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Instituto AMMA - Psique & Negritude - Imprensa Oficial

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BELEZA E NEGRITUDE<br />

Jussara Dias, Maria Lúcia da Silva e Maria<br />

Aparecida Miranda me trouxeram para muito<br />

perto do depoimento de jovens negros que<br />

se sentiam feios, meninas negras que se consideravam<br />

feias. Quando chamados a apontar<br />

o que achavam feio, respondiam: o cabelo, os<br />

lábios, o nariz.<br />

Penso que devemos aprofundar o tema da<br />

dominação até este ponto, um ponto muito<br />

psicológico: existe alguma coisa incompatível<br />

entre dominação e beleza. A dominação<br />

torna feios dominadores e dominados para si<br />

próprios e uns para os outros, porque a<br />

dominação interrompe a aparição. Outra vez:<br />

a aparição entendida como a experiência viva<br />

das aparências, o que não é a mesma coisa<br />

que as aparências simplesmente. A aparição<br />

deixa como rastro aparências. Enquanto as<br />

aparências não são meros rastros da aparição,<br />

são um meio atual e vivo de aparição.<br />

A pessoa dominada tende a viver sua pele e<br />

seu corpo apenas como aparência. Mas o que<br />

traz beleza é a aparição. Toda pessoa que aparece<br />

fica bonita, mesmo que sua aparência<br />

esteja em falta com o padrão social. Os<br />

padrões de beleza são formas fixadas de aparição,<br />

consagrados como representantes da<br />

beleza e, aos poucos, mais que representantes,<br />

são consagrados como sendo a própria<br />

beleza. Existe um controle social da beleza<br />

que faz com que o espectro das aparências<br />

bonitas estreite-se muitíssimo.<br />

Sempre haverá muita gente fora do padrão<br />

oficial de beleza. A beleza, no sentido que<br />

estou reivindicando, é fenômeno mais originário<br />

do que o fenômeno de sua padronização.<br />

A beleza quase nada tem a ver com a<br />

beleza socialmente consagrada, amortecida,<br />

congelada. O fenômeno para o qual apelo<br />

tem a ver com a experiência de aparição.<br />

Todo mundo, contanto que livre do controle<br />

social da beleza, é capaz de admitir e de confirmar<br />

que beleza é aparição. Pessoas afastadas<br />

dos padrões controlados de beleza, quando<br />

aparecem, quando livres para aparecer,<br />

são necessariamente bonitas. Mesmo a pessoa<br />

marcada por defeitos corporais, sem a<br />

aparência do corpo normal ou oficial, é bonita<br />

quando aparece. E existe muita gente, em<br />

conformidade com o padrão social de beleza,<br />

que é feia, porque não está em liberdade.<br />

A aparência sempre pode enganar. Posso rapidamente<br />

tomar alguém como bonito porque<br />

tem a aparência em conformidade com a<br />

beleza oficial ou em conformidade com a<br />

beleza que já vi antes noutra pessoa. Mas se<br />

durar o olhar – a experiência da aparição<br />

pede tempo, é diferente da instantânea experiência<br />

da aparência – pode acontecer da<br />

gente testemunhar a pessoa sem liberdade de<br />

aparição, pois tudo nela é imitação, é prisão, é<br />

controle dos outros. Desde então, fica logo<br />

feia.<br />

A aparição depende da liberdade de<br />

falar, depende da liberdade de agir e<br />

depende da liberdade de sossegar. A<br />

dominação, atingindo em cheio a<br />

liberdade, impedindo a voz, o gesto e<br />

a quietude, atinge a porta de passagem<br />

da beleza, atinge a beleza.<br />

Posto isso, acho que a gente nunca sabe de<br />

cara o que uma jovem negra quer dizer<br />

quando declara que se sente feia. Pode ser<br />

que se sinta feia por estar fora do padrão<br />

branco, independentemente de estar feia ou<br />

não quanto à liberdade. Há meninas livres,<br />

mas que se sentem feias. São meninas potencialmente<br />

lindas, mas que são vistas como<br />

feias por quem não tem liberdade, por quem<br />

se agarrou ao controle social e à ordem<br />

dominante e que, portanto, não tem olhos<br />

para a beleza, só tem olhos para o prestígio.<br />

Não tem olhos para as pessoas, só tem olhos<br />

para os prestigiados.<br />

GOSTAR, VERBO INTRANSITIVO<br />

Dona Zica, já falecida, morou a vida toda em<br />

Nova Lima, uma pequena cidade perto de<br />

Belo Horizonte. Nova Lima se formou em<br />

torno dos negócios da empresa mineradora<br />

Morro Velho. A cidade foi toda construída<br />

numa encosta de vale. Na parte baixa do vale<br />

estava a mineradora e formou-se também o<br />

bairro dos trabalhadores mineiros. Na parte<br />

média da cidade, em altura e em sentido<br />

socioeconômico, concentraram-se os técnicos<br />

ligados à mineradora. Na parte alta, os patrões<br />

que, a maior parte do tempo, foram capitalistas<br />

ingleses. Uma série de necessidades foi<br />

naturalmente se definindo e atraiu muitos<br />

outros agentes, ligados ao comércio, à escola,<br />

à saúde. E a cidade, então, foi se compondo<br />

integralmente.

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