a trajetória silenciosa de pessoas portadoras do hiv contada pela ...
a trajetória silenciosa de pessoas portadoras do hiv contada pela ... a trajetória silenciosa de pessoas portadoras do hiv contada pela ...
posso ter, e uma mulher que não pode ter filhos não é mulher [chorou muito]. 129 O meu maior sonho era ter filhos, com a AIDS, tudo desmoronou, eu acho que é o meu destino... (colaboradora 3) Estamos diante do retrato da história de muitas mulheres. É a história do sexo masculino que cumpre seu papel legitimado pela sociedade, e à mulher é reservado um papel dominado, passivo, contemplativo – e pior, de tentação permanente. A ela é proibida toda e qualquer iniciativa, fonte de pecados impagáveis, pois como diz Parker (1991), quando existe pecado no sul do equador, ele é a mulher. Depois, a vida segue seu curso com a dolorosa história de que deve suportar em silêncio, porquanto este é o destino das mulheres, pois nascem para o sacrifício, e cabe ao homem exigir seus direitos, delegando os deveres à mulher (MARTIN-BARÓ, 1983). No processo de constituição de mulher e de homem, segundo Louro (2001), ocorre um investimento continuado e produtivo dos sujeitos – ainda que nem sempre de forma evidente e consciente –, visando à determinação de suas formas de ver ou vivenciar a sua sexualidade e seu gênero. Apesar de todas as oscilações, contradições e fragilidades que marcam o investimento cultural de uma sociedade, ela busca intencionalmente, ‘fixar’ uma identidade masculina ou feminina ‘normal’ e duradoura. Esse intento acaba articulando as identidades ditas ‘normais’, a um único modelo de identidade sexual, qual seja: a identidade heterossexual que é concebida como ‘natural’, ‘universal’ e ‘normal’. Nesse sentido, mesmo que aparentemente, supõe-se que todos os sujeitos tenham uma inclinação inata para eleger como objeto de seu desejo, como parceiro de seus afetos e de seus jogos sexuais alguém do sexo oposto. Conseqüentemente, outras formas de sexualidade são constituídas como antinaturais, peculiares e anormais (LOURO, 2001). Visto que a linguagem da sexualidade que define as identidades é avassaladoramente heterossexual, as coisas se complicam para aqueles e aquelas que se percebem com interesses e desejos distintos da norma heterossexual. Esses sujeitos serão, então, considerados os ‘outros’ sujeitos sociais que se tornarão ‘marcados’, definidos e denominados a partir de uma referência normativa. Deste
modo, os gays e as lésbicas serão descritos como desviantes e, conseqüentemente, não admitidos, tolerados e aceitos por romperem com a norma. Por conseguinte, o que lhes resta são poucas alternativas como: o silêncio, a dissimulação ou a segregação. Assim, a produção da heterossexualidade é acompanhada pela rejeição da homossexualidade, que se expressa, muitas vezes, por declarada homofobia 23 (LOURO, 2001). No que tange à cultura brasileira, a mesma constrói um modelo de relacionamentos homoeróticos edificados num modelo hierárquico que destaca a diferença entre atividade e passividade, ligado à oposição de macho e fêmea, tão adequado ao machismo latino-americano. Esta matriz remete ao juízo de que numa relação homossexual existiria necessariamente aquele que penetra, o ativo, o homem, com status social mais elevado, e aquele que é penetrado, o passivo, o viado, a ‘fêmea’, socialmente desprezível (TERTO JR., 1996). Logo, temos na nossa cultura: 130 ...uma efeminação do homossexual, considerado como passivo porque submeter-se-ia ao intercurso anal. O homossexual masculino é constituído como sendo desvirilizado, uma espécie de animal fêmea que não pertence às categorias masculinas e femininas definidas como normais. As relações sexuais entre homens são estruturadas seguindo as mesmas linhas realizadas entre homem e mulher, ou seja, em termos de sexo e poder (ZAMPIERE, 1996, p.75). Esses significados foram e são tão impregnados na produção da identidade homossexual que podem passam a expressar a ‘essência’ do sujeito, marcando profunda e definitivamente a sua trajetória de vida. A situação se complica ainda mais quando surge a epidemia da AIDS, na qual formam os homossexuais as primeiras pessoas identificadas com a doença. Desta maneira, a epidemia e suas conseqüências tornam-se um marco histórico na vida dos homossexuais, tanto do 23 Termo que significa medo intenso aos homossexuais e do seu comportamento, como também o medo de se perceber homossexual (ANDERSON e GOLDENSON, 1989).
- Page 87 and 88: cotidiano, julgadas relevantes para
- Page 89 and 90: superar fronteiras entre ciência e
- Page 91 and 92: sistemas sociais, com o objetivo de
- Page 93 and 94: Centros de Orientação e Apoio Sor
- Page 95 and 96: atuam em serviços de saúde, por s
- Page 97 and 98: nossa sociedade, o preconceito e a
- Page 99 and 100: E para sanar essas dificuldades, to
- Page 101 and 102: como imagem-objetivo do Plano Munic
- Page 103 and 104: CAPÍTULO 5 POR QUE E COMO OUVIR: O
- Page 105 and 106: a percepção do passado como algo
- Page 107 and 108: viva e empolgante, mas muito mais v
- Page 109 and 110: e comunicação, além do meu próp
- Page 111 and 112: ação do investigador, mas também
- Page 113 and 114: Colaboradora 2 L.R.S., mulher, 25 a
- Page 115 and 116: achava que tinha algo de estranho c
- Page 117 and 118: A análise de conteúdo permite ao
- Page 119 and 120: CAPÍTULO 6 O DESCORTINAR DOS RESUL
- Page 121 and 122: da unanimidade médica no que se re
- Page 123 and 124: aceita e estimada pelo grupo, dista
- Page 125 and 126: As pessoas que têm uma doença inc
- Page 127 and 128: 118 Não consigo mais me relacionar
- Page 129 and 130: Porém, algum tempo depois, resolve
- Page 131 and 132: Essa questão pode estar relacionad
- Page 133 and 134: quando falamos de homens e mulheres
- Page 135 and 136: Quando se refere ao fato de o marid
- Page 137: Quando ficou sabendo de sua soropos
- Page 141 and 142: Reitero tais conceitos, porque é p
- Page 143 and 144: 134 também pararam de cobrar. (...
- Page 145 and 146: entendido, e quais as respostas soc
- Page 147 and 148: Ainda que o HIV possa atingir qualq
- Page 149 and 150: 140 Até me cuido, principalmente n
- Page 151 and 152: organizado sob uma compreensão din
- Page 153 and 154: CONCLUINDO O PERCURSO ANALÍTICO 14
- Page 155 and 156: na qual parece prevalecer Thánatos
- Page 157 and 158: expressão". Resignam-se, pois crê
- Page 159 and 160: para sustentar esta característica
- Page 161 and 162: possibilita imergir para dentro de
- Page 163 and 164: REFERÊNCIAS ALMEIDA, M. R. C. B.;
- Page 165 and 166: CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Funda
- Page 167 and 168: MEIHY, J. C. S. B. Manual de histó
- Page 169 and 170: THOMPSON, P. A voz do passado: hist
- Page 171 and 172: APÊNDICE 1 TERMO DE CONSENTIMENTO
- Page 173: APÊNDICE 2 PERGUNTAS NORTEADORAS 1
mo<strong>do</strong>, os gays e as lésbicas serão <strong>de</strong>scritos como <strong>de</strong>sviantes e, conseqüentemente,<br />
não admiti<strong>do</strong>s, tolera<strong>do</strong>s e aceitos por romperem com a norma. Por conseguinte, o<br />
que lhes resta são poucas alternativas como: o silêncio, a dissimulação ou a<br />
segregação. Assim, a produção da heterossexualida<strong>de</strong> é acompanhada <strong>pela</strong><br />
rejeição da homossexualida<strong>de</strong>, que se expressa, muitas vezes, por <strong>de</strong>clarada<br />
homofobia 23 (LOURO, 2001).<br />
No que tange à cultura brasileira, a mesma constrói um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
relacionamentos homoeróticos edifica<strong>do</strong>s num mo<strong>de</strong>lo hierárquico que <strong>de</strong>staca a<br />
diferença entre ativida<strong>de</strong> e passivida<strong>de</strong>, liga<strong>do</strong> à oposição <strong>de</strong> macho e fêmea, tão<br />
a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> ao machismo latino-americano. Esta matriz remete ao juízo <strong>de</strong> que numa<br />
relação homossexual existiria necessariamente aquele que penetra, o ativo, o<br />
homem, com status social mais eleva<strong>do</strong>, e aquele que é penetra<strong>do</strong>, o passivo, o<br />
via<strong>do</strong>, a ‘fêmea’, socialmente <strong>de</strong>sprezível (TERTO JR., 1996).<br />
Logo, temos na nossa cultura:<br />
130<br />
...uma efeminação <strong>do</strong> homossexual, consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> como passivo porque submeter-se-ia ao<br />
intercurso anal. O homossexual masculino é constituí<strong>do</strong> como sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>sviriliza<strong>do</strong>, uma<br />
espécie <strong>de</strong> animal fêmea que não pertence às categorias masculinas e femininas<br />
<strong>de</strong>finidas como normais. As relações sexuais entre homens são estruturadas seguin<strong>do</strong> as<br />
mesmas linhas realizadas entre homem e mulher, ou seja, em termos <strong>de</strong> sexo e po<strong>de</strong>r<br />
(ZAMPIERE, 1996, p.75).<br />
Esses significa<strong>do</strong>s foram e são tão impregna<strong>do</strong>s na produção da<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> homossexual que po<strong>de</strong>m passam a expressar a ‘essência’ <strong>do</strong> sujeito,<br />
marcan<strong>do</strong> profunda e <strong>de</strong>finitivamente a sua <strong>trajetória</strong> <strong>de</strong> vida. A situação se complica<br />
ainda mais quan<strong>do</strong> surge a epi<strong>de</strong>mia da AIDS, na qual formam os homossexuais as<br />
primeiras <strong>pessoas</strong> i<strong>de</strong>ntificadas com a <strong>do</strong>ença. Desta maneira, a epi<strong>de</strong>mia e suas<br />
conseqüências tornam-se um marco histórico na vida <strong>do</strong>s homossexuais, tanto <strong>do</strong><br />
23 Termo que significa me<strong>do</strong> intenso aos homossexuais e <strong>do</strong> seu comportamento, como também o<br />
me<strong>do</strong> <strong>de</strong> se perceber homossexual (ANDERSON e GOLDENSON, 1989).