CHECCHI, Conrado M. da S. de. Jogos teatrais e o bullying escolar
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MINICURSO: JOGOS TEATRAIS E O BULLYING ESCOLAR<br />
Prof. Ddo. Paulo César Antonini <strong>de</strong> Souza<br />
SEE/SP – SPQMH – PPGE/UFSCar<br />
Prof. <strong>Conrado</strong> Marques <strong>da</strong> Silva <strong>de</strong> Checchi<br />
Oficina Cultural Lélia Abramo<br />
Resumo:<br />
Consi<strong>de</strong>rando a presença do <strong>bullying</strong> nas relações humanas e, <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>staca<strong>da</strong>, no<br />
ambiente <strong>escolar</strong>, a ação discente frente ao fenômeno tem relevância fun<strong>da</strong>mental no que<br />
tange à sua minimização, consi<strong>de</strong>rando para isso o recurso <strong>de</strong> intervenções que busquem o<br />
conscientizar-se <strong>de</strong> que somos por nossa experiência com outras pessoas no mundo, e que<br />
nossa vivência tem a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se realizar afetivamente, sem disputas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que<br />
antagonizem os seres humanos. Neste minicurso, intencionamos apresentar a linguagem<br />
teatral utilizando a improvisação (Augusto Boal; Viola Spolin) por meio <strong>da</strong> qual as<br />
intervenções se constituam em uma relação dialoga<strong>da</strong> na busca por um convívio mais<br />
humanizado e distante <strong>de</strong> situações/condições que tornem as pessoas opressoras e/ou<br />
oprimi<strong>da</strong>s no ambiente <strong>escolar</strong>.<br />
Palavras-chave: Bullying, <strong>Jogos</strong> <strong>teatrais</strong>, Conscientização.<br />
Introdução<br />
[...] só há uma coisa que po<strong>de</strong> seduzir nossa vonta<strong>de</strong> criadora e atrai-la para nós. E<br />
isto é um alvo atraente, um objetivo criador. O objetivo é o aguçador <strong>da</strong> criativi<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
sua força motriz. Em cena, como fora <strong>de</strong> cena, a vi<strong>da</strong> consiste numa série<br />
ininterrupta <strong>de</strong> objetivos e sua realização. (STANISLAVSKI, 1989, p. 57)<br />
Utilizado como diversão ou como meio <strong>de</strong> informação e formação ao longo <strong>da</strong><br />
História <strong>da</strong> Humani<strong>da</strong><strong>de</strong>, a linguagem teatral passou por transformações que envolveram a<br />
ampliação e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> técnicas corporais e/ou mecânicas para interpretação,<br />
utiliza<strong>da</strong>s ou não, <strong>de</strong> acordo com o contexto em que se realizam, para experiências <strong>de</strong><br />
ensino/aprendizagem. Nesse processo, as necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s ou interesses <strong>da</strong>s pessoas ou grupos<br />
que <strong>de</strong>tiveram e <strong>de</strong>tém o controle <strong>de</strong> sua realização quando em uma manifestação pública, se<br />
or<strong>de</strong>naram a fim <strong>de</strong> estimular os sentidos humanos ao <strong>de</strong>spertar nos espectadores uma<br />
aproximação emocionalmente significativa, como nos lembra Boal (1991):<br />
O teatro, <strong>de</strong> um modo particular, é <strong>de</strong>terminado pela socie<strong>da</strong><strong>de</strong> muito mais<br />
severamente que as <strong>de</strong>mais artes, <strong>da</strong>do o seu contato imediato com a platéia, e o seu<br />
maior po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> convencimento. Essa <strong>de</strong>terminação atinge tanto a apresentação<br />
exterior do espetáculo, quanto o próprio conteúdo <strong>da</strong> idéia do texto escrito. (p.100)<br />
O caráter essencialmente coletivo do teatro e sua corporei<strong>da</strong><strong>de</strong> latente, uma vez<br />
que não se pensa nessa manifestação artística sem sua associação imediata aos homens e às<br />
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mulheres que a tornam visível, são elementos significativos tanto para o entendimento <strong>de</strong> sua<br />
força como instrumento socioeducativo, quanto para a relevância do teatro nos sentidos<br />
próprios <strong>de</strong> sua poética, cujas diretrizes buscam por meio <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, formas <strong>de</strong><br />
aproximação entre as pessoas.<br />
Assim, a seleção <strong>de</strong> temáticas para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> linguagem teatral se<br />
torna um facilitador para a realização do diálogo. Mesmo ao encarar essa forma <strong>de</strong><br />
experiência teatral como uma instrumentalização <strong>da</strong> arte, sua estética e movimento criador<br />
asseguram a legitimi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> manifestação como meio sensível <strong>de</strong> nossa presença no mundo.<br />
Bullying e a linguagem do teatro<br />
Sendo seres humanos condicionados a nos situarmos em posições <strong>de</strong> autori<strong>da</strong><strong>de</strong> e<br />
submissão, por conta do modo em que se constroem as relações sociais no mundo atual, on<strong>de</strong><br />
o machismo, a economia, a heterossexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, e a hegemonia cultural e <strong>de</strong> raças tem fator<br />
significativo para que se estruture quem ocupa qual espaço entre os grupos, acreditamos ser<br />
necessário que os professores e as professoras se encontrem realmente dispostos/as a<br />
ultrapassar essas limitações a fim <strong>de</strong> que a relação entre estes/as e os/as discentes se realize <strong>de</strong><br />
maneira dialógica. No sentido <strong>de</strong>ssa reflexão: “[...] a significação <strong>da</strong>s práticas educativas<br />
constitui-se a partir do sentido que os processos <strong>de</strong> ensino e aprendizagem tem para as<br />
pessoas envolvi<strong>da</strong>s com seu <strong>de</strong>senvolvimento [...]” (SOUZA; LEMOS; CARMO, 2010, p.4).<br />
No ambiente <strong>escolar</strong>, tendo em vista as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s materiais e espaciais, assim<br />
como a <strong>de</strong>limitação do tempo para as vivências educativas, consi<strong>de</strong>rando-se a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
componentes curriculares e a abor<strong>da</strong>gem que ca<strong>da</strong> professor ou professora utiliza para<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sua prática, a linguagem teatral, por meio dos jogos <strong>de</strong> interpretação<br />
po<strong>de</strong>m se revelar uma forma ativa <strong>de</strong> sensibilização na abor<strong>da</strong>gem <strong>de</strong> varia<strong>da</strong>s temáticas. Para<br />
que seja possível existir essa aproximação entre conteúdo e temática, no entanto, se faz<br />
necessária uma relação <strong>de</strong> respeito, interesse e diálogo entre docentes e discentes, a fim <strong>de</strong><br />
que, por meio <strong>de</strong>sse acercamento, as barreiras sejam aos poucos <strong>de</strong>rruba<strong>da</strong>s favorecendo a<br />
constituição <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> ensino-aprendizagem coerente à perspectiva existencial <strong>de</strong> todo<br />
o grupo.<br />
Quando as relações <strong>escolar</strong>es po<strong>de</strong>m contar com projetos que visam participação<br />
discente ativa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a seleção dos objetivos até a escolha <strong>da</strong> temática e <strong>da</strong>s técnicas, os<br />
processos educativos ten<strong>de</strong>m a surgir em experiências que são prazerosas para to<strong>da</strong>s as<br />
pessoas envolvi<strong>da</strong>s, tendo a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>, por exemplo, ultrapassar – ou minimamente<br />
questionar, comportamentos que muitas vezes são responsáveis por afastar-nos uns dos<br />
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outros, orientados por olhares consumistas i<strong>de</strong>ologicamente adquiridos. O consumismo ao<br />
qual nos referimos, vai além <strong>da</strong> aquisição <strong>de</strong> bens ou serviços, sendo principalmente orientado<br />
pela aquisição <strong>de</strong> comportamentos e i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> corpo, em um processo capaz <strong>de</strong> nos fazer<br />
negar a própria imagem e também <strong>da</strong>s pessoas com quem convivemos.<br />
A vi<strong>da</strong> do cotidiano <strong>escolar</strong> encontra-se permea<strong>da</strong> <strong>de</strong> intersubjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, advin<strong>da</strong>s<br />
<strong>da</strong>s relações entre o corpo estu<strong>da</strong>ntil, suas famílias, o corpo administrativo e o corpo<br />
pe<strong>da</strong>gógico, cujos encontros compõem gran<strong>de</strong> parte dos ambientes <strong>de</strong> ensino e aprendizagem.<br />
Estamos no mundo, imersos em tudo e, <strong>de</strong> certa forma, em to<strong>da</strong>s as pessoas com as quais nos<br />
relacionamos. Inun<strong>da</strong>dos <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> do mundo, temos a nosso favor a criativi<strong>da</strong><strong>de</strong> que nos<br />
permite transcen<strong>de</strong>r a existência e re-criar nossa presença no e com o mundo e com as pessoas<br />
no mundo:<br />
É necessário ser parte do mundo que nos circun<strong>da</strong> e torna-lo real tocando, vendo,<br />
sentindo o seu sabor, e o seu aroma – o que procuramos é o contato direto com o<br />
ambiente. Ele <strong>de</strong>ve ser investigado, questionado, aceito ou rejeitado. A liber<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
pessoal para fazer isso leva-nos a experimentar e adquirir autoconsciência (auto<br />
i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>) e auto-expressão (SPOLIN, 1992, p.6).<br />
No contexto <strong>da</strong> reflexão aponta<strong>da</strong> por esta autora, com a qual concor<strong>da</strong>mos,<br />
<strong>de</strong>vemos consi<strong>de</strong>rar um dos elementos mais prejudiciais – no caso discente, para o alcance <strong>da</strong><br />
experiência <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong>: o <strong>bullying</strong> 1 . Esse fenômeno ain<strong>da</strong> se mostra um obstáculo a ser<br />
vencido <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>s escolas, pois apesar <strong>de</strong> campanhas <strong>de</strong> prevenção <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s por<br />
professores e professoras e <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem que o assunto recebe por meio <strong>de</strong> projetos<br />
governamentais ou por matérias televisivas, sua continui<strong>da</strong><strong>de</strong> ain<strong>da</strong> é observa<strong>da</strong>, pois “A<br />
ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira liber<strong>da</strong><strong>de</strong> pessoal e a auto-expressão só po<strong>de</strong>m florescer numa atmosfera on<strong>de</strong> as<br />
atitu<strong>de</strong>s permitam igual<strong>da</strong><strong>de</strong> entre o aluno e o professor, e as <strong>de</strong>pendências do aluno pelo<br />
professor e do professor pelo aluno sejam elimina<strong>da</strong>s” (SPOLIN, 1992, p.8).<br />
Não é possível vivenciar a experiência <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> quando algo afeta <strong>de</strong> maneira<br />
nociva, as pessoas que compartilham um mesmo espaço social e histórico, tendo nessas<br />
relações, experiências que <strong>de</strong>sconstroem a fé em si mesmo ou em outrem. Como alternativas<br />
possíveis para a prevenção do <strong>bullying</strong>, tendo por suporte as linguagens <strong>da</strong> arte – musical,<br />
visual, cênica/teatro e corporal/<strong>da</strong>nça, vários projetos (SOUZA, 2007; SANTOS, 2009;<br />
1 Bullying – sem tradução para a língua portuguesa – é o termo que <strong>de</strong>signa um fenômeno i<strong>de</strong>ntificado<br />
inicialmente entre os anos <strong>de</strong> 1970/80, pelo pesquisador e professor norueguês Dan Olweus, caracterizado por<br />
comportamentos velados, repetitivos e intencionalmente agressivos, <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m física ou psicológica, entre alunos.<br />
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SOUZA, 2009; MEDEIROS, 2010; AYALA; VASCONCELOS, 2011) indicaram resultados<br />
bastante positivos quando postos em prática.<br />
A utilização <strong>da</strong>s linguagens artísticas, abarcando os sentidos humanos em sua<br />
realização e tendo como facilitadora a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> técnicas expressivas que sustenta,<br />
revela-se um meio dinâmico <strong>de</strong> nos aproximarmos <strong>de</strong> temáticas que dizem respeito aos<br />
interesses discentes. Para Lowenfeld e Brittain (1977):<br />
Somente através dos sentidos a aprendizagem po<strong>de</strong> processar-se. Talvez isto pareça<br />
um enunciado óbvio; entretanto, suas implicações parecem ser ignora<strong>da</strong>s em nosso<br />
sistema educacional. É possível que a educação reflita, meramente, as mu<strong>da</strong>nças em<br />
nossa socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois o homem parece estar ca<strong>da</strong> vez confiando menos no contato<br />
sensorial, concreto, real, com seu meio. Está-se convertendo num espectador passivo<br />
<strong>da</strong> sua cultura, em vez <strong>de</strong> seu construtor ativo (p. 23).<br />
É no contexto <strong>da</strong>s reflexões apresenta<strong>da</strong>s neste texto, que também encontram<br />
similari<strong>da</strong><strong>de</strong> nas recomen<strong>da</strong>ções presentes na proposta curricular do Estado <strong>de</strong> São Paulo<br />
(SÃO PAULO, 2008), que apontamos a relevância dos jogos <strong>teatrais</strong>, elaborados em conjunto<br />
por docentes e discentes, para a prevenção <strong>da</strong>s práticas do <strong>bullying</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> escola. A<br />
contextualização <strong>da</strong>s propostas educativas são significativas para todo o grupo quando existe<br />
prazer na prática <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>.<br />
O jogo teatral<br />
O artista capta e expressa um mundo que é físico. Transcen<strong>de</strong> o objeto – mais do<br />
que informação e observação acura<strong>da</strong>s, mais do que o objeto físico em si. Mais do<br />
que seus olhos po<strong>de</strong>m ver (SPOLIN, 1992, p.14).<br />
Procurando a partir <strong>da</strong> noção <strong>de</strong> experiência, estabelecer o que será trabalhado, os<br />
<strong>Jogos</strong> Teatrais são ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s que nascem <strong>da</strong> realização para se objetivar enquanto ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
ain<strong>da</strong> que composta, necessariamente, tão só por atuantes ou aliados à plateia, estes não se<br />
encontram em postura passiva, mas recompõem ação por ação <strong>da</strong>queles que se apresentam<br />
ressignificando ato por ato apresentado. Entretanto, mesmo com o potencial educativo, e<br />
consi<strong>de</strong>rando sua versatili<strong>da</strong><strong>de</strong> junto a outros componentes curriculares além <strong>da</strong> Arte, o jogo<br />
teatral ain<strong>da</strong> hoje ocupa um espaço <strong>de</strong> pouco <strong>de</strong>staque nas escolas pelo estranhamento que<br />
práticas envolvendo manifestações artísticas oferecem à maioria <strong>da</strong>s pessoas, como observa<br />
Santos (2009): “A perspectiva <strong>de</strong> teatro como conhecimento aliado ao processo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento do sujeito tem significado oposição veemente às concepções positivistas,<br />
mas nem por isso o teatro garante o seu espaço como disciplina no meio <strong>escolar</strong>” (p.12).<br />
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Assim, no contexto <strong>de</strong> nossa experiência com o teatro, as pesquisas <strong>de</strong> Viola<br />
Spolin revelam-se as mais indica<strong>da</strong>s, tanto pela coerência <strong>da</strong> autora em relação à sua prática<br />
quanto à forma utiliza<strong>da</strong> para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s técnicas <strong>teatrais</strong>, que consi<strong>de</strong>ram a<br />
espontanei<strong>da</strong><strong>de</strong> e a improvisação pontos fun<strong>da</strong>mentais no que diz respeito à experiências <strong>da</strong>s<br />
pessoas envolvi<strong>da</strong>s nos processos <strong>de</strong> criação teatral. Para a autora:<br />
Apren<strong>de</strong>mos através <strong>da</strong> experiência, e ninguém ensina na<strong>da</strong> a ninguém. [...] Se o<br />
ambiente permitir, po<strong>de</strong>-se apren<strong>de</strong>r qualquer coisa, e se o indivíduo permitir, o<br />
ambiente lhe ensinará tudo o que ele tem para ensinar. “Talento” ou “falta <strong>de</strong><br />
talento” tem muito pouco a ver com isso. Devemos reconsi<strong>de</strong>rar o que significa<br />
“talento”. É muito possível que o que é chamado comportamento talentoso seja<br />
simplesmente uma maior capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> individual para experienciar. [...] Experienciar<br />
é penetrar no ambiente, é envolver-se total e organicamente com ele (SPOLIN,<br />
1992, p. 3)<br />
Os jogos <strong>teatrais</strong>, como recurso pe<strong>da</strong>gógico, propõem possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s distintas <strong>da</strong>s<br />
metodologias educativas tradicionais, que geralmente mantém os/as discentes fixos em suas<br />
carteiras enquanto os/as docentes discursam ou utilizam a lousa na apresentação dos<br />
conteúdos. Por meio dos jogos <strong>teatrais</strong>, a vivência <strong>escolar</strong> – na sala <strong>de</strong> aula ou fora <strong>de</strong>la,<br />
<strong>de</strong>senvolve-se em comportamentos voluntários e espontâneos que tem na coletivi<strong>da</strong><strong>de</strong> seus<br />
significados.<br />
A participação discente nos jogos <strong>teatrais</strong>, <strong>de</strong>ve ser concor<strong>da</strong><strong>da</strong> e assumi<strong>da</strong> pelo<br />
grupo em seu caráter voluntário e integrador, <strong>de</strong> maneira que se abra a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> que<br />
mesmo as pessoas que estejam assistindo ou tenham optado por assistir à prática em<br />
<strong>de</strong>senvolvimento, também são parte ativa <strong>de</strong> todo o movimento teatral, pois sua observação<br />
po<strong>de</strong> resultar em análises pessoais, capazes <strong>de</strong> também recriar – em aulas ou fora do ambiente<br />
<strong>escolar</strong> – os movimentos encenados. Mantendo uma relação <strong>de</strong> cumplici<strong>da</strong><strong>de</strong>, parceria e<br />
diálogo durante a elaboração dos jogos <strong>teatrais</strong>, alcançamos o entendimento <strong>de</strong> que a<br />
finali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s não tem a intenção do palco ou a valorização do ato cênico, mas sim<br />
<strong>da</strong> cooperação, na qual as práticas se valem <strong>da</strong> corporei<strong>da</strong><strong>de</strong> na atuação do grupo participante.<br />
Spolin (1992) chama a atenção ao <strong>de</strong>stacar que muitas pessoas não são capazes <strong>de</strong><br />
se expressar livremente por meio <strong>da</strong> linguagem teatral, muitas vezes por experiências nesse<br />
campo on<strong>de</strong> a aprovação e comentários reforçando ou direcionando movimentos se fazia<br />
presente. Para a autora, em uma reflexão cujo sentido se esten<strong>de</strong> para práticas sociais além <strong>da</strong>s<br />
dinâmicas do jogo teatral: “numa cultura on<strong>de</strong> a aprovação/<strong>de</strong>saprovação tornou-se o<br />
regulador predominantes dos esforços e <strong>da</strong> posição, e frequentemente o substituto do amor,<br />
nossas liber<strong>da</strong><strong>de</strong>s pessoais são dissipa<strong>da</strong>s” (p.6).<br />
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Nesse sentido é que compreen<strong>de</strong>mos o quanto é significativa a consi<strong>de</strong>ração do<br />
grupo espectador nos jogos <strong>teatrais</strong>. Quando sua relevância é indica<strong>da</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento em<br />
que se iniciam as experiências nesse campo, e o diálogo se <strong>de</strong>senvolve <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a seleção dos<br />
temas até as conversas <strong>de</strong> avaliação envolvendo a prática, a sensação <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />
parceria entre o grupo se fortalece.<br />
Encontrar o tema – apresentado no jogo teatral como Foco por Spolin (2007) – é o<br />
ponto fun<strong>da</strong>mental para a participação prazerosa <strong>da</strong>s pessoas envolvi<strong>da</strong>s com a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
Frequentemente apresentado a partir <strong>de</strong> uma experiência vivi<strong>da</strong> pelas pessoas reuni<strong>da</strong>s em<br />
torno <strong>da</strong> criação do jogo, ele será o promotor <strong>da</strong> energia participativa, pois é sob um foco<br />
específico que se <strong>de</strong>limitará um objetivo – resolver ou compreen<strong>de</strong>r o problema, a ser<br />
alcançado pelo grupo.<br />
Para a manutenção <strong>da</strong> prática e como forma <strong>de</strong> manter ativa a inserção dos e <strong>da</strong>s<br />
participantes ao foco, incluindo as pessoas que estão na assistência <strong>da</strong> encenação, apresenta-se<br />
outra base fun<strong>da</strong>mental para o <strong>de</strong>senvolvimento dos jogos <strong>teatrais</strong>: a instrução. Esta <strong>de</strong>ve ser<br />
realiza<strong>da</strong> durante o jogo, nunca dirigi<strong>da</strong> especificamente a uma pessoa apenas, mas ao<br />
coletivo, estimulando assim o processo <strong>de</strong> criação <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s em busca <strong>de</strong> respostas livres<br />
e espontâneas.<br />
A instrução é a própria motivação em busca <strong>da</strong>s atenções necessárias ao foco<br />
selecionado pelo grupo. Sua realização busca principalmente a percepção <strong>da</strong> corporei<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />
grupo, que <strong>de</strong>ve ser prioriza<strong>da</strong> incentivando que os e as participantes <strong>de</strong>monstrem o que estão<br />
jogando ao invés <strong>de</strong> contar.<br />
Como princípio para a <strong>de</strong>monstração cabe ao/à docente, evitar o uso ou orientação<br />
<strong>de</strong> imagens que façam alusão ou que representem um modo pré-estabelecido ou estereotipado<br />
<strong>de</strong> encenação, <strong>de</strong> maneira a permitir espaço à criativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, valorizando a contribuição <strong>de</strong> ca<strong>da</strong><br />
participante ao protagonizar suas e outras experiências em busca <strong>da</strong> compreensão ou <strong>de</strong><br />
soluções para o objetivo <strong>da</strong>quele jogo teatral. Assim, como função essencial <strong>de</strong> expansão se<br />
coloca a “avaliação” <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, tanto para análise dos procedimentos quanto para<br />
concepção <strong>de</strong> diferentes objetivos provenientes <strong>da</strong> realização dos jogos <strong>teatrais</strong>, levando a<br />
partir <strong>de</strong> um crescente aumento <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> cooperação, que se fortalece pela<br />
i<strong>de</strong>ntificação entre os membro do grupo e o foco pelo qual se uniram, à vivência do respeito,<br />
<strong>da</strong> afetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>da</strong> confiança e, consequentemente, <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
Sobre tal aspecto O jogo teatral oferece possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s para o fortalecimento <strong>da</strong><br />
autoconfiança <strong>de</strong> seus participantes e <strong>de</strong> credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> nas relações entre seus pares, que<br />
po<strong>de</strong>m em conjunto encontrar a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> necessária para um convívio fraterno. Essa<br />
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aproximação nos abre ao mundo e às pessoas no mundo, ampliando nossa compreensão e nos<br />
permitindo estar conectados aos problemas do grupo ao qual pertencemos como uma<br />
experiência significativa. Para Spolin (1992): “Ao tentarmos nos salvaguar<strong>da</strong>r <strong>de</strong> ataques,<br />
construímos uma fortaleza po<strong>de</strong>rosa e nos tornamos tímidos, ou então lutamos ca<strong>da</strong> vez que<br />
nos aventuramos sair <strong>de</strong> nós mesmos” (p.7).<br />
Consi<strong>de</strong>ramos que a utilização <strong>da</strong>s técnicas e <strong>da</strong> experiência dos jogos <strong>teatrais</strong> em<br />
sala <strong>de</strong> aula, apresenta-se como um meio consciente <strong>de</strong> buscar compreensões para as relações<br />
<strong>escolar</strong>es, consi<strong>de</strong>rando também sua potenciali<strong>da</strong><strong>de</strong> para a prevenção e controle <strong>da</strong>s ações <strong>de</strong><br />
<strong>bullying</strong>. A vivência do jogo teatral tem essa característica por oferecer caminhos distintos<br />
para nosso estar-no-mundo, no qual outras relações e formas <strong>de</strong> se relacionar <strong>de</strong>svelam-se por<br />
meio <strong>de</strong> movimentos que aproximam as pessoas em parcerias proporciona<strong>da</strong>s pela autonomia<br />
necessária à sua realização e pela incerteza dos resultados.<br />
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