a trajetória silenciosa de pessoas portadoras do hiv contada pela ...
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A idéia de estar com o HIV ou com AIDS desenvolve um processo de eqüivalência entre a doença e a homossexualidade, no qual a pessoa procura uma explicação para buscar ali a razão ou mesmo a justificativa para seu mal. 133 Ter AIDS significa que vou sofrer, ficar com aquela cara de aidético! E que todos vão me olhar e dizer – Olhe lá o M., ele está com AIDS, só podia, também o cara é veado. (...) As pessoas associam que um homem que tem HIV ele é gay. (...) Agora que tenho AIDS, tenho certeza que irão confirmar que sou gay. (colaborador 1) A concretude da doença envolve períodos de reflexão sobre sua vida íntima e de querer esconder a doença de todos, de digerir a dor que é só sua e de se ver só diante da fatalidade. Não é fácil ter HIV. Ele faz a gente repensar muito toda a nossa vida. (...) Sou uma pessoa muito reservada, não gosto de falar de mim, principalmente sobre coisas tão íntimas. Tive experiências ruins. Aprendi a ficar mais calado, porque assim não escuto coisas que não quero escutar. (...) Na minha família nem imaginam sobre a minha opção sexual, imagine se souberem que tenho o HIV. (...) Sei que se eu contar vão sofrer, e não quero ser culpado deste sofrimento. (colaborador 4) Por trás do fato de esconder a doença, talvez esteja a simples revelação da culpa por ter falhado duplamente diante da família – por ser homossexual e por ter se infectado. A mensagem subliminar é que o homem que adquiriu o HIV falhou porque não cuidou o suficiente para dissimular sua homossexualidade; processo que começa desde o momento que a pessoa descobre a pulsão por outro homem. Silva (1986) alude que esse ato visa menos esconder a homossexualidade do que salvaguardar o desejo da família de ter um filho viril. Quanto a meus pais, Deus me livre que eles imaginem uma coisa dessas, acho que me deserdam ou então o meu pai tem um infarto e a minha mãe morre de desilusão. Na minha família tem uma enorme cobrança para que me case, quer dizer, nem imaginam sobre a minha opção sexual. (colaborador 4) Quando era mais jovem havia cobranças de namoradas, até cheguei a levar umas meninas lá para casa, mas eram apenas amigas, mas eles [os pais] não sabiam disso. Depois resolvi parar de inventar situações e não levei mais ninguém, e eles
134 também pararam de cobrar. (...) Gostaria muito de estar mais perto da minha família, mas ao mesmo tempo não consigo porque eles não aceitariam que sou gay e que tenho o vírus da AIDS. (...) Meus pais são muito velhinhos e foram criados com uma moral muito rígida e acho que não suportariam a notícia. (...) tenho medo de fazer mamãe sofrer, sabe ela é muito velhinha e não quero dar essa decepção á ela. (colaborador 1) A despeito de a AIDS revelar os fantasmas que estavam adormecidos, e desmistificar a homossexualidade demovendo-a do jugo dos segredos, das alcovas e das penumbras, ela lembra o importante papel da família como auditório interno que regula os dispositivos da sexualidade, no qual inscreve um grande controle social (SILVA, 1986). Embora a família desconfie da homossexualidade ou da AIDS de um de seus membros, estes assuntos ainda são regidos pelo código do silêncio: não se fala da homossexualidade, nem da AIDS. Nunca abri isto para os meus pais, mas eu penso e sinto que eles já sabem, mas não comentam. Nunca falamos sobre isto, e acho que (...) eles desconfiam. (colaborador 1) Ainda não me sinto preparado para isto [falar com seus pais sobre a sua homossexualidade e o HIV]. Acho que quando acontecer [adoecer de AIDS] vou abrir a minha vida, eu não estou preparado para falar, nem eles preparados para ouvir. (colaborador 4) Segundo Silva (1986), a dissimulação desses fatos tanto por parte daquele que vive a homossexualidade ou com a AIDS, como por parte de sua família, parece ser um jogo que visa menos evitar a dor de uma nova condição existencial (a AIDS) para ambos, do que ocultar uma falha que cada um parece tomar como sua. A autora prossegue seu pensamento, dizendo que a família finge não perceber a orientação sexual do filho porque, no seu imaginário, ela também falhou. Falhou na sua educação, facilitando, assim, as condições que o tornaram homossexual. No relato que se sucede, o primeiro colaborador demonstra que diante do desejo de iniciar o acompanhamento de sua infecção em um serviço de saúde, pensa na família que freqüenta o mesmo serviço e questiona a possibilidade que
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A idéia <strong>de</strong> estar com o HIV ou com AIDS <strong>de</strong>senvolve um processo <strong>de</strong><br />
eqüivalência entre a <strong>do</strong>ença e a homossexualida<strong>de</strong>, no qual a pessoa procura uma<br />
explicação para buscar ali a razão ou mesmo a justificativa para seu mal.<br />
133<br />
Ter AIDS significa que vou sofrer, ficar com aquela cara <strong>de</strong> aidético! E que to<strong>do</strong>s<br />
vão me olhar e dizer – Olhe lá o M., ele está com AIDS, só podia, também o cara<br />
é vea<strong>do</strong>. (...) As <strong>pessoas</strong> associam que um homem que tem HIV ele é gay. (...)<br />
Agora que tenho AIDS, tenho certeza que irão confirmar que sou gay.<br />
(colabora<strong>do</strong>r 1)<br />
A concretu<strong>de</strong> da <strong>do</strong>ença envolve perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong> reflexão sobre sua vida<br />
íntima e <strong>de</strong> querer escon<strong>de</strong>r a <strong>do</strong>ença <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> digerir a <strong>do</strong>r que é só sua e <strong>de</strong><br />
se ver só diante da fatalida<strong>de</strong>.<br />
Não é fácil ter HIV. Ele faz a gente repensar muito toda a nossa vida. (...) Sou<br />
uma pessoa muito reservada, não gosto <strong>de</strong> falar <strong>de</strong> mim, principalmente sobre<br />
coisas tão íntimas. Tive experiências ruins. Aprendi a ficar mais cala<strong>do</strong>, porque<br />
assim não escuto coisas que não quero escutar. (...) Na minha família nem<br />
imaginam sobre a minha opção sexual, imagine se souberem que tenho o HIV.<br />
(...) Sei que se eu contar vão sofrer, e não quero ser culpa<strong>do</strong> <strong>de</strong>ste sofrimento.<br />
(colabora<strong>do</strong>r 4)<br />
Por trás <strong>do</strong> fato <strong>de</strong> escon<strong>de</strong>r a <strong>do</strong>ença, talvez esteja a simples revelação<br />
da culpa por ter falha<strong>do</strong> duplamente diante da família – por ser homossexual e por<br />
ter se infecta<strong>do</strong>. A mensagem subliminar é que o homem que adquiriu o HIV falhou<br />
porque não cui<strong>do</strong>u o suficiente para dissimular sua homossexualida<strong>de</strong>; processo que<br />
começa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento que a pessoa <strong>de</strong>scobre a pulsão por outro homem. Silva<br />
(1986) alu<strong>de</strong> que esse ato visa menos escon<strong>de</strong>r a homossexualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> que<br />
salvaguardar o <strong>de</strong>sejo da família <strong>de</strong> ter um filho viril.<br />
Quanto a meus pais, Deus me livre que eles imaginem uma coisa <strong>de</strong>ssas, acho<br />
que me <strong>de</strong>serdam ou então o meu pai tem um infarto e a minha mãe morre <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>silusão. Na minha família tem uma enorme cobrança para que me case, quer<br />
dizer, nem imaginam sobre a minha opção sexual. (colabora<strong>do</strong>r 4)<br />
Quan<strong>do</strong> era mais jovem havia cobranças <strong>de</strong> namoradas, até cheguei a levar umas<br />
meninas lá para casa, mas eram apenas amigas, mas eles [os pais] não sabiam<br />
disso. Depois resolvi parar <strong>de</strong> inventar situações e não levei mais ninguém, e eles