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Instituto AMMA - Psique & Negritude - Imprensa Oficial

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Isildinha Nogueira descobriu, então, que acontecesse o que acontecesse em sua vida,<br />

existia alguém que a amava do jeito que ela era. Enfim, “somos, porque somos no olhar<br />

do outro”.<br />

Faz sentido falarmos de efeitos psicossociais do racismo?<br />

Isildinha - Acho fundamental pensar como a questão social bate no inconsciente. Eu nunca<br />

deixei de trabalhar esse viés. É um assunto essencial, pois os efeitos psicossociais do racismo<br />

acabam por moldar a nossa conduta e o modo como nós pensamos, produzimos e sentimos.<br />

Eu entendo que é preciso, além da clareza das questões sociais, curar as feridas psíquicas.<br />

Elas existem e são as piores. Às vezes, a pessoa luta e consegue uma vitória pessoal ou social.<br />

Mas, ao mesmo tempo, ela se auto-destrói porque não se acredita. Não se vê capaz daquilo.<br />

Não se gosta. Internaliza a discriminação de tal forma que passa a se auto-discriminar sem<br />

se dar conta. Este é o perigo maior!<br />

As pessoas negras são continuamente discriminadas, como lidar com essa violência<br />

em termos emocionais e afetivos?<br />

Isildinha - As pessoas negras são contínua e permanentemente discriminadas e lidar com a<br />

discriminação é muito difícil, pois ela destrói a possibilidade de ser. Porém, no momento em<br />

que percebemos que a nossa história pessoal se insere na história da sociedade e da cultura,<br />

começamos a produzir antídotos contra o veneno da discriminação.<br />

As marcas da infância são difíceis de serem removidas?<br />

Isildinha - Eu diria que é quase impossível. O que se imprime na primeira infância é para<br />

sempre. De 0 a 6 anos vivemos muito próximos da família. Alguém pode perguntar: “mas<br />

como é que o racismo chega se nós vivemos muito próximos da família?” A resposta é que o<br />

racismo é internalizado. Nossos pais, certamente, sofreram o olhar da discriminação. A própria<br />

família vivencia essa dor, essa ferida. As relações originais – as primeiras da vida que<br />

incluem pai e mãe - são importantíssimas. A maneira como nossos pais nos vêem, é como nós<br />

vamos nos ver para o resto das nossas vidas. Feridas da infância não saram nunca. O que a<br />

gente pode aprender, ao longo da vida, é como lidar com elas.<br />

Como fazer o curativo?<br />

Isildinha - Um curativo permanente. E de tão bom que fica, a gente consegue andar bem.<br />

Mas se esse curativo nunca foi feito é difícil. A gente caminha, mas caminha cheio de dor.<br />

Não é um caminhar muito firme, é um caminhar cambaleante.<br />

É importante o olhar do outro?<br />

Isildinha - Nós só somos sujeitos porque existimos no olhar do outro, por isso somos quem<br />

somos. Eu só sou psicanalista porque o outro me reconhece psicanalista. Eu não posso me<br />

auto nomear desse lugar do sujeito. Ser no próprio olhar é algo que construímos ao longo da<br />

vida, mas essa construção não nos nomeia enquanto sujeitos. O sujeito é feito e anunciado na<br />

primeira infância.<br />

Se eu sou só sujeito no olhar do outro e se o outro não me vê, eu não sou!<br />

Isildinha - Uma das conseqüências disso, algo muito triste, é quando você percebe que a grande<br />

população dos hospitais psiquiátricos do País é negra. Por quê? Eu tenho a impressão que<br />

tem a ver com a história de não ter um lugar, de não ser.<br />

À medida que a pessoa se sente uma coisa e não se sente como pessoa. Não ser visto é enlouquecedor.<br />

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