a trajetória silenciosa de pessoas portadoras do hiv contada pela ...
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Reitero tais conceitos, porque é possível perceber a partir da fala <strong>do</strong>s<br />
colabora<strong>do</strong>res, a força <strong>do</strong>s preceitos familiares e das concepções religiosas que se<br />
interpõem nas vivências da homossexualida<strong>de</strong> e <strong>do</strong> HIV e da AIDS, e que revelam a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ocultação da orientação sexual, as culpas diante da infecção, muitas<br />
vezes associadas à noção <strong>de</strong> peca<strong>do</strong>, causan<strong>do</strong> intensos sofrimentos.<br />
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Nunca abri isto para os meus pais. (...) Não sei o que é mais difícil dizer que sou<br />
gay ou se tenho o HIV. (colabora<strong>do</strong>r 1)<br />
Ao questionar o colabora<strong>do</strong>r acima sobre como percebia a sua infecção, o<br />
mesmo trouxe importantes representações <strong>de</strong> castigo e peca<strong>do</strong> relaciona<strong>do</strong>s ao<br />
exercício <strong>de</strong> sua homossexualida<strong>de</strong>.<br />
Um castigo <strong>de</strong> algo que eu fiz, mas não sei ao certo o que é. Sei lá <strong>de</strong>vo ter<br />
peca<strong>do</strong>, e muito! (...) Por ser gay e gostar <strong>de</strong> homens, acho que só po<strong>de</strong> ser isto<br />
[olhos encheram-se <strong>de</strong> lágrimas e a voz ficou tremula]. (colabora<strong>do</strong>r 1)<br />
Continua o seu <strong>de</strong>poimento reportan<strong>do</strong>-se à ocasião que recebeu seu<br />
diagnóstico, reavivan<strong>do</strong> a experiência <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> carrega<strong>do</strong> <strong>de</strong> angústia. Exprime a<br />
idéia <strong>de</strong> que a vida combina com a provação <strong>de</strong> seus atos e aceita isto com resignação.<br />
Nessa hora eu voltei no tempo e me vi no confessionário daquele padre e revivi o<br />
momento que ele me disse que era um perverti<strong>do</strong>, que eu estava cometen<strong>do</strong> um<br />
<strong>do</strong>s maiores peca<strong>do</strong>s e que Deus jamais me per<strong>do</strong>aria! E eu acho que este foi o<br />
castigo <strong>de</strong> Deus! Me vi, então, sen<strong>do</strong> puni<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>s os meus <strong>de</strong>sejos<br />
pecaminosos [por gostar <strong>de</strong> homens]. De certa forma aceito minha condição e<br />
sofro cala<strong>do</strong>, pois este é o meu <strong>de</strong>stino, acho que estou pagan<strong>do</strong> pelos meus<br />
peca<strong>do</strong>s. (colabora<strong>do</strong>r 4)<br />
Esses valores estão tão inculca<strong>do</strong>s na sua condição existencial que<br />
paralisam qualquer possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudança, como ele refere:<br />
Eu até tento [mudar], mas acho que os valores que a minha família [foi cria<strong>do</strong> na<br />
religião católica] passou são maiores que os meus próprios convencimentos. Sinto<br />
que sou refém <strong>de</strong>sta criação e por mais que tente não consigo me <strong>de</strong>svencilhar<br />
<strong>de</strong>les. (colabora<strong>do</strong>r 4)