a trajetória silenciosa de pessoas portadoras do hiv contada pela ...

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18.05.2013 Views

patriarcal, legitimam-se de tal sorte na dinâmica social, interpessoal e intrapsíquica que acabam sendo determinantes de desigualdade e discriminação social nas relações entre os sexos. Neste dinamismo patriarcal cabe aos homens um papel hierarquicamente de supremacia, tanto na esfera do social quanto familiar, levando à afirmação de que a posição hierárquica masculina, freqüentemente, se afirme pela violência, tanto física quanto psicológica, atingindo as mulheres (BRASIL, 2002). Espera-se que elas se abstenham de atividade sexual antes do casamento e que não tenham relações extraconjugais; dos homens espera-se que os machos iniciem sua atividade sexual assim que entrem na adolescência e que tenham múltiplas parcerias sexuais, antes e depois de casados, como forma de provar sua masculinidade (PARKER, 1991). O evento da infidelidade sexual conjugal possui mitos repassados transgeracionalmente, entre eles o de que a infidelidade do homem é um comportamento normal; que um caso extraconjugal vivido pelo marido pode fazer reviver um casamento enfadonho; que a culpa é da mulher traída que falhou de alguma forma com seu marido; que o homem que tem casos extraconjugais não coloca em risco a estrutura familiar pela sua capacidade de não misturar amor com sexo, ao contrário da mulher (ZAMPIERE, 1996). As possibilidades de assumir estratégias de redução de risco para a infecção pelo HIV, dentre elas a negociação do uso da camisinha, também ficam sensivelmente limitadas pela própria estrutura dos valores e papéis sexuais, pois o simples fato de a mulher sugerir o uso da camisinha bem poderia questionar a sua fidelidade sexual, enquanto para o homem esta sugestão poderia representar receio de interferência no seu desempenho sexual, e, portanto, uma ameaça às suas próprias expectativas da virilidade, assim como a sua própria imagem de fidelidade, conforme alude Jeolás (1999). As estruturas aqui mencionadas são interiorizadas no processo de socialização, que é culturalmente definido e construído, como vimos anteriormente, em que são produzidas e reproduzidas as formas de comportamento sexual do cotidiano, tornado-se parte integrante do sistema ideológico que articula, e que está 41

profundamente arraigado na tradição patriarcal e na milenar tradição cristã. Estas estruturas passam a ditar as normas do que é certo e errado, o pecaminoso e o sagrado, dando-se o destaque às relações heterossexuais, como sendo o único exercício legitimado de sexo, e que deve ser dentro do casamento, com amor, para procriação e monogâmico; elementos extremamente importantes que mantêm o ordenamento dos gêneros dentro da estrutura social moral e sexual vigente (ZAMPIERE, 1996; WEEKS, 2001). Estes eixos constituem-se em um combustível muito inflamável para a epidemia da AIDS. Há segundo Parker (1997), evidências de expressivas mudanças no sistema de significados sexuais, especialmente entre as classes média e alta. Mas, a despeito de tais mudanças, é importante enfatizar que os conceitos do machismo continuam funcionando naquilo que se descreve no Brasil como classes populares, e que estes segmentos sociais de renda inferior somam a enorme maioria da população de um grande país, avassaladoramente pobre. É precisamente nestes segmentos mais pobres, os quais se ressentem, cada vez mais, do crescente impacto da epidemia, que esses modelos tradicionais, e as desigualdades fundamentais que implicam, encontram-se profundamente enraizados. E essa maneira peculiar de configurar gênero e sexualidade tem-se tornado problemática, sobretudo com a emergência da epidemia da AIDS. Situar historicamente a hierarquia do gênero torna-se imprescindível, se nos recusarmos a tomar as questões do gênero como um fim em si mesmo. Ela passa a ser entendida como um sistema de coordenadas culturais que os brasileiros têm usado, tanto para estruturar a natureza de suas realidades sexuais como para interpretar os significados de suas práticas sexuais. Compreendido por esse caminho, não como um fim em si mesmo, mas como uma estrutura definida e articulada culturalmente para se pensar sobre a natureza da existência sexual, o sistema de significados construído em torno da hierarquia de gênero fornece uma excelente visão da vida sexual na sociedade brasileira. 42

profundamente arraiga<strong>do</strong> na tradição patriarcal e na milenar tradição cristã. Estas<br />

estruturas passam a ditar as normas <strong>do</strong> que é certo e erra<strong>do</strong>, o pecaminoso e o<br />

sagra<strong>do</strong>, dan<strong>do</strong>-se o <strong>de</strong>staque às relações heterossexuais, como sen<strong>do</strong> o único<br />

exercício legitima<strong>do</strong> <strong>de</strong> sexo, e que <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> casamento, com amor, para<br />

procriação e monogâmico; elementos extremamente importantes que mantêm o<br />

or<strong>de</strong>namento <strong>do</strong>s gêneros <strong>de</strong>ntro da estrutura social moral e sexual vigente<br />

(ZAMPIERE, 1996; WEEKS, 2001). Estes eixos constituem-se em um combustível<br />

muito inflamável para a epi<strong>de</strong>mia da AIDS.<br />

Há segun<strong>do</strong> Parker (1997), evidências <strong>de</strong> expressivas mudanças no sistema<br />

<strong>de</strong> significa<strong>do</strong>s sexuais, especialmente entre as classes média e alta. Mas, a <strong>de</strong>speito<br />

<strong>de</strong> tais mudanças, é importante enfatizar que os conceitos <strong>do</strong> machismo continuam<br />

funcionan<strong>do</strong> naquilo que se <strong>de</strong>screve no Brasil como classes populares, e que estes<br />

segmentos sociais <strong>de</strong> renda inferior somam a enorme maioria da população <strong>de</strong> um<br />

gran<strong>de</strong> país, avassala<strong>do</strong>ramente pobre. É precisamente nestes segmentos mais<br />

pobres, os quais se ressentem, cada vez mais, <strong>do</strong> crescente impacto da epi<strong>de</strong>mia,<br />

que esses mo<strong>de</strong>los tradicionais, e as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s fundamentais que implicam,<br />

encontram-se profundamente enraiza<strong>do</strong>s. E essa maneira peculiar <strong>de</strong> configurar<br />

gênero e sexualida<strong>de</strong> tem-se torna<strong>do</strong> problemática, sobretu<strong>do</strong> com a emergência da<br />

epi<strong>de</strong>mia da AIDS.<br />

Situar historicamente a hierarquia <strong>do</strong> gênero torna-se imprescindível, se<br />

nos recusarmos a tomar as questões <strong>do</strong> gênero como um fim em si mesmo. Ela<br />

passa a ser entendida como um sistema <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nadas culturais que os brasileiros<br />

têm usa<strong>do</strong>, tanto para estruturar a natureza <strong>de</strong> suas realida<strong>de</strong>s sexuais como para<br />

interpretar os significa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> suas práticas sexuais. Compreendi<strong>do</strong> por esse<br />

caminho, não como um fim em si mesmo, mas como uma estrutura <strong>de</strong>finida e<br />

articulada culturalmente para se pensar sobre a natureza da existência sexual, o<br />

sistema <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>s construí<strong>do</strong> em torno da hierarquia <strong>de</strong> gênero fornece uma<br />

excelente visão da vida sexual na socieda<strong>de</strong> brasileira.<br />

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