strong> 2ª Vin<strong>da</strong> Gloriosa do Senhor; e a<br />

Estrela <strong>da</strong> manhã, NOSSA SENHORA.<br />

Observemos agora, irmãos, com redobra<strong>da</strong> atenção, o alerta que NOSSA SENHORA, a <strong>Mãe</strong> <strong>da</strong><br />

<strong>Igreja</strong>, fez ao Pe. Stefano Gobbi, na Itália, em 04 de janeiro de 1975:<br />

“... Quando chegar a hora do terrível confronto com os sacerdotes portadores do erro, que se<br />

colocarão contra o Papa e a Minha <strong>Igreja</strong>, arrastando para a perdição um imenso número de Meus<br />

pobres filhos, vós sereis os Meus Sacerdotes fiéis.<br />

Na escuridão que o espírito do mal tiver então difundido por to<strong>da</strong> a parte, no meio <strong>da</strong>s muitas<br />

idéias erra<strong>da</strong>s, espalha<strong>da</strong>s pelo espírito de soberba, que se afirmarão em to<strong>da</strong> a parte e serão segui<strong>da</strong>s<br />

por quase todos, na hora em que tudo for posto em discussão na <strong>Igreja</strong>, e o próprio Evangelho do<br />

Meu FILHO for anunciado por alguns como len<strong>da</strong>, vós, Sacerdotes a MIM consagrados, sereis os<br />

Meus Filhos fiéis.<br />

Fiéis ao Evangelho, fiéis a <strong>Igreja</strong>.<br />

E a força <strong>da</strong> vossa fideli<strong>da</strong>de provirá de vos terdes habituado a entregar-vos só a MIM, de vos<br />

terdes tornado dóceis e obedientes só a Minha Voz.<br />

Assim, ouvireis não a voz deste ou <strong>da</strong>quele teólogo (“doutor...”), não o ensinamento deste ou<br />

<strong>da</strong>quele, mesmo que tenha atraído vastos consensos, mas só ouvireis a Minha Voz, filhos.<br />

E a Minha Voz só vos repetirá docemente aquilo que, o Papa e a <strong>Igreja</strong> a Ele uni<strong>da</strong>,<br />

anunciarem. Fiéis à Minha Voz e à do Papa, sereis o exército preparado por MIM, que defenderá a<br />

sua pessoa, difundirá o seu desatendido ensinamento e confortará o seu abandono e a sua solidão.<br />

Sereis também perseguidos. Chegará também a hora em que sereis a única luz acessa, e<br />

podereis assim, na fideli<strong>da</strong>de ao Evangelho e no sofrimento, indicar a uma multidão de almas o<br />

caminho <strong>da</strong> salvação. E esta vossa luz, por uma intervenção Minha, nunca será de todo apaga<strong>da</strong>.<br />

Meus filhos prediletos, senti-Me como MÃE ao lado de ca<strong>da</strong> um de vós. Agora, os dias passam<br />

e aproxima-se o grande momento. Esta é a hora em que vos estou reunindo de to<strong>da</strong> a parte do mundo<br />

para vos encerrar a todos no Meu Coração Imaculado.<br />

Com o auxílio <strong>da</strong> vossa oração e <strong>da</strong> vossa imolação, EU poderei começar a Minha batalha e<br />

obter a Minha grande vitória.”<br />

Irmãos, na página 17 do Livro do Movimento Sacerdotal <strong>Maria</strong>no, que contém as Mensagens de<br />

NOSSA SENHORA ao Padre Stefano Gobbi (24ª edição brasileira), a Introdução começa com a<br />

seguinte colocação:<br />

“A 8 de maio de 1972, o Pe. Stefano Gobbi participa numa peregrinação a Fátima e encontra-se<br />

rezando na Capelinha <strong>da</strong>s Aparições por alguns sacerdotes, que, além de traírem pessoalmente a sua<br />

vocação, tentam formar associações rebeldes à Autori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>. (...)”<br />

Portanto, essa ponta do “iceberg Cisma” que hoje se torna visível, já estava despontando há mais<br />

de 37 anos. E não nos escan<strong>da</strong>lizemos, porque é profético. Antes <strong>da</strong> Gloriosa chega<strong>da</strong> do Divino<br />

ESPOSO, deverá também Sua Esposa, juntamente com to<strong>da</strong> a humani<strong>da</strong>de, passar por uma fortíssima<br />

Purificação, denomina<strong>da</strong> Apocalipse.<br />

“Aquele que diz conhecê-lo e não guar<strong>da</strong> os Seus Man<strong>da</strong>mentos é mentiroso e a ver<strong>da</strong>de não<br />

está nele. Aquele, porém, que guar<strong>da</strong> a Sua Palavra, nele o amor de DEUS é ver<strong>da</strong>deiramente<br />

172


perfeito. É assim que conhecemos se estamos NELE, aquele que afirma permanecer NELE deve<br />

também viver como ELE viveu.” (1 Jo. 2, 4-6)<br />

“Não ameis o mundo nem as coisas do mundo. Se alguém ama o mundo, não está nele o amor<br />

do PAI. Porque tudo o que há no mundo – a concupiscência <strong>da</strong> carne, a concupiscência dos olhos e a<br />

soberba <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> – não procede do PAI, mas do mundo. O mundo passa com as suas concupiscências,<br />

mas quem cumpre a Vontade de DEUS permanece eternamente.” (1 Jo. 2, 15-17)<br />

No entanto, irmãos, nesta terrível época de contestação ao Santo Padre, o ungido de nosso Senhor<br />

JESUS CRISTO, e que gradualmente vai se caracterizando num monstruoso Cisma, compete-nos seguir<br />

os passos de Ogilvie.<br />

“A dez de março de 1615, foi martirizado, em Glasgow - Escócia, o Bem aventurado João<br />

Ogilvie. Durante o processo o forçaram a ficar sem dormir por oito dias e nove noites consecutivas.<br />

Foi condenado à morte, porque confessara que o Chefe <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> era o Papa, e não o rei Jacó I.<br />

Á caminho para o ca<strong>da</strong>falso encontra-se com o pastor protestante que lhe diz:<br />

- Ó, como eu o lastimo, Ogilvie, que agora vais ser entregue a uma morte tão cruel.<br />

Responde-lhe o mártir, fingindo medo:<br />

- O senhor fala como se estivesse em mim escapar <strong>da</strong> morte. Sou condenado à morte por crime<br />

de lesa majestade.<br />

- Que na<strong>da</strong>, diz-lhe o pastor, nem fales disto, fostes condenado à morte por ser papista. Renega o<br />

Papa e até serás principescamente remunerado!<br />

- O senhor está zombando de mim... O senhor está falando sério? Pergunta-lhe, Ogilvie.<br />

- Sim, estou falando sério, fala-lhe com entusiasmo o protestante.<br />

Fui encarregado, continuou o pastor, pelo arcebispo protestante para oferecer-lhe sua filha em<br />

casamento e um rico benefício, se apostatares. Poupe sua bela vi<strong>da</strong>, tenha compaixão de si mesmo...<br />

Chegando ao ca<strong>da</strong>falso, Ogilvie diz ao pastor protestante:<br />

- Gostaria que o senhor, aqui publicamente, repetisse as promessas que me acaba de fazer. E<br />

grita, para que to<strong>da</strong> a multidão ouça: Ouvi o que o vosso pastor vai dizer!<br />

E o pastor clama vitorioso em alta voz:<br />

- Em nome do nosso arcebispo, prometo-lhe a vi<strong>da</strong>, se apostatar; prometo-lhe a filha do<br />

arcebispo...<br />

- Ouvistes? Querem ser minhas testemunhas? Pergunta Ogilvie.<br />

- Sim, ouvimos, somos tuas testemunhas! Vem, desce ligeiro do ca<strong>da</strong>falso.<br />

Os católicos estão apavorados...<br />

E continua a perguntar o mártir:<br />

- E não precisarei temer que para o futuro me irão acusar de lesa majestade?<br />

- Não! Não! Grita delirante a grande multidão de protestantes: nós ouvimos as promessas, seremos<br />

tuas testemunhas... desce, desce, Ogilvie!<br />

- Então, é só por causa <strong>da</strong> religião que estou aqui diante <strong>da</strong> morte? Pergunta o mártir.<br />

- Só e unicamente! Clama a uma voz, a imensa multidão.<br />

- Ah! Se é assim, basta. Estou pronto a <strong>da</strong>r cem vi<strong>da</strong>s. A minha santa e ver<strong>da</strong>deira Religião não<br />

me podeis roubar, confessa o mártir de CRISTO.<br />

Os hereges rangem os dentes de raiva, e os católicos exultam. O Padre beija a forca e abraça,<br />

consolando, o algoz.<br />

Antes que lhe fossem amarra<strong>da</strong>s as mãos, tira o Terço, que tantas vezes rezara pela conversão dos<br />

protestantes e lança-o por entre a multidão, para que um católico o apanhasse.<br />

Mas o Terço foi <strong>da</strong>r em cheio no peito do barão João Von Eckersdorf, calvinista.<br />

Era alemão, estava de viagem, e “por acaso” se achava em Glasgow, no dia do martírio de Ogilvie.<br />

Os católicos pularam sobre o barão, e lhe arrancaram o Terço!<br />

Depois de alguns anos, narra o próprio barão:<br />

“Eu era protestante, e de forma alguma queria converter-me ao catolicismo, mas, desde aquele<br />

momento em que caiu no meu peito o Terço do Mártir, comecei a ter sérias dúvi<strong>da</strong>s sobre a minha<br />

seita. Parecia que o Terço me tivesse aberto uma grande feri<strong>da</strong>. O pensamento do Terço nunca mais<br />

me deixou em paz. Quatro anos depois entrei na <strong>Igreja</strong> Católica. A minha conversão eu a atribuo ao<br />

Terço do Mártir Padre João Ogilve, S.J.”<br />

173


“Foi-lhe <strong>da</strong>do, também, fazer guerra aos santos e vencê-los.<br />

(...) Ouvi, então, uma voz forte saindo do Templo, que dizia aos sete Anjos: “Ide, e derramai<br />

sobre a terra as sete taças <strong>da</strong> Ira de DEUS”.<br />

(...) O demônio, sedutor delas (nações), foi lançado num lago de fogo e de enxofre, onde já<br />

estavam a Fera² e o falso profeta³, e onde serão atormentados, dia e noite, pelos séculos dos séculos.”<br />

(Ap. 13,7; 16,1; 20,10)<br />

² o anticristo<br />

³ o papa que surgirá do Cisma; o falso.<br />

“Guerreiros <strong>da</strong> última ordem.”<br />

Fonte: www.derradeirasgracas.com<br />

Papa: “a ver<strong>da</strong>deira crise <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> no mundo ocidental, é uma crise de fé.”<br />

Discurso de <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> ao Comitê Central dos Católicos Alemães. (25.09.2011)<br />

Boletim <strong>da</strong> Sala de Imprensa <strong>da</strong> Santa Sé.<br />

“Amados irmãos e irmãs,<br />

Agradeço a possibili<strong>da</strong>de de me encontrar convosco, os membros do Conselho do Comitê Central<br />

dos Católicos Alemães, aqui em Friburgo. Quero manifestar-vos o meu apreço pelo empenho com que<br />

sustentais, em público, os interesses dos católicos e <strong>da</strong>is impulso à obra apostólica <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> e dos<br />

católicos na socie<strong>da</strong>de. Ao mesmo tempo, agradeço ao senhor Alois Glück, Presidente do Comité<br />

Central dos Católicos Alemães, ZdK, pelo amável convite feito.<br />

Queridos amigos, há vários anos que existem os chamados programas exposure no âmbito <strong>da</strong><br />

aju<strong>da</strong> aos países em vias de desenvolvimento. Pessoas responsáveis pela política, pela economia, pela<br />

<strong>Igreja</strong> vão viver, durante um certo tempo, com os pobres na África, Ásia ou América Latina,<br />

compartilhando a sua existência concreta de todos os dias. Colocam-se na situação de vi<strong>da</strong> destas<br />

pessoas para verem o mundo com os seus olhos e, desta experiência, tirarem lições para o próprio<br />

agir solidário.<br />

Imaginemos que um tal programa exposure tivesse lugar aqui na Alemanha. Peritos originários<br />

dum país distante viriam viver, durante uma semana, com uma família alemã média. Certamente<br />

admirariam aqui muitas coisas, como por exemplo o bem-estar, a ordem e a eficiência. Mas, com um<br />

olhar imparcial, constatariam também tanta pobreza: pobreza nas relações humanas e pobreza no<br />

âmbito religioso.<br />

Vivemos num tempo caracterizado em grande parte por um relativismo subliminar que penetra<br />

todos os âmbitos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Às vezes, este relativismo torna-se combativo, lançando-se contra pessoas<br />

que afirmam saber onde se encontra a ver<strong>da</strong>de ou o sentido <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.<br />

E notamos como este relativismo exerce uma influência ca<strong>da</strong> vez maior sobre as relações<br />

humanas e a socie<strong>da</strong>de. Isto exprime-se também na inconstância e descontinui<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> de<br />

muitas pessoas e num individualismo excessivo. Há pessoas que não parecem capazes de renunciar<br />

de modo algum a determina<strong>da</strong> coisa ou de fazer um sacrifício pelos outros.<br />

Também o compromisso altruísta pelo bem comum nos campos sociais e culturais ou então pelos<br />

necessitados está a diminuir. Outros já não são capazes de se unir de forma incondicional a um<br />

consorte. Quase já não se encontra a coragem de prometer ser fiel a vi<strong>da</strong> to<strong>da</strong>; a coragem de<br />

decidir-se e dizer: agora pertenço totalmente a ti, ou então, de comprometer-se resolutamente com a<br />

fideli<strong>da</strong>de e a veraci<strong>da</strong>de, e de procurar sinceramente as soluções dos problemas.<br />

Queridos amigos, no programa exposure, depois <strong>da</strong> análise vem à reflexão comum. Nesta<br />

elaboração, deve-se olhar a pessoa humana na sua totali<strong>da</strong>de; e desta faz parte explicitamente, e<br />

não só de modo implícito, a sua relação com o Criador.<br />

Vemos que, no nosso mundo rico ocidental, há carências. Muitas pessoas carecem <strong>da</strong><br />

experiência <strong>da</strong> bon<strong>da</strong>de de Deus. Não encontram qualquer ponto de contacto com as <strong>Igreja</strong>s<br />

institucionais e suas estruturas tradicionais. Mas porquê? Penso que esta seja uma pergunta sobre a<br />

qual devemos reflectir muito a sério. Ocupar-se desta questão é a tarefa principal do Pontifício<br />

Conselho para a Promoção <strong>da</strong> Nova Evangelização.<br />

Mas, obviamente, a mesma diz respeito a todos nós. Permiti-me tratar aqui um ponto <strong>da</strong> situação<br />

específica alemã. Na Alemanha, a <strong>Igreja</strong> está otimamente organiza<strong>da</strong>. Mas, por detrás <strong>da</strong>s estruturas,<br />

porventura existe também a correlativa força espiritual, a força <strong>da</strong> fé num Deus vivo? Sinceramente<br />

174


devemos afirmar que se verifica um excedente <strong>da</strong>s estruturas em relação ao Espírito. Digo mais: a<br />

ver<strong>da</strong>deira crise <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> no mundo ocidental é uma crise de fé. Se não chegarmos a uma<br />

ver<strong>da</strong>deira renovação <strong>da</strong> fé, qualquer reforma estrutural permanecerá ineficaz.<br />

Voltemos às pessoas a quem falta à experiência <strong>da</strong> bon<strong>da</strong>de de Deus. Precisam de lugares, onde<br />

possam expor a sua nostalgia interior. Aqui somos chamados a procurar novos caminhos <strong>da</strong><br />

evangelização. Um destes caminhos poderiam ser as pequenas comuni<strong>da</strong>des, onde sobrevivem as<br />

amizades, que são aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong>s na frequente adoração comunitária de Deus.<br />

Aqui há pessoas que contam as suas pequenas experiências de fé no emprego e no âmbito <strong>da</strong> família<br />

e dos conhecidos, testemunhando assim uma nova proximi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> à socie<strong>da</strong>de. Depois, a<br />

seus olhos, aparece de modo ca<strong>da</strong> vez mais claro que todos necessitam deste alimento do amor, <strong>da</strong><br />

amizade concreta de um pelo outro e pelo Senhor. Permanece importante a ligação com a seiva vital<br />

<strong>da</strong> Eucaristia, porque sem Cristo na<strong>da</strong> podemos fazer (cf. Jo 15, 5).<br />

Amados irmãos e irmãs, que o Senhor nos indique sempre o caminho para, juntos, sermos luzes<br />

no mundo e mostrarmos ao nosso próximo o caminho para a fonte, onde possam saciar o seu<br />

profundo anseio de vi<strong>da</strong>.<br />

Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong><br />

Fonte: www.rainhamaria.com.br (http://noticias.cancaonova.com / http://fratresinunum.com)<br />

Discurso do Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> ao Parlamento alemão<br />

(22.09.2011 - Em visita a Alemanha.)<br />

Boletim <strong>da</strong> Santa Sé<br />

“Ilustre Senhor Presidente Federal!<br />

Senhor Presidente do Bundestag!<br />

Senhora Chanceler Federal!<br />

Senhor Presidente do Bundesrat!<br />

Senhoras e Senhores Deputados!<br />

Constitui para mim uma honra e uma alegria falar diante desta Câmara Alta, diante do Parlamento <strong>da</strong><br />

minha Pátria alemã, que se reúne aqui em representação do povo, eleita democraticamente para<br />

trabalhar pelo bem <strong>da</strong> República Federal <strong>da</strong> Alemanha. Quero agradecer ao Senhor Presidente do<br />

Bundestag o convite que me fez para pronunciar este discurso, e também as amáveis palavras de boasvin<strong>da</strong>s<br />

e de apreço com que me acolheu.<br />

Neste momento, dirijo-me a vós, prezados Senhores e Senhoras, certamente também como<br />

conci<strong>da</strong>dão que se sente ligado por to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> às suas origens e acompanha soli<strong>da</strong>riamente as<br />

vicissitudes <strong>da</strong> Pátria alemã. Mas o convite para pronunciar este discurso foi-me dirigido a mim<br />

como Papa, como Bispo de Roma, que carrega a responsabili<strong>da</strong>de suprema <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica.<br />

Deste modo, vós reconheceis o papel que compete à Santa Sé como parceira no seio <strong>da</strong> Comuni<strong>da</strong>de<br />

dos Povos e dos Estados. Na base desta minha responsabili<strong>da</strong>de internacional, quero propor-vos<br />

algumas considerações sobre os fun<strong>da</strong>mentos do Estado liberal de direito.<br />

Seja-me permitido começar as minhas reflexões sobre os fun<strong>da</strong>mentos do direito com uma<br />

pequena narrativa tira<strong>da</strong> <strong>da</strong> Sagra<strong>da</strong> Escritura. Conta-se, no Primeiro Livro dos Reis, que Deus<br />

concedeu ao jovem rei Salomão fazer um pedido por ocasião <strong>da</strong> sua entronização. Que irá pedir o<br />

jovem soberano neste momento tão importante: sucesso, riqueza, uma vi<strong>da</strong> longa, a eliminação dos<br />

inimigos? Não pede na<strong>da</strong> disso; mas sim: “Concede ao teu servo um coração dócil, para saber<br />

administrar a justiça ao teu povo e discernir o bem do mal” (1 Re 3, 9).<br />

Com esta narração, a Bíblia quer indicar-nos o que deve, em última análise, ser importante<br />

para um político. O seu critério último e a motivação para o seu trabalho como político não<br />

devem ser o sucesso e menos ain<strong>da</strong> o lucro material.<br />

A política deve ser um compromisso em prol <strong>da</strong> justiça e, assim, criar as condições de fundo<br />

para a paz. Naturalmente um político procurará o sucesso, que, de per si, lhe abre a possibili<strong>da</strong>de de<br />

uma ação política efetiva; mas o sucesso há-de estar subordinado ao critério <strong>da</strong> justiça, à vontade<br />

de atuar o direito e à inteligência do direito. É que o sucesso pode tornar-se também um<br />

aliciamento, abrindo assim a estra<strong>da</strong> à falsificação do direito, à destruição <strong>da</strong> justiça. “Se se põe<br />

de parte o direito, em que se distingue então o Estado de uma grande ban<strong>da</strong> de salteadores?” –<br />

175


sentenciou uma vez Santo Agostinho (De civitate Dei IV, 4, 1).<br />

Nós, alemães, sabemos pela nossa experiência que estas palavras não são um fútil espantalho.<br />

Experimentamos a separação entre o poder e o direito, o poder colocar-se contra o direito, o seu<br />

espezinhar o direito, de tal modo que o Estado se tornara o instrumento para a destruição do direito:<br />

tornara-se uma ban<strong>da</strong> de salteadores muito bem organiza<strong>da</strong>, que podia ameaçar o mundo inteiro e<br />

impeli-lo até à beira do precipício. Servir o direito e combater o domínio <strong>da</strong> injustiça é e<br />

permanece a tarefa fun<strong>da</strong>mental do político.<br />

Num momento histórico em que o homem adquiriu um poder até agora impensável, esta tarefa<br />

torna-se particularmente urgente. O homem é capaz de destruir o mundo. Pode manipular-se a si<br />

mesmo. Pode, por assim dizer, criar seres humanos e excluir outros seres humanos de serem<br />

homens. Como reconhecemos o que é justo? Como podemos distinguir entre o bem e o mal, entre<br />

o ver<strong>da</strong>deiro direito e o direito apenas aparente? O pedido de Salomão permanece a questão<br />

decisiva perante a qual se encontram também hoje o homem político e a política.<br />

Grande parte <strong>da</strong> matéria que se deve regular juridicamente pode ter por critério suficiente o <strong>da</strong><br />

maioria. Mas é evidente que, nas questões fun<strong>da</strong>mentais do direito em que está em jogo a<br />

digni<strong>da</strong>de do homem e <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, o princípio maioritário não basta: no processo de<br />

formação do direito, ca<strong>da</strong> pessoa que tem responsabili<strong>da</strong>de deve ela mesma procurar os critérios<br />

<strong>da</strong> própria orientação.<br />

No século III, o grande teólogo Orígenes justificou assim a resistência dos cristãos a certos<br />

ordenamentos jurídicos em vigor: “Se alguém se encontrasse no povo de Scizia que tem leis<br />

irreligiosas e fosse obrigado a viver no meio deles, (…) estes agiriam, sem dúvi<strong>da</strong>, de modo muito<br />

razoável se, em nome <strong>da</strong> lei <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de que precisamente no povo <strong>da</strong> Scizia é ilegali<strong>da</strong>de, formassem<br />

juntamente com outros, que tenham a mesma opinião, associações mesmo contra o ordenamento em<br />

vigor” [Contra Celsum GCS Orig. 428 (Koetschau); cf. A. Fürst, "Monotheismus und Monarchie. Zum<br />

Zusammenhang von Heil und Herrschaft in der Antike", in Theol.Phil. 81 (2006) 321-338; a citação<br />

está na página 336; cf. também J. Ratzinger, Die Einheit der Nationem, Eine Vision der Kirchenväter<br />

(Salzburg-München 1971) 60].<br />

Com base nesta convicção, os combatentes <strong>da</strong> resistência agiram contra o regime nazista e<br />

contra outros regimes totalitários, prestando assim um serviço ao direito e à humani<strong>da</strong>de inteira.<br />

Para estas pessoas era evidente de modo incontestável que, na reali<strong>da</strong>de, o direito vigente era<br />

injustiça. Mas, nas decisões de um político democrático, a pergunta sobre o que correspon<strong>da</strong> agora à<br />

lei <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, o que seja ver<strong>da</strong>deiramente justo e possa tornar-se lei não é igualmente evidente.<br />

Hoje, de fato, não é de per si evidente aquilo que seja justo e possa tornar-se direito vigente<br />

relativamente às questões antropológicas fun<strong>da</strong>mentais. À questão de saber como se possa reconhecer<br />

aquilo que ver<strong>da</strong>deiramente é justo e, deste modo, servir a justiça na legislação, nunca foi fácil<br />

encontrar resposta e hoje, na abundância dos nossos conhecimentos e <strong>da</strong>s nossas capaci<strong>da</strong>des, uma tal<br />

questão tornou-se ain<strong>da</strong> muito mais difícil.<br />

Como se reconhece o que é justo? Na história, os ordenamentos jurídicos foram quase sempre<br />

religiosamente motivados: com base numa referência à Divin<strong>da</strong>de, decide-se aquilo que é justo entre<br />

os homens.<br />

Ao contrário doutras grandes religiões, o cristianismo nunca impôs ao Estado e à socie<strong>da</strong>de<br />

um direito revelado, um ordenamento jurídico derivado duma revelação. Mas apelou para a<br />

natureza e a razão como ver<strong>da</strong>deiras fontes do direito; apelou para a harmonia entre razão<br />

objectiva e subjectiva, mas uma harmonia que pressupõe serem as duas esferas fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s na<br />

Razão criadora de Deus. Deste modo, os teólogos cristãos associaram-se a um movimento filosófico<br />

e jurídico que estava formado já desde o século II (a.C.).<br />

De fato, na primeira metade do século II pré-cristão, deu-se um encontro entre o direito natural<br />

social, desenvolvido pelos filósofos estoicos, e autorizados mestres do direito romano [cf. W.<br />

Waldstein, Ins Herz geschrieben. Das Naturrecht als Fun<strong>da</strong>ment einer menschlichen Gesellschaft<br />

(Augsburg 2010) 11ss; 31-61]. Neste contacto nasceu a cultura jurídica ocidental, que foi, e é ain<strong>da</strong><br />

agora, de importância decisiva para a cultura jurídica <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de.<br />

Desta ligação pré-cristã entre direito e filosofia parte o caminho que leva, através <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média<br />

cristã, ao desenvolvimento jurídico do Iluminismo até a Declaração dos Direitos Humanos e depois à<br />

nossa Lei Fun<strong>da</strong>mental alemã, pela qual o nosso povo reconheceu, em 1949, “os direitos invioláveis e<br />

inalienáveis do homem como fun<strong>da</strong>mento de to<strong>da</strong> a comuni<strong>da</strong>de humana, <strong>da</strong> paz e <strong>da</strong> justiça no<br />

176


mundo”.<br />

Foi decisivo para o desenvolvimento do direito e o progresso <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de que os teólogos<br />

cristãos tivessem tomado posição contra o direito religioso, requerido pela fé nas divin<strong>da</strong>des, e se<br />

tivessem colocado <strong>da</strong> parte <strong>da</strong> filosofia, reconhecendo como fonte jurídica váli<strong>da</strong> para todos a razão e a<br />

natureza na sua correlação. Esta opção realizara-a já São Paulo, quando afirma na Carta aos Romanos:<br />

“Quando os gentios que não têm a Lei [a Torah de Israel], por natureza agem segundo a Lei, eles<br />

(…) são lei para si próprios. Esses mostram que o que a Lei man<strong>da</strong> praticar está escrito nos seus<br />

corações, como resulta do testemunho <strong>da</strong> sua consciência” (Rm 2, 14-15).<br />

Aqui aparecem os dois conceitos fun<strong>da</strong>mentais de natureza e de consciência, sendo aqui a<br />

“consciência” o mesmo que o "coração dócil" de Salomão, a razão aberta à linguagem do ser. Deste<br />

modo se até a época do Iluminismo, <strong>da</strong> Declaração dos Direitos Humanos depois <strong>da</strong> II Guerra Mundial<br />

e até à formação <strong>da</strong> nossa Lei Fun<strong>da</strong>mental, a questão acerca dos fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> legislação parecia<br />

esclareci<strong>da</strong>, no último meio século verificou-se uma dramática mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> situação.<br />

Hoje considera-se a idéia do direito natural uma doutrina católica bastante singular, sobre a qual<br />

não valeria a pena discutir fora do âmbito católico, de tal modo que quase se tem vergonha mesmo só<br />

de mencionar o termo. Queria brevemente indicar como se veio a criar esta situação. Antes de mais<br />

na<strong>da</strong> é fun<strong>da</strong>mental a tese segundo a qual haveria entre o ser e o dever ser um abismo intransponível:<br />

do ser não poderia derivar um dever, porque se trataria de dois âmbitos absolutamente diversos.<br />

A base de tal opinião é a concepção positivista, quase geralmente adopta<strong>da</strong> hoje, de natureza e de<br />

razão. Se se considera a natureza – no dizer de Hans Kelsen - “um agregado de <strong>da</strong>dos objetivos, unidos<br />

uns aos outros como causas e efeitos”, então realmente dela não pode derivar qualquer indicação que<br />

seja de algum modo de carácter ético (Waldstein, op. cit., 15-21).<br />

Uma concepção positivista de natureza, que compreende a natureza de modo puramente<br />

funcional, tal como a explicam as ciências naturais, não pode criar qualquer ponte para a ética e<br />

o direito, mas suscitar de novo respostas apenas funcionais.<br />

Entretanto o mesmo vale para a razão numa visão positivista, que é considera<strong>da</strong> por muitos como<br />

a única visão científica. Segundo ela, o que não é verificável ou falsificável não entra no âmbito <strong>da</strong><br />

razão em sentido estrito.<br />

Por isso, a ética e a religião devem ser atribuí<strong>da</strong>s ao âmbito subjectivo, caindo fora do<br />

âmbito <strong>da</strong> razão no sentido estrito do termo. Onde vigora o domínio exclusivo <strong>da</strong> razão<br />

positivista – e tal é, em grande parte, o caso <strong>da</strong> nossa consciência pública –, as fontes clássicas de<br />

conhecimento <strong>da</strong> ética e do direito são postas fora de jogo. Esta é uma situação dramática que<br />

interessa a todos e sobre a qual é necessário um debate público; convi<strong>da</strong>r urgentemente para ele é uma<br />

intenção essencial deste discurso.<br />

O conceito positivista de natureza e de razão, a visão positivista do mundo é, no seu conjunto,<br />

uma parcela grandiosa do conhecimento humano e <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de humana, à qual não devemos de<br />

modo algum renunciar. Mas ela mesma no seu conjunto não é uma cultura que correspon<strong>da</strong> e seja<br />

suficiente ao ser humano em to<strong>da</strong> a sua amplitude.<br />

Onde a razão positivista se considera como a única cultura suficiente, relegando to<strong>da</strong>s as<br />

outras reali<strong>da</strong>des culturais para o estado de subculturas, aquela diminui o homem, antes,<br />

ameaça a sua humani<strong>da</strong>de. Digo isto pensando precisamente na Europa, onde vastos ambientes<br />

procuram reconhecer apenas o positivismo como cultura comum e como fun<strong>da</strong>mento comum<br />

para a formação do direito, enquanto to<strong>da</strong>s as outras convicções e os outros valores <strong>da</strong> nossa<br />

cultura são reduzidos ao estado de uma subcultura.<br />

Assim coloca-se a Europa, face às outras culturas do mundo, numa condição de falta de<br />

cultura e suscitam-se, ao mesmo tempo, correntes extremistas e radicais. A razão positivista, que<br />

se apresenta de modo exclusivista e não é capaz de perceber algo para além do que é funcional,<br />

assemelha-se aos edifícios de cimento armado sem janelas, nos quais nos <strong>da</strong>mos o clima e a luz por<br />

nós mesmos e já não queremos receber estes dois elementos do amplo mundo de Deus. E, no<br />

entanto, não podemos iludir-nos, pois em tal mundo auto-construído bebemos em segredo e igualmente<br />

nos "recursos" de Deus, que transformamos em produtos nossos. É preciso tornar a abrir as janelas,<br />

devemos olhar de novo à vastidão do mundo, o céu e a terra e aprender a usar tudo isto de modo<br />

justo.<br />

Mas, como fazê-lo? Como encontramos a entra<strong>da</strong> justa na vastidão, no conjunto? Como pode a<br />

razão reencontrar a sua grandeza sem escorregar no irracional? Como pode a natureza aparecer<br />

177


novamente na sua ver<strong>da</strong>deira profundi<strong>da</strong>de, nas suas exigências e com as suas indicações? Chamo à<br />

memória um processo <strong>da</strong> história política recente, esperando não ser mal entendido nem suscitar<br />

demasia<strong>da</strong>s polêmicas unilaterais.<br />

Diria que o aparecimento do movimento ecológico na política alemã a partir dos Anos Setenta,<br />

apesar de não ter talvez aberto janelas, to<strong>da</strong>via foi, e continua a ser, um grito que anela por ar fresco,<br />

um grito que não se pode ignorar nem acantonar, porque se vislumbra nele muita irracionali<strong>da</strong>de.<br />

Pessoas jovens deram-se conta de que, nas nossas relações com a natureza, há algo que não está bem;<br />

que a matéria não é apenas uma material para nossa feitura, mas a própria terra traz em si a sua<br />

digni<strong>da</strong>de e devemos seguir as suas indicações. É claro que aqui não faço propagan<strong>da</strong> por um<br />

determinado partido político; na<strong>da</strong> me seria mais alheio do que isso.<br />

Quando na nossa relação com a reali<strong>da</strong>de há qualquer coisa que não funciona, então<br />

devemos todos refletir seriamente sobre o conjunto e todos somos reenviados à questão acerca<br />

dos fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> nossa própria cultura. Seja-me permitido deter-me um momento mais neste<br />

ponto. A importância <strong>da</strong> ecologia é agora indiscutível. Devemos ouvir a linguagem <strong>da</strong> natureza e<br />

responder-lhe coerentemente. Mas quero ain<strong>da</strong> enfrentar decidi<strong>da</strong>mente um ponto que, hoje<br />

como ontem, é largamente descurado: existe também uma ecologia do homem. Também o<br />

homem possui uma natureza, que deve respeitar e não pode manipular como lhe apetece.<br />

O homem não é apenas uma liber<strong>da</strong>de que se cria por si própria. O homem não se cria a si<br />

mesmo. Ele é espírito e vontade, mas é também natureza, e a sua vontade é justa quando ele<br />

escuta a natureza, respeita-a e quando se aceita a si mesmo por aquilo que é e que não se criou<br />

por si mesmo. Assim mesmo, e só assim, é que se realiza a ver<strong>da</strong>deira liber<strong>da</strong>de humana.<br />

Voltemos aos conceitos fun<strong>da</strong>mentais de natureza e razão, donde partíramos. O grande teórico do<br />

positivismo jurídico, Kelsen, em 1965 – com a i<strong>da</strong>de de 84 anos –, abandonou o dualismo entre ser e<br />

dever ser. Dissera que as normas só podem derivar <strong>da</strong> vontade.<br />

Consequentemente, a natureza só poderia conter em si mesmas normas, se uma vontade tivesse<br />

colocado nela estas normas. Entretanto isto pressuporia um Deus criador, cuja vontade se inseriu na<br />

natureza. “Discutir sobre a ver<strong>da</strong>de desta fé é absolutamente vão – observa ele a tal propósito (citado<br />

segundo Waldstein, op.cit., 19). Mas sê-lo-á ver<strong>da</strong>deiramente? – apetece-me perguntar. É<br />

ver<strong>da</strong>deiramente desprovido de sentido refletir se a razão objectiva que se manifesta na natureza<br />

não pressuponha uma Razão criadora, um Creator Spiritus?<br />

Aqui deveria vir em nossa aju<strong>da</strong> o patrimônio cultural <strong>da</strong> Europa. Foi na base <strong>da</strong> convicção<br />

sobre a existência de um Deus criador que se desenvolveram a idéia dos direitos humanos, a idéia<br />

<strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de de todos os homens perante a lei, o conhecimento <strong>da</strong> inviolabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de<br />

humana em ca<strong>da</strong> pessoa e a consciência <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de dos homens pelo seu agir. Estes<br />

conhecimentos <strong>da</strong> razão constituem a nossa memória cultural. Ignorá-la ou considerá-la como mero<br />

passado seria uma amputação <strong>da</strong> nossa cultura no seu todo e privá-la-ia <strong>da</strong> sua integrali<strong>da</strong>de.<br />

A cultura <strong>da</strong> Europa nasceu do encontro entre Jerusalém, Atenas e Roma, do encontro entre a fé<br />

no Deus de Israel, a razão filosófica dos Gregos e o pensamento jurídico de Roma. Este tríplice<br />

encontro forma a identi<strong>da</strong>de íntima <strong>da</strong> Europa. Na consciência <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de do homem<br />

diante de Deus e no reconhecimento <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de inviolável do homem, de ca<strong>da</strong> homem, este<br />

encontro fixou critérios do direito, cuja defesa é nossa tarefa neste momento histórico.<br />

Ao jovem rei Salomão, na hora de assumir o poder, foi concedido formular um seu pedido. Que<br />

sucederia se nos fosse concedido a nós, legisladores de hoje, fazer um pedido? O que é que<br />

pediríamos? Penso que também hoje, em última análise, na<strong>da</strong> mais poderíamos desejar que um<br />

coração dócil, a capaci<strong>da</strong>de de distinguir o bem do mal e, deste modo, estabelecer um direito<br />

ver<strong>da</strong>deiro, servir a justiça e a paz. Obrigado pela vossa atenção!”<br />

Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong><br />

Fonte: www.rainhamaria.com.br (http://noticias.cancaonova.com)<br />

178


CONCLUSÃO<br />

Em conseqüência <strong>da</strong> on<strong>da</strong> contestatória que atinge hoje a nossa ama<strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> e o nosso<br />

amado Papa por todo o mundo, procuramos aqui deixar bem claro que esses movimentos são levianos<br />

e irresponsáveis em suas múltiplas e descabi<strong>da</strong>s críticas públicas; as quais já são de nosso exaustivo<br />

conhecimento. Sabemos, e muitos documentos aqui expostos comprovam, que os dois últimos papas<br />

(João Paulo II e <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>), pelo menos, se mantiveram e tem se mantido absolutamente fiéis e<br />

zelosos ao Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, à Doutrina, Dogmas, Tradição e Uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

bimilenar e santa <strong>Igreja</strong> Católica Apostólica Romana; a única instituí<strong>da</strong> por nosso Deus e Senhor,<br />

Jesus Cristo.<br />

No entanto, como exorta-nos a Palavra do Senhor, orai e vigiai, porque esses movimentos<br />

rebeldes arquitetados no escondimento pelos inimigos milenares do catolicismo, tragicamente estão<br />

crescendo e se espalhando também dentro <strong>da</strong> própria hierarquia de nossa <strong>Igreja</strong> em todo o mundo;<br />

num processo de infiltração jamais visto, inclusive em nosso país. Lamentavelmente, eles agem ain<strong>da</strong><br />

às escondi<strong>da</strong>s, de forma covarde, para não serem descobertos e apontados em suas desobediências<br />

ao Sucessor de São Pedro, o Cristo visível, e ao Magistério <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>; enquanto se enraízam e fazem<br />

adeptos. Quem é o rebelde que se esconde para <strong>da</strong>r o bote? Não menos que a milenar serpente e sua<br />

descendência: Caim, Ju<strong>da</strong>s, Caifás e tantos outros até nossos dias...<br />

Portanto, não erraremos nunca se nos mantivermos totalmente fiéis ao Evangelho, Doutrina,<br />

Dogmas e Tradição <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> Católica Apostólica Romana, e principalmente em uni<strong>da</strong>de com<br />

aqueles que assim também agem, como por exemplo, hoje, o Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>; a quem deveremos<br />

seguir sempre em suas orientações. Porém, se no futuro mesmo que sejam muitos os cardeais,<br />

arcebispos, bispos, padres, diáconos, religiosos, religiosas, leigos e leigas que vierem a contestá-lo<br />

como legítimo representante de Cristo e cabeça <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> (apresentando-se, à primeira vista, com<br />

“bonitas” palavras exortando à “modernização” <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong> e à “uni<strong>da</strong>de” entre os cristãos -<br />

ecumenismo -), NÃO os ouçamos e muito menos os sigamos, porque estaremos traindo Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo, que deixou bem claro em Seu Evangelho: “E Eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta<br />

pedra edificarei a Minha <strong>Igreja</strong>; as portas do inferno não prevalecerão contra Ela. Eu te <strong>da</strong>rei<br />

as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na Terra será ligado nos Céus, e tudo o que<br />

desligares na Terra será desligado nos Céus.” (Mt. 16, 18-19)<br />

Observemos, ain<strong>da</strong>, que São Paulo, há dois mil anos, já nos alertava contra aqueles que<br />

sucumbem na fé e são causa de confusão e divisão (cisma):<br />

“Estou admirado de que tão depressa passeis <strong>da</strong>quele que vos chamou à graça de Cristo<br />

para um evangelho diferente. De fato, não há dois (evangelhos): há apenas pessoas que<br />

semeiam a confusão entre vós e querem perturbar o Evangelho de Cristo. Mas, ain<strong>da</strong> que<br />

alguém – nós ou um anjo baixado do Céu – vos anunciasse um evangelho diferente do que vos<br />

temos anunciado, que ele seja anátema. Repito aqui o que acabamos de dizer: se alguém<br />

pregar doutrina diferente <strong>da</strong> que recebestes, seja ele excomungado! É, porventura, o favor dos<br />

homens que eu procuro, ou o de Deus? Por acaso tenho interesse em agra<strong>da</strong>r aos homens? Se<br />

quisesse ain<strong>da</strong> agra<strong>da</strong>r aos homens, não seria servo de Cristo.” (Gl. 1, 6-10).<br />

Vejam bem, é o Apóstolo <strong>da</strong>s Nações (São Paulo) quem recomen<strong>da</strong>: “(...)Se alguém pregar<br />

doutrina diferente <strong>da</strong> que recebestes, seja ele excomungado!<br />

E conclui São Pedro: “Vós, pois, caríssimos, advertidos de antemão, tomai cui<strong>da</strong>do para<br />

que não caiais <strong>da</strong> vossa firmeza, levados pelo erro destes homens ímpios. Mas crescei na graça<br />

e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A Ele a glória agora e<br />

eternamente.”<br />

(2Pd. 3, 17-18)<br />

“Ter uma fé clara, segundo o Credo <strong>da</strong> <strong>Igreja</strong>, freqüentemente é etiquetado como<br />

fun<strong>da</strong>mentalismo. Enquanto o relativismo, isto é, o deixar-se levar "aqui e acolá por<br />

qualquer vento de doutrina", aparece como a única atitude que não reconhece na<strong>da</strong> como<br />

definitivo e que deixa como última medi<strong>da</strong> somente o próprio eu e as suas vontades.”<br />

Joseph Ratzinger<br />

179


“JESUS perguntou a Simão Pedro: Simão, filho de João, amas-me mais do que estes?<br />

Respondeu ele: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe JESUS: apascenta os meus<br />

cordeiros.”<br />

(Jo. 21, 15)<br />

“Mas quem entra pela porta é o pastor <strong>da</strong>s ovelhas. A este o Porteiro abre, e as<br />

ovelhas ouvem a sua voz. Ele chama as ovelhas pelo nome e as conduz à<br />

pastagem.”<br />

(Jo. 10, 2-3)<br />

MOVIMENTO CATÓLICO NACIONAL EM DEFESA DA SAGRADA<br />

EUCARISTIA, DA IGREJA FIEL A BENTO <strong>XVI</strong> E DO EVANGELHO.<br />

(E-mail: mcn.eucaristia@gmail.com)<br />

Acesse o endereço abaixo e saiba mais sobre o nosso amado Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>:<br />

http://magisterobenedettoxvi.blogspot.com.br/<br />

180

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!