01.06.2013 Views

Programa Odisseia - Teatro Nacional São João no Porto

Programa Odisseia - Teatro Nacional São João no Porto

Programa Odisseia - Teatro Nacional São João no Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

“Confetes imaginários caem sobre <strong>no</strong>ssas cabeças”<br />

Silvia Gomez*<br />

Dramaturgo sicilia<strong>no</strong> famoso por Seis Personagens<br />

à Procura de um Autor, Luigi Pirandello (1867‑<br />

‑1936) escreveu que a fantasia era uma<br />

empregadinha ágil a serviço de sua arte. Além<br />

da leveza da fantasia, o texto de Lamartine Babo<br />

aposta em um jogo teatral dinâmico e <strong>no</strong> humor,<br />

outras características de Pirandello. “Me inspirei<br />

na verdade dele”, diz Antunes Filho.<br />

Agora, outro mistério para quem – de Eurípides<br />

a Nelson Rodrigues – se acostumou com as<br />

tragédias encenadas pelo CPT – Centro de Pesquisa<br />

Teatral: primeiro musical concebido ali, Lamartine<br />

Babo é uma festa feliz e contagiante, cujo clima<br />

faz lembrar bailes de carnaval antigos (confetes<br />

imaginários caem sobre <strong>no</strong>ssas cabeças). Será que<br />

o Antunes dramaturgo é assim tão diferente do<br />

diretor? “Ora, Macunaíma era alegre. Eu sou de<br />

Sagitário, solar. Mesmo a tragédia, você não pode<br />

fazer de mau humor: tem de ter muita alegria para<br />

não ficar ruim”, diz. Aliás, por que Lamartine?<br />

Talvez Silveirinha possa responder pelo diretor:<br />

“Ele me faz cócegas por dentro”, confessa o<br />

personagem, enquanto alisa seu chapéu preto.<br />

“Tenho adoração por ele. Mas não poderia fazer só<br />

um musical show, pois aqui há um compromisso<br />

com a pesquisa”, explica Antunes.<br />

Encomendado há três a<strong>no</strong>s a um grupo inter<strong>no</strong><br />

de atores, o espetáculo não saiu como ele queria.<br />

Foi quando o próprio Antunes resolveu escrever.<br />

A direção do texto passou por dois outros grupos<br />

até chegar a Emerson Danesi, <strong>no</strong> CPT há 13 a<strong>no</strong>s.<br />

“Antunes me disse: ‘Se vira’. Tínhamos medo de<br />

não acertar. Mas, quando mostrámos a primeira<br />

versão, ele pediu apenas para deixar o final me<strong>no</strong>s<br />

melancólico”, conta Emerson. Fora isso, ele jura<br />

que Antunes Filho lhe deu total auto<strong>no</strong>mia.<br />

Os <strong>no</strong>ve meses de ensaio contaram com<br />

a coordenação musical de Fernanda Maia.<br />

Selecionados em testes, os 11 atores tocam<br />

instrumentos como pia<strong>no</strong>, violão, trompete e<br />

percussão e cantam 13 canções de Lamartine,<br />

entre elas “Aeiou” (“A, e, i, o, u, dabliú, dabliú,<br />

na cartilha da Juju”) e “Marchinha do Grande<br />

Galo” (“Cocorococó, cocorococó, o galo tem<br />

saudade da galinha carijó”). “Ponderamos muito<br />

para escolher as composições. O resto foi mais<br />

simples: precisamos apenas ouvir o texto, preciso<br />

em sua linha dramática”, acrescenta Emerson.<br />

Tal precisão não soa tão inédita, já que o<br />

“<strong>no</strong>vato” Antunes vem de longa estrada. Talvez<br />

seja melhor falar de alguém que está sempre<br />

começando. Agora, como dramaturgo. “Gosto do<br />

brinquedo <strong>no</strong>vo, do desafio de fazê ‑lo funcionar”,<br />

diz ele. No Círculo de Dramaturgia, Antunes<br />

costuma dizer que escrever é contar um pouco de<br />

si mesmo, o que não deixa de ser como um pacto<br />

de coragem. No seu caso, não apenas para mostrar<br />

um lado dominical, mas ainda para se colocar<br />

<strong>no</strong>vamente à prova. “No texto de Lamartine,<br />

é possível perceber que ele lança mão de um<br />

instrumental acumulado”, avalia Michelle Ferreira.<br />

É um jogo que domi<strong>no</strong>u, segundo ele, depois<br />

de varrer muito palco. “Foi assim que comecei:<br />

varrendo e servindo café para a Cacilda Becker e o<br />

Ziembinski”, conta. “Aprendi sobre dramaturgia<br />

quando precisei adaptar uma obra por semana para<br />

os teleteatros ao vivo da TV Tupi, <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 1950.<br />

Aquilo me deu um sentido de causa e efeito, fui<br />

obrigado a sacar a linha de força de uma peça.”<br />

Depois, vieram adaptações de grandes livros,<br />

como o próprio Macunaíma (1978), de Mário<br />

de Andrade, espetáculo que o consagrou, e,<br />

mais recentemente, A Pedra do Rei<strong>no</strong> (2006),<br />

de Aria<strong>no</strong> Suassuna. “Esse foi uma tourada.<br />

E o engraçado é que ninguém considera, é<br />

como se eu tivesse a obrigação”, reclama. Isso<br />

sem falar em peças como Nova Velha Estória<br />

(1991), cujas palavras inventadas criavam um<br />

dialeto aberto à imaginação do espectador.<br />

Tudo isso é dramaturgia, ofício que ele tenta<br />

decifrar nas reuniões de sexta <strong>no</strong> Círculo. Às<br />

vezes, usa um cinzeiro redondo que há na sala<br />

e copinhos descartáveis como personagens de<br />

uma encenação ilustrativa sobre conflito, linhas<br />

de força, causa e efeito. Quando gosta do que ele<br />

mesmo falou, pede: “Isso foi bom. A<strong>no</strong>ta aí”. •<br />

* Excerto de “Mistério, cavalheiros, mistério…”. Bravo! (Dez. 2009).<br />

<strong>Odisseia</strong>: <strong>Teatro</strong> do Mundo<br />

33

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!