Instituto AMMA - Psique & Negritude - Imprensa Oficial
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Diferentes em que?<br />
Liane - Elas, em geral, têm a cultura afro do poder da rainha, da altivez. São altivas: “eu vim<br />
da tribo tal, da qual eu sou a rainha-chefe”. Portanto, muito diferente da nossa questão com<br />
os escravos que achatou a auto-estima da maioria dos afro-brasileiros.<br />
Você poderia resumir como foi o seu trabalho no curso do <strong>AMMA</strong>?<br />
Liane - Não sei se dá para resumir, mas vou tentar. As perguntas foram: Que lugar eu ocupo<br />
no mundo? Como é que eu posso ocupar esse lugar? Com que poder? Como é que eu me<br />
nutro dessa ocupação? Planejei todos os exercícios e na medida em que fui trabalhando com a<br />
dinâmica de grupo, os exercícios foram crescendo em expressão de emoção, inclusive da emoção<br />
da raiva. Nós tínhamos planejado fazer uma constelação sistêmica, pois creio que é muito<br />
importante pensar sistemas hoje em dia. Por exemplo, como o corpo se inclui na cultura e nos<br />
vários sistemas. Daí, fomos montando a constelação sistêmica. Foi quase uma dramatização<br />
para trabalhar a questão das marcas da escravidão.<br />
Como foi essa montagem?<br />
Liane - Foi assim: havia uma moça no grupo que estava muito mexida com a história da avó,<br />
a história do escravo. Então, eu pedi para que ela escolhesse pessoas do grupo e as<br />
mandassem para o fundo da sala. Essas pessoas passaram a representar os escravos. Depois<br />
havia os que representavam os avós, pai, mãe, tios, tias. Pronto: estava formada uma<br />
constelação transgeracional. Na verdade, em toda constelação familiar existe um segredo.<br />
Um segredo?<br />
Liane - Até aquele momento da oficina eu não tinha absolutamente nada. Daí comecei a<br />
incentivar: “Vai ocupando esse lugar, vai pensando que você está no lugar do escravo”. Foi,<br />
então, que as pessoas que representavam os escravos começaram a cair, não conseguiam<br />
andar, choravam. Um rapaz foi se torcendo em uma dor. A segunda geração, a do pai e da<br />
mãe, não olhava para aquilo. Não olhava para a dor dos escravos. E esse era o segredo.<br />
O segredo de não falar da dor e da humilhação sofridas?<br />
Liane - Exatamente. Muito diferente de quando eu trabalho em Israel, onde todo mundo fala,<br />
o tempo todo, do Holocausto. No Brasil, há o silêncio em relação à escravidão. Aquela dor<br />
horrível dos escravos é silenciada. O grupo ficava de costa para eles. Os escravos gritavam,<br />
caiam no chão e choravam. Isso aconteceu espontaneamente. Por quê? Porque é um lugar de<br />
alma, vamos falar assim. A moça foi se afastando cada vez mais. Ela chorou muito, entrou<br />
em um estado de angústia muito grande. Então eu pedi que todos olhassem para os escravos.<br />
Pedi que não fugissem deste olhar.<br />
E qual foi o desenlace?<br />
Liane - Fomos descobrindo o porquê desse silêncio. Qual a razão de não contarem essa história?<br />
E a moça realmente não quis ver, ficou em pânico, apavorada. Eu disse para os escravos:<br />
“Honro vocês, integro vocês no meu coração, eu perdôo vocês por não terem me falado, mas<br />
eu vou seguir o meu caminho, agora é a minha história”. A moça saiu em direção à porta.<br />
Foi um exercício pesado. Eu fiquei muito emocionada. Depois disso a gente faz uma cena ressonante<br />
- que é compartilhar o que ressoou em todo mundo.<br />
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