Instituto AMMA - Psique & Negritude - Imprensa Oficial
Instituto AMMA - Psique & Negritude - Imprensa Oficial
Instituto AMMA - Psique & Negritude - Imprensa Oficial
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
de cada um e misturar as iniciativas. Isto fazia<br />
lembrar o que lemos em Hannah Arendt: o<br />
poder é o que sai do igual direito de agir e<br />
falar. Só caminhamos para um poder popular<br />
quando cada um está livre para tomar iniciativas<br />
e para conversar.<br />
Sem conversa, nada era decidido. Sem o<br />
assentimento de cada um, nada feito. O consenso<br />
nunca era completo, mas era sempre<br />
ensaiado. Ninguém estava sempre satisfeito<br />
ou sempre infeliz. Ninguém era obrigado a<br />
falar e, aos poucos, ninguém ficava sem falar.<br />
Não pegava bem falar demais. Ouvir pegava<br />
sempre bem. Só quando um grupo mostrava<br />
ouvir é que merecia que a gente falasse. Um<br />
grupo surdo era abandonado ou xingado.<br />
Os grupos mais firmes foram os que remaram<br />
gradualmente e abraçaram as horas de<br />
mal-estar. Não censuravam os conflitos e<br />
nem os deixavam minguar. Uma reunião não<br />
bastasse, então duas ou três, quem sabe quatro.<br />
Os melhores caminhos não apressavam<br />
saídas. E nem demoravam demais.<br />
Os grupos mancos foram os alarmistas.<br />
Apavoravam-se com contradições e desperdiçavam<br />
as divergências. Emudeciam nas crises.<br />
Engoliam amarguras. Varriam objeções para<br />
baixo do tapete. Abrigavam-se nos acordos<br />
forçados. Queriam caminhar em bloco, sem<br />
soltar ninguém.<br />
A memória de escola, que marcava aquelas<br />
mulheres, não podia ser pior. A escola da<br />
infância tinha geralmente valido um lugar de<br />
humilhação. Ninguém aprende nada quando<br />
rebaixado. Engole ou cospe, não cai no gosto<br />
de aprender quando cai como inferior.<br />
Ninguém logra ensinar quando avança como<br />
um superior. Naqueles anos de CJ, o que chamou<br />
minha atenção foi que muitas mulheres<br />
foram outra vez sacudidas pelo desejo de<br />
estudar. Com a experiência comunitária, sentindo-se<br />
outra vez de pé, várias delas retomaram<br />
seus estudos fundamentais. Algumas até<br />
alcançaram faculdade. De volta à escola reencontraram<br />
humilhações. Mas não caíam<br />
mais. Essas mulheres foram devolvidas<br />
à escola por uma experiência de<br />
cidadania. Por isso é que ouvíamos<br />
delas: “Escola faz cidadania? Não, cidadania<br />
é que faz escola!”.<br />
MARTIN LUTER KING<br />
A causa do respeito à diversidade é muito<br />
importante. Mas não pode ficar desligada da<br />
causa da igualdade política. O desrespeito à<br />
diversidade, a meu ver, é um sintoma da desigualdade<br />
política. Não adianta pedir tolerância<br />
às diferenças sem pedir, mais radicalmente,<br />
que nos encontremos politicamente<br />
como iguais, ou seja, todos e cada um no<br />
igual direito de falar e de tomar iniciativas. O<br />
que está radicalmente por trás do preconceito<br />
contra os pobres, contra os negros, contra<br />
os índios, contra as mulheres, contra os gays,<br />
contra os velhos e os loucos, é a desigualdade<br />
política.<br />
Martin Luther King logo que começou<br />
a reivindicar igualdade entre negros e<br />
brancos, encontrou problemas.<br />
Todavia, em grande medida, a causa<br />
foi entendida segundo a bandeira do<br />
respeito à diversidade. Para muita gente,<br />
a começar pelo então presidente Kennedy, o<br />
que Martin Luther King desejava não contrariava<br />
o projeto norte-americano. Contrariava<br />
somente a intolerância relativa às diferenças<br />
raciais e culturais.<br />
Mas quando aconteceu do pastor negro, melhor<br />
do que nunca, frisar que a luta pela<br />
igualdade entre negros e brancos era luta<br />
contra a dominação, e não só a dominação<br />
de norte-americanos por norte-americanos,<br />
mas também a dominação de nações por<br />
nações, perdeu a ostensiva amizade do presidente.<br />
Foi assassinado. Ficou precisamente<br />
perigoso quando encontrou parentesco entre<br />
a luta dos negros nos Estados Unidos e a luta<br />
de proletários no mundo todo. Foi quando,<br />
sob nova luz, voltou a ligar sua luta e a luta<br />
de Ghandi. Martin Luther King foi assassinado<br />
quando compreendeu e afirmou nexos entre<br />
a luta dos negros, as lutas operárias, as lutas<br />
por reforma agrária.<br />
AMIZADE<br />
Hannah Arendt sustentou de diversas maneiras<br />
que a qualidade maior de um cidadão é a<br />
capacidade de imaginar-se num lugar que não<br />
67