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Instituto AMMA - Psique & Negritude - Imprensa Oficial

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Ser lançado ao mando e desmando dos<br />

outros. Viver comandos que não hesitam cair<br />

sobre mim. Estar sempre na contingência de<br />

receber ordens, obrigado a obedecer sem<br />

contestar. Isto desenha, ao mesmo tempo,<br />

superexposição e subexposição. Uma mesma<br />

experiência sob ângulos diferentes. Não há<br />

contradição. Há dominação. No servo superexposto<br />

há desaparição de rosto, nome, palavras<br />

e iniciativas, amortecimento de biografia<br />

e memória.<br />

HISTÓRIAS JUSTIFICAM VIDAS<br />

A matéria das biografias são as palavras e os<br />

feitos deixados por alguém. Contar histórias a<br />

respeito de alguém implica lembrar suas iniciativas<br />

e seus discursos. A pessoa cuja história<br />

é contada não vai aparecer toda iluminada,<br />

toda manjada, como aparecem os servos.<br />

É por superexposição que a gente se relaciona<br />

com os servos, como se soubéssemos<br />

suficientemente quem são eles, por que e<br />

para que estão ali. Mas alguém ou um cidadão<br />

nunca a gente dirá conhecer suficientemente.<br />

Quem é? Que faz? Por que faz? Para<br />

onde vai? Dependemos de conviver com ele<br />

para atinar com respostas, sem nunca repousarmos<br />

nelas. Porque pessoas têm mistério<br />

ou sombra, cidadãos têm mistério ou sombra:<br />

alteridade, irredutibilidade, singularidade<br />

insondável e que não se deve devassar.<br />

Pessoas são agentes de surpresa, não são<br />

máquinas previsíveis ou organismos de comportamento<br />

manjado.<br />

Já o servo é manjado. A gente sabe o que<br />

esperar dele, esperamos aquilo a que está<br />

obrigado. É obrigatório que nos satisfaça.<br />

Agora, de cidadãos nunca sabemos o que<br />

esperar, porque são seres de iniciativa, de<br />

palavras. São livres.<br />

Contar e ouvir histórias ou biografias é indispensável<br />

para a cidadania e para a personalidade.<br />

Quem não deixa história, quem fica<br />

sem o testemunho dos outros, desaparece<br />

para a cidade e, desaparecendo para a cidade,<br />

em alguma medida, desaparece para si próprio.<br />

Também é fato que a gente precisa reiteradamente<br />

sair da luz pública, precisa do<br />

silêncio, da casa, do recolhimento, ambientes<br />

ou posições de profundidade, que nos põem<br />

mais densos, menos superficiais nos devolvem<br />

ainda mais pessoais para a cidade. A realidade,<br />

dirá Hannah Arendt, a gente retira da<br />

convivência pública com os outros. Quando<br />

os outros nos abordam como gente que fala<br />

e age é que nos tornamos mais reais. Mas ela<br />

acrescentará que precisamos do recolhimento<br />

para entrar na cidade de maneira mais original<br />

e menos impessoal. O recolhimento alimenta<br />

pontos de vista que confrontaremos<br />

na cidade, tornando mais difícil e mais verdadeira<br />

a descoberta do mundo comum. A descoberta<br />

do mundo é mediada por nossos<br />

testemunhos e depoimentos: e é tanto mais<br />

verdadeira quanto mais reúne e supera pontos<br />

de vista particulares, retirados de opiniões<br />

que não sejam automáticas e que foram<br />

maturadas no recolhimento.<br />

IDENTIDADE<br />

Identidade de alguém ou de um grupo não é<br />

a mesma coisa que alguém, não é a mesma<br />

coisa que o grupo. A identidade é signo de<br />

alguém ou signo de um grupo. É realidade<br />

que tem expressão sensível e que podemos<br />

fixar. Valores, hábitos, atitudes aparecem a<br />

partir de certos ambientes. Por exemplo, a<br />

identidade dos índios Bororo vem pela arquitetura<br />

das casas e da aldeia, vem pelo modo<br />

justamente como as casas estão distribuídas,<br />

vem por certos valores compartilhados, valores<br />

transmitidos dos velhos para os jovens. A<br />

identidade vem por formas assumidas pelo<br />

trabalho e pelo parentesco.<br />

Os índios Bororo, entretanto, não coincidem<br />

com sua identidade Bororo. Apóiam-se nestes<br />

traços comuns, para poderem ir cada um e<br />

todos realizarem a aventura das suas vidas<br />

mais próprias. Do mesmo modo, uma pessoa<br />

encontra nos traços identitários uma alavanca<br />

para suas palavras e ações, nem mais e<br />

nem menos. As palavras e ações não podem<br />

ser previstas de seus apoios e alavancas. A<br />

dominação atinge o direito de agir e<br />

falar, também tende a desmoralizar a<br />

identidade. Na dominação, a cultura<br />

do dominado é desmoralizada, suas<br />

crenças aparecem como crendices,<br />

sua religião como superstição, sua língua<br />

como instrumento tosco.

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