a trajetória silenciosa de pessoas portadoras do hiv contada pela ...

a trajetória silenciosa de pessoas portadoras do hiv contada pela ... a trajetória silenciosa de pessoas portadoras do hiv contada pela ...

ppgenf.ufpr.br
from ppgenf.ufpr.br More from this publisher
18.05.2013 Views

Os significados expressos pela AIDS não são de propriedade exclusiva da pessoa que porta a doença, ele perpassa aos familiares, à rede social e aos profissionais de saúde. Dessa forma, se o profissional de saúde não estiver preparado para assistir a pessoa portadora do HIV, o relacionamento entre ambos pode ficar comprometido, e esta situação inviabiliza o cuidado indo de encontro às necessidades das pessoas assistidas. Condição que se agrava porquanto os profissionais de saúde são ensinados pelo referencial positivista, no qual focalizam nos mecanismos biológicos da doença que são base para ação assistencial e cuidativa. Pouco se preocupam em decodificar os significados da doença, levando- os a um interesse mórbido em relação aos processos do corpo e a visão técnica reducionista e desumanizante da assistência oferecida. Em uma pesquisa realizada com profissionais de saúde que atendem AIDS, Martins (2002) refere que eles não recebem capacitações contínuas e permanentes, apenas treinamentos pontuais que não conseguem atingir as necessidades dos profissionais. O colaborador percebe que é preciso ir ao encontro ao sistema para brigar pelo seu direito de ser assistido na sua particularidade e peculiaridade, embora não se sinta fortalecido para enfrentar o que está ‘posto’, e assim recua. 139 Como hoje não me sinto fortalecido para brigar, até porque neste país a gente só consegue as coisas se brigar muito, não tô a fim, eu não quero isto para mim hoje, brigar tô fora! (colaborador 4) A despeito de os colaboradores estarem à margem do sistema oficial de atenção à saúde, todos têm clareza da necessidade do cuidado à sua saúde, no qual a alimentação toma um caráter de relevância, e o fazem conforme acreditam ser a melhor forma. Eu tenho feito o que posso, vou sempre ao posto de saúde quando tenho alguma coisa. Faço todos os exames que o posto manda, tomo os remédios que o médico me dá e procuro comer bem. (colaboradora 2)

140 Até me cuido, principalmente na minha alimentação, parei de fumar e beber. Acho que não levam a nada. E quanto as minhas transas, hoje, não transo mais sem camisinha, para proteger o outro e também para me proteger. (colaboradora 3) Sou uma pessoa que gosta muito de esporte, ando todos os dias para me exercitar e no final de semana jogo futebol com o pessoal do bairro. Cuido muito da minha alimentação. Na firma tem um bom restaurante e descobri que comer verduras e legumes verde escuro faz bem para o sistema imunológico, aí eu procuro comer essas coisas. Evito comida gordurosa, não fumo e só bebo de vez em quando, quando saio com meus amigos ou quando tem alguma festa. Sou um cara super pacato, por isso durmo cedo e não gosto de noitadas. (...) Transo sempre de camisinha. Têm uns caras que são meio loucos e que pedem para não usar, mas eu não quero nem saber, uso mesmo. Até porque não é só o HIV, também tem as doenças venéreas, e eu não quero mais pegar nada. (colaborador 4) Eu me cuido, como bem. (...) Camisinha uso sempre. (colaborador 5) Nesta categoria de análise, o depoimento destes colaboradores anônimos, mesmo que timidamente, vem questionar o modo como essas grandes estruturas institucionais chamadas 'sistemas' estão organizadas, não na sua concepção teórica que aponta para um modelo ‘ideal’ daquilo que se pensa que deva ser, mas, principalmente, como se evidenciam na prática. Estruturas de caráter impessoal, nas quais as pessoas tornam-se números e patologias que carregam, desconsiderando a necessidade do reconhecimento das especificidades culturais e sociais, e a manifestação da singularidade das pessoas e dos grupos de referência que congregam no conjunto de suas histórias vida, seus modos de viver, adoecer e morrer (MINAYO, 2004), aqui, no caso de AIDS. Esse pensamento não se aplica, evidentemente, apenas às pessoas que vivem com o HIV e a AIDS, mas a forma como o sistema é construído reflete a herança de uma ideologia, na qual: as representações dominantes em toda a sociedade são mediadas de forma muito peculiar pela corporação médica. Intelectual orgânico de classe dominante na construção da hegemonia que se expressa em torno do setor saúde, o médico é ao mesmo tempo o principal agente da prática e agente do conhecimento. Através de relações e de instituições legetimadoras de seus atos e discursos (...), o profissional médico reproduz de forma contraditória as concepções sobre o corpo, sobre a sociedade, sobre a saúde/doença, sobre a vida e a morte (MINAYO, 2004, p.180).

Os significa<strong>do</strong>s expressos <strong>pela</strong> AIDS não são <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> exclusiva da<br />

pessoa que porta a <strong>do</strong>ença, ele perpassa aos familiares, à re<strong>de</strong> social e aos<br />

profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Dessa forma, se o profissional <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> não estiver<br />

prepara<strong>do</strong> para assistir a pessoa porta<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> HIV, o relacionamento entre ambos<br />

po<strong>de</strong> ficar comprometi<strong>do</strong>, e esta situação inviabiliza o cuida<strong>do</strong> in<strong>do</strong> <strong>de</strong> encontro às<br />

necessida<strong>de</strong>s das <strong>pessoas</strong> assistidas. Condição que se agrava porquanto os<br />

profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> são ensina<strong>do</strong>s pelo referencial positivista, no qual focalizam<br />

nos mecanismos biológicos da <strong>do</strong>ença que são base para ação assistencial e<br />

cuidativa. Pouco se preocupam em <strong>de</strong>codificar os significa<strong>do</strong>s da <strong>do</strong>ença, levan<strong>do</strong>-<br />

os a um interesse mórbi<strong>do</strong> em relação aos processos <strong>do</strong> corpo e a visão técnica<br />

reducionista e <strong>de</strong>sumanizante da assistência oferecida.<br />

Em uma pesquisa realizada com profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que aten<strong>de</strong>m AIDS,<br />

Martins (2002) refere que eles não recebem capacitações contínuas e permanentes,<br />

apenas treinamentos pontuais que não conseguem atingir as necessida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s<br />

profissionais.<br />

O colabora<strong>do</strong>r percebe que é preciso ir ao encontro ao sistema para brigar<br />

pelo seu direito <strong>de</strong> ser assisti<strong>do</strong> na sua particularida<strong>de</strong> e peculiarida<strong>de</strong>, embora não<br />

se sinta fortaleci<strong>do</strong> para enfrentar o que está ‘posto’, e assim recua.<br />

139<br />

Como hoje não me sinto fortaleci<strong>do</strong> para brigar, até porque neste país a gente só<br />

consegue as coisas se brigar muito, não tô a fim, eu não quero isto para mim hoje,<br />

brigar tô fora! (colabora<strong>do</strong>r 4)<br />

A <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> os colabora<strong>do</strong>res estarem à margem <strong>do</strong> sistema oficial <strong>de</strong><br />

atenção à saú<strong>de</strong>, to<strong>do</strong>s têm clareza da necessida<strong>de</strong> <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> à sua saú<strong>de</strong>, no<br />

qual a alimentação toma um caráter <strong>de</strong> relevância, e o fazem conforme acreditam<br />

ser a melhor forma.<br />

Eu tenho feito o que posso, vou sempre ao posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> quan<strong>do</strong> tenho alguma<br />

coisa. Faço to<strong>do</strong>s os exames que o posto manda, tomo os remédios que o médico<br />

me dá e procuro comer bem. (colabora<strong>do</strong>ra 2)

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!