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a trajetória silenciosa de pessoas portadoras do hiv contada pela ...

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O contágio é uma das imagens mais fortes da idéia <strong>do</strong> outro como fonte <strong>de</strong> ameaça e<br />

perigo, suscitan<strong>do</strong> um me<strong>do</strong> genérico em que o contato é percebi<strong>do</strong> como possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> agressão. A noção <strong>de</strong> contágio está justamente relacionada a vivências <strong>de</strong> me<strong>do</strong>,<br />

exasperação, negação e rejeição <strong>do</strong> outro, lembran<strong>do</strong> as atitu<strong>de</strong>s antigas <strong>de</strong> populações<br />

ameaçadas <strong>pela</strong> peste como as <strong>de</strong> fuga, expurgos e isolamento (BOUDELAIS apud<br />

CZERESNIA, 1997, p.98).<br />

A incidência da contagiosida<strong>de</strong> da AIDS foi aguçada não apenas <strong>pela</strong> sua<br />

ligação aos grupos mais atingi<strong>do</strong>s, mas também aos mecanismos <strong>de</strong> transmissão<br />

como sangue e sexo, que, como via <strong>de</strong> mão dupla, retroalimentam-se e dão a idéia<br />

<strong>de</strong> que a AIDS representa um castigo ao comportamento transgressor, concebi<strong>do</strong><br />

como merece<strong>do</strong>r, pois foi provocada pelo próprio indivíduo como tal e como membro<br />

<strong>de</strong> algum ‘grupo <strong>de</strong> risco’ (SONTAG, 1989, p.56). Refere a autora que esta "categoria<br />

burocrática, aparentemente neutra, também ressuscita a idéia arcaica <strong>de</strong> uma<br />

comunida<strong>de</strong> poluída para a qual a <strong>do</strong>ença representa uma con<strong>de</strong>nação".<br />

Complementa que a ligação da AIDS com a transgressão, vinculan<strong>do</strong> ao<br />

conceito <strong>de</strong> peca<strong>do</strong>, castigo e culpa aqueles que a portavam, <strong>de</strong>u-se exatamente tal<br />

como à sífilis, encarada como <strong>do</strong>ença repulsiva, vista como algo diferente por ser<br />

uma <strong>do</strong>ença sexualmente transmissível, "...<strong>do</strong>ença imunda e contagiosa que havia<br />

(...) invadi<strong>do</strong> a humanida<strong>de</strong> em alguns lugares, e que posteriormente se espalhou<br />

por toda parte, que para punir a licenciosida<strong>de</strong> geral Deus instituiu esse mal"<br />

(PARACELSO apud SONTAG, 1989, p.55). Essas imagens da AIDS, partin<strong>do</strong>-se <strong>do</strong><br />

ponto <strong>de</strong> vista da construção <strong>do</strong> fenômeno social da <strong>do</strong>ença, estavam edificadas, e a<br />

<strong>do</strong>ença já era um <strong>do</strong>s elementos da vida cotidiana das <strong>pessoas</strong>, cujas construções<br />

estavam cristalizadas fixas e balizavam as relações sociais que se instauram a seu<br />

respeito (HERZLICH e PIERRET, 1992). Além das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> significação da AIDS, os<br />

discursos em relação a ela também se construíram em outros planos, adquirin<strong>do</strong> uma<br />

dimensão cultural e moral.<br />

A partir <strong>do</strong> verão <strong>de</strong> 1983, a AIDS <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong>finitivamente <strong>de</strong> ser um simples "mistério<br />

médico". O discurso que circula não a torna apenas objeto <strong>de</strong> lutas científicas e<br />

econômicas nunca dantes presenciadas; ela vai aparecer como motor <strong>de</strong> mudanças<br />

radicais no mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> vida e nos valores <strong>do</strong> fim <strong>do</strong> século XX, em particular no que diz<br />

respeito à liberda<strong>de</strong> sexual (HERZLICH e PIERRET, 1992, p.21).<br />

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