a trajetória silenciosa de pessoas portadoras do hiv contada pela ...
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Destaco, ainda, a questão sobre o receio da quebra do sigilo, apontada pelo primeiro colaborador: 137 Sei (...) que tem gente que visita a casa da gente, se fossem na minha casa e falassem de mim para os meus pais? Não, eu prefiro não facilitar, e (...) não me arriscar, e resolvi não ir (à Unidade Básica de Saúde próxima a sua casa). (colaborador 1) O quarto colaborador mostra com seu relato o modo como a profissional de saúde lhe atendeu, e a forma como a mesma reagiu quando falou de sua sorologia. Ele relata: ...fiquei sabendo que os postos de saúde podem tratar o HIV. Até cheguei a ir naquele que fica perto da minha casa, fui num dia de minha folga. Naquele dia não tinha consulta, aí me passaram para falar com a enfermeira. Ela me recebeu muito bem, foi super simpática comigo e me levou até uma sala para conversarmos. Me perguntou o que eu sentia, e disse que naquele momento eu estava bem, disse que tinha ido apenas para receber informações sobre o tratamento do HIV, por que eu estava com o vírus. Foi muito engraçado, pois a moça mudou da água para o vinho. Senti que ela se retraiu e começou a me fazer perguntas de ordem muito íntima, tipo: como eu tinha me infectado, quem era a pessoa, se eu só transava de camisinha, e que se eu sabia como pegava o HIV, porque não usei o preservativo? Me senti naquela hora como se estivesse em um tribunal e de novo recebendo um sentença de culpado, e pior invadido por alguém que sequer disse o seu nome e que me perguntava tantas coisas da minha vida, que eu tenho certeza que naquela hora não fariam nenhuma diferença para mim, talvez fizessem para ela! (colaborador 4) Interessante observar que o modo como a profissional de saúde invadiu sua privacidade questionando a forma como havia se infectado revela a visão preconceituosa do discurso biomédico no qual o portador do HIV oscila de vítima a vilão da epidemia da AIDS (TERTO JR., 1996). Esta situação traz como pano de fundo o desconforto que a epidemia da AIDS trouxe para o discurso biomédico, quando os profissionais de saúde diante de uma sexualidade tida como perversa e o uso de drogas ilícitas, situações polêmicas recheadas de tabus para as quais não se encontravam preparados, uma vez que elas não vinham sendo objeto de reflexão para o saber das ciências biomédicas (CAMARGO JR., 1994).
Ainda que o HIV possa atingir qualquer pessoa, uma vez que em algum momento de nossas vidas tenhamos um certo grau de vulnerabilidade à infecção pelo vírus, a dos homossexuais está ainda mais reforçada pelo estigma, pela posição de discriminação e marginalização do homossexual na sociedade, como refere Terto Jr. (1996, p.97). Segue o autor dizendo que: 138 sabe-se que indivíduos com baixa auto-estima, ou com medo de discriminação ou sob pressão de preconceito não buscam ajuda ou tratamento adequado, seja por medo ou por negligência consigo ou com os outros. Ainda são freqüentes os casos de pessoas que não procuram os serviços de saúde, onde atitudes homofóbicas dos profissionais podem submeter os pacientes a situações constrangedoras. Outro fator importante que gostaria de pontuar é que o quarto colaborador chegou a ir até a Unidade Básica de Saúde próxima a sua casa, mas o fato de não ter sido bem recebido e reconhecido nas suas reais necessidades fez com que se afastasse e não voltasse nem para falar com o médico do serviço. Trabalhos sobre ‘adesão’ comprovam que a forma como o usuário é acolhido, o vínculo entre usuário e o serviço que o assiste é de essencial importância para a adesão ao acompanhamento de sua infecção (TEIXEIRA et al., 2000). ...sei que saí dali e não voltei mais, nem mesmo para conversar com o médico. (colaborador 4) Denuncia, ainda, a falta de preparo dos profissionais para lhe atender e dar informações necessárias à sua condição de saúde e de outras opções para ser acompanhado, bem como a burocracia para ser encaminhado diretamente a um médico especialista, e que na essência parece trazer o desejo de querer ficar anônimo, como pontua um colaborador no final de sua fala. Às vezes tenho vontade de saber como está o HIV no meu corpo, mas não sei onde posso ir. Não sei onde posso fazer este exame e naquele postinho eu não volto. Acho que as pessoas que trabalham lá não estão preparadas para atender as pessoas que têm HIV. Queria ir direto num especialista (...). Acho uma burocracia e burrice ter que ir a um clínico só para ele te dizer que você tem que tratar o HIV e me encaminhar a um especialista. (...) Gostaria de ir a um local onde eu ficasse anônimo, que ninguém me conhecesse. (colaborador 4)
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Destaco, ainda, a questão sobre o receio da quebra <strong>do</strong> sigilo, apontada<br />
pelo primeiro colabora<strong>do</strong>r:<br />
137<br />
Sei (...) que tem gente que visita a casa da gente, se fossem na minha casa e<br />
falassem <strong>de</strong> mim para os meus pais? Não, eu prefiro não facilitar, e (...) não me<br />
arriscar, e resolvi não ir (à Unida<strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> próxima a sua casa).<br />
(colabora<strong>do</strong>r 1)<br />
O quarto colabora<strong>do</strong>r mostra com seu relato o mo<strong>do</strong> como a profissional <strong>de</strong><br />
saú<strong>de</strong> lhe aten<strong>de</strong>u, e a forma como a mesma reagiu quan<strong>do</strong> falou <strong>de</strong> sua sorologia.<br />
Ele relata:<br />
...fiquei saben<strong>do</strong> que os postos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m tratar o HIV. Até cheguei a ir<br />
naquele que fica perto da minha casa, fui num dia <strong>de</strong> minha folga. Naquele dia<br />
não tinha consulta, aí me passaram para falar com a enfermeira. Ela me recebeu<br />
muito bem, foi super simpática comigo e me levou até uma sala para<br />
conversarmos. Me perguntou o que eu sentia, e disse que naquele momento eu<br />
estava bem, disse que tinha i<strong>do</strong> apenas para receber informações sobre o<br />
tratamento <strong>do</strong> HIV, por que eu estava com o vírus. Foi muito engraça<strong>do</strong>, pois a<br />
moça mu<strong>do</strong>u da água para o vinho. Senti que ela se retraiu e começou a me fazer<br />
perguntas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m muito íntima, tipo: como eu tinha me infecta<strong>do</strong>, quem era a<br />
pessoa, se eu só transava <strong>de</strong> camisinha, e que se eu sabia como pegava o HIV,<br />
porque não usei o preservativo? Me senti naquela hora como se estivesse em um<br />
tribunal e <strong>de</strong> novo receben<strong>do</strong> um sentença <strong>de</strong> culpa<strong>do</strong>, e pior invadi<strong>do</strong> por alguém<br />
que sequer disse o seu nome e que me perguntava tantas coisas da minha vida,<br />
que eu tenho certeza que naquela hora não fariam nenhuma diferença para mim,<br />
talvez fizessem para ela! (colabora<strong>do</strong>r 4)<br />
Interessante observar que o mo<strong>do</strong> como a profissional <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> invadiu<br />
sua privacida<strong>de</strong> questionan<strong>do</strong> a forma como havia se infecta<strong>do</strong> revela a visão<br />
preconceituosa <strong>do</strong> discurso biomédico no qual o porta<strong>do</strong>r <strong>do</strong> HIV oscila <strong>de</strong> vítima a<br />
vilão da epi<strong>de</strong>mia da AIDS (TERTO JR., 1996). Esta situação traz como pano <strong>de</strong><br />
fun<strong>do</strong> o <strong>de</strong>sconforto que a epi<strong>de</strong>mia da AIDS trouxe para o discurso biomédico,<br />
quan<strong>do</strong> os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> diante <strong>de</strong> uma sexualida<strong>de</strong> tida como perversa e o<br />
uso <strong>de</strong> drogas ilícitas, situações polêmicas recheadas <strong>de</strong> tabus para as quais não se<br />
encontravam prepara<strong>do</strong>s, uma vez que elas não vinham sen<strong>do</strong> objeto <strong>de</strong> reflexão<br />
para o saber das ciências biomédicas (CAMARGO JR., 1994).