a trajetória silenciosa de pessoas portadoras do hiv contada pela ...
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a pessoa fica fragilizada, pois vivencia situações <strong>de</strong> ameaça à sua integralida<strong>de</strong><br />
física, emocional e social.<br />
Como eixo central <strong>de</strong>ssa discussão, faz-se necessário abordar o<br />
significa<strong>do</strong> da morte que a AIDS suscita. No espaço das últimas décadas assistimos<br />
a um fenômeno curioso na socieda<strong>de</strong> capitalista: à medida que a interdição em torno<br />
<strong>do</strong> sexo foi se relaxan<strong>do</strong>, a morte foi se tornan<strong>do</strong> um tema proibi<strong>do</strong>, uma coisa<br />
inominável. A obscenida<strong>de</strong> não residia mais nas alusões às coisas referentes ao<br />
início da vida, mas sim aos fatos relaciona<strong>do</strong>s com seu fim.<br />
A morte, negação da vida, problema existencial humano, tornara-se<br />
obscena no contexto <strong>do</strong>s valores da socieda<strong>de</strong> urbana mo<strong>de</strong>rna, conforme pontuam<br />
Pádua (1986), Souza (1994), Faria e Vaz (1995), reforço da<strong>do</strong> <strong>pela</strong>s ciências<br />
médicas que diante <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s avanços científicos e tecnológicos, se imbuída da<br />
idéia <strong>de</strong> que todas as <strong>do</strong>enças eram curáveis, e que finalmente a morte não mais<br />
existiria, assim o homem se acreditava imortal, crian<strong>do</strong> o mito da imortalida<strong>de</strong>.<br />
Contu<strong>do</strong>, a AIDS passou a questionar a idéia <strong>de</strong> cura até então aclamada <strong>pela</strong><br />
ciência como uma máxima da medicina, questionan<strong>do</strong> sua hegemonia (BRASIL,<br />
1996; FARIA e VAZ, 1995).<br />
Com força ainda maior, a AIDS apresentou-se por meio <strong>de</strong> uma <strong>do</strong>ença<br />
que atinge uma faixa etária que, em nossa cultura, não coloca a morte na sua pauta<br />
<strong>de</strong> cogitações. Assim, o mito da imortalida<strong>de</strong> cai por terra, e se concretiza a<br />
possibilida<strong>de</strong> da morte fora <strong>do</strong> seu tempo real, e a ameaça <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sfecho<br />
in<strong>de</strong>sejável, além <strong>de</strong> precoce e indigno, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com Pádua (1986) e Brasil (1996),<br />
mas cujos efeitos ilusórios refletem na subjetivida<strong>de</strong> em torno da mesma, or<strong>de</strong>nan<strong>do</strong><br />
a morte em vida às <strong>pessoas</strong> <strong>porta<strong>do</strong>ras</strong> <strong>do</strong> HIV e da AIDS, e i<strong>de</strong>ar a morte para um<br />
<strong>de</strong>stino sempre adia<strong>do</strong>, para os não porta<strong>do</strong>res (BRASIL, 1996).<br />
Assim, entre a morte que é vivida, projetada no presente e não efetuada, e a morte<br />
projetada para um futuro sempre distante, longínquo, oscila o imaginário que cerca os<br />
porta<strong>do</strong>res e não porta<strong>do</strong>res <strong>do</strong> vírus. E isso, certamente, <strong>de</strong>spotencializa os porta<strong>do</strong>res<br />
para a vida que está em curso e ilu<strong>de</strong>m os não porta<strong>do</strong>res da inelutabilida<strong>de</strong> da morte.<br />
Efeitos que indicam a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se entrar em contato com a finitu<strong>de</strong>, condição<br />
indispensável na produção da diferença (BRASIL, 1996, p.51).<br />
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